Capítulo 4

Ele me levou a uma cafeteria próxima ao estúdio. Um local simples, porém, aconchegante com mesas na parte da frente e, nos fundos, alguns sofás. No canto direito, bem ao lado do balcão, revistas e livros foram disponibilizados para os clientes. As paredes brancas com detalhes em creme serviam de apoio para vários quadros com figuras de sucos, doces e lanches.

O ambiente estava praticamente vazio e os poucos frequentadores se misturavam com o aroma do café, com o tilintar de louças sendo lavadas e as vozes sussurradas da TV. Sentamo-nos na última mesa, um de frente ao outro. Gustavo pediu um suco com pão de queijo e eu pedi o meu básico, café puro. Não tinha fome e, graças ao meu nervosismo, comer era a última coisa que conseguiria fazer.

Outra vez a conversa transcorreu de forma natural. Contou-me um pouco mais sobre a sua profissão, a época da faculdade e sobre o filho, de quem tinha muito orgulho. Ele o descrevia como um menino muito educado, carinhoso e bastante esperto. Falou-me ainda que morava com a mãe e o via a cada quinze dias, mas que sentia saudade dele o tempo todo.

Cheguei a questionar o porquê de não o visitar com mais frequência, no entanto, sua resposta se limitou a uma simples frase: “é complicado”. Depois, peguei a deixa e comecei a contar sobre as minhas crianças. A felicidade de ser mãe. Discorri a respeito dos meus irmãos e dos meus pais. Cheguei até a confessar que me casei grávida e de como fora um susto para minha família. Entretanto, em nenhum momento, o assunto casamento entrou na conversa. Gustavo também preferiu ignorar o tema.

Disse-me que era filho único e que sentia inveja por eu ter uma família grande. Sempre pediu à sua mãe um irmão, mas ela não quis. Gustavo revelou-me que ficou casado por três anos e quando se separou, Mateus ainda era um bebê de um ano. Comentou sobre o falecimento dos seus pais, que morava sozinho e, às vezes, frequentava a academia quando tinha tempo e vontade. Ao se levantar para ir ao banheiro, claro dei uma bela e discreta olhada. Não possuía porte atlético, mas tudo parecia no lugar.

Ficamos no bate-papo por quase duas horas, mas ignoramos o assunto, ou melhor, o motivo que nos levou àquele café. Estava com receio de me abrir ou talvez, começar a fazer as muitas perguntas que nos rondavam e acabar com o momento. Para quem nos olhasse, veria apenas dois amigos conversando, entretanto, nosso envolvimento ia além, estávamos nos conectando de alguma forma.

Durante aquelas horas esqueci da vida e deixei-me levar, ser somente a” Fabiana” de antes, sem responsabilidades e compromissos.

 — Preciso ir. — Não queria, mas necessitava ir embora assim que conferi o relógio.

— Tudo bem, também tenho que voltar. Tenho mais um cliente para atender. — Se levantou e foi ao caixa pagar a conta.

— Nós ficamos aqui bastante tempo e se alguém te procurou? — falei, andando ao seu lado, tentando, em vão, lhe entregar o dinheiro para pagar o meu café.

— Ninguém iria me procurar, já tinha separado esse horário para a gente. — Deu um sorriso presunçoso.

— E se eu não aceitasse o convite?

— Era um risco que estava disposto a correr.

 Saímos do café e ele me acompanhou até o carro. Fizemos o pequeno percurso em silêncio. Mãos não foram dadas, nem nos entreolhamos e, confesso, fiquei um pouco decepcionada, mas sabia que era o melhor. Andávamos por um terreno perigoso.

— Bom, chegamos. — Disfarcei abrindo a bolsa para pegar a chave. Não queria que visse o quanto tremia.

— Fabi... — Colocou a mão sobre o meu ombro me virando para ele. Nossos olhares travados pelo medo e carregados de desejo. Havia tanto naquele matiz negro, uma miríade de emoções. — Qualquer problema com a tatuagem é só me ligar.

— Pode deixar. Obrigada mais uma vez — Respirei fundo, criando coragem antes de continuar. — Por tudo.

— Não precisa me agradecer.

Gustavo foi chegando mais perto, mais perto e eu quase entrei em pânico. Sabe aquelas cenas que aparecem nos filmes, em que o mocinho vai se aproximando da mocinha e a gente tem a certeza de que virá um beijo digno de cinema?

Foi exatamente daquele jeito. Mas como a vida não é tão simples, nada aconteceu. Ele se aproximou, e me deu um longo beijo casto na bochecha. Encostar o meu rosto no dele foi ainda melhor do que segurar a sua mão, pude sentir o calor de seu corpo e inalar o seu aroma. Nada além toque.

Meus braços estavam na lateral do meu corpo e me controlei ao máximo para não os levantar e puxá-lo para mais perto. Nenhum dos dois queria se afastar, mas era preciso. Outra vez, ele deu o primeiro passo, pois eu não tinha forças e nenhum controle sobre mim.

Afastou-se fixando sua atenção em mim e o mundo ao nosso redor desapareceu. Enxerguei através dos seus olhos o desejo e a luta para não se entregar naquela hora. Sou sincera em falar que, se ele tivesse me beijado, ficaria assustada e, muito provavelmente, não iria me distanciar. Eu almejava descobri-lo por inteiro.

 — Adeus, Fabiana. — A voz rouca me trouxe de volta ao presente.

— Adeus, Gustavo. — Entrei no carro, dei a partida e saí o mais rápido que consegui. Olhei pelo retrovisor, ele estava lá parado, desejando-me.

Depois de alguns minutos liguei o rádio, tocava Heart – All I Wanna do Is Make Love to You e, a partir da letra explícita na canção, as lágrimas vieram sem qualquer controle. Chorei por não tê-lo conhecido antes, por sentir aquela atração avassaladora, por raiva de mim mesma, por ter sido fraca e ido àquela sessão, por fazer o meu marido sofrer sem que ele soubesse, por meus filhos e por tudo aquilo que não poderia acontecer. Prometi que faria o possível e o impossível para esquecê-lo. Só não sabia que seria tão difícil.

                                                            **********

Quando estava bem próxima de chegar à casa da Rita, parei o carro e tentei me recompor. Não queria que ela percebesse que eu havia chorado. Tinha medo do seu julgamento. Pensei em ligar e avisar da minha presença, assim as crianças já me esperariam na porta e não haveria necessidade de eu entrar. Mas compreendia que cedo ou tarde, teria que enfrentá-la. Por essa razão, criei coragem, desci do carro e toquei a campainha.

— Oi, Fabi! Chegou na hora certa, o jantar está quase pronto.  Vocês ficarão para comer, certo? — falou, assim que abriu a porta e me abraçou.

— Claro, com certeza. E as crianças?

— Estão na sala jogando videogame. Espere? O que aconteceu? Você andou chorando? — Ela me parou no meio do caminho, me olhando mais atentamente. E sua postura protetora foi o suficiente para desabar. O meu limite se perdeu e, por mais que não quisesse, precisava desabafar com alguém.

— Ah, Rita! — esbocei, antes de começar a chorar.

Ela me levou para a cozinha, fechou a porta e me amparou em seus braços. Não perguntou nada até eu me acalmar. Nós duas tínhamos a mesma idade e sempre fomos amigas, antes mesmo dela ser casada com o meu irmão. Na realidade nos conhecemos desde a faculdade, eu os apresentei em uma festa. Torci muito por eles e cheguei até a ajudar o Alexandre a conquistá-la. Tinha certeza de que podia contar com ela, mas será que me entenderia? Resolvi me arriscar confessando tudo, desde o começo.

Os olhares, o toque, as primeiras mentiras e até o meu desejo em beijá-lo. Enquanto discorria, Rita guardou silêncio e, quando terminei, a encarei com medo.

— Ah, Fabiana! Meu Deus! Como foi se meter em uma enrascada dessa? Você não está feliz no seu casamento? Não sabia que passavam por problemas. Por que não me contou?

As perguntas de Rita saiam sem controle, igualmente a minha necessidade em explicar que a minha vida não possuía nada fora do lugar.

— Não estamos com problemas. Sou muito feliz no meu casamento, mas o que senti quando conheci o Gustavo mexeu comigo! Não sei o que aconteceu. E nem por quê. — Ela começou a andar de um lado para o outro, aparentemente tão nervosa quanto eu.

— Caramba, Fabi. O que foi que você fez?

— Rita, eu não fiz nada! Pelo amor de Deus, acha mesmo que procurei por isso? Acredita que não estou desesperada? Que é fácil ficar perto dele, me sentir diferente e única parecendo uma adolescente? — Elevei a voz, ofendida com suas palavras. Será que ela não conseguia perceber o meu desespero, por sentir ou até mesmo pensar em ter algo a mais com o Gustavo?

Rita me encarou, começou a relaxar a sua postura e, por alguns minutos, não disse nada.

— Tudo bem... — disse e antes de continuar fez uma pausa. — Acho que sei pelo que está passando. Porque mesmo depois de tanto tempo ao lado do seu irmão, ainda sinto borboletas no meu estômago todas às vezes que ele chega. Imagino o seu sofrimento. Fabi, te conheço muito bem, me desculpe por duvidar de você, sei que sempre foi uma mulher decidida e dedicada à família. Nunca iria se abater se não fosse forte o suficiente para mexer com você. Minha querida, não fique assim. — Comecei a chorar outra vez, simplesmente não conseguia me controlar. — A pergunta é: o que vai fazer agora?

 — Nada.

 — Tem certeza? Será que consegue tirar esse sentimento do peito? Será que essa loucura não faz parte de uma curiosidade? Talvez esteja só envolvida pelo mistério, pela atenção que recebeu.

— Rita, não sei, mas não posso desistir da minha vida, dos meus filhos, por algo incerto. Não o conheço e nem sei a extensão dos meus sentimentos. Na realidade, estou confusa e o meu coração também. Farei de tudo para esquecê-lo. — Tentei passar uma convicção que não possuía.

Depois da minha confissão, pedi que não falássemos mais sobre o assunto e muito menos tocasse no nome do Gustavo. Rita relutou um pouco, pois queria me aconselhar ou até mesmo tentar me fazer entender melhor a minha bagunça, porém, refutei. Não aguentava mais chorar, iria esquecê-lo e começaria o quanto antes.

Doce ilusão, não chorar mais, algo impossível quando se está sofrendo, não é mesmo? Bom, eu achava que conseguiria. A gente sempre tem o hábito de achar um monte de coisas, no entanto, tudo serve somente para mascarar a realidade. O quanto somos idiotas por não encarar a verdade e os problemas. Porque eu tinha um problema e achei que a solução fosse abandoná-lo, mas não era.

Hoje, agradeço por ter fugido e esperado o momento certo para tomar uma decisão. Se tivesse agido impulsivamente desde o início de toda essa história, a culpa me esmagaria por completo.

Tivemos um jantar agradável, eu, as crianças, Alexandre e a Rita. Fiz o máximo para participar e ela me ajudou várias vezes, para que ninguém percebesse o quanto eu não desejava estar ali.

Chegamos em casa por volta das dez da noite, meu marido ainda não estava, e dei graças por isso. As crianças foram tomar banho e depois para cama. Dei beijos e abraços em todos, li uma história para Nicole e a coloquei para dormir.

Saí do quarto deles e me encaminhei para o banho. Ali, escondida e segura através da porta fechada, desabei mais uma vez. Entre as lágrimas de puro sofrimento, pedi a Deus o seu perdão, que me ajudasse e me guiasse pelo caminho certo.

Nunca fui muito adepta a calmantes, mas, naquela noite, precisava dormir. Não queria enfrentar o meu marido, pois sabia que assim que me visse perceberia que tinha algo errado. Nós sempre tivemos aquela sintonia ou, pelo menos, eu acreditava que fosse dessa forma. Sabia quando tinha um problema e vice-versa. Por essa razão, tomei um remédio, coloquei o relógio para despertar, deixei um bilhete para ele de boa-noite e me deitei.

Mesmo com a medicação correndo por minhas veias, o sono demorou a chegar e, quando veio, estava repleto de cenas daquele dia. Sonhei com o Gustavo, com as nossas conversas, com a sala da tatuagem e com o café. Quase pude senti-lo ali comigo. Conseguia até lembrar a música que tocava no iPod: Eric ClaptonWonderful Tonight.

No sonho, ele me dizia algo que ainda não tinha pensado antes: “você nunca me esquecerá. Sabe como sei? Porque todas às vezes que olhar para a sua tatuagem, se lembrará de mim. Eu te marquei para resto das nossas vidas”.

Acordei assustada e molhada de suor, foi tão nítido o que disse, parecia até que estava ao meu lado. Olhei para a cabeceira da cama e verifiquei as horas. Ainda era cedo, mesmo assim me levantei, o sonho perturbador não conseguiria me deixar dormir. Antes de sair da cama, virei-me e vi o meu marido dormindo. A culpa me assolou, ele não merecia e nem meus filhos.

Quando tirei a roupa para tomar banho e clarear a mente, me amaldiçoei, pois, o Gustavo estava certo. Nunca o esqueceria e nem poderia. A lembrança dele estava marcada na minha pele. Olhei para a tatuagem e encontrei graça numa piada quase inexistente, a peça que o destino estava me pregando, ao me dar conta que a frase que escolhi no livro Falling Into You – Jasinda Wilder. Na ocasião, ela fora totalmente aleatória, mas talvez não tenha sido ao acaso. Pois, a partir daquele momento, precisaria de força para aprender a viver apesar da dor.

Durante o banho, fiz mais promessas que não cumpriria. Iria esquecê-lo e seguiria com a minha escolha. Tinha um ótimo casamento, um marido que me amava, filhos que precisavam da mãe presente e concentrada. Não me deixaria levar simplesmente por uma atração, uma luxúria. Mesmo sabendo que não era somente isso, me convenci que nada mudaria na minha vida. Será? Depois percebi que passei muito tempo pensando só besteira.

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