Capítulo 9 - Uma nova guerra

“Cada dia é algo único. Procure vivê-lo intensamente!”

Sara Aster.

O dia passou rápido. Arrumei minhas coisas para a manhã que seria meu primeiro dia de aula. Daniel e eu passamos a tarde juntos assistindo filmes e debatendo sobre a personalidade de cada personagem. Mas a noite passada não saía da minha cabeça. O que eu tinha na cabeça pra ter agido daquela forma? Pior, o que tinha dado em mim pra eu ter falado aquilo?

Tiffany passou o dia junto conosco. Fiquei surpresa por não ter tido trabalho com ela. Percebi que o que Daniel falou sobre malteses serem medrosos e gostarem de passar a maior parte do tempo no colo de seus donos era verdade. Vimos vários filmes enquanto ela dormia sobre a minha barriga.

E então segunda-feira chegou. Não dormi direito, isso é óbvio. Acordei um pouco mais cedo do que Daniel disse que eu precisaria. Queria me arrumar com calma e ainda tinha que pensar em como falar para Marisa o motivo de não ter ido comigo comprar o meu material, como havíamos combinado. A rainha do drama estava indignada.

Coloquei o uniforme, peguei minha pasta e fui para a cozinha. Tiffany me seguiu mesmo ainda sendo seis e vinte da manhã. Daniel já estava lá, tomando seu café e conversando com Mercedes.

– Bom dia, Elisa! Dormiu bem? – disse com um sorriso.

– Na medida do possível sim. – falei. – Tô preocupada em saber como vou convencer a Marisa de que eu não a chamei pra fazer compras com a gente porque foi tudo de última hora. – sentei-me de frente pra ele.

– Não se preocupe. Conheço a Marisa, ela nem deve mais se lembrar disso. – sorriu.

– Tem certeza? – perguntei.

– Absoluta. Agora coma, precisamos ir logo. – falou enquanto dava o último gole em seu café e subia para pegar suas coisas.

– Aqui está, querida. – disse Mercedes colocando um copo de vitamina na minha frente e um monte de coisa pra comer.

Enquanto terminava minha refeição, observava Daniel entrar na cozinha com seu material. Ele era lindo e muito charmoso. Isso não deixava eu me esquecer que teria que me controlar pra não transparecer nenhum fiasco de ciúme quando as meninas ficassem olhando pra ele quase babando, jogassem indiretas e dessem em cima dele. Teria que por em prática toda Yoga que um dia eu não fiz. O pior de tudo era a sensação de ser uma pessoa doentia por pensar nesse tipo de coisa.

– Vamos? – Daniel falou me tirando de meus pensamentos.

– Claro. – dei um último gole na vitamina e peguei minha mochila.

– Te espero no carro, tá? – disse ele.

– Tudo bem. – sorri.

Escovei os dentes, coloquei um perfume, retoquei a maquiagem e fui me despedir de Tiffany. Foi um pouco complicado sair porque ela me seguia, mas despistei-a e entrei no carro do meu irmão que já estava ligado esperando por mim. Logo estávamos indo em direção à escola.

Depois que eu pude pensar, reparei que estava no carro do meu irmão. Estar com ele era o de menos, o problema era que o carro dele chamava muita atenção, o que eu não queria. Já bastava ter um instinto natural a ser o alvo do ódio comum.

– Por que a gente tá indo com um Camaro pra escola? – perguntei.

– Hã, porque é o meu carro...? Desde o primeiro dia de aula eu vou pra faculdade com ele. – falou.

– Um carro desse tipo não chama muita atenção não? Pensei que a gente fosse com um carro menos... chamativo.

– Elisa, não se preocupe. Você não precisa ficar com medo de chamar muita atenção, esse carro é só mais um naquele campus. Agora, se eu fosse você me preocuparia com a Marisa.

– Por que com a Marisa?

– Bom, digamos que às vezes a Marisa é um pouco... histérica demais. – percebi que ele se segurava pra não rir.

– Acho que já consegui perceber isso. Já estou prevendo que ela faça algo constrangedor. – não queria nem imaginar o que ela poderia fazer.

Passamos o resto do caminho conversando sobre história. Daniel já estava me irritando. Ele insistia que sabia mais do que eu, que queria ser restauradora de antiguidades e sabia tudo sobre história. Passamos a viagem toda discutindo sobre Iluminismo e absolutismo, algo que eu tinha aprendido há uns quatro anos atrás.

- Daniel, para de ser teimoso e aceita que você está errado!

- Eu errado? Você ainda precisa estudar bastante pra chegar ao meu nível!

- Você estuda o corpo humano, não o que ele faz em sociedade! Teimoso!

- Cabeça dura!

- Eu diria correta. – ele me encarou sério, mas eu sorri fazendo com que ficasse quieto.

Quando chegamos no campus, Daniel estacionou no lugar mais movimentado possível. Eu estava com um leve frio na barriga e morrendo de medo. Eu tinha medo de que me olhassem estranho, que me odiassem por eu ser simplesmente quem eu era.

- Vamos? – Daniel chamou.

Pegamos nossas coisas e saímos do carro. As pessoas começaram a olhar pra mim, umas com cara de nojo, outras com cara de “Quem é essa?” e alguns com curiosidade. Eu sentia meu rosto queimar, queria enfiar a cara num buraco e ficar por lá um tempo. Sentia minhas mãos suadas e tremendo.

Demos uns dez passos e vi Marisa, que por sinal fez um escândalo.

– AMIGA! – gritou enquanto corria em minha direção de braços abertos.

Quando chegou bem perto, pulou em meu colo colocando as pernas na minha cintura e os braços em volta do meu pescoço. Quase que eu caí de joelhos no chão. Ela não era tão pesada, mas também não era nenhuma pena. Eu queria morrer e queria levar Marisa junto comigo.

– Daniel, me ajuda! – falei com o pouco ar que me restava.

Ele começou a rir e ainda em meio aos risos segurou Marisa pela cintura e a puxou como se fosse um bicho preguiça. Após Marisa se acalmar e a vida voltar pra mim, fomos em direção aos nossos prédios, que por coincidência eram um ao lado do outro.

– E aí, Lis? Ansiosa para o primeiro dia de aula? Com medo de não ser aceita pelo outros? Preocupada em não dar vexame? – aquelas perguntas me deixavam mais nervosa do que eu já estava. Meu estômago já começava a embrulhar e eu só queria esfregar a cara da Marisa no asfalto.

– Marisa, Elisa não precisa de você pra deixá-la mais nervosa. – Daniel falou num tom de estresse exatamente como eu teria falado. Acho que éramos mais parecidos do que eu pensava. Ou Marisa com suas perguntas eram algo em comum que nos irritava.

– Certo. Então vocês fiquem aí que eu vou buscar o Gabriel. – falou enquanto corria em direção a um grupo de pessoas que conversavam sentados embaixo de uma árvore.

– Quem é Gabriel? – perguntei.

– Gabriel é um amigo nosso. Na verdade mais da Marisa, ela anda com ele pra cima e pra baixo quando não estamos juntos. Ele é do mesmo ano que você. – explicava Daniel enquanto íamos nos juntar a Marisa.

Quando estávamos nos aproximado do grupo, Marisa começou a puxar um garoto para nossa direção. Ele andava tranquilo. Tinha os cabelos loiros que cobriam seus olhos de um verde penetrante e um sorriso encantador que era ao mesmo tempo sedutor.

– Bom dia, gente. – falou em um tom de sonolência.

– Bom dia, Gabriel. Ainda está dormindo? – brincou Daniel.

– Provavelmente. Fui dormir tarde ontem por causa do infeliz do professor de história que passou uma pesquisa pra gente fazer. – disse em meio aos bocejos.

– Bom, mudando de assunto, eu te arrastei pra cá, pra te apresentar minha amiga que a partir de hoje é sua amiga também. Essa é Elisa Loren. Ela é da mesma turma que você. – Marisa colocou-nos frente a frente.

– É um prazer conhecê-la. – sorriu e apertou minha mão. – Nervosa com o primeiro dia?

– Um pouco. – falei enquanto cumprimentava meu colega de classe e correspondia ao seu sorriso.

– Depois das palavras encorajadoras de Marisa se ela não estivesse nervosa eu me surpreenderia. – Daniel jogou uma direta, mas Marisa pareceu não se importar.

– Então... vamos, Elisa? – Gabriel falou. – Não vai querer chegar atrasada em seu primeiro dia de aula, não é?

Sorri e me despedi de Daniel e Marisa. Fomos para o nosso prédio que até que era bonitinho. As salas tinham ar condicionado, as carteiras eram espaçosas e era uma ou outra que tinha rabiscos na mesa. Não havia lixo algum no chão e as coisas eram bem organizadas. De início, pensei que estivesse em algum universo alternativo, porque as escolas normais não eram assim, até que Gabriel me explicou que viriam inspecionar o campus, prédio por prédio, então os diretores de cada escola estavam fazendo essa mágica.

Minha sala tinha janelas dos dois lados por ser a última do corredor. Em uma janela se via o pátio interno da escola e na outra o campus. O quadro era grande e ocupava a parede inteira. As cadeiras estavam enfileiradas e alguns alunos já estavam na sala, outros ainda chegavam. Sentei perto da janela que dava para o resto do campus e Gabriel acomodou-se na cadeira de trás.

Enquanto o professor não chegava, ele me dizia em quais assuntos eles haviam parado nas matérias. Percebi que estava adiantava em relação a eles, bem adiantada. Mas não por causa da escola, e sim pelo tempo que eu passava estudando. Já sabia a maioria das matérias de cor. Ele me explicou também como funcionavam as regras da escola e como se comportar na aula de cada professor. Gabriel comentava comigo sobre sua pesquisa quando a pessoa que me ensinaria história entrou na sala.

Houve a mesma cerimônia de sempre de quando se é novo na escola. Mas o interessante é que as pessoas passavam a me olhar diferente quando descobriam que Daniel era meu irmão. Um bando de interesseiros e sempre sendo as garotas, óbvio. Gabriel apresentou seu trabalho, que por sinal ficou muito bom e os outros alunos fizeram o mesmo.

As outras aulas foram a mesma monotonia de primeiro dia de volta às aulas. Todos os professores só corrigiram exercícios passados durante as férias e me encheram de deveres. Mas posso dizer que me dei melhor com eles do que com os alunos. Não suportava aquela falsidade a minha volta. Um bando de cobras. Talvez fosse melhor ter ficado na antiga escola.

Assim que nos dispensaram para o intervalo fiquei aliviada, pois poderia ver Daniel e Marisa. Peguei minha pasta e fui para uma árvore em frente aos dois prédios. Sentei no chão apoiando as costas no tronco da palmeira, peguei o livro que estava lendo e mergulhei no universo proposto em Entrevista com Vampiro.

Não consegui ler o suficiente para que não precisasse ficar esperando como uma idiota Daniel e Marisa serem dispensados. Parecia que algumas pessoas tinham deixado a educação guardada no armário e outras pude constatar que precisavam voltar para a creche. Decidi então adiantar os trabalhos que os professores haviam passado. Parece que os deveres surtiram efeito, porque eu mal consegui pensar direito na resposta do trabalho de física e Marisa já vinha na minha direção.

– E aí? Como foi seu dia até agora? – perguntou, sentando-se ao meu lado.

– Suportável. As matérias que os professores passaram eu já sei, mas aí eles me encheram de trabalho.

– Típico deles. Isso porque você ainda não viu os meus. – rimos. – Mas e o Gabriel? Ele te deixou sozinha? Não te ajudou em alguma coisa? Pode falar que eu arrebento ele!

– Você? Batendo em alguém? Marisa, eu sei que você é meio hiperativa, mas você não mata nem mosca com medo de quebrar a unha! – comecei a rir.

– Não se preocupe. O Gabriel é exceção. Fora que eu já to acostumada a bater nele. – brincou. - Mas e aí? Já se acostumou com as garotas dando em cima do seu irmão? – por um momento eu havia esquecido esse pequeno grande detalhe.

– Nunca vou me acostumar. Essas garotas são um bando de cobras! Uma mais interesseira que a outra! E ainda por cima acham que eu sou idiota o suficiente pra entregar o Daniel de mão beijada pra elas!

– Tem razão, amiga, ele é seu e de mais ninguém! – eu já estava abrindo a boca pra dizer que ela tinha razão quando me toquei no que ela tinha falado.

– Desculpa, o que você disse? – ela não respondeu, apenas sorriu e balançou a cabeça de um lado pro outro. Será que ela sabia de algo? Voltei a me concentrar no exercício de física até que Marisa começou a falar.

– Odeio essa garota! – pude sentir o ódio em sua voz.

– Mas por quê?

– Ela me tira do sério. Não sei porque Daniel ainda dá atenção a ela. – Assim que ela tocou no nome do meu irmão olhei pra frente a sua procura e pude ver que conversava com uma garota que só faltava se esfregar nele.

Ver aquela cena fez com que o ódio corresse em minhas veias. Minha visão ficou embaçada, mas não me incomodei. Daniel sorria meio sem graça e ela se aproximava dele cada vez mais. Até que começou a brincar com os botões da blusa dele. A partir desse momento eu já não ouvia nada do que Marisa dizia.

– Elisa. – Marisa me despertou do transe após me cutucar umas cinco vezes.

– O quê? Ah, sim. Que chato, né? – nem sabia o que ela tinha falado, mas usei o meu método de concordar com tudo. Era o que eu fazia com as crianças quando não entendia o que elas diziam.

– Você não faz a menor ideia do que eu acabei de falar, não é? – perguntou.

– Me desculpe. Eu acabei me distraindo com outra coisa.

– Eu percebi.

– Percebeu? – perguntei assustada.

– Amiga, você quebrou seu lápis com uma mão só, e não parava de olhar pro seu irmão! E eu que pensava que ninguém odiaria mais a Tiffany do que eu! – riu.

– Tiffany? Esse é o nome dela? – fiz menção com a cabeça na direção da garota que se engraçava para Daniel.

– Sim. Eu estava te falando sobre ela agora pouco. Mas acho que seus ciúmes tamparam seus ouvidos.

– Ciúmes? – comecei a ficar sem graça. – Do que você está falando, menina? Ficou maluca?

– Amiga, eu posso ter cara de idiota, agir como idiota, falar como idiota, pensar como idiota, mas eu não sou idiota... ou sou? Ah, você me entendeu! Elisa, ninguém olha o Daniel do jeito que você olha! Seus olhos brilham quando ele chega. Eu sei que você gosta dele.

– Claro que eu gosto! Ele é meu irmão! – tentei enganá-la.

– Você sabe que não é esse tipo de gostar que eu estou falando. Você entendeu muito bem o que eu disse! Tá na cara que você quer aquele corpinho. – senti minhas bochechas queimarem.

Pensei em desmentir, mas sabia que não aguentaria passar por tudo sozinha. Eu queria contar pra alguém, mas tinha medo que as pessoas me rejeitassem ou fizessem algum tipo de chantagem, o que não suportava mais. Só que ao ouvir Marisa dizer tudo aquilo, senti que poderia confiar nela. Na verdade, eu não tinha muitas opções; era ela ou ninguém.

– Parabéns, Marisa. Você não é tão idiota quanto parece. – dei um sorriso triste.

– Ei! Quer morrer, garota? – brincou.

– Não vai me falar que isso é errado, que eu preciso esquecê-lo e que isso é nojento?– mudei o assunto.

– Não. Por que eu faria isso? Por que eu destruiria a coisa mais pura que pode existir? Por que eu acabaria com um amor tão... verdadeiro?

– Você diz como se tudo fosse fácil.

- Elisa, meu primeiro namorado foi um primo distante que era meu professor de equitação. Eu sei que não é fácil.

- Mas ele é meu irmão, esqueceu?

– Não. Mas se um amor surgiu em condições tão impossíveis, você acha que ele seria esquecido facilmente? E Elisa, você é minha amiga. Quando eu tiver que te apoiar eu vou te apoiar, quando tiver que te bater eu também vou te bater. Sempre tomo minhas decisões com base no que eu acho certo e errado. E sinceramente, não acho que amar seja errado.

– Não vai sentir repulsa em estar comigo ou algo do tipo? – perguntei meio receosa. As coisas não poderiam ser tão fáceis.

– Claro que não, bobinha! Você vai ser minha amiga não importa o que aconteça e eu vou estar sempre ao seu lado! – ela me abraçou.

Fiquei olhando na direção de Daniel e percebi que ele olhava sutilmente pra nós de minuto em minuto.

– Marisa, por que Daniel olha tanto pra cá? – quando ela olhou pra ele, Daniel deu uma leve piscada pra minha amiga. Pensei que fosse ficar com ciúmes, mas não fiquei.

– Um, nove, três. – disse Marisa.

– O quê?

– Pedido de socorro. Toda vez que Daniel precisa ser salvo de alguma garota desesperada eu chego para salvá-lo. Ele pisca pra mim quando precisa sair de situações embaraçosas. – dizia enquanto se levantava. – Vou resgatá-lo e já volto. Trate de se recompor enquanto isso.

– Tudo bem.

Marisa praticamente chegou chegando. Ela foi correndo e quando chegou bem perto de Tiffany, bateu seu quadril no dela. Automaticamente a garota foi jogada um pouco pro lado. Marisa abraçou Daniel pelo pescoço e dobrou os joelhos se pendurando nele. Depois de um minuto ela se soltou e começou a falar com Tiffany. Até que Daniel teve que impedir o início de uma briga entre as duas. Ele pegou Marisa pelo pulso e começou a puxá-la pra onde eu estava sentada. Eu só conseguia rir daquela cena.

Quando chegaram perto de mim, Daniel soltou-a e começou a falar:

– Marisa, eu sei que você não gosta dela, mas precisa dar um show desses?

– De nada por ter te salvado daquela maluca. – falou num tom irônico.

– Afinal, por que você odeia tanto ela e você pediu um help se estava feliz há minutos atrás? – falei apontando para cada um ao fazer a pergunta que deveriam responder.

– Eu respondo. - disse minha amiga. - Tiffany é apaixonada pelo Daniel desde... sempre. Mas enfim, ela vivia dando em cima dele até que um dia eles acabaram ficando. Mas apesar de todos acharem ela a garota mais linda e atraente desse muquifo, meu querido amigo tem pelo menos um pouco de juízo e não sente nada por ela. Só que Daniel fez o serviço tão bem, que agora a garota vive correndo atrás dele. E como ele não sabe ser indelicado com as damas, dá confiança pra aquela espécie mal feita de gente. E eu a odeio simplesmente porque ela se acha, é arrogante, pisa nos outros, é egoísta, perturba minha vida e...

– Roubou o namoradinho dela. – completou Daniel.

Eu não sabia o que fazer. Mas acabei me juntando a Marisa. Eu havia passado a odiar aquela garota também. Meu ódio foi tanto ao saber que ela já havia beijado Daniel que eu achei que minha amiga devia ter no mínimo espancado ela.

– Tiffany... – aquele nome me lembrou uma coisa muito interessante. – Tiffany...

– Amiga, você já disse isso. – falou Marisa.

– Eu sei. É que eu lembrei de uma coisa. Gente, Tiffany é o nome da minha cachorrinha; nossa filha e sua afilhada. – nós três pensamos por um segundo e então começamos a rir.

– Que ironia, não? – disse Daniel. – Acho que agora toda vez que eu olhar pra ela vou lembrar da Tiffany.

– Não podemos deixar que isso aconteça. Precisamos diferenciar as duas. – falei.

– Que tal Tiffany 1 e Tiffany 2? – falou Daniel.

– Hum... que tal Tiffany pra minha afilhada e cópia mal feita para a cópia mal feita. – falou Marisa.

– Ótimo, perfeito! Amei a ideia! –falei.

– Elisa? – Daniel disse num tom de desaprovação.

– Que foi? Algum problema? Você eu não sei, mas eu vou chamá-la assim. – por incrível que pareça Daniel só sorriu e sentou-se ao meu lado segurando minha mão.

– Que seja, então. Quem sou eu pra discutir com vocês duas. Mas procurem não chamá-la assim na frente dela, OK?

Não dissemos nada, apenas rimos, mas Daniel não insistiu. Passamos o resto do intervalo conversando. Daniel havia percebido meu lápis quebrado, mas inventei uma desculpa qualquer. Ele pode não ter acreditado, mas não tocou mais no assunto e era isso que eu queria. Depois de uns trinta minutos o sinal tocou e voltamos para nossos prédios. Tive mais três aulas e depois esperei Daniel na saída.

Fiquei conversando com Gabriel enquanto as pessoas que, em pouco tempo haviam se tornado as mais importantes da minha vida, não apareciam. Daniel foi o primeiro a sair. Ele parou onde estávamos e cumprimentou Gabriel enquanto envolvia-me pela cintura. Com certeza eu corei. Era como se Daniel quisesse mostrar a ele que eu já tinha dono. Acho que eu já estava começando a delirar. Isso é mau...

Logo após, Marisa chegou. E eu fiquei muito grata por isso, já que o clima não estava um dos melhores. Nos despedimos de Marisa e Gabriel que foram juntos pra casa por morarem perto, e eu e Daniel seguimos em direção ao estacionamento, que já estava deserto. Pelo trajeto até o Camaro, pude ver que a maioria dos carros eram bem mais simples que o dele.

– “Elisa, não se preocupe. Você não precisa ficar com medo de chamar muita atenção, esse carro é só mais um naquele campus.” – repeti o que ele havia falado mais cedo. – Ainda bem que ele é só mais um. Imagina se chamasse atenção! – falei ironicamente, encostando-me no Camaro.

– Tudo bem, eu admito, meu carro chama um pouco mais de atenção que os outros. – disse, erguendo as mãos como se estivesse sendo rendido.

– Um pouco? – falei arqueando uma sobrancelha.

– Muito. – admitiu. - Olha, eu sei que o que eu paguei por esse carro dava pra comprar dois de qualquer modelo dos que estão aqui. Se bobear até três. Mas entenda, não queria que você ficasse mais nervosa do que já estava. E também não viria com nenhum carro que não fosse o meu. – dizia chegando mais perto de mim. – Está chateada comigo?

– Não. Só fiz uma observação. – ele sorriu a poucos centímetros do meu rosto.

Cada vez que ele se aproximava mais eu perdia o controle de alguma parte do corpo. Primeiro foram minhas bochechas que ficaram super vermelhas. Depois minhas mãos, que começaram a suar. Logo após minhas pernas, que ficaram bambas. Foi tão rápido que quando eu me dei conta de que Daniel estava a alguns milímetros da minha boca, fiquei tonta. Mas aí foi demais pra mim, então acabei desmaiando em seus braços.

Acordei no banco da frente de seu carro. Daniel estava concentrado na estrada, fiquei olhando- o por alguns segundos, até que ele percebeu que eu havia retomado a consciência.

– Você me deu um susto, sabia? – seu tom de voz era bem sério. Daniel estava tão lindo que só assimilei suas palavras após algum tempo.

– Pardons me. – disse.

– Elisa, não falo italiano, ok? Se você quer dizer algo que queira que eu entenda, então diga ao menos em inglês.

– Sorry. – falei.

– Por que me pede desculpas? Não há motivos pra você dizer isso. A não ser que você esteja se desculpando por ficar jogando na cara que fala italiano. Mesmo assim seu curso ainda não terminou.

– Tudo bem, se você não gosta que eu fale em italiano, prefere o que? Francês ou inglês. – ri.

– Tanto faz. Eu também sei. – sorriu vitorioso. - Você não é a única que pode jogar sua fluência em outros idiomas na cara dos outros.

– Eu não jogo na cara dos outros que sou poliglota. Na verdade não jogo nada na cara de ninguém. Ao contrário de você, que só sabe falar das garotas que beijam o chão onde você passa e de suas qualidades perfeitas.

– Mas eu não faço isso. Elisa, está com ciúmes? – perguntou, em meio a um sorriso.

– E-e-e-eu? Ciúmes? Não seja ridículo, Daniel! Por que eu teria ciúmes do meu irmão? – não fazia a menor ideia do que responder. Claro que não diria a verdade. Tudo menos a verdade, pelo menos nas minhas circunstâncias.

– Tem razão. Por que você sentiria ciúmes do próprio irmão? – ele sorriu novamente, mas agora era um sorriso tristonho.

Passamos o resto do caminho em silêncio. Ao chegar em casa fui direto para meu quarto com Tiffany me seguindo. Só aquela bolinha branca conseguia me distrair de meus problemas. Tomei um banho pra relaxar e fui lanchar. Mamãe estava no escritório, provavelmente desenhando alguma linha nova de roupas e Tom em uma reunião. Daniel ficou em seu quarto fazendo alguma coisa que eu não fazia a menor ideia do que fosse.

Após terminar de almoçar, fiz todos os trabalhos de casa que os professores haviam passado. Os “maravilhosos “ exercícios tomaram minha tarde toda, só terminei lá pelas seis horas da tarde. Depois que finalmente consegui acabar, arrumei as coisas para o dia seguinte e fui dar a atenção que minha princesinha merecia.

Tiffany era ótima. Seu passatempo preferido era ficar no meu colo. O que me permitia ler meus livros e dar atenção a ela. Estava tão cansada por causa do dia cheio de surpresas que eu tive, que acabei dormindo enquanto lia meu livro.

Mas uma coisa eu sabia, a vida ainda teria muita coisa para me ensinar.

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