Capítulo 3 - Desafio Dantesco

"Por mais simples que sejam os momentos eles se tornam únicos e inesquecíveis se compartilhados com aqueles que amamos."

Sara Aster.

Naquela noite eu não dormi. Eu me sentia parte do Cirque du Soleil de tanto me contorcer na cama. Sempre que eu fechava os olhos a imagem de Daniel sorrindo

vinha a minha mente e meu coração disparava, sentia um frio na barriga e um aperto no peito.

Minha querida Elisa.

Aquela frase ficava ecoando na minha mente. Ninguém nunca havia me dado um beijo de boa noite ou me tratado com tanto carinho. Ele era diferente e me fazia sentir diferente perto dele. Mas eu não deveria me sentir assim, deveria? Afinal, Daniel era meu irmão, um irmão que mais parecia um primo distante, mas que mesmo assim tinha o mesmo sangue que o meu correndo em suas veias.

Levantei antes do Sol. Tomei um banho bem demorado esperando que assim o tempo pudesse passar. Vesti uma calça jeans já que o tempo estava moderadamente frio, coloquei uma blusa fina de manga comprida e uma bota sem salto. Não sentia necessidade de me arrumar como se fosse para uma festa pra ficar em casa, mas minha mãe exigia que eu estivesse sempre impecável no visual, principalmente depois que nós nos mudamos. Ela me disse que se algum dia me visse desleixada andando pela casa acabava com a minha raça. E ela o faria. Dei um jeito no cabelo, escovei meus dentes e desci para tomar o café da manhã. Ao chegar na cozinha procurei por Daniel mas não o encontrei, achei somente uma senhora cozinhando algo no fogão.

– Com licença, bom dia. A senhora por acaso sabe onde Daniel está? – perguntei.

– Bom dia. Você é a senhorita Elisa?

– Sim, sou eu.

– Muito prazer, me chamo Mercedes. Sou a empregada do Tom. Daniel pediu para lhe avisar que ele está no campo atrás da casa.

– O que ele está fazendo lá?

– Provavelmente cavalgando. - disse indiferente, como se isso acontecesse todo dia.

– Como assim cavalgando? Aqui tem estábulo?

– Sim. Daniel e o senhor Tom gostam de cavalgar, eles fizeram questão de construir um estábulo e comprar os cavalos. Pra minha sorte são eles que cuidam dos animais. Aqueles dois sempre tem umas ideias que acabam sobrando pra mim. Mas enfim, o que você quer comer?

– Pode ser uma vitamina de morango com pão integral?

– Mas é claro! - disse com um sorriso.

– E como Daniel é? – perguntei enquanto me sentava.

– Ah, Daniel é um amor. Sempre que pode me ajuda na cozinha. Às vezes o ensino a fazer alguns pratos. Ele também é muito estudioso. Logo percebe-se que ele tem amor pelo que faz. Com certeza será um ótimo médico! Ele se preocupa muito com os outros, está sempre disposto a ajudar. Tenho tanto orgulho daquele menino! Sinto como se fosse sua segunda mãe. - uma lágrima ameaçou descer de seus olhos. - Aqui está, querida, vitamina de morango com pão integral. - entregou-me.

– Obrigada. Daniel também é um ótimo irmão. - acrescentei dando um gole na vitamina.

– Imagino. Seria ótimo se ele arranjasse uma namorada. - quase engasguei ao ouvir aquilo. – Você está bem? - perguntou preocupada.

– Sim, não se preocupe, não foi nada – tranquilizei-a. - Mas como assim ele não tem namorada?

– Boa pergunta. Até hoje quero saber! Com certeza por falta de opção não é. Duvido que lindo, educado, zeloso, atencioso do jeito que ele é as meninas não beijem o chão por onde ele passa.

– Concordo. – dei um sorriso tristonho. Era totalmente verdade o que Mercedes dizia. As garotas deviam beijar o chão por onde ele passava.

Terminei meu café e fiquei conversando um pouco com ela. Mercedes era uma ótima pessoa, tinha uma alma muito bondosa. Ela era baixinha e gordinha, mas tinha muita disposição. Sua felicidade era contagiante. Após terminar a conversa decidi que procuraria por Daniel.

Meu Deus, que casa grande! Demorei uns dez minutos pra me situar. Mercedes havia me informado onde ficavam os cavalos e o campo, mas até achar mato no meio de mato as coisas foram tensas. Já estava desistindo de procurá-lo, quando vi um deus grego montado num cavalo. Ele veio em minha direção e eu fiquei sem reação. Daniel estava tão lindo. Estava tão...feliz.

Ele chegou perto, parou o cavalo e desceu graciosamente, ficando a alguns centímetros de mim.

– Bom dia, Elisa. Desculpe por não ter tomado café com você. Hércules ficaria muito irritado se eu não viesse cuidar dele.

– Não se preocupe, eu desculpo o cavalo por não ter deixado você tomar café comigo. – ele sorriu. Olhei o animal por alguns instantes, pensei no nome enquanto avaliava seu físico. - Hércules, o símbolo da força.

– Exatamente, vejo que fez a lição de casa.

– De uns cinco anos atrás. - completei.

– Queria um nome que resumisse suas habilidades. Ele é forte, veloz, ágil e esperto, então pensei em Hércules. – dizia enquanto acariciava a crina do cavalo. - Gostaria de montá-lo, Elisa?

– Não obrigada, estou feliz enquanto não tenho arranhões. - não estava a fim de me machucar toda na frente de meu irmão. Seria... humilhante.

– Você não sabe cavalgar? - Fiz que não com a cabeça, afirmando que não montara em nada melhor do que cavalo de carrossel. – Então eu te ensino.

– Não há necessidade. - tentei fazê-lo esquecer a ideia.

– Ora, vamos, Elisa . Não confia em mim? - pra que ele tinha que ter dito aquilo? Eu não queria dizer na cara dele que eu não confiava em ninguém. Então, lá fui eu de encontro ao meu futuro doloroso. – Primeiro, coloque o pé esquerdo no estribo, se apoie na sela e dê impulso pra subir. -

colocou as mãos na minha cintura para me apoiar. Seu toque fez meu coração acelerar. Não era pra isso acontecer, algo me dizia.

– Tá. - disse após respirar fundo e tentar me acalmar.

Fiz exatamente o que ele disse e consegui montar no cavalo. Claro que com a ajuda básica de Daniel.

– Certo, agora segure o arreio.

Ao me debruçar para procurar o arreio, me desequilibrei e acabei caindo. Justamente para o lado do chão duro. O impacto me tirou o ar.

– Ai. - foi a única coisa que consegui dizer.

– Elisa, você está bem? Olhe pra mim. Quantos dedos você vê? - ele veio em minha direção me cutucando para se certificar que tudo estava no lugar.

– Três? – acariciei meus cabelos. - Acho que tenho tendência a quedas. Talvez a gravidade seja muito pra mim.

– Que bom que não aconteceu nada. Você deve ser mais resistente a impactos, por causa dessa tendência. E algo me diz que tenho razão. Você não se machucou gravemente. O máximo que pode acontecer é ficar com algumas marcas roxas.

– Gostaria de tentar de novo. Não serei vencida por um cavalo! - disse me levantando.

– Tem certeza? - Daniel gostaria que eu dissesse “não”, mas não iria desistir, se comecei iria até o final. Meu orgulho era maior que a queda do cavalo.

– Absoluta.

– Tudo bem, então. Mas dessa vez irei atrás de você para que não caia. - outorgou firmemente.

Subi no cavalo e, logo após me ajudar, Daniel também subiu e sentou-se atrás de mim. E novamente meu coração disparou ao sentir que ele parou levemente suas mãos nas minhas ao tomar o arreio. Tentei me afastar, mas Daniel segurou minhas mãos e firmou-as no arreio.

– Pronta? - dizia a milímetros do meu ouvido, me envolvendo em seus braços.

– Sim. - um sorriso se abriu em meu semblante.

Cavalgamos por alguns minutos, claro que Daniel não iria explorar seu lindo animal, mesmo sendo forte e veloz. Ele nos conduziu pelo campo consideravelmente grande que cercava a casa. Paramos perto de uma fonte, que tinha um banco de frente para a mesma. Daniel desceu primeiro e depois me ajudou. Segurou-me novamente pela cintura e me abaixou rente a seu corpo. Fiquei atordoada. Meu coração me machucava de tanta força que usava para me manter respirando. Fechei os olhos e o abracei. Não sei exatamente porquê fiz aquilo. Acho que eu esperava que aquela pressão no meu peito parasse. Ele correspondeu ao meu abraço.

Ficamos em silêncio por alguns minutos. Ao mesmo tempo que eu me sentia aliviada eu também me sentia mal. Daniel era meu irmão! Não podia, não era certo. Alguma coisa gritava dentro de mim.

- Tudo bem? – colocou uma mecha do meu cabelo para trás. Fiz que sim.

- Só queria saber como é abraçar um irmão.

– Precisamos ir. Já está na hora do almoço. Não quero você com seus horários de alimentação descontrolados.

– Ta. Mas dessa vez, será que podemos ir andando? – queria ficar o máximo de tempo possível com ele, conversando, tendo alguma companhia. Ele me deixava feliz.

– Certo. - falou com um sorriso no rosto. - Mas para que possamos andar você precisa me soltar, não acha? - estava tão imersa em meus pensamentos que me esqueci que ainda estava abraçada com ele.

– Me desculpe. - senti minhas bochechas começarem a esquentar.

Fomos para o estábulo, levar Hércules. Conversamos o caminho todo. Nunca poderia imaginar que teria tanto assunto. Nós tínhamos muito em comum. Colocamos o cavalo no lugar onde deveria ficar, demos água e comida e fomos para casa.

– Voltamos, Mercedes! - dizia Daniel.

– Olá, crianças. Como passaram o dia? - perguntou.

– Muito bem. Melhor impossível. - falou enquanto se sentava. - A comida já está pronta?

– Sim, filho. Já vou colocar. - dizia enquanto pegava um prato.

– Vamos, Elisa. Sente-se.- puxei a cadeira e me sentei de frente para Daniel.

Comemos e depois fomos para a sala de jogos. O que mais faltava naquela casa? Campo de futebol? Se já não tivesse. Jogamos Guitar Hero a tarde toda. Revezávamos na hora de ganhar. Uma hora era eu, outra hora ele. Jogamos Uno e ao cair da tarde vimos um filme.

– Está ansiosa para conhecer sua nova escola? - perguntou Daniel. Estávamos num sofá branco, cada um numa ponta, sentados de frente um pro outro. Ele estava com uma das pernas dobradas em cima do sofá e a outra apoiando-se no chão. Eu estava com as pernas junto ao tronco.

– Mais ou menos. Nunca tive uma boa relação com escolas ou pessoas. - expliquei.

- Não me diga que você era a menina que tacava o terror nos outros?

- Não, acho que era mais ao contrário...

- Você sofria...

- Digamos apenas que eu nunca fui muito sociável. – tratei logo de encerrar o assunto. Daniel percebeu.

– Já sabe onde vai estudar? - indagou.

– Não. Você sabe?

– Provavelmente no lugar onde curso a faculdade. Mamãe deve ir ver o lugar semana que vem. Espero que estude lá. Você vai adorar a Marisa!

– Quem é Marisa? - senti uma pontada no coração. De alguma forma, eu gostava de estar só com ele, saber que eu tinha total atenção dele. Não me agradava saber que qualquer outra pessoa tinha isso também. Me incomodava. – Marisa é minha melhor amiga. Somos da mesma turma. Somos íntimos porque ela é a única garota da escola que não fica babando por mim. - sorriu.

– Ainda bem que você não é nem um pouco convencido. - falei.

– Não sou convencido. Só digo os fatos.

– Quando será que a mamãe deve voltar? - mudei de assunto.

– Bom, se tudo der certo e ela não matar ninguém acidentalmente, eles voltam daqui a dois dias. Devido a trabalhos Tom não poderá ter uma lua de mel muito longa.

– O que faremos amanhã? - perguntei.

– Acho que vou chamar Marisa para vir aqui passar o dia conosco. Com certeza vocês serão grandes amigas! - esperava que sim, pois só havia duas opções: grandes amigas ou a Elisa quase autista e a amiga de Daniel.

Ficamos na sala de jogos mais algumas horas. Vimos outro filme e logo após fui dormir. Depois de tanta divulgação do Daniel em relação àquela garota, fiquei ansiosa pra conhecê-la e também um pouco receosa. Custei a pegar no sono tentando imaginar justificativas para todas aquelas coisas novas que eu estava sentindo e que envolviam Daniel.

E então, mais um dia se passou.

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