Capítulo I

     🇺🇲 Estado da Carolina do Sul, 1996.

Aquela seria considerada uma das tempestades mais violentas da históriado estado. Dois corvos voavam muito baixo para não serem atingidos por uma descarga elétrica. As aves pousaram num telhado de uma casa antiga que ficava nas margens de uma estrada. Seu amigo lhe deu novas instruções. Era hora de agir novamente e o alvo delas achava-se naquela região. Alguns cidadãos mais supersticiosos consideraram a tempestade um mau presságio. Os corvos entraram numa fresta do telhado e se abrigaram lá dentro. 

No total, seis tornados seriam visto tocando o chão naquela tarde naquela parte da Carolina do Sul, destruindo várias casas. Linhas telefônicas caíram nas rodovias, milhares de árvores tombaram, enchentes- relâmpagos varreram as margens de três importantes rios e vidas mudaram para sempre devido a um golpe da natureza.

Tudo começou muito rápido. Num minuto estava nublado e escuro,mas não de modo incomum; no outro, raios, ventos de tempestade e chuva ofuscante explodiram no céu de início de verão. Quem pôde arranjou abrigo, contudo as pessoas que estavam na estrada, como *ASHLEY PARKER, não tinham aonde ir. A chuva era tão forte que o tráfego se reduziu a dez quilômetros por hora. O dilúvio caía no para-brisa de Ashley, obscurecendo quase tudo. Puxando o cinto de segurança por cima da cabeça, ela se inclinou sobre o volante. Os faróis eram absolutamente inúteis.

E então, tão subitamente quando havia começado, a tempestade amainou; a moça pôde ver a pista de novo. Os veículos começaram a acelerar, tentando deixar a tormenta para trás. Ao mesmo tempo que a dupla de corvos ganhou o céu voando rápido. Os poderes de seu "mestre" iria protegê-los do clima perigoso. Ashley também aumentou a velocidade de seu ; Volvo 460 1993 preto( com motor 1.8 turbo, câmbio manual de 5 marchas e tração dianteira) ficando no pelotão de carros. Olhou para o mostrador de gasolina e sentiu um nó no estômago. Não havia o bastante para chegar em casa. Mais 15 minutos se passaram, até que a mulher suspirou de alívio. Havia um posto um pouco mais à frente, segundo a placa. Parou na primeira bomba aberta.

A tempestade ainda achava-se a caminho. A 70 quilômetros por hora, chegaria àquela área em 10 minutos. O mais velozmente que pôde, Parker encheu o tanque e ajudou *ROY a sair de seu assento no sedã. Insistiu para que ele segurasse sua mão, enquanto os dois entravam para pagar. O posto estava cheio de gente. Ashley pegou uma lata de refrigerante e uma bebida láctea de chocolate para Roy. Estava ficando tarde; o menino adorava leite antes de dormir. Se ela conseguisse ficar à frente da tempestade, certa ele dormiria a maior parte do caminho de volta. Os corvos pousaram no teto do sedã de Parker e olharam para a loja de conveniência;logo saíram voando.

Na hora de pagar, ela era quarta na fila do caixa. Todos pareciam tensos. Depressa, seus rostos exprimiam, precisamos sair daqui. Ashley ouviu uma mãe discutindo com o filho pequeno. O garoto parecia ter mais ou menos a mesma idade de Roy- uns cinco anos. O menino gemeu:

- Mas eu quero um bolinho!

- Eu disse que não. Você já comeu muita besteira hoje.

- Mas você vai comer uma coisa.

Eles entraram na fila atrás de Parker e continuaram a discutir

- Ah, anda mamãe! EU tô com fome.

- Então deveria ter comido a sua pizza.

Ashley finalmente chegou à caixa, pagou e virou-se na direção da porta. Sorriu para a mulher atrás dela, como se dissesse: às vezes as crianças são difíceis, não é mesmo?

Em resposta, a mãe do menino revirou os olhos.

- Você tem sorte- disse ela , olhando para o filho. - Este aqui nunca fecha a matraca.

Parker voltou para a rodoviária, mantendo-se à frente da tempestade. Nos vinte e cinco minutos seguintes a chuva caiu constante,mas não violenta, enquanto ela seguia para 🇺🇲 Chesterfield, na Coralina do Sul. O refrigerante, esperava ela, iria mantê-la alerta e concentrada no volante, em vez de em Roy. O filho, Ashley tinha certeza, era um presente de Deus. Ele havia nascido cinco anos depois que a mãe de Parker morrer de AVCH ( acidente vasculhar cerebral hemorrágico). Afora o garoto, ela era sozinha no mundo. Era filha única e perdeu o pai quando tinha três anos. Roy tornara-se imediatamente o único beneficiário do amor que ela possuía. Ela o cobria de atenções, contudo aquilo não bastava. Ashley levava uma vida que não previra, em que o progresso diário de Roy era cuidadosamente anotado num caderno. O menino, claro não reclamava das situações que eles faziam todos os dias. Ao contrário das outras crianças, nunca se queixava de nada. Ela olhou pelo retrovisor.

- Em que você está pensando?

Roy zero disse desde que entrou no sedã. Virou-se ao som da voz da mãe. A moça esperou a resposta. Nada

Ashley Parker morava na residência que tinha sido de seus avós. Depois da morte deles, o imóvel havia passado para sua mãe e, mais tarde, para ela. Não era muita coisa. Uma construção meio arruinada, da década de 1930, num terreno de pouco mais de um hectare. Dois quartos e a sala de estar eram razoáveis, mas a cozinha precisava de instalações modernas. Tanto a varanda da frente quanto a de trás não estavam firmes, e sem o ventilador portátil, muitas vezes ela achava que iria morrer de calor. Todavia podia viver sem pagar aluguel, o que era uma grande vitória. Vinha sendo sua casa nos últimos seis anos.

Ficar em Chicago, onde tinha crescido, seria impossível. Assim que Roy nasceu ela usou o dinheiro que sua mãe lhe deixara para ficar em casa com ele. Quando o garotinho era um pouquinho maior, Ashley planejou voltar para dar aulas. Agora, anos depois, continuava em casa com o filho, e lecionar tornou-se um sonho distante. Em vez disso, trabalhava no turno da noite num restaurante chamado San Zainiaz, um lugar movimentado nos limites de Chesterfield. O dono Phill Farthier era um afro-americano de 55 anos que estava à frente do estacionamento comercial havia 25 anos. Ele e a esposa tinham criado 8 filhos, e todos cursaram a faculdade. Havia cópias de diplomas na parede dos fundos; todo mundo que almoçava por lá sabia sobre eles. Phill fazia questão disso.

Ele sabia como a vida era difícil para as mães solteiras.

- Há um quartinho nos fundos - disse Farthier ao contratá-la. - Pode trazer o seu filho, desde que não atrapalhe.

Com duas camas e um abajur, era um ambiente onde Roy estaria em segurança.

A moça trabalhava cinco noites por semana, das 07:00h à meia- noite, mal ganhando o suficiente para se sustentar. Ainda que chegar um pouco atrasada significasse menos gorjetas, ela não podia, em sã consciência, deixar Roy sozinho no quarto dos fundos enquanto ainda estivesse acordado. Chegando mais tarde ao restaurante, ela podia colocá-lo na cama e fazê-lo dormir. Nas noites em que não trabalhava, Ashley geralmente sentava-se na cadeira de balanço na varanda. Gostava de ler do lado de fora. Em Chicago ela costumava ler por prazer. Agora, nunca retirava romances quando ia à biblioteca local. Em vez disso disso, usava os computadores de lá, que tinham acesso a internet. Procurava estudos clínicos patrocinados por grandes universidades, imprimindo os documentos sempre que encontrava algo relevante. A pilha de arquivos que guardava já tinha uns vinte centímetros de altura. Também possuía uma série de livros de psicologia e ficava sentada do lado de fora durante horas, estudando-os. Quando finalmente chegava a noite parava e entrava para verificar Roy e saía de novo. 

Uma passagem de cascalho levava a um caminho entre as árvores, chegando a uma cerca partida que ladeava a propriedade. Ashley e Roy costumavam andar por lá durante o dia; ela caminhava sozinha à noite. Depois da cerca a floresta se comprimia ao redor, numa escuridão quase sufocante, contudo então a moça podia ouvir o barulho da água, um rio estava perto. Uma virada rápida à esquerda e de repente, era como se um novo mundo se descortinasse diante dela. Ela cruzava os braços e se punha a contemplar o rio largo e vagaroso. Possuída pela calma que ele inspirava, não percebeu que era observada do alto de uma árvore. Ficou por lá durante alguns minutos, raramente mais que isso, já que Roy ainda achava-se em casa. Depois suspirava, sabendo que era hora de ir. Antes de ir escutou o barulho de corvos voando e sumindo aos poucos.

No VOLVO 460, ainda a frente da tempestade, Parker lembrou-se de quando estivera com o médico mais cedo na Universidade da Carolina do Sul Lancaster. Enquanto lia o relatório sobre os exames de Roy. Ela guardou o dinheiro para a considerável viagem por 2 meses.

" A criança do sexo masculino,com quatro anos e noves meses na ocasião dos testes. Roy é um menino bonito. Nenhum trauma cerebral registrado. A gravidez foi descrita como normal."

O laudo prosseguia delineando resultados específicos de vários exames, até finalmente chegar à conclusão. 

" QI normal. Criança severamente atrasada tanto na linguagem receptiva quanto na expressiva. Provavelmente algum transtorno no procedimento auditivo central (TPAC). Causa indeterminada. Capacidade linguística geral estimada à de uma criança de 24 meses de idade."

Quando terminou o médico olhou com simpatia para Ashley. 

- Em outras palavras. Roy tem problemas de linguagem. Por algum motivo, ainda não sabemos qual. Ele não consegue falar num nível apropriado para a idade, embora seu QI seja normal. E ele não consegue entender a linguagem como as outras crianças de quatro anos. - disse o profissional de saúde.

- EU sei.

A segurança da resposta de Parker pegou-o desprevenido.

- Há uma anotação aqui dizendo que a senhora mandou avaliá-lo em outro lugar.

- Mandei. Eu não dei o relatório a vocês.

As sombrancelhas do médico elevaram-se ligeiramente.

- Por quê?

Ela hesitou, mas disse por fim.

- Posso ser franca? 

- Por favor. 

- Roy foi diagnosticado de forma equivocada muitas vezes nos últimos dois anos. Tudo, desde surdez e autismo a transtorno cognitivo e de atenção. Com o tempo, nada disso se mostrou exato. O senhor sabe como é difícil para uma mãe ouvir essas coisas sobre o filho, acreditar nelas, saber tudo sobre elas. E depois lhe dizem que estão erradas?

O médico não respondeu. Ashley o encarou.

- Eu sei que Roy tem problemas de linguagem. E acredite, li tudo sobre problemas de processamento auditivo. Queria que a capacidade linguística dele fosse testada por uma fonte independente para que eu soubesse especificamente em que ele precisa de ajuda.

- Então nada disso é novidade para você. - concluiu o médico.

Parker balançou a cabeça.

- Não, não é.

- Ele segue processo terapêutico atualmente?

- EU trabalho com ele em casa.

O médico fez uma pausa. Neste momento um corvo pousou na beirada da janela do consultório.

- Essas aves estão aparecendo em todas as cidades do estado. Você viu as reportagens na TV?

- Eu vi sim. Acho que nunca vi tantos corvos na minha vida.

O médico espantou o bicho que saiu voando. 

- Voltando ao assunto. Seu filho se consulta com um especialista em fala ou comportamento?

- Não. Ele fez terapia por mais de um ano, mas como não houve resultado, eu o tirei em setembro passado. Agora sou só eu.

- Sei. - Era óbvio que o profissional não concordava com aquela decisão.

- O senhor precisa entender: mesmo que essa avaliação mostre que Roy no nível de uma criança de dois anos, é um avanço. - Os olhos dela se estreitaram. - Antes de trabalhar comigo, ele jamais tinha apresentado melhora.

Na verdade era mais fácil defender os progressos de Roy para um médico do que para si própria. Mesmo ele tendo melhorado, uma capacidade de linguagem de uma criança de dois anos não era muita coisa para se comemorar.Afinal o seu filho faria cinco anos em breve.

Mas ela se recusava a desistir. Nunca desistiria. Treinava-o na mecânica da fala cinco horas por dia, seis dias por semana. Em certas ocasiões ele conseguia entender coisas novas com facilidade; em outras , parecia mais atrasado do que nunca.

Dias antes eles tão tinham passado a tarde nas margens do rio. Roy gostava de olhar as águas claras se movendo. Aquilo era uma mudança na sua rotina. Em geral, quando trabalhavam a fala, o garoto ficava amarrado numa cadeira da sala de estar. A cadeira o ajudava a se concentrar.

Ashley, que registrava cuidadosamente o progresso do filho num caderno, havia feito a última anotação. Sem levantar os olhos, perguntou:

- Está vendo algum peixe, querido?

Roy zero respondeu. Em vez disso, levantou um minúsculo avião de brinquedo, fingindo fazê-lo voar.

- Roy, querido, você está vendo algum peixe?

Ele fez sons de motor. Não estava prestando atenção.

Parker olhou para a água. Nenhum peixe a vista. Estendeu a mão e tocou a dele.

- Roy? Diga: " Não estou vendo nenhum peixe."

- Avião ( Aião.)

- EU sei que é um avião. Diga: " Não estou vendo nenhum peixe."

O garoto ergueu o avião o brinquedo um pouco mais. Na sequência falou novamente:

- Avião a jato ( Aião aato.)

- É, um avião a jato. - Ashley suspirou e olhou para o rosto dele, tão perfeito, tão lindo, tão normal. Usou o dedo para virar o rosto do filho para ela.- Mesmo estando do lado de fora, ainda temos que trabalhar, certo? Você tem que falar o que eu digo para falar, ou então a gente volta para a sala, para a sua cadeira. Você não quer isso, quer?

Roy não gostava da cadeira. Depois de estar amarrado, o menino não podia sair, e nenhuma criança apreciava aquilo. Mesmo assim, o garotinho movia o aviãozinho para frente e para trás, numa concentração medida. Parker tentou de novo.

- Diga:" EU não estou vendo nenhum peixe."

Nada.

Ela tirou um doce do bolso. Roy estendeu a mão, contudo a moça o manteve fora de seu alcance.

- Diga:"EU não estou vendo nenhum peixe."

Finalmente ele sussurrou:

- EU não estou vendo nenhum peixe. ( Não toven ne'um baco.)

Ashley se inclinou para beijá-lo , depois deu-lhe o doce.

- Isso mesmo, querido. Falou bem! Você fala muito bem!

Após comer o doce, Roy se concentrou no brinquedo mais uma vez

Parker anotou as palavras dele no caderno e continuou a lição. Olhou para cima e viu um casal de corvos voando no céu azul. Tentou imaginar alguma coisa que o filho não disse naquele dia.

- Diga, Roy: " O céu é azul."

Depois de uma pausa:

- Aião.

VINTE minutos para chegar em casa. Do lado de fora, nuvens escuras cobriam o céu; a chuva caía constante. No banco de trás Roy estava sonhando- suas pálpebras tremiam. Ashley imaginou como seriam os sonhos do filho. Seriam silenciosos, um filme passando de ação com foguetes e jatos atravessando o céu? Ou sonharia falando normalmente com ela? Parker gostava de ter essa imaginação para jamais perder a esperança de um dia o garotinho se comunicar melhor.

Pensou em Allan Hillerman, pai de Roy. Era o tipo de homem que sempre atraia seu olhar: alto e magro, olhos castanhos e cabelos pretos. Na época ela tinha 22 anos, solteira, no seu segundo ano como professora. Tinha-o visto numa festa rave e perguntou a sua amiga quem era. Ficou sabendo que Allan trabalhava numa agência de turismo importante em Los Angeles. Ela havia olhado na direção dele, que retribuíra o olhar. Ficaram se encarando um pouco, antes dele dizer finalmente um olá. Saíram da festa juntos e tomaram uns drinques no bar do hotel, flertaram, imaginando o que poderia ocorrer em seguida e terminaram na cama. Foi a primeira e última vez que o viu. Hillerman voltou a Los Angeles e ela a sua vida. Na época aquilo não pareceu significa muito; um mês depois, representava uma coisa enorme. O médico confirmou o que a moça já sabia. Estava grávida.

Telefonou para Allan. Foi atendida pela secretária eletrônica e deixou um recado para ele ligar de volta; dois dias posteriormente Hillerman ligou. Ouviu, depois emitiu um suspiro que parecia de lamentação. Ofereceu-se para pagar o aborto. Parker disse que aquilo não ia acontecer. Com raiva, Allan perguntou se ela estava certa que o bebê era dele. Ashley fechou os olhos, tentando se acalmar. Sim,era dele. " O que você quer que eu faça?", indagou Hillerman. Ela disse que não queria nada; só precisava saber se ele pretendia se envolver com a vida do filho. Ouviu o som da respiração dele do outro lado da linha. "Não", disse ele por fim. Estava comprometido com outra pessoa. Parker nunca mais falou com Allan.

Será que Roy teria os mesmos problemas se o pai estivesse por perto? Em seu coração, ela não tinha certeza. Teria sido algum coisa que fizera enquanto achava-se grávida? Tudo aquilo não teria culpa sua? Com força de vontade, afastou essas perguntas da sua mente. Mas algumas vezes, tarde da noite . Elas voltavam se esgueirando. Como as trepadeiras se espalhando na floresta.Eram impossíveis de se manter longe para sempre. E Ashley sentia a tristeza tomar conta de seu coração. Contudo também alegria. Porque, apesar de todas as dificuldades, Roy era um menino maravilhoso. Não machucava outras crianças; nunca pegava os brinquedos delas, e compartilhava os dele, até mesmo quando não queria. Todo dia havia ocasiões em que ela sentia o impulso de partir em sua defesa, tentando fazer com que os outros entendessem que, apesar dele parecer normal, alguma coisa estava ligada de modo errado em seu cérebro. Todavia,na maior parte do tempo, Ashley não fazia isso. Se as pessoas não lhe dessem uma chance, a sua perda era delas.

Roy era a criança mais doce que Parker já havia conhecido; quando sorria, ele era lindo. Ela sorria de volta e por uma fração de segundo, pensava que tudo estava bem. Dizia que o amava e o sorriso dele ficava maior, mas, como ele não podia falar direito, algumas vezes Ashley se sentia como se fosse a única a perceber como o filho era incrível. Ele sequer podia dizer que a amava.

Seus pensamentos seguiam na mesma velocidade que dirigia o velho Volvo 460 por estradas que agora eram reconhecíveis. Faltava dez minutos. Era fazer a próxima curva, atravessar a ponte para Chesterfield e depois estariam em casa novamente. Estava dirigindo através de um pântano sem nome, entre as dúzias que existia no terreno. Pouca gente vivia por lá. Não havia outros carros na pista. Fazendo a curva a cerca de 90km/h, ela viu um cachorro grande parado na estrada, olhando para os faróis que se aproximavam, congelado pela incerteza. Ashley pisou no pedal do freio. Ouviu os pneus guinchando, e sentiu que os mesmos perderam a aderência na superfície escorregadia por causa da chuva. Mesmo assim,o cachorro não se mexeu. Parker ia acertá-lo. Gritou enquanto virava o volante com força. O sedã começou a deslizar na diagonal pela rodovia deixando de atingir o cão por centímetros. O animal finalmente rompeu o transe e partiu para longe sem olhar para trás. As árvores ficavam a menos de 10 metros da pista. Freneticamente Parker virou o volante novamente, contudo o veículo disparou para a frente como se ela não tivesse feito nada.Chocou -se contra um cipreste grande. Ela ouviu o som de metal se retorcendo e de vidro quebrando, enquanto a frente do carro explodia em sua direção. Como o cinto estivesse preso na cintura e não no peito, sua cabeça saltou frontalmente no volante. Sentiu uma dor aguda e cortante na testa. Então caiu na inconsciência totalmente.

- Ei moça, você está bem? 

O mundo voltou lentamente ao som da voz do estranho. Ashley não sentia dor, mas notou na boca o gosto salgado e amargo de sangue. Lutou para abrir os olhos.

- Não se mexa. Vou chamar uma ambulância.

As palavras mal foram registradas. Tudo estava turvo. Ela virou a cabeça para a figura sombreada no canto de seu olho. Um homem, cabelos escuros, capa de chuva amarela... virando-se para longe...

Sentiu a chuva chicoteando o automóvel. Um som sibilante vinha da escuridão, enquanto vapor escapava do radiador. Sua visão ia voltando aos poucos. Estilhaços de vidro no colo... sangue no volante à frente. Nada fazia sentido. A moça tentou se concentrar. Volante... o carro... escuro do lado de fora.

- Ah, meu Deus! 

De repente, lembrou-se de tudo. O cachorro... a perda do controle. Virou-se, concentrando-se no banco de trás. Roy não estava no sedã. Seu cinto de segurança achava-se aberto,bem como a porta ao lado dele. Através da janela, Ashley gritou para a figura que a havia acordado. O homem virou-se e voltou. Um gemido escapou dos lábios dela. Mais tarde ela iria se lembrar de que não ficou imediatamente apavorada. Tinha certeza de que a pessoa, quem quer que fosse havia ajudado o menino a sair do carro.

- Escute, não tente falar. Você levou uma bela pancada. Meu nome é *STEVE LAKKAN, sou do corpo de bombeiros. Vou pedir ajuda pelo rádio.

Ela girou o pescoço, focalizando-o com olhos turvos.

- Você está com meu filho, não está?

Parker sabia qual seria a resposta, contudo estranhamente ela não veio. Em vez disso, ele balançou a cabeça negativamente. 

- Não. Eu acabei de chegar. Seu filho?

- Meu filho estava no banco de trás!

A moça soltou o cinto rapidamente, ignorando a dor no pulso e no cotovelo. O sujeito deu um passo involuntário para trás enquanto a mãe desesperada forçava a porta com o ombro, porque ela emperrou ligeiramente com o impacto. Ashley quase perdeu o equilíbrio quando se levantou.

- Acho que não devia se mexer. Pode sofrer novas lesões...

Apoiando-se no Volvo 460, Parker ignorou o homem de capa de chuva enquanto fazia a volta, em direção ao lado oposto, onde a porta de Roy estava aberta.

- Roy!

Incrédula, a mulher se curvou para dentro, procurando-o. O sangue latejou em suas têmporas, trazendo uma dor cortante que ela ignorou.

- Moça...

Ela agarrou o braço dele.

- Ei você não o viu? Um menininho... cabelos ruivos? Ele estava comigo!

- Não. Eu...

- Você precisa me ajudar a encontrá-lo! Ele só tem quatro anos!

Ela girou e o movimento rápido fez com que perdesse o equilíbrio.

Agarrou o veículo novamente.

- Roy! - Agora a sua voz era puro terror.

Entendendo totalmente a situação,o sujeito examinou a área ao redor.

- Não o estou vendo.

- Roy!

Ela gritou o mais alto que pôde. Apesar de ser quase abafado pela tempestade, que agora estava no auge, o grito levou Steve Lakkan a agir.

Os dois se separam indo em direções diferentes, gritando o nome do garotinho. Mas chuva era ensurdecedora. Depois de três minutos, Lakkan correu de volta para a sua caminhonete e entrou em contato com o corpo de bombeiros. As vozes de Ashley e Steve eram os únicos sons humanos no pântano. A chuva tornava impossível que ouvissem um ao outro, quanto mais uma criança. Por fim, dois outros bombeiros chegaram, segurando lanternas.

- Vocês precisam me ajudar a achar o meu bebê! - soluçava a moça.

Mais ajuda foi solicitada; outras pessoas chegaram. Agora eram sete procurando. Foi Lakkan quem encontrou o cobertor de Roy, semi-oculto na vegetação baixa, a cinquenta metros de onde o Volvo tinha batido.

- Isso é dele?

Ashley começou a chorar assim que o cobertor lhe foi entregue. Suas lágrimas eram camufladas pelas gotas da chuva. Mesmo depois de quarenta minutos de procura, Roy ainda tinha sido visto. 

Não fazia sentido para ela. Num minuto ele estava dormindo muito no banco traseiro, no outro tinha sumido. Assim tão repentinamente. Sentada na parte traseira da ambulância de portas abertas, Parker lutava para não entrar em pânico. As luzes azuis e vermelhas do carro da polícia iluminavam a estrada em giros regulares. Seis outros veículos estavam estacionados ao acaso, de faróis acesos, enquanto um grupo de homens com capas de chuva amarelas discutiam o que fazer; suas palavras eram abafadas pelos rugidos da tempestade. Assim que a ambulância chegou, eles a obrigaram a parar de procurar Roy. Ainda tonta, ela tremia muito e sua visão estava embaçada. O paramédico suspeitava de concussão e queria retirá-la dali imediatamente. Ashley se recusou com firmeza a partir enquanto o filho não fosse encontrado. O sujeito disse que podia aguardar mais 10 minutos, depois não teria escolha. O ferimento em sua testa ainda sangrava, apesar da bandagem. Se esperassem mais, ela perderia a consciência, alertou o paramédico. " EU não vou embora," repetia a mulher. 

Mais pessoas tinham chegado. O xerife, três voluntários do corpo de bombeiros e um caminhoneiro, que também havia parado. O homem que a encontrara - Steve? - estava dizendo a eles o que sabia, o que não era muito, além da localização do cobertor. Lakkan e o xerife da cidade, um grandalhão de cabelos grisalhos, caminharam em direção a ambulância. Ashley achava-se com o cobertor enlameado do Roy no colo, enrolando-o nervosamente. Continuava a tremer. Fazia tanto frio... E o filho lá fora,sem nem mesmo um casaco. Lakkan e o policial entraram no veículo de emergência médica. O bombeiro pôs gentilmente a mão no ombro dela. Ela abriu os olhos.

- Eu sei que é difícil. Mas precisamos fazer umas perguntas. - disse Steve.

Ela mordeu o lábio e respirou fundo. O xerife se agachou à sua frente. 

- EU sou o xerife *NICK LIBÂNEO.Sei que você está preocupada, e nós também estamos. A maioria de nós aqui tem filhos. Todos queremos encontrá-lo, tanto quanto tu, contudo necessitamos de algumas informações gerais, para saber o que estamos procurando. 

Ashley Parker se empertigou um pouco, tentando se recompor. A bandagem em volta de sua cabeça tinha uma grande mancha vermelha logo acima do olho esquerdo. Seu rosto estava inchado e coberto de hematomas. Eles começaram pelo básico: nome, endereço, número de telefone, emprego, residência anterior, quando ela havia se mudado para Chesterfield, o motivo para estar dirigindo, o acidente em si. O policial Libâneo anotou tudo num bloco. Ele olhou-a quase com expectativa. 

- Poderia fazer uma descrição geral de Roy?

Parker virou-se para o lado, tentando organizar os pensamentos. Quem pode descrever os filhos com exatidão em termos de números e imagens? 

- Um metro de altura, uns 18kg. Cabelos ruivos, olhos verdes.

- Você lembra do que ele está vestindo?

- Uma camisa azul com um Batman grande na frente. E jeans, com elástico na cintura, sem cinto. Tênis brancos. Não sei a marca. Acho que é só isso policial. 

- E um casaco?

- Não. Hoje estava quente, pelos menos quando entramos no carro.

O xerife Libâneo levantou a voz acima do barulho da chuva.

- Você ainda tem alguém da família na região? Pais? Irmãos?

- Não. Não tenho irmãos. Meus pais faleceram.

- E seu marido?

A moça balançou a cabeça.

- EU nunca me casei.

- Alguma vez Roy sumiu antes?

Ashley esfregou a têmpora, tentando reprimir a tontura.

- Umas duas vezes. Uma vez no shopping e outra perto da minha casa. Mas ele tem medo de raios. Acho que saiu do carro por causa disso. Sempre que há raios ele vai para a minha cama.

- E o pântano? Ele teria medo de ir para lá no escuro? Ou você acha que ele ficaria perto do veículo?

Uma onda de pavor espalhou-se seu estômago.

- Roy não tem medo de ficar ao ar livre, nem a noite. Ele adora andar na floresta perto de casa. Não sei se ele sabe o bastante para ter medo. 

Nick parou por um momento, olhando o relógio. Eram 09:25h da noite. Mais de uma hora se passou desde o acidente. Algumas horas sob aquele temporal sem roupa adequada poderiam levar a uma hipotermia. Nem ele nem Lakkan tinham falado a Parker do perigo do pântano. Não era um lugar para alguém visitar numa tempestade daquelas, quanto mais uma criança. Era um local em que qualquer um podia literalmente desaparecer sem deixar vestígios.

O policial fechou o bloco. E se afastou até a viatura. Quando chegou lá os dois corvos de Killer Z pousaram no teto do veículo. E instantâneamente o tempo parou e todas as pessoas pararam de se mexer, deixando só xerife se mexendo normalmente.

- As férias terminaram Nick Libâneo. - disse uma das aves.

- Não, não. Você...

- EU disse que quando visse um corvo seria o sinal do meu regresso as atividades. Carolina do Sul que lugar longe. Nick achou que fugiria da maldição?

- Eu não vou deixar que você machuque ninguém na minha cidade! 

- Nick. Você não aprendeu em Detroit né. Besteiras demais o que tu fala quando estamos conversando. Enfim eu sempre estive de olho em você. Agora sabe que estou na região. Não se preocupe que no final. Eu te dá a salvação de viver neste mundo. Será maravilhoso o que vai acontecer aqui. Uma experiência positiva incomparável para mim.

- Eu vou... - disse Libâneo quando a sua voz foi cortada subitamente.

Neste momento tudo voltou ao normal e a dupla de corvos voaram para longe no meio da tempestade. Ninguém deu atenção aquilo. O policial ficou parado ao lado do carro por uns instantes. Estava visivelmente perturbado. 

Steve Lakkan continuou falando com Ashley.

- Mais alguma coisa que a gente precisa saber? Um apelido ao qual ele responderia?

- Não. Só Roy. Mas ... - Então deu conta do Óbvio. Ah não porque não tinha falado antes? Ela pensou.

- Srta Parker? - Ela ouviu de novo.

A mulher enxugou as lágrimas, incapaz de encará-los.

- Roy não vai responder se vocês chamarem seu nome. Você terão de encontrá-lo; terão que vê-lo. Ele não vai responder.

Quantas vezes ela dissera aquelas palavras? Quantas vezes tinha sido apenas uma explicação? 

O bombeiro a encarou sem entender. Com a respiração falhando, Ashley prosseguiu:

- Roy não fala direito, só algumas palavras. Ele não entende a linguagem, por algum motivo. - a mulher se virou para o sujeito, certificando-se de que entendeu. - Simplesmente gritar para ele não vai adianta. Ele não vai entender o que você está dizendo. Ele não pode responder. Tu vão ter que achá-lo.

Steve saiu da traseira da ambulância e foi passar as informações para os outros membros da equipe de busca. Nick Libâneo achava lá neste momento. 

Lakkan voltou para o veículo de emergência e pôs a mão no ombro de Ashley.

- Nós vamos encontrá-lo, Srta Parker. Nós vamos encontrá-lo! 

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