4º Capitulo

Eram quatro da manhã e Ana já estava de pé, colocou uma música baixa para não atrapalhar quem estava dormindo e começou a se alongar, seu corpo inteiro doía muito das longas caminhadas e das horas em que ficou parada no ônibus, mas precisava se exercitar, não podia perder tempo, perdeu o equilíbrio pelo menos duas vezes, na terceira vez desistiu a dor era imensa, precisava descansar mais, caiu na cama e apagou, levou um susto ao perceber quando acordou que passavam das nove, arrumou a cama e desceu as escadas correndo, Maria a dona da pensão olhou para ela e sorriu.

- Já estava recolhendo o café, mas sente-se querida vou esquentar a água.

- Na verdade estou super atrasada, tenho que chegar ao centro da cidade.

- Ao centro? Oh, pobre menina o ônibus que vai ao centro já passou na verdade, a menos que pegue um taxi, mas saiba que eles são bastante carreiros, esses dias me cobraram 50 reais, fiquei irada, era tudo que eu tinha na carteira!

Disse a senhora que aparentava uns 70 anos, Ana sorriu se compadecendo dela.

- Demora muito para chegar ao centro?

- Não vai ser muito fácil não, você vai ter que caminhar até a estação de Jabaquara, pegar o metro L1 Tucuruvi, depois desembarcar na são Judas, depois vai ter que caminhar até a Avenida Jabaquara na segunda parada, pega a linha Agua espraiada, e desce na Gomes de carvalho, depois é fácil por que não demora muito e você ta no centro cultural Paulo Freire, já ta no centro!

Ana ficou atônita com tantas informações, era muita coisa para decorar.

- Quer saber, acho que tem razão, vou tomar um café e depois eu vejo como faço, como diria minha mãe de estomago cheio a gente pensa melhor.

Dona Maria deu uma risada alta e deu meia volta indo até a cozinha para esquentar a água para Ana.

Ana participou de pelo menos três testes, porém a resposta era sempre a mesma, “não”, “estamos com a equipe cheia” “não estamos precisando de novos dançarinos”. “Desculpe, já encerramos”.

Todos os dias que ouvia isso voltava desanimada para casa, então mergulhava no livro de listas telefônicas que dona Maria tinha lhe dado e começava a procurar por novas academias de dança, uma teria que aceita-la, sua hora chegaria e sua estrela iria brilhar.

Mais um dia cinza tinha começado na grande São Paulo, Marcelo abriu os olhos calmamente e então percebeu que passavam das oito horas, estava atrasado, sentou-se na cama dando de ombros, não tinha vontade de trabalhar naquele dia, dia 23 de Dezembro deveria ser considerado feriado, ou melhor dia 23 de dezembro nunca deveria ter existido, suspirou e andou até o banheiro lavou o rosto e observou os olhos cansados diante do espelho, uma vasta camada de barba escura cobria boa parte do rosto que já tinha sido bonito, vestiu-se e entrou no carro a caminho recebeu um chamado.

- Alguma viatura disponível? Recebemos um chamado, houve tiros pela manhã de Paraisópolis.

Aquele não era bem o seu trabalho, mas como delegado resolveu averiguar.

Pegou o rádio e respondeu.

- A caminho.

Paraisópolis é um bairro favelizado de São Paulo que deveria ter se tornado um bairro de classe alta, porém... Não importa muito, Marcelo particularmente adorava aquele tipo de lugar, tinha crescido em uma favela, porém no Rio de Janeiro, toda vez que entrava entre as vielas e ruas estreitas e via aquelas casas se lembrava de sua infância, ele sim é que tinha sido feliz, foi por conta de sua infância em uma favela que ele tinha decido se tornar policial, e foi por causa de sua ex-mulher ele tinha se tornado delegado, assim que entrou no bairro ele percebeu que estava tudo calmo, deu pelo menos umas duas ou três voltas e então decidiu visitar um velho amigo.

- Alberto!

Alberto estava abrindo o bar quando Marcelo encostou o carro, “Beto” como era mais conhecido por ali tinha aquele bar há pelo menos 20 anos.

- Você deu sorte, hoje quase me atrasei, aceita um café delegado?

- Claro! O que houve que se atrasou?

- Estou cuidando do meu neto pela manhã, dou café a ele e depois o coloco no transporte, e hoje o transporte se atrasou.

- Mas e sua filha?

- Marina conseguiu emprego em uma casa de família rica na zona sul, tem que ver, tem aqueles uniformes de rendinha e tudo, parece até moça importante!

- Família rica é? Pelo menos assinam a carteira? Sabe néh, essa gente nem sempre cheira tão bem assim.

- E eu não sei? Assinaram sim, mas como você mesmo falou, tem só pose por que o salário não é aquelas coisas, apesar de que, melhor isso do que nada.

- É nem me fale não ta fácil pra ninguém, quantos anos tem seu neto?

- Cinco anos!

Marcelo abaixou a cabeça se lembrando, sua filha teria a mesma idade de Pedrinho, respirou fundo mandando as lembranças para longe.

- E que família é? Algum nome importante?

- É a dona Liane Guimarães, ela é viúva acionista majoritária daquela empresa importante de publicidade, como é mesmo o nome?... – Disse ele coçando a cabeça e tentando se lembrar, mas não era necessário Marcelo sabia muito bem de quem ele estava falando.

- A Conceito ideias.

- Isso! Isso mesmo, o senhor conhece então?

- Infelizmente, diga para sua filha se cuidar com essa mulher!

Marcelo conhecia muito bem Liane, ele tomou o restante do café e se levantou, nessa hora avistou Raimundo descendo o morro, Raimundo trabalhava com ele na delegacia, mas o que fazia ali? Será que tinha recebido o chamado também e resolveu averiguar?

- Raimundo!

Raimundo paralisou onde estava parecendo nervoso ao ver o delegado vindo em sua direção.

- Não me diga que também veio atender o mesmo chamado?

Ele demorou um pouco para responder.

- É, é sim... Eu estava passando por perto, mas não vi nada.

- Eu também não, acho que foi alarme falso, você está sozinho?

- Sim.

- Beleza, vamos juntos, a menos que você tenha alguma coisa para fazer por aqui.

Raimundo olhou para trás e depois assentiu com a cabeça.

- Não, nada não, podemos ir!

Marcelo percebeu que Raimundo estava distante, mal conversaram a caminho da delegacia, ele parecia preocupado, mas não quis se meter, ele sempre tinha se mostrado um soldado atencioso, assim que chegaram Marcelo entrou em sua sala e tentou mergulhar no trabalho, porém a ideia de Pedrinho ter a mesma idade de sua filha e a coincidência de Liane ser a nova patroa de Marina o atormentava.

Marcelo foi criado em uma favela do Rio de janeiro pela mãe, seu pai foi assassinado a sangue frio em um mercado durante um assalto e para que não passassem fome à mãe começou a fazer faxina em volta, foi assim que Marcelo conseguiu estudar em escola boa, a patroa de sua mãe conseguiu uma bolsa para ele em um colégio particular, dona Mercedes era uma senhora de seus setenta e poucos anos, sempre gostou de agradar Marcelo, quando ele disse a ela que seria policial ela comemorou, quando lhe contou que tinha passado para entrar para a policia civil ela vibrou junto com ele, porém ela não venceu vê-lo como delegado, faleceu três anos antes, foi na sua formatura de policial que ele conheceu Bianca, ela estava se formando em jornalismo e precisava entrevistar alguém para o seu TCC que era sobre segurança, ele foi o escolhido, os dois se tornaram amigos e depois decidiram namorar, Marcelo se preparou psicologicamente para impressionar a família de Bianca, ele só não contava que a mãe dela fosse a dona Liane Guimarães, o almoço foi marcado e tudo parecia correr bem, Marcelo se deu bem com o pai de Bianca um senhor de meia idade e de sorriso fácil, mas a sogra não parecia ter gostado dele, foi durante o almoço que ele teve certeza de que teria que se esforçar mais se quisesse impressionar.

- Então Marcelo, como está o salário de policial?

Marcelo engoliu seco dizendo a quantia, viu a mulher abrir e fechar a boca e então secar os lábios com o guardanapo.

- Não espera mesmo dar a Bianca a vida que ela está acostumada com essa merreca não é?

- Mãe! – Bianca protestou.

- Filha, ele precisa saber que terá que fazer muito mais que dar alguns tiros por ai, aliás, se quiser tem uma vaga na empresa aberta, não é grandes coisas, mas vale bem mais do que o seu salário!

Bianca abaixou a cabeça com vergonha da mãe o pai de Bianca interveio.

- Chega Liane! Agora você foi longe demais, deixe o rapaz em paz!

Marcelo, porém sorriu e levantou-se.

- Tudo bem senhor, não me ofendi, eu entendo que ela esteja preocupada com o futuro da filha, porém não vou largar a policia, esse sempre foi meu sonho, quando ao futuro de sua filha, pode acreditar, amor e felicidade não faltará a ela!

E foi assim com amor e felicidade que Bianca e Marcelo casaram, rápido e sem festa, um belo dia chegaram diante de um juiz de paz e assinaram os papéis, assim simples, a mãe de Bianca a expulsou de casa, eles então se mudaram para uma quitinete, e com todo o dinheiro que tinham compraram um colchão e dois travesseiros e foram o casal mais feliz que poderia existir na face da terra.

Marcelo prestou o concurso para delegado e foi aprovado, Bianca se formou em jornalismo e foi contratada por uma grande rede de televisão, tudo parecia estar correndo da melhor forma possível, as brigas com a dona Liane eram constantes, mas eles não ligavam, nada poderia atrapalhar a felicidade deles, o pai de Bianca ajudava os dois e assim conseguiram comprar um apartamento e um ano depois Bianca descobriu a gravidez, quanta felicidade! Será que poderia ser possível eles mereceram tanto? Pois é, talvez fosse demais mesmo, quando Bianca contou a mãe sobre a gravidez as duas brigaram feio, a mãe disse que ela seria deserdada, que ela não seria avó de um neto com sangue de favelado, o pai de Bianca visitava às vezes os dois, porém um AVC acabou o deixando na cama, Bianca queria visitar o pai, mas suas visitas eram impedidas pela mãe, ainda assim quando conseguiu telefonar há ele disse que ele teria uma linda neta e que em sua homenagem o nome seria Paula, Paulo alegrou-se com a novidade, há essa altura ela já estava com cinco meses de gestação.

Era 23 de dezembro quando o telefone de Bianca tocou, era Carlos um amigo do trabalho, dizendo que estava acontecendo um confronto entre duas gangues rivais e que a tv ia cobrir tudo ao vivo, Marcelo estranhou, pois não tinha recebido nenhum chamado da delegacia, mas Bianca não quis saber arrumou-se rapidamente e saiu com Carlos que veio busca-la, Marcelo não conseguiu mais dormir, acordou mais cedo que o normal e não tomou café, partiu direto para a delegacia e durante o caminho tentou se informar a respeito do tal confronto, mas ninguém parecia saber de nada, chegou à delegacia e ligou para todos que conhecia, até que finalmente o telefone tocou, era um chamado, falando sobre o confronto, dizendo que havia pessoas feridas, Marcelo não pensou em mais nada, vestiu o colete a prova de balas e saiu o mais rápido possível.

Paraisópolis não parecia Paraisópolis, as pessoas estavam assustadas, andavam e um lado para o outro e cochichavam, Marcelo viu Beto vir correndo em sua direção.

- Não vá lá! Não vá!

- O que houve Beto? O confronto ainda não terminou?

- Não foi um confronto seu delegado! Foi um massacre! Não vá lá!

Marcelo pediu reforços pelo rádio e então decidiu ir ver do que eles falavam, assim que subiu as escadas deu de cara com uma criança que chorava e apontava com o dedo pequeno coberto de sangue, Marcelo olhou na direção em que ela apontava e avistou tudo que não queria ver, era Bianca, ela estava caída ao lado de Carlos, ele correu desesperado em sua direção, ela tinha levado um tiro na cabeça, não tinha sido um acidente, tinha sido uma execução, seu mundo caiu, sua vida tinha morrido junto com a dela e com a do seu filho, nada mais importava.

O inquérito pra investigação foi aberto, mas nada foi descoberto ou provado, uns diziam que o confronto tinha acontecido, outros diziam que tinha sido uma armação, Liane condenou Marcelo dizendo que ele era o culpado, pois deveria ter proibido Bianca de sair de casa a aquela hora, e no fundo Marcelo se sentia culpado, ele tinha matado sua mulher e sua filha, ele jamais se perdoaria, ele não tinha mais vida, ele não tinha mais nada.

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