3º capitulo

Ana chegou até a rodoviária e pegou um ônibus indo a São Paulo, ela tinha dinheiro suficiente para pegar um avião, mas queria economizar e ao mesmo tempo achava que seria muito mais difícil seu pai conseguir rastrear ela de ônibus, o celular ela entregou para um morador de rua, Cézar, Luis Felipe, sua mãe... Qualquer pessoa que fosse poderia morrer ligando, ela nem ao menos saberia, sabia também que ia sofrer com isso, mas era melhor assim, se acostumar com a solidão, por que se topasse conversar com qualquer um deles, perderia o foco e mudaria de ideia, ela seria uma bailarina, custasse o que for.

O Ônibus encostou na rodoviária de São Paulo, Ana caminhou apressada até o ponto de Taxi e então percebeu que estava sendo seguida, era o cara do ônibus.

- Ta com pressa gracinha?

Ela abaixou a cabeça e apressou ainda mais o passo, quando se deu por conta estava correndo, não demorou muito para despistar o cara, porém a rodoviária tinha ficado para trás, ela tinha corrido tão rápido que nem ao menos tinha percebido para que lado tinha ido, molhou as ruas movimentadas, carros buzinavam o tempo todo, pela primeira vez ela sentiu medo, medo de não encontrar um lugar para passar a noite, medo do cara do ônibus encontra-la pelas ruas, medo de ter cometido o maior erro de sua vida.

Ela respirou fundo, não podia deixar que o medo a cegasse, desceu a avenida e fez sinal para um taxi que vinha passado e parecia vazio, o carro logo encostou.

- Para onde moça?

Ana rapidamente tirou o mapa da bolsa e observou sem saber o que responder, ela não sabia para onde ir, tinha circulado o endereço das mais celebres academias de dança de São Paulo, mas não tinha pensado em um hotel ou pensão.

- Tem algum hotel perto daqui?

O taxista olhou para ela.

- Aqui não exatamente, mas tem uma pensão no próximo bairro, posso deixá-la lá se quiser.

- É boa?

- Pequena, mas é confortável.

Ana lembrou-se que não tinha muito dinheiro consigo e temia que o pai já tivesse bloqueado suas contas.

- Pode ser, me leve para lá.

O taxista seguiu e Ana abriu a janela do carro olhando para fora, a selva de pedras agora era sua casa, sorriu, certamente isso se chamava liberdade.

Ana Paula tinha um lugar para ficar, um quarto para passar a noite e uma cama para dormir, quando se deitou sentiu os pés que latejavam, ela nem acreditava na sorte que tinha, tinha conseguido um lugar depois de horas e mais horas perdida, tinha conseguido um lugar depois da besteira que tinha feito como estaria sua mãe? Seu pai tinha sido demitido? E Luis Felipe como estaria? Tinha vontade de ligar, mas tinha jogado o telefone fora por medo de se arrepender ao dobrar a esquina, o que faria amanhã? Ligaria para companhia de dança e marcaria horários, horas, apesar de que se a quisessem ainda no dia seguinte não conseguiriam dançar, pois seus pés estavam destruídos, foi fechando os olhos devagar e se entregando ao sono completo.

No Passado...

Quando Ana era pequena, Cézar se lembrava de brincar com suas bochechas rosadas e alisar seu cabelo, eles passavam horas vendo as estrelas e conversando, apesar de não terem muitas condições eram uma família feliz, tudo que Ana sempre quis foi uma irmã, mas a mãe nunca mais conseguiu engravidar, eram só eles, Cézar costumava dizer que Ana era a sua bailarina e isso sempre a inspirou a dançar cada vez mais, com o passar dos anos Cézar conseguiu iniciar a faculdade, mesmo já tendo uma idade concluiu o curso de administração rápido, fez um financiamento e abriu uma fabrica de materiais elétricos, foi assim que recebeu a proposta de entrar para a empresa de Luis Felipe, Luis Felipe terceirizava os produtos da fábrica de Cézar, os dois ficaram amigos e Cézar começou a trabalhar cada vez mais, agora chegava tarde em casa, cansado não tinha tempo para ver a filha dançar, muitas vezes se desencontravam, Ana choramingou no começo mas, depois foi se acostumando com a ausência do pai, e assim Ana pulou dos 5 para os 10 e dos 10 para os 15, a essa altura Cézar e Margo mãe de Ana já não estavam mais tão bem, brigavam bastante por causa da falta de tempo dele e isso começou a irritar Cézar, ele queria uma mulher para lhe agradar, que lhe esperasse com um sorriso nos lábios, bonita e tudo que ele tinha era uma mulher fria e estressada, foi assim que aos poucos ele começou a se aproximar de Lúcia, Lúcia sim que era mulher, bonita, tinha as unhas e o cabelo bem feito, andava sempre arrumada, não perdia um dia de academia, não era como Margo que tinha repulsa a exercícios e que por causa da gravidez tinha ficado flácida, porém para quem Margo iria se arrumar? O marido mal tinha tempo para ela, estava sempre cansado e cheio de trabalho, muitas vezes nem no almoço ou no jantar não se falavam, eram reuniões e mais reuniões, no começo ele esforçava-se para estar presente nas apresentações do ballet de Ana, mas com o tempo isso foi terminando, já Cézar não conseguia entender por que a mulher tinha mudado tanto, ela tinha tudo que poderia querer ou não tinha? Seu trabalho tinha garantido uma mansão em um condomínio fechado no Rio de Janeiro e todos os anos eles tinham o carro do ano na garagem, dinheiro para comprar roupas e ir ao salão não faltavam, ela podia ter uma vida de socialite se quisesse, mas ela nunca quis nada disso, não ia ao salão arrumava-se em casa, não gastava dinheiro com roupas caras, preferia o básico e quando trocaram a primeira vez de carro chorou ao ter que se desfazer do fuca amarelo que tinha ganhado de seu pai ao se mudar de Goiás, aliás seu pai e sua mãe... Essas eram magoas que ela tinha do marido e que não conseguia se esquecer, o pai de Margo tinha ficado muito doente com a idade, mas Cézar não permitia que ela viajasse para tão longe sozinha, era ciumento demais para permitir que ela pegasse o avião, “mulher minha tem que ficar em casa e cuidar dos filhos!”. E assim seu pai faleceu sem que ela pudesse se despedir, sua mãe também não durou muitos anos, Margo não foi no velório de nenhum dos dois, aliás nunca mais tinha voltado para o sitio que eles tinham em Goiás, sendo filha única ela tinha herdado tudo, mas quando disse a Cézar sobre a herança, ele deu de ombros.

- Para que você quer aquilo? Não há mais que um casebre lá, se quiser lhe compro um sitio aqui no Rio de Janeiro, com piscina e tudo, é só me dizer que quer...

Mas não era pelo luxo, ela queria o sitio de seus pais por que era lá que estavam suas raízes, era lá que ela tinha se criado, era lá que ela tinha sido feliz de verdade.

Nos dias atuais...

Margo apressou-se em recolher todas as suas coisas uma lágrima escorreu por seu rosto, olhou novamente para a carta de Ana.

“Não se preocupe mamãe, ficarei bem, não me procure... Vá atrás de sua felicidade”.

Era o que a filha tinha lhe pedido, e ela atenderia esse pedido, não deixaria de procurar pela filha, mas retomaria sua vida em Goiás, bem longe de Cézar.

O pai de Ana não sabia o que fazer, foi então que se lembrou de Lúcia, coitada a essa altura ela já estava sabendo de tudo, devia estar tão preocupada com ele, ele se lembrou dela, aquele rosto lindo, parecia até um anjo, só de pensar sentia calafrios, ela o entenderia e o ajudaria sem lhe acusar, era tudo que ele tinha.

Ele tomou um banho se perfumou e saiu, encostou o carro em frente a empresa, ligou para ela pelo menos umas quatro vezes mas ela não o atendeu, devia estar ocupada se arrumando, ela não deixava um fio se quer sair sobre a roupa que parecia ter sido feita em seu corpo, e que corpo... Aquilo sim é que era mulher! Nessa hora ele viu ela sair, abriu a porta do carro e correu para a calçada.

- Lúcia!

Berrou acenando, ela olhou para trás e torceu o lábio com desagrado, ele correu até onde ela estava.

- Meu amor! Que saudade! Preciso tanto conversar com você...

Quando ele foi para lhe dar um beijo ela pôs as mãos entre eles e virou o rosto.

- Ficou doido, Cézar! Não acha mesmo que vou continuar a sair com você, acha?

- Como assim? Mas Lúcia, sempre soube que eu era casado, se é por causa de minha mulher fique sabendo... – Ela não deixou que ele terminasse.

- Sua mulher? Acha mesmo que eu me importo com aquela velha? Olha para mim Cézar, acha mesmo que uma garota como eu, linda, jovem e com esse corpo vou querer alguém feito você? Tudo bem, até tivemos um rolinho ai, mas tipo você seria o vice-presidente da empresa, agora nem emprego aqui você não tem mais... Logo vai ter que trocar o carro, vender a casa... E o divórcio? Vai custar a metade da sua grana, não vou ficar com um pé rapado, só você mesmo pra achar que eu ficaria com você, se toca né!

Cézar estava tão confuso e atônito que não conseguiu nem mesmo responder, ela lhe deu as costas e entrou em um carro bonito, assim que o carro arrancou ele percebeu que ela já estava acompanhada de outro, Lúcia nunca o tinha amado, ela nunca quis ficar com ele, era tudo um pretexto para conseguir dinheiro, roupas caras, joias, sapatos e bolsas, ele tinha bancado tudo, tudo que sua mulher nunca exigiu dele, o que diabos ele tinha feito da vida dele? Levou as mãos a cabeça e para que não fosse visto chorando entrou no carro, fechou os vidros e ali ficou por algum tempo, o desespero foi ganhando forma, sem emprego, sem família e até mesmo Lúcia ele tinha perdido, de que adiantava viver? Sua vida não fazia o menor sentido, dominado por uma intensa angustia, ele arrancou com o carro pensando em acabar com tudo de uma vez, mas não queria ferir ninguém, desacelerou e voltou para casa, se fosse morrer então morreria sozinho.

Pegou uma gravata velha e pendurou-a em um suporte no quarto, tiraria a própria vida e daria um fim em todo aquele sofrimento, porém quando já estava fazendo o nó de sua forca a porta se abriu e ele viu Margo entrar arrastando uma mala.

- O que pensa que está fazendo?

Assustado ele se virou para a mulher sem saber o que dizer, seu rosto estava vermelho e molhado de tanto chorar, Margo poderia até sentir pena do marido, mas graças a ele sua vida tinha virado de cabeça para baixo, sua filha estava sumida no mundo e tudo que ela tinha construído para aquele relacionamento agora ela sabia que era mentira, por que Cezar nunca respeitou isso.

- Nada mais importa...

- Nada? Interessante, então agora você chegou ao ponto que eu queria que chegasse, para mim também nada mais importa por que você destruiu tudo no que eu acreditava! Destruiu tudo que poderíamos ter na nossa vida!

- Por favor, Margo não me condene, já está tão difícil viver com esta culpa!

- E por quê? Conte-me, ah me deixe adivinhar, sua amante agora viu que você é apenas um velho desempregado e que nem casa não tem por que até a casa que tinha pertencia à empresa! E adivinha só o amor dela por você morreu como tudo que você achou que tinha construído!

Cezar chorava se sentindo o pior dos seres humanos.

- Quer saber Cezar? Depois de tudo eu só posso dizer uma coisa, essa gravata que você usaria como seu carrasco, não merece você, ela é boa demais para terminar como evidência em uma cela de delegacia, quer morrer? Morra! Mas me deixe estará bem longe antes para que eu não precise ter que contar aos policiais que um dia fomos casados, por que só Deus sabe o arrependimento que eu tenho de ter um dia aceitado me casar com você!

Ele caiu de joelhos diante dela implorando por perdão.

- Não me deixe Margo, apenas não me deixe, vamos encontrar nossa filha e recomeçar, me perdoe, por favor!

- Encontre nossa filha e recomponha-se, e depois talvez eu possa perdoá-lo, mas não espere que eu possa voltar a lhe ver como homem, você é menos que um lixo para mim!

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