REFÚGIO

REFÚGIO

 

Graziella

Acordo com um Sobressalto, sinto algo úmido e frio escorrer por meu rosto, sem abrir os olhos levo uma das mãos ao local apenas para verificar o que eu já desconfiava, a coberta improvisada não iria durar a noite toda.

De repente mais gotas de água caem sobre meu rosto causando tremores por todo o meu corpo, me encolho ainda mais embaixo da pequena coberta de papelão que consegui construir antes do mal tempo cair sobre Verona.

Sei que a qualquer momento ela desabaria sobre a minha cabeça, mas a minha maior preocupação não está nisso e sim no meu estômago vazio, que faz mais barulho que os próprios trovões no céu, estou a dois dias perambulando pelas ruas e não comi absolutamente nada, me sinto fraca, temo tentar levantar com minhas pernas trêmulas e elas não suportarem meu próprio peso, pelo menos a chuva aliviou minha sede.

Olho para os poucos carros que se arriscam naquele temporal e imagino como estará a minha família neste momento, será que sentem saudades ou alivio com o meu desaparecimento? Não me arrependo de ter fugido daquela casa, mesmo com fome e cansada pela falta de sono, me sinto livre, um sorriso pequeno brota nos meus lábios ao imaginar a expressão da Sra. Genevive, com certeza ela está uma fera.

A dois dias quebrei as correntes que prendia não só meu corpo mais minha alma, viver anos de mentiras e aparências dói mais do que tudo, minha mãe nunca demostrou um gesto de carinho a não ser diante das pessoas, como eu disse antes, fazíamos a cena patética de família perfeita, isso não voltará a acontecer, não mais, a verdade é que eu passava a maior parte do tempo sozinha trancada no meu quarto olhando para algo sem realmente ver, meu cérebro bloqueava qualquer coisa relacionada a minha vida, o que era um verdadeiro alívio, mas diante dos gestos abusivo de minha mãe, ataques de pânico frequentes e uma atitude inexistente de meu pai o basta foi bem vindo e acolhedor, correr o mais rápido que puder, esse é o meu novo lema, pelo menos se tornou logo que atravessei os grandes portões de casa, e aqui estou eu em um beco escuro sem saída, repleto de lixeiras, apenas uma camada fina de papelão me protege da chuva frequente.

O movimento na rua em frente ao beco aos poucos está cessando, sendo o barulho da chuva o único som no ambiente, as gotas de água que antes banhavam apenas meu rosto escorrem para o meu vestido azul turquesa o deixando ensopado, decido que está na hora de procurar outro local para me proteger.

Forço minhas pernas a levantarem, seguro os restos de papelão acima da cabeça na intenção falha de me abrigar, saio cambaleante do beco estreito e caminho rapidamente pelas calçadas banhadas

pela chuva, não sei onde estou, nunca visitei essa área da cidade, mas os poucos detalhes que observo mostra que a avenida é moderna e sofisticada, composta por estabelecimentos de roupas de grife, restaurantes, bares e boates, todos fechados, imagino que seja muito tarde, talvez madrugada, nenhum ser vivo está presente além de mim, olho ao redor e algo prende minha atenção, ou melhor, um lugar, com sua fachada coberta pela cor preta e toques de dourados é o estabelecimento mais chamativo de toda a rua, exala riqueza e poder, o nome porto di piacere brilha no alto em letras grandes e garrafais, luzes vermelhas adornam as letras e piscam chamando atenção ao longe, o que me atrai para mais perto do estabelecimento não é sua aparência e sim o fato de sua coberta se estender até a calçada formando uma espécie de tenda, um lugar perfeito para me proteger da chuva, penso comigo mesma, sento próximo a entrada me encolhendo no canto e torço pra que o proprietário não apareça tão cedo me enxotando do lugar, esse é meu último pensamento antes de apagar em um sono profundo.

***

-Garota acorda! Você está atrapalhando a nossa passagem! - Ouço uma voz excessivamente irritante, abro os olhos para encontrar a claridade da manhã, sem chuva, uma boa notícia, algo empurra meus pês me tirando dos meus pensamentos, ergo o olhar tendo a visão de um par de pês bem cuidados com unhas pintadas em um tom de vermelho em cima de saltos finos, pernas longas e finas descobertas mesmo em uma manhã fria, um vestido excessivamente curto mostrando mais do que deveria e o rosto raivoso da loira parada na minha frente me desperta completamente.

Me levanto um pouco rápido demais e sinto uma onda de tontura me atingir e me apoio na parede tentando firmar meu corpo, eu realmente preciso comer algo.

-O que você está esperando garota, cai fora! - A mulher fala um pouco mais alto batendo os saltos demasiadamente finos no chão em um gesto de impaciência, me fazendo encolher o corpo ainda mais contra a parede.

-Não seja tão dura com ela Ada! - Ouço novos passos e me viro para a morena deslumbrante que sai pela porta de entrada do estabelecimento, seu vestido curto ao contrário da outra garota é sensual e não vulgar.

Ela me olha com olhos castanhos generosos e sinto meu corpo relaxar aos poucos.

-Que seja! Apenas se livre dela, precisamos trabalhar. - A garota que parece se chamar Ada fala com sua voz estridente e entra pela porta pisando duro.

Olho para a entrada do grande lugar e tenho um vislumbre do esplendor do local, o tapete vermelho se estende para seu interior, ao lado das portas duplas, que agora se encontram completamente abertas, há duas estatuas de mulheres totalmente despidas que mais parecem Deusas do olimpo, com suas curvas perfeitas e seus cabelos longos soltos cobrindo seus seios, quando dou mais um passo para ter uma visão mais ampla do interior esbarro na garota com rosto generoso, que me lança um sorriso e cruza seus braços sobre os seios os fazendo saltar diante dos meus olhos, dou um passo para trás.

-Não dê atenção para Ada ela é assim com todos.- Ela diz simpática e entende uma mão em minha direção.- A propósito, meu nome é Dalila.- Ela sorrir para mim com ternura enquanto aperto a sua mão.

-Graz-Graziella.- Gaguejo meu nome e baixo a cabeça um pouco envergonhada pela minha aparência, que com certeza está péssima, me afasto de Dalila, preciso fazer minha caminhada para longe daqui em busca de comida, ela me lança um olhar de compaixão, eu apenas aceno e saio.

Ando pelas ruas em busca de algum restaurante, quando encontro um me dirijo aos fundos, vejo uma senhora jogando alguns restos de alimentos para um cachorrinho fofo que pula ao seu redor, ela percebe que me aproximo e sorrir para mim, eu retribuo seu gesto.

- O que uma moça tão linda faz aqui nos fundos? - Ela pergunta me avaliando, mas no momento só tenho atenção para a comida que está em um pequeno recipiente nas suas mãos.

Ela segue meu olhar, parece pensar um pouco, quando ela desaparece pela porta que leva para dentro do restaurante, penso que ela pode apenas ter voltado ao seu trabalho, mas logo ela volta com uma pequena sacola e me entrega me sinto completamente grata, dentro encontro um pouco de comida embrulhada para viagem.

- Muito obrigada! - Digo um pouco emocionada por aquela senhora ter me dado comida sem nem mesmo me conhecer, ainda existe pessoas boas no mundo.

Ela corresponde meu sorriso sincero e passa uma mão em meu rosto em forma de carinho, o gesto me assusta um pouco, pois não estou acostumada, na verdade ninguém nunca me fez isso.

- Não agradeça minha linda, apenas me visite sempre, essa velha aqui não tem muita companhia nessa cozinha. - Ela é interrompida por um latido e olhamos para o pequeno cão que nos olha com seus olhinhos pidões.- Não esqueci de você Nilo, você é um grande amigo! - Ela diz enquanto acaricia a pequena cabeça de Nilo e ele lambe toda sua mão.

Depois de algum tempinho observando os dois, me disperso, prometendo voltar mais vezes. Caminho lentamente pelas calçadas em busca de um lugar para me acomodar e apreciar minha comida, acho um espaço calmo ao lado de uma loja de conveniência e me sento, como tranquilamente observando as pessoas que andam ao redor, estava tão dispersa quando cheguei que não notei onde estava, estou novamente perto do porto di piacere, só que desta vez em frente ao prédio, do outro lado da rua, observo quando alguns carros importados param em frente e homens vestidos formalmente de terno saem e entram no estabelecimento, demoravam alguns minutos e logo voltavam todos eles acompanhados por uma mulher exuberante ao seu lado, o lugar era bastante movimentado aguçando ainda mais minha curiosidade.

Um conversível preto para em frente ao porto di piacere, um homem na faixa dos 40 anos com um quepe na cabeça sai do carro e se direciona para o lateral abrindo a porta traseira.

Prendo a respiração quando um homem alto, vestindo um terno cinza sob medida marcando seu corpo aparentemente musculoso e com feições jovens sai do carro e caminha lentamente pela entrada do lugar, seu modo de andar é imponente, quando ele desaparece pela entrada me pergunto o que acontece ali, fico atento a fachada do prédio esperando ele sair com alguma mulher como todos os outros homens.

Ele não demora muito a voltar, vejo seu rosto sério, mandíbula bem desenhada e máscula por baixo da barba rala, seus olhos são de um castanho escuro e intensos, uma de suas mãos está apoiada na base das costas da garota, que possui um corpo muito bonito, porém muito magro, como aquelas modelos capas de revistas, desvio o olhar para seu rosto e vejo uma Ada muito sorridente, rebolando excessivamente os quadris em cima de seus saltos altos demais, os dois entram na parte de trás do conversível que rapidamente se afasta do local.

Fico imaginando para onde estão indo e que tipo de compromisso os dois tem juntos, afasto essas perguntas de minha mente, o cansaço me invadi e deito a cabeça em meus joelhos para tentar dormir um pouco, tenho que me preparar para mais uma noite sem pregar o olho. Parece que se passaram segundos, quando sinto alguém cutucar meu ombro. Levanto a cabeça e encontro Dalila me olhando, me assusto um pouco com a sua presença, mas logo volto a relaxar quando ela se agacha para ficar na minha altura.

-Oi Grazi! - Sorrio pela forma sincera que ela diz meu apelido, ao contrário de minha tia que só dizia para me provocar.

-Oi.- falo um pouco tímida.

Ela segura minha mão e puxa meu corpo para levantar da calçada, enquanto ela faz o mesmo com o seu, sigo seu gesto um pouco confusa.

-Vem comigo! - Ela fala com a voz calma, me guiando para o outro lado da rua. Estanco no lugar um pouco relutante.

-Para onde vai me levar? - Pergunto temorosa.

Ela apenas pisca para mim e me lança um sorriso tranquilizador.

-Um refúgio. - Ela diz simplesmente como se aquela palavra explicasse tudo.

Assinto e apenas deixo ela me levar para qualquer lugar que seja, acho que é disso que preciso, um refúgio.

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