Meu Querido Inimigo - Sem Lei#1
Meu Querido Inimigo - Sem Lei#1
Por: Zelda Howard Zee
#1 - Era apenas mais uma missão...

2008. Centro do Rio de Janeiro, 09:30AM

O Rio de Janeiro estava intragável naquele verão. Como sempre. Quente como uma estufa. Um inferno!

Mari entrou com a moto no meio de dois carros. Tirou um fino. Cruzou o semáforo uma fração de segundos antes que ele se fechasse. Veículos que vinham na transversal buzinaram.

— Maluco!

Ela ergueu a mão. E um dedo.

A figura pequena, de capacete coco e óculos, montada num monstro de metal, chamava a atenção em todo o canto.

Acelerou a Fat Boy. Uma pérola resgatada de um leilão. Sentiu a vibração entre as pernas. Sorriu. Tesão. Mil, quatrocentas e cinquenta cilindradas. Segundo as amigas, um vibrador com sessenta cavalos.

Deliciou-se com a potência da máquina. Dominá-la era quase um orgasmo. A excitação da velocidade era maior do que qualquer excitação sexual que conhecia. E sua Harley, uma companheira mais fiel do que qualquer homem.

Cumprimentou o flanelinha em frente ao prédio da Superintendência e entrou no estacionamento privativo. Olhou o relógio no pulso.

Atrasada. Pra variar...

Pedro ia falar o dia inteiro. Ela ia sorrir e ignorar.

Pedro resmungava a cada vez que entrava na sala dele. Quando o parceiro chegou, Mari já estava quase jogando o chefe pela janela.

— Oi, Rique! — Ela apertou a mão forte e saiu de fininho atrás dele — Pensei que não viesse hoje.

— Por quê?

— Meu time deu um couro no seu!

— Não enche, Mari. O que tem pra gente?

— Homicídio, fraude... Hum. Vai querer com fritas ou sem?

O colega bufou e pegou as pastas da mão dela.

— Me dá isso aqui.

Mari estudou o parceiro com atenção. Sorriu. Henrique Castelo. Rique era um cara atraente. Trinta anos, bem-educado, modos refinados. Tinha seu próprio apartamento. Iniciou cedo a carreira como agente federal. Respeitado. Formado em direito com louvor. Pele negra, corpo sarado e boca carnuda. Enlouquecia as mulheres por onde quer que fosse. Ela até saiu com ele algumas vezes. Mas Rique tinha se apaixonado e agora estava noivo.

Parabéns pra ele, pensou. Cruz credo, me amarrar desse jeito!

Bateu na madeira e começou a praticar seu esporte preferido. Encher a paciência dele.

— Rique...

— Hum?

— Já te disse que você é muito gostoso?

— Cala a boca, Mari. Tô lendo.

— Sério Rique, já te falei pra largar essa vida de agente. Vai ser modelo! Com esse corpo e essa bunda, tu tá perdendo tempo aqui!

— Mari! — Ele a encarou.

— Ah, fala sério, cara! Eu mesma já provei o material — piscou — sei que é bom! Tá certo, tua noiva me odeia e quer me ver morta por isso... mas, fazer o que, se tenho bom gosto? — Rique torceu o nariz e ela continuou. — Se não fosse tua pele ser dessa cor, aposto que você estaria vermelho que nem um pimentão! Mas eu sei que tua cara tá pegando fogo, o suor na tua testa te denunciou...

Ele baixou os papéis, encarando-a.

— Mari, tem sempre que ser assim? Tão explícita?

— Ah, Rique! Você sabe que eu te amo! Não briga comigo, vai... — ela se inclinou sobre a mesa. Piscou várias vezes com falsa inocência.

Uma bola de papel acertou seu nariz.

— Você tá precisando é de um homem pra apagar esse fogo!

— Oba! É um convite? Por que se for eu topo. Aquela vez foi... uhu!

— Chega, Mari! Não dá pra falar sério com você!

— Hei, Rique! — Ela falou com as costas dele, que se afastavam pelo corredor. — Rique, volta aqui! Merda!

Aeroporto Internacional Tom Jobim — Desembarque Internacional, 10:30AM

O homem saiu apressado do guichê da imigração. A maleta passou no exame da esteira. Ele afrouxou o colarinho e a gravata de seda.

Quente. O Rio era muito quente. Mesmo ali, no ar condicionado do aeroporto. Um calor infernal.

— Sente se bem, senhor?

— Muito calor...

A maleta caiu de sua mão. Ele viu o mundo de um ângulo inferior, estranho. Calor. Falta de ar.

— Uma ambulância, rápido! Esse homem está tendo um ataque!

A última coisa que viu foi o homem de terno preto que pegou sua maleta.

Urca, Rio de Janeiro, 10:45AM

— Tem certeza de que era ele?

Absoluta. A mala está comigo.

— Venha para cá agora. E não abra a maleta.

Certo chefe. E quanto ao homem?

— Esqueça. Ele não vai chegar vivo ao hospital. Trombose venosa profunda é muito comum em voos de longa distância. E, no caso dele, vai ser fatal.

O celular foi desligado. Ele se levantou, a vista da enseada de Botafogo aos seus pés, seus dois iates balançando mansamente no mar sereno. Em breve o Rio inteiro ficaria ao seu dispor.

Centro do Rio, 11:30AM

— Por que nós, Rique?

— Porque o homem é estrangeiro. E sua maleta foi roubada no aeroporto.

— E... ?

— E ele é um figurão importante, nós somos agentes federais e a ordem veio direto de Brasília. Será que eu tenho que explicar o manual básico pra você?

— Relaxa, tá, Rique!

— Droga, Mari! — As mãos de Henrique bateram no volante. — Ia ser a minha folga! E o Pedro tinha que me enfiar nesse caso? Só pra poder comer a Ângela? A Julia vai me matar, eu prometi jantar com ela!

— Sério?

— O que, Mari?

— O Pedro tá pegando a Ângela? Eu não sabia...

Ele olhou para ela, sem acreditar.

— Incrível... você só sabe o que acontece no noticiário policial? A vida normal não te interessa?

— A vida normal no Rio de Janeiro é um noticiário policial, amigo! De onde ele veio?

— Holanda.

— Ah não... rota de Antuérpia? Não, não! Nem me diga. Deixa eu adivinhar. Diamantes.

— Bingo!

— Puta que pariu! Eles não mudam essa porra de dessa rota! Sabem que é visada desde que Adão era bebê e insistem em manter essa merda...

— Pééim! — Rique interrompeu, sem tirar as mãos do volante ou olhar para ela — Recorde de palavrões numa frase! Troféu boca suja vai para a agente Mari...

— Ah! Rique. Vá para...

— Olha lá o que tu vai dizer! — Olhou-a por um instante — Vou lavar tua boca com detergente!

— Olha pro trânsito, — cruzou os braços — eu não sou chique e filha de diplomata como você, querido. Fui criada na rua, na Tijuca, que nem moleque. Encosta ali, — apontou uma vaga livre — odeio vir no IML.

Rique desligou o carro e olhou para ela.

— Por quê?

— Fico sempre me imaginando numa dessas gavetas...

— Ah, Mari! Por favor! Que coisa mais mórbida! — Abriu a porta e chamou. — Vamos! Anda, porque ainda quero ligar pra Júlia e ver se salvo nossa noite.

— Não entendi.

O legista colocou a caixinha com o Big Mac meio comido em cima do balcão, quase ao lado de um cadáver recém-autopsiado.

— Levaram o cara. Vieram aqui, esfregaram um papel no meu nariz e levaram o dito cujo.

— Assim? Sem mais nem menos?

— Assim, sem mais nem menos, Mari.

Antônio Lira, médico legista e jogador profissional de sinuca nas horas vagas, deu outra mordida em seu lanche, indiferente aos resmungos dos dois agentes.

— Pra onde eles foram? — Perguntou Rique.

— Fiocruz.

— Hã?

— O que um defunto sob jurisdição federal pode ter pra fazer num centro de pesquisas como a Fiocruz? — Rique estava curioso.

— Trabalho da faculdade? — Arriscou ela.

— Porra, fala sério, Mari! — Acenou para o legista e saíram da sala. — A Júlia vai me matar. Desse jeito eu não me caso nunca!

— Que bom...

— O que disse? — Ele estacou na frente do elevador.

— Tadinho...

Fundação Oswaldo Cruz, 2:30PM

— Tá, Júlia... tá bom, eu te entendo... —

Mari balançou a cabeça e entrou numa vaga. Desligou o carro. A conversa de Rique no celular continuou.

— Eu sei, amor... claro que você é mais importante...

Ela desceu do carro, subiu o vidro, trancou a porta.

— ...eu faço o que é preciso... claro que te amo!

Mari bateu no teto do carro.

— Anda logo! — Resmungou.

Rique fez sinal para que esperasse. Ela caminhou para as duas portas de vidro. Mostrou o distintivo ao vigia. Logo o parceiro apareceu.

— Saco! — Pegou o crachá que o vigia estendeu. — A Júlia tá puta comigo!

— Relaxa — ela passou pela porta e falou sobre o ombro — você sabe como amansar a fera...

A expressão dela e a piscada de olho foram indecentes. Ele ficou com o rosto quente pela segunda vez naquele dia.

— Eu já disse que vamos entrar!

— Daqui vocês não podem passar — o grandalhão cruzou os braços. Plantou-se na frente da porta. O terno preto esticou-se nos ombros.

— Somos agente federais. Vocês levaram nosso corpo. — Reclamou Rique.

O sujeito escutou algo no fone de ouvido. Depois, retrucou.

— Ordens superiores, — olhou para Mari — risco de contaminação. Uma equipe especializada fará a autópsia.

— Contaminação? De quê? Com o quê? Que equipe?

O sujeito deu um passo à frente.

— Isso é tudo, agente. Cai fora.

Ops! Mau, meu camarada. Muito mau.

Rique coçou a cabeça. Olhou para Mari. Agora que ela não arredaria pé dali.

— Escuta aqui, ô finesse...

O amigo puxou seu braço.

— Deixa.

— De jeito nenhum!

Mari foi arrastada pelo colega até a porta. Xingou-o.

— Fica quieta e escuta!

Cruzou os braços. O pé batia nervoso no chão.

— Fala.

Rique respirou fundo.

— Vou tentar argumentar com o cara. Fica aqui e, de preferência, de boca fechada. Cabeça quente agora só vai foder com tudo.

Ele deu as costas, antes que ela falasse.

— Merda!

Depois de dez minutos, Rique fez um sinal positivo. Ela correu até a porta. O brutamontes barrou sua passagem com um sorrisinho.

— Só ele, agente.

Seu colega deu de ombros. Entrou pela porta, depois que o guarda passou o cartão magnético e digitou uma senha. Logo as duas placas de metal se fecharam com Rique lá dentro.

— Dali você pode ver — o guarda apontou uma parede de vidro espesso.

— Fazer o quê, né?

Mari parou diante do vidro e espiou. Lá dentro, Rique já estava vestido com traje estéril, luvas, máscara e o diabo a quatro. Outro homem o acompanhou. Um pesquisador. Para que tudo aquilo?

Os dois puxaram a pesada gaveta de aço. Rique olhou para ela através do vidro. Mesmo de máscara, dava para ver que ele ria. Só porque tinha entrado e ela não.

— Filho da puta debochado...

Num instante ele fazia graça com ela. No outro, olhava pelo vidro em pânico. A gaveta com o corpo ficou aberta. Rique e o outro homem pareciam sufocar. Cambalearam. Mari virou para o grandalhão.

— Abre isso! — Bateu no vidro. Gritou de novo para o guarda. — Abre! Tem alguma coisa rolando lá dentro!

Ao invés disso, o sujeito quebrou o vidro da caixa de emergência na parede. O caos começou. Escuridão. Sirenes, luzes vermelhas. A confusão dominou o prédio. Colada ao vidro, Mari assistia Rique gritar em silêncio.

— Rique! — Socou o vidro blindado com força — Henrique!

A mão sacou a pistola do coldre e apontou na direção da janela.

— Não!

Uma voz diferente. Não era do guarda.

A mão pesada agarrou seu antebraço. O projétil se alojou no teto. Rique, do outro lado, bateu no vidro. Os olhos esbugalhados. Por trás da máscara, pareceu gritar de novo.

Do lado de fora, ela lutava contra aquele que a segurava. Não o via. Estava de costas para o sujeito. Mas não era o guarda.

— Me larga! Merda! — Só as luzes de emergência estavam acesas. Não via nada direito, ali era o subsolo. Parecia uma tumba. — Rique!

Soltou-se das mãos que a seguravam e girou o corpo. Ágil, chutou seu oponente. Saltou sobre o guarda. Tinha que abrir aquela merda daquela porta! Enfiou a mão sob o terno do homem.

— Me dá essa merda desse cartão!

Não conseguiu muito. Logo foi apanhada de novo. Definitivamente, não era o guarda. Era um homem. Maior do que ela. Bem maior. Conseguiu puxá-la pelo colete e tirá-la de cima do outro.

— Volte aqui, sua idiota! Vai matar todo mundo se abrir essa porta! — Autoritário, ordenou. — Lucas, chame toda a equipe! Nível máximo de segurança!

O guarda respondeu. Frio, calmo.

— Certo.

Aquele cara era um robô? E quem era o babaca que a segurava?

— Idiota! — Seu cotovelo encontrou o estômago dele.

— Uf! — O aperto relaxou.

— Rique! — Onde ele estava? Mari colou o nariz no visor. Viu Henrique no chão. Imóvel. As palmas de suas mãos bateram no vidro. Sentiu-o tremer. Merda de blindado! — Rique! — Reconheceu o desespero na própria voz.

— Esqueça, — foi arrastada para longe do vidro — Tem que sair daqui agora!

— Não! — Esperneou.

Maior do que ela, o homem a levantou do chão.

— Pare de se sacudir! — A voz soou irritada. — É uma área de contaminação.

— Rique!

Ele perdeu a paciência. Brusco, virou-a de frente. Sacudiu-a com força. Seu rosto, sob a luz intermitente e vermelha, era diabólico. Viu pouco das feições. Queixo quadrado. Nariz reto. Testa alta. Sexy. Afastou o pensamento.

— Esqueça o cara, ele já está morto! — Mari sacudiu a cabeça. Não! Não! Rique não estava morto. Por que o idiota não a ajudava a salvar seu parceiro? — Já disse. Não tem como, — respondeu sem ser perguntado — venha comigo.

— Nunca, meu camarada!

Um grunhido foi sua resposta. Ele deu um passo à frente. Mari não recuou a tempo. Foi apanhada. Literalmente, ele a carregou. Atravessou o corredor, cruzou outra porta de aço, entrou num elevador. Ela foi jogada num canto e a porta se fechou. Quis passar pelo sujeito, mas ele a bloqueou e ameaçou.

— Se der um passo na direção desse painel, vou deixar você desacordada — rosnava, não falava — não vou permitir que quebre a segurança!

— Quem é você?

A porta do elevador se abriu. Até ali, ela contou quatro níveis de subsolo. Na Fiocruz?

Ele, calado, a arrastou de novo. Quem diabos era aquele cara? Tentou puxar o braço. Sem sucesso. Passaram por uma sala repleta de computadores, gente, painéis, luzes piscando. A sirene continuava. Um centro de controle. Do quê?

Ninguém os parou. Foram olhados com certa indiferença. Continuou a reboque do brutamontes de poucas palavras. Entraram numa sala deserta. Duas cadeiras, um sofá pequeno, uma mesa e um frigobar num canto.

Ele a largou de repente. Reequilibrando-se, Mari preparou o bote. Não ia desistir. A mão se fechou no encosto da cadeira de alumínio. A peça voou sobre o homem.

— Mas que...

O antebraço dele aparou o golpe. Segurou a cadeira. Mari investiu com o ombro.

— Não vá pensando que vou te dar essa corda toda, grandão! — Ouviu-o gemer quando o acertou no estômago — sou uma agente federal, não pode me deter assim!

— Não só posso, — ele a empurrou e jogou a cadeira para o outro lado — como vou!

Mari afastou as pernas. Agora, sob a luz, podia vê-lo. O sujeito era grande. Alto. Um e oitenta, oitenta e cinco, por aí. Ombros largos, braços idem. A camiseta preta parecia a ponto de rasgar sobre os músculos. Cabelos escuros, bem curtos. Militar? Uma cicatriz no rosto. Cara de poucos amigos. Concentrou-se nos olhos. Não dava para discernir a cor. Mas eram furiosos. Estavam furiosos. Com ela.

— Olha aqui, seu babaca. Não sei quem você é ou o que está acontecendo aqui. Só sei que deixou Rique lá naquela sala pra morrer! E eu quero sua cabeça por isso!

O homem se empertigou. Deu um sorriso irritante.

— Venha buscar, agente. Cansei de ser bonzinho com você, — esfregou o abdome dolorido — se me acertar de novo, vai levar.

Odeio esse babaca!

Partiu para cima dele. Surpreendeu-o ao usar a mesa como apoio. Atacou-o por cima. Escorregou sobre o tampo liso. Seus pés acertaram o peito do homem. Ele recuou. Logo se recuperou e partiu para cima dela.

— Eu avisei!

Mari se esquivou do punho fechado. Burra! Aquilo era uma distração. A perna longa aplicou-lhe uma rasteira.

Ah, filho da puta, você vem junto!

Agarrou-o e os dois caíram. Ele por cima dela. Mari sentiu o ar lhe faltar. Ergueu o joelho. Para escapar do golpe, ele rolou para o lado. Gritou furioso.

— Pela última vez... — Deus, me dê paciência! Vou matar essa mulher! — Fique quieta!

Um soco o atingiu no queixo. Merda! A mulherzinha tinha a mão pesada! Sem saída, rolou de novo sobre a agente. Segurou seu punho e torceu. Mari cerrou os dentes.

Ceda! Droga! Ceda, não quero machucar você!

Ela tentou resistir. Impossível. O homem conseguiu colocá-la de bruços. Imobilizou-a, mantendo seus braços para trás e o peso sobre ela. Mari sentiu a respiração dele junto ao ouvido.

— Fica quieta! Ou vai sair daqui com o braço engessado.

Ela sabia qual era a hora de ceder. A hora de parar. Relaxou. Talvez conseguisse a confiança dele. Arriscou perguntar.

— Posso saber pelo menos quem é você e que lugar é esse?

Demorou um pouco para ele responder.

— Dib. Pode me chamar assim.

Mari riu. Apesar da posição incômoda. Zombou.

— Qual é?! Um cara do seu tamanho se chama "Dib"? Isso é nome de ursinho de pelúcia!

Que filha da puta debochada!

— Pra quem está na posição em que você se encontra — ele apertou seu braço de propósito. Ela gemeu de dor — sua língua até que está bem afiada.

— Muito bem, ursinho Dib — grunhiu — vai me explicar ou não o que está rolando? E meu parceiro?

— Prometa ficar quieta.

— Nem morta, ursinho.

Seu braço sofreu de novo.

— Ouça, tira. — Ele a levantou do chão. Não largou seu braço. — A essa altura, seu colega já era.

Mari reteve o choro. A raiva. A dor. Tentou se virar de frente. Ele a empurrou contra a parede. Afastou suas pernas com os pés. Teve que apoiar a testa na alvenaria.

— Ei!

Começou a revistá-la. A mão grande percorreu seu corpo. A outra não largou seu ombro. Profissional. O coldre sob o colete foi o primeiro alvo.

— Glock 9mm... — Liberou o pente, que caiu no chão. Travou a arma, enfiou-a no cós da calça, atrás das costas, e prosseguiu. A mão chegou às pernas. Entrou sob a barra da calça. Grossa. Áspera. Quente.

Concentre-se Mari!

— Hum. Uma faca, — voou longe — Walter PPK? — Terminou a revista no cós do jeans. — Uma escolha romântica... gosta de James Bond?

— Vá se ...

— Shh! Calminha aí! — Virou-a de frente — sei que tem mais um coelho na cartola, tira. Me dê.

Estendeu a mão aberta. Mari encarou os olhos dele. Verdes? Que se dane! A faca presa sob o sutiã ela não entregava nem morta!

— Pensou errado, ursinho.

Insolente, ele sorriu. A mão grande empurrou o colete de lado. Entrou no decote da camiseta. Os dedos longos roçaram sua pele.

Mari arregalou os olhos. Sentiu os mamilos endurecerem. Arrepiou-se. O sorriso de Dib se alargou.

— Bingo! — Ele sussurrou quando os dedos tocaram o cabo da faca embainhada, presa no sutiã esportivo, entre os seios. Puxou bem devagar.

Dib não estava indiferente a ela. Nem às duas marcas pequenas contra o tecido da camiseta. Nem à pele arrepiada sob seus dedos. Ela o encarava. Olhos ambarinos. Raros. A rainha da confusão tinha olhos ambarinos. Cor de whisky.

— Acho bom tirar a mão daí, ursinho!

Os dedos apertaram o cabo da faca. O corpo dele prensou o dela contra a parede.

— Acho bom você ficar quieta. Ou vou algemá-la.

— Não pode fazer isso! Sou uma agente federal, estou aqui a serviço! — Ela bufava e se remexia. — Exijo saber o que está acontecendo!

O sorriso de Dib se tornou mais largo. Mais insolente. A voz grave debochava dela.

— Se continuar se esfregando em mim desse jeito, vou achar que está gostando.

Merda! Não conseguia se concentrar no trabalho. Não com aquela gatinha brava na sua frente. O tapa acertou seu rosto. A concentração voltou. Segurou a outra mão dela. Tinha errado em deixá-la solta.

— Filho da puta! Me larga! Tenho o direito de saber o que está acontecendo!

— Vai saber quando for a hora!

Ele estava perto, muito perto. Tanto que sentia o calor dele. Fazia tempo que não topava com um homem tão... homem.

Mas o que estava acontecendo com ela? Rique estava preso naquela sala. O cara dizia que ele estava morto. E ela se derretendo de tesão pelo troglodita!

— Meu parceiro?

— Já falei — ele se afastou um pouco — ele já era. Sinto muito.

— Precisam tirar ele de lá! — Odiou o tom de súplica na própria voz.

— Agente Esteves, seu parceiro foi contaminado por uma substância desconhecida e letal. A mesma que matou o homem no aeroporto. Suspeitamos de uma arma química ou biológica que estava sendo trazida ilegalmente para dentro do país. Com que objetivo, ainda não sabemos.

A mão dele relaxou. Mari puxou o braço. Tentou recuar, a parede não deixou.

— Sai da minha frente.

Ele abriu passagem. Mari se afastou. Puxou uma cadeira e desabou sobre ela. Rique. Seria verdade?

— Sinto muito pelo seu colega. — Dib sentou à mesa — não deviam ter vindo.

Ela se irritou.

— O caso era nosso! A jurisdição era nossa! — Apontou um dedo para ele. — Vocês é que não deviam ter se metido. Aliás, quem são vocês?

Dib não respondeu. Levantou da cadeira e foi até a porta. Ela o seguiu com os olhos. Ele tirou um cartão do bolso. Destravou a porta com ele. Observou-o guardar o cartão no jeans. Bolso direito. Registrado.

— Lucas — o guarda grandalhão apareceu — mande vir café pra nós. E o agente?

O outro balançou a cabeça.

— Sinto muito, Dib. Nem ele, nem o biomédico.

— Merda!

Ouviu um soluço atrás de si. Virou-se. A mão esfolada cobria a boca. Abafava o choro. As lágrimas escorriam pelo rosto de Mari Esteves.

Lógico que ele sabia quem ela era. Desde que ela e Castelo saíram do IML para lá, ele já sabia. Primeiro lugar na academia da Federal. Desempenho brilhante. Dedicação exclusiva ao trabalho. Uma longa lista de advertências na ficha. Outra, maior ainda, de casos solucionados. Uma mulher bonita.

Cabelos castanhos, lisos. Um pouco acima dos ombros. Jeito delicado, rosto miúdo, corpo bem feito. Coitado do cara se enganasse com sua aparência!

Esteves era faixa preta em judô. Mestre em Krav Magá. Atiradora de elite. Parceira de Castelo há três anos. Amiga de Henrique Castelo.

Droga! Se Lucas, seu parceiro morresse, ele também ficaria assim? Sem querer acreditar? Aproximou-se. Colocou a mão em seu ombro.

— Eu sinto muito...

Ela saltou de pé. Empurrou sua mão. Gritou.

— Não! Você não sente! Nem sabia quem ele era! Deixou Rique lá pra morrer, seu desgraçado!

Dib falou calmamente.

— Se eu abrisse aquela porta, talvez o Rio todo morresse.

Não havia argumentos. Mesmo assim, doía. Pensou nos pais de Rique. Estavam aonde mesmo? França. Na embaixada. Julia, a noiva, esperava por ele para jantar. Mari gemeu. Sentou-se, derrotada.

Henrique estava morto.

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