Reeleitura

Theo percorreu as ruas da cidade em sua BMW chamando atenção de todos os pedestres que estavam nas calçadas, o ronco do motor assustava até quem estava tento a visão. Já era tarde, por volta de oito horas da noite e os postes iluminavam todos lugares, eram quase como holofote para o carrão que cruzava as avenidas. O céu estava nublado e sua casa não era tão distante de seu destino, não demorou muito para ele chegar até o local. Era dentro de uma pequena viela coberta pelos grandes prédios do centro, uma pequena loja de suveniers e no momento que ele chegou a loja já estava sendo fechada por duas mulheres. Ele parou o carro o que chamou a atenção das duas, o farol forte do carro iluminava o rosto delas. Uma era mais velha, bem vestida, um terno azul marinho e uma mais jovem, de calças jeans e casaco cobrindo quase o corpo todo. Logo desligou o motor e desceu do carro o trancando com a chave a distância enquanto caminhava em direção as duas.

- Mil perdões senhoritas. - Disse Theo tentando ser elegante.

- Quase cegou a gente... - A mais jovem retrucou.

- Peço perdão. Tenho uma pergunta, vocês trabalham aqui?

- Sim senhor. - Respondeu a que aparentava ser mais velha.

- Ah que ótimo, estou precisando de uma pessoa que traduza um texto para mim que esta em Romanche.

- Romanche? - Questionou a mais velha. - Essa língua está quase morta, mas enfim, estamos fechando no momento.

- Ah que ótimo, você é a linguista? Eu lhe dou mil reais agora em mãos se conseguir traduzir um texto para mim.

- Mil... Bom, parece que ainda não fechamos não é mesmo Alice?

- Parece que não. - Riu a mais jovem, Alice.

As duas então abriram a loja novamente e os três entraram na loja.

- Senhor, você tem problema de eu fechar a loja mesmo com o senhor aqui dentro? Nós já estávamos fechando ela quando chegou, não gostaria de mais pessoas entrando.

- Claro, aqui no centro é perigoso. Pode fechar a vontade.

A moça então abaixa a porta de aço da entrada e fecha a porta de dentro logo atrás deles. Theo entrega a carta para a senhorita que pões um óculos de garrafa e a leva para o balcão.

- Hm... Interessante, está realmente em Romanche porém está em um dialeto do Romanche... - Diz a senhorita.

- Mais complicado ainda devo presumir.

- Aliás, meu nome é Clarice Thompson.

- Thompson? Eu conheci um Thompson quando era pequeno quando eu estudava línguas também.Aliás também, me chamo Theodoro, pode me chamar de Theo.

- Eu sei quem você é... Herdeiro do império de vinhos luxuosos de São Paulo.

- Exatamente, mas por favor, não me lembre disso...

- Sinto muito pela sua perda...

- Eu que sinto muito, agora esse peso está sobre minhas costas...

- Imagino... Enfim, vou precisar pegar alguns livros, está em Romanche Subselvano, já basta ser complicado a língua agora estar em um dialeto... Quem lhe mandou essa carta?

- Eu não faço a menor ideia. O nome está ai, em português, de montanha para mim.

- Montanha é? Enfim, talvez demore, quer deixar comigo para amanhã ou quer ver agora?

- Agora... Não queria causar stresse para vocês, mas eu estou realmente curioso.

- Tudo bem, pega um banquinho por ai, vai demorar e filha, não vai dar para ver o filme hoje, vamos passar a noite aqui.

- Tudo bem mãe, fica tranquila. Deixa que eu pego os livros para você.

Alice então que estava atrás de Theo passa por ele e pelo balcão e vai para os fundos da loja, que era repleto de estantes recheadas de livros antigos e levemente empoeirados.

- Parece que o trabalho de tradutora não está dando muito certo não é?

- Sim... Sabe, não tem muitas pessoas se importando com isso, ainda mais em São Paulo. Falando sobre antes, você conheceu um Thompson quando pequeno?

- Sim, como disse estudei línguas quando menor. - Theo puxou uma cadeira da loja e se sentou. - O nome do meu tutor era Erick Thompson creio eu.

- Ah... Meu pai. Que mundo pequeno não é mesmo?

- Ah isso é.

No meio da conversa, Alice volta com três livros diferentes e os assopra para tirar a poeira acumulada em cima deles. Dialetos e a selvageria Suíça, era o nome de um dos livros.

- Selvageria? - Perguntou Theo.

- Ah... Uma propaganda idiota criada pelos Europeus sobre a Suíça... Mas de selvagens eles não tem nada, são um povo super inteligente e culto. - Respondeu Alice.

- Ah, tenho certeza que sim, adoraria conhecer lá.

- Nós duas já fomos uma vez quando eu era pequena.

- Ah que interessante!

E pela noite toda a conversa fluía enquanto a tradutora fazia seu trabalho que era em sua totalidade, traduzir, porém os dialetos tem algo peculiar neles, cada palavra pode ter diversos significados, iguais ao do Brasil. No Rio de Janeiro, bolacha tem o significado de uma “ pancada “ ou “ porrada “, já em São Paulo bolacha seria os “ Biscoitos “ de água e sal, ou outro. Isso já complica as coisas com o povo que vive na nossa grande pátria, imagina em outra língua que está quase morta de outro país distante.

Já eram onze e meia da noite e o texto já estava quase concluído, o esforço da tradutora estava dando frutos e como ainda não havia terminado, Theo faz uma pergunta.

- Vocês ainda não comeram correto? O que vocês acham de pedir uma pizza?

- O que você acha mãe?

- Seria ótimo.

- Ah, que bom e vocês duas, não se preocupem eu pago. A conversa está muito boa e vejo que senhorita Clarice já está quase acabando.

- Quase lá...

- Vou pedir uma pizza então, qual vocês querem?

Theo retira do seu bolso seu telefone enquanto se levanta da cadeira caminhando até a porta, era um habito dele, acho que da maioria das pessoas, andar enquanto fala no telefone, então esperou a pizzaria que ele ligou atendesse.

- Super gigante, metade calabresa metade peperoni!

Disse Alice animada dando leves pulinhos de alegria, afinal ela amava pizza.

- Certo então!

Theo discou o número de telefone dá pizza que ele sempre pedia, porém, uma mensagem eletrónica tocou atravez dele.

“ Desculpem o incomodo a todos, porém a pizzaria está fechada por reforma, devemos voltar dia oito de março, novamente, desculpem-nos o transtorno. “

- Ah, legal, a pizzaria tá fechada.

- Tem uma pizzaria logo no final da esquina, talvez ainda esteja aberta.

Clarice levantou seus olhos para Theo, tirando-os da carta e apontando na direção da pizzaria.

- Sim, vamos lá? - Perguntou Alice, ainda animada.

- Claro vamos.

Alice então destrancou a porta da frente e subiu a de aço para poderem sair, porém antes Clarice os instruiu.

- Gente... Cuidado, aqui no centro é perigoso a noite... Tudo bem?

- Não se preocupa senhora Clarice, ninguém nessa cidade tem a pachorra de mexer comigo.

E era verdade, quando pequeno além de estudar muitas línguas diferentes ao mesmo tempo, treinou estilos marciais e aos seus dezesseis anos já era faixa marrom em jiu-jitsu e faixa preto e branca no muay thai, o que era equivalente a ser um mestre na arte. Uma das poucas coisas que ele se focou e era bom quando mais jovem. Fora tudo isso, a empresa Clementine não tinha lá sua fama boa para lidar com assuntos assim, anos atrás a senhorita Claudia, mãe de Theo foi sequestrada, a policia foi envolvida e tudo, os sequestradores queriam um milhão de reais em notas vivas, no final das contas a policia acabou não prendendo os sequestradores, já que foram achados mortos um mês depois da “ soltura “ inesperada de Claudia, após esse incidente até a policia tinha medo da grande empresa Clementine e seu dono o Senhor Douglas, que teve como apelido depois disso de carrasco.

Theo e Alice então saíram da loja, com Alice trancando ela novamente com sua mãe dentro e os dois seguindo em direção a pizzaria.

- Mas que carrão não é mesmo, Senhor Theodoro.

- Por favor, não me chame de senhor... Só Theo, eu odeio isso...

- Ah desculpa senhor...

- Ah garota...

A conversa fluiu tão bem dentro da loja que os dois pareciam ser amigos já há décadas. Os dois seguiram rindo o caminho todo.

- Chegamos é aqui... E olha, ainda está aberta. Senhor Mateo?! - Gritou Alice para dentro do balcão.

- Alice é você?! - Gritou uma voz de dentro da cozinha.

- Sou eu sim!

A pizzaria estava vazia e os sons da bota de cozinha pisando no chão ecoavam até para fora da mesma, enquanto uma figura limpando molho de tomate dos dedos no avental aparecia saindo da cozinha.

- Querida Alice! Como você está, não ia ver um filme com sua mãe?

- Ah apareceu uma oportunidade de emprego boa e minha mãe aceitou, acabamos ficando na loja.

- Ah que ótimo e esse rapaz bonito aqui, novo namorado?

- Não, não...

Alice riu de nervoso, enquanto Theo segurava a risada.

- Esse aqui é o novo cliente da minha mãe, ele pediu para traduzir algo para ela.

- Que legal, prazer jovem, me chamo Mateo Bernardi, sou dono dessa pizzaria.

- O sotaque é quase impercetível. - Disse Theo.

- Você percebeu não é mesmo? Sim, sou Italiano sim e mais um sim, tenho uma pizzaria, clichê não é mesmo?!

O senhor barrigudo ria alto que fazia novamente ecoar pelo bairro já vazio.

- Clichê demais senhor Mateo. - Respondeu Alice. - Vou direto ao assunto senhor Mateo!

- Diga minha querida!

- A gente vai querer uma pizza grande de calabresa e peperoni.

- Metade, metade?

- Metade, metade!

- É para já, podem se acomodar ai nos bancos que em trinta minutos já deve estar pronta! Já volto.

Senhor Bernardi então se retira para dentro da cozinha a passos de militar, como se tivesse acatado a “ ordem “ de Alice. Um gesto engraçado que ele fazia para animar ela e quaisquer clientes que ele recebia.

- Ele não tem muito cliente não é?

Perguntou Theo falando baixo no ouvido de Alice que fez os pelos de sua perna arrepiarem a deixando toda nervosa.

- O que foi? - Perguntou ele novamente percebendo a reação.

- Nada... Só que, você chegou muito perto e me assustou...

Respondeu Alice sem graça, mas não era para menos, afinal, Theo era um jovem muito bonito, tinha seus um metro e setenta e nove de altura, cabelo com o corte aviador e o rosto, consideravelmente bonito e acima de tudo tinha um físico perfeito. Mesmo que Alice não visse, pois estava coberto pelo seu terno sob medida, os músculos ainda apareciam. Theo então faz uma piada para descontrair.

- Ah desculpa... Eu sou muito bonito não é mesmo? Deixo todas nervosa.

- Aah para g-garoto...  

Ela ainda estava envergonhada, porém ele conseguiu tirar uma risada dela o que deixou o clima um pouco menos constrangedor.

Alice não era uma garota padrão sociedade, ela não era tão magra porém não muito gorda, ela era ela só, não teve muitos namorados nem muitos ficantes, ela não era a líder de torcida, era a Nerd que sentava na frente e respondia tudo que a professora perguntava, acabou sendo muito zuada no colégio e quando cresceu só queria esquecer esse passado ruim, ela só queria mesmo era ajudar sua mãe na loja e tentar juntar uns trocados para atingir o sonho dela, um curso de historia em uma das faculdades da cidade, já que sua mãe não podia pagar por conta das dificuldades de manter a loja pelo menos aberta, a única fonte de renda das duas.

- Então, enquanto a pizza não chega... O que você faz da vida além de ajudar sua mãe?

- Ah bom... Eu ajudo ela. - Alice riu.

- Ah legal... Só...?

- Sim... Eu gostaria de fazer faculdade e de achar algum emprego para por uma renda a mais na casa, porém está complicado.

- Que droga... Enfim, o dinheiro de hoje vai dar uma boa ajuda não é mesmo?

- Sim e como! Minha mãe tem algumas contas para pagar e esse dinheiro vai salvar a gente.

- Contas? É algo muito ruim?

- Ah, bom o aluguel do estabelecimento aumentou, junto com o IPTU e acabamos ficando um pouco encalacradas.

- Bom, talvez eu possa ajudar. Quanto que é o valor do aluguel?

- Nem pensando. Só por que a gente é mulher você acha que a gente não consegue se virar? A gente vai dar um jeito.

- ...

Theo ficou em silêncio.

- O que foi? - Alice perguntou emburrada.

- Nem se quer passou pela minha cabeça o fato de vocês serem mulheres... Mas sim de vocês serem pessoas, igual todas as outras que tentam se manter vivas nesse país de merda.

- Ah...

- Eu sei que vocês conseguem se virar, pelas conversas que nós tivemos na loja e enquanto nos caminhávamos eu senti que vocês são muito fortes... Eu sou muito bom em compreender as pessoas, sei quando estou falando com uma pessoa que realmente se importa com as coisas pequenas e sei quando estou falando com uma pessoa escrota. Seu sonho não é ser dona de uma empresa ou dona de um negócio de sucesso, mas sim, estudar historia, coisas pequenas entende, é o que importa, não só sua beleza ou dinheiro.

- Beleza?

- Sim... Ah você entendeu, você é bonita poxa, um jovem linda na verdade, desculpa ser inesperado, mas é a verdade. Não muda de assunto.

Alice ficou completamente vermelha depois das palavras que sairam da boca do homem que ela também estava começando a achar lindo. Afinal, até aquele momento ele era só um cliente, porém a conversa fluia tão bem entre eles que abriu os olhos um pouco de Alice para ver realmente quem estava na frente dela, não só um cliente.

- A-ah desculpa... É-é que não é todo dia que alguém me chama assim...

- Como não? Você é linda! Nossa, uma das mulheres mais bonitas que eu já conheci em minha vida!

O rosto de Alice parecia um pimentão de tão vermelho que ficou, na verdade ficou tão nervosa que palavras nem saiam de sua boca. Realmente não era todo dia que um homem chamava ela de “ linda “, era raro por assim dizer. E logo ela começou a gaguejar.

- E-eu... É hmm... O-obrigada eu ach...

Antes de Alice terminar sua frase, Mateo chegou escorregando pelo chão e gritando super animado, trazendo a pizza dos dois.

- Aqui está aaahm... Interrompi algo? - Perguntou Mateo.

- Não senhor Bernardi, estávamos só conversando, tem como por para embrulhar? Vamos levar para a loja. - Respondeu Theo.

- Ah... Claro.

- Aliás, quanto deu?

- Vinte dois reais...

- Só? Nossa... Tá, embrulhe para mim a que nos vamos levar.

- É para já!

Mateo então escorregou de volta para dentro da cozinha e trouxe a pizza dentro da caixa.

- Aqui está senhor cliente... - Mateo o entrega a pizza.

- Theo por favor... Nem provei a pizza e acho que vou voltar muitas vezes aqui... Só pela animação!

- Ah que ótimo senhor Theo...

- Alice, pode ir indo? Vou pagar a ele, se quiser pode por a pizza em cima do meu carro para poder abrir a loja.

Theo a entrega a pizza.

- A-ah claro, vou indo então...

- Aliás senhor Mateo, aceita cartão?

- Claro, vou pegar a maquininha.

Mateo então se ajoelha com dificuldade atrás do balcão e resgata a maquininha quase nunca é usada e o entrega para por o cartão e sua senha.

- Novamente senhor Mateo, posso por uma gorjeta aqui nesse valor?

- Claro Senhor Theo, deixa que eu mudo o valor, quanto seria a gorjeta?

- Põem ai... Dois mil reais.

- Ah, hã? Poderia repetir senhor? Não entendi...

- Dois mil reais, pode digitar.

- Calma lá senhor, você deve estar se equivocando, eu não posso aceitar uma gorjeta de dois mil reais...

- Bom, vou direto ao ponto... Os assentos dos bancos não tem uma marca, o balcão está limpo, impecável e acredito que o senhor é o único que trabalha aqui por não ter o dinheiro para contratar outra pessoa... Resumindo, não é que sua pizza seja ruim, mas por algum motivo esse é um bairro ruim para vir comer pizza... Não sei nem como o senhor sobrevive... Enfim, achei o senhor simplesmente magnífico, uma ótima pessoa e uma animação fora do comum, o mundo precisa de mais pessoas assim, agora aceita a droga da gorjeta de dois mil reais ou eu vou até a porra do caixa eletrónico e lhe dou quatro mil reais em mãos. Ah... E me desculpe ser grosso, eu não aguento ver como o mundo funciona... As pessoas boas sempre se fudendo e as ruins estão lá encima transbordando dinheiro.

Mateo ficou calado e não durou muito seu silêncio que foi interrompido pelo seu choro copioso, que figuradamente falando, transbordava para fora da pizzaria. Quando Theo saiu da loja após pagar a pizza e a pequena gorjeta, só se ouvia Mateo Bernardi soluçando e rindo de alegria, o som das botas eram ouvidos novamente dentro da cozinha, porém bem mais alto, ele estava pulando dentro dela como uma criança que acabou de ganhar um brinquedo novo.

Theo caminhou um pouco e logo chegou a loja onde as duas estavam esperando por ele e ao chegar lá foi confrontado por Clarice.

- Theodoro! Que historia é esse de você chamando minha filha de “ linda “?!

- Hã?

- Mãe, cala boca, não me envergonha, já tenho vinte e um...

- Mas continua meu bebê! - Clarice abraçava Alice sufocantemente. - Aliás, Theo... Terminei a tradução...

- Então, sobre o que fala a carta?

- É sobre sua mãe...

- Minha mãe?!

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