Maciço do Monte Rosa
Maciço do Monte Rosa
Por: Gabriel Kley
A carta

O funeral foi deveras surpreendente, foi alugado uma parte inteira do cemitério somente para aquele momento, como se o próprio presidente da nação tivesse sendo sepultado. Naquele dia foi enterrado um dos maiores empresários da cidade de São Paulo, Senhor Douglas Clemente, dono das empresas Clementine e ao seu lado, a esposa, doutora em direitos criminais, Senhora Claudia Clemente. Estavam presente diversas celebridades amigas e grandes outros empresários, era um dia triste mas, mesmo na morte de seus pais Theodoro ouvia o murmúrio exaustivo que ele sempre ouviu toda sua vida e rondava toda a lápide cercada por pessoas que ele não conhecia.

“ Dizem que ele nunca foi bom em nada a vida toda... O moleque não se compara nem um pouco ao pai e ele vai herdar tudo isso! “.

Não se compara nem um pouco ao pai. Era o que ele mais escutou a vida inteira enquanto seu pai ainda era vivo e até mesmo na morte ele continua a ouvir.

Rosas eram jogadas nos caixões que eram descidos juntos, ao som de disparos para o alto e uma trombeta era tocada por um militar logo atrás do caixão, afinal, o Senhor Douglas também era coronel do exército Brasileiro. Foi uma despedida no mínimo, elogiavel ao nível viking, só faltava ele descer com moedas nos olhos e seu caixão ser ateado fogo enquanto descia por um grande rio, encima de um pequeno barco com todas as suas riquezas. E mesmo com toda aquela “ comoção “, Theo não chorou, seu olhar era estático, suas sobrancelhas ficaram levemente franzidas como se estivesse se segurando para não chorar, porém, não era choro que Theo guardava, era um sentimento de desgaste, de raiva.

Theodoro realmente nunca foi bom em nada que os colégios de elite tentaram ensinar a ele, suas notas eram péssimas e suas amizades também, na verdade, ele não tinha sequer um amigo com quem conversar. Theo era um garoto calado quando pequeno e agora aos seus vinte dois anos, continua um jovem calado e agora com um tom sombrio em seu olhar. Mesmo com a morte de seus pais ele não chorou, o enterro foi terminado e todos começaram a ir embora, a imprensa que cobria tudo também já havia ido e somente quem restou ao lado do túmulo foi Theodoro e seu tio, Glauber.

- Theo... Já está na hora, vamos?

- E agora tio?

Pela primeira vez no enterro Theo tirou seus olhos do caixão, que ainda não havia sido coberto pela terra e olhou para alguém, seu tio.

- E agora? Bom... Agora é seguir a vida, minha irmã não gostaria de ver você aqui, se lamentando, ela gostaria de...

- Aja! Você tem que agir!... - Theo o interrompe.

- Pro-atividade... Bom, eu acho que é isso sim. Você não pode ficar aqui para sempre, desse jeito, triste.

- Não estou triste.

- Eu sei meu querido... Não precisa esclarecer as coisas para mim. Apenas... Já sei, vamos comer alguma coisa, sei um ótimo restaurante aqui perto que vende ótimos bolinhos de chuva.

- Não estou com fome Tio... Eu vou só para casa.

- Mas...

Theo então se refugia de seu tio, saindo a passos largos pisando com seu sapato no chão de terra, em direção ao seu carro, naquele momento ele que não tirava seus olhos dos caixões, nem sequer olhou para trás, só serrou os dentes e entrou em seu carro que estava estacionado fora do cemitério e lá ficou por alguns minutos, sentado, olhando para o volante, porém não demorou muito e logo deu partida para casa.

Glauber que havia ficado no cemitério olhou novamente para os caixões que dessa vez já estavam sendo cobertos de terra e começou a chorar, pondo suas mãos no rosto.

- E agora Claudinha... Seu filho está sozinho, de novo, não tem sequer um amigo para o consolar e herdou todo o império que seu marido imbecil criou. O que será que vai acontecer...

Enquanto Glauber lamentava pela perda de sua querida irmã, uma garoa começou a cair pelo cemitério, pequenas gotículas de chuva quase impercetível a olho nu, que cobriram por completo todo seu casaco de couro.

- Tá na hora de eu ir... Adeus minha lindinha...

Glauber se despede de sua irmã e começa a correr para seu carro, a leva garoa estava aumentando e logo iria começar a chover de trovoar. Enquanto isso Theo já havia chegado em casa, no apartamento de seus pais que agora era dele. O lugar ocupava quase todo o andar do prédio por conta de sua tamanha grandeza, cinco quartos, três banheiros, uma cozinha enorme e uma sala maior ainda, agora estavam vazios, somente Theo estava lá, mais ninguém. Enquanto ele andava pela sala, via os retratos de seus pai, por todo canto e somente um dele quando bebê, mas nenhuma dele agora, adulto ou adolescente, começou então a abaixar todos os retratos de seus pais e bota-los de fronte para baixo e se sentou no grande sofá da sala, reclinando-se e deitando. O que ele sentia naquele momento, era diferente do que sentia no cemitério, não era raiva, não era tristeza, era o silêncio, algo que ele nunca teve enquanto seus pais estavam vivos.

Quando Theo nasceu, era esperado grandes coisas dele, afinal ele era filho de um dos maiores empresários que São Paulo já teve, ao seus três anos de idade ele já falava diversos idiomas diferente, uma das poucas coisas que ele aprendeu direito, aos cinco já tocava piano, porém era horrível nisso, aos seis já estava no fundamental em vez do infantil, seus pais sonhavam que ele seria um gênio, aos dez ele desistiu de tudo. Desde pequeno as coisas já não faziam sentido para ele, as coisas que eram esperadas, ele não correspondia nenhuma mais, desistiu do piano que ele já estava começando a ficar bom, desistiu das aulas de idiomas, desistiu praticamente de tudo que seus pais o obrigavam a fazer, foi quando a sua raiva começou a crescer e os;

“ Ele não serve para nada “.

Também vieram, se formou no ensino médio com quatorze anos, porém suas notas eram as piores da turma, mas com a ajuda de seu pai, que molhou a mão do diretor, ele passou mesmo tirando zero.

“ Você um dia vai herdar tudo isso, seu imprestável! “.

Era a única frase que seu pai trocava com ele, entre tapas na cara e sua mãe, cúmplice, só olhava. Por conta de tudo que ele vivia dentro de casa, ele desistiu de tudo que poderia agradar seus pais, foi uma pequena vingança, mas só piorou as coisas. Theo era surrado diariamente e só foi terminar as agressões quando completou seus dezoito anos e enfrentou seu pai pela primeira vez.

Enquanto seu pai dava tapas na sua cara, Theo não se mexia do lugar, afinal, já estava acostumado e o olhar em seu rosto de raiva era tão grande que seu pai no último tapa que iria dar, retrocedeu, só gritou;

“ Vá para seu quarto! “.

E depois daquele dia ele nunca mais apanhou, quatro anos depois seus pais sofreram um acidente de carro o que ocasionou na morte dos dois, deixando para Theo toda a fortuna guardada a anos e uma grande empresa que agora ele é o novo dono.

Sentando na sala, a campainha da casa toca.

- Já vai... - Gritou Theo se levantando do sofá.

Ele se dirigiu até a porta e olhou pelo olho mágico, não havia ninguém na porta, Theo então abre a porta e olha pro corredor, ninguém em nenhuma parte dele. Ao olhar para baixo, se deparou com uma caixa de papelão, em frente a porta.

“ Uma encomenda? “. Pensou ele.

Theo se abaixou, pegou a caixa e entrou, fechando a porta atrás dele. Ele a carregou até a sala e pôs sobre a mesa de centro, em frente ao sofá, não era tão pesada e nem muito leve, foi então buscar uma faca na cozinha para abrir o pacote lacrado. Primeiro leu o local de envio, Suíça.

“ Por que estou recebendo uma encomenda da Suíça? “

E acima de tudo, estava no nome dele como destino, não de seu pai, o que era mais provável, pois ele tinha contratos pelo mundo a fora, e muito menos de sua mãe, mas sim no nome dele. Quem poderia m****r algo para alguém que nem é conhecido e vindo de tão longe?

Ele rasgou o lacre de fita adesiva e abriu a caixa, dentro dela havia apenas uma carta, um simples envelope.

- Estranho, parecia mais pesada para ter um simples envelope. - Disse a si mesmo.

Pegou a carta e tinha o nome de quem enviou escrito em português.

“ De: Montanha.

Para: Sr Thedoro. “

- De montanha? Uma montanha escreveu para mim?

Deu uma leve risada no final e começou a desembrulhar o envelope, dentro, um papel de caderno comum, como se a folha tivesse sido rasgada do mesmo, a carta estava escrita em Romanche, uma das línguas menos faladas na Suíça, e ele sabia disso pois estudou quando pequeno, além de idiomas, muitas línguas faladas ao redor do mundo, porém, ele não sabia ler ela.

“ Quem diabos me enviaria uma carta escrita com uma língua quase morta... “, pensou ele.

Olhou por toda a carta e ela estava intraduzível, impossível ele ler ela, ele não sabia falar a língua. Foi até seu quarto e pegou seu laptop e logo começou a desdobrar a Internet a procura de uma tradução, pesquisou por bastante tempo, mas, nada. Ele não conseguia traduzir aquilo, então pesquisou por um tradutor e logo achou não tão longe de onde ele mora, porém, quando já estava se vestindo para sair, sua campainha tocou novamente, só que dessa vez uma voz familiar ecoou pelo apartamento vinda da porta.

- Theo... Você tá ai?

- Tio Glauber?

- Sou eu mesmo!

- Já vou abrir a porta.

Theo então já vestido com o terno Armani preto que ele adorava usar para tudo, foi até a porta e a abriu.

- Theo... Nossa, por que está tão bem vestido?

- Eu gosto de andar assim... E eu vou a um lugar.

- Ah bom... Posso entrar para conversar antes de ir?

- Claro, por favor, entre.

Theo estendeu sua mão para dentro da casa e abriu espaço para seu Tio Glauber entrar, fechando então a porta atrás dele.

- Quer algo Tio? Whisky?

- Whisky?

- É o que eu vou me encher hoje... Depois de descobrir o que é esta escrito nessa maldita carta.

- Carta?

- Chegou uma carta para mim da Suíça, até ai já está absurdo, quem me mandaria uma carta vinda da Suíça e para piorar está em uma língua que eu não sei ler.

- Que droga meu filho... Deixo lhe falar, sobre a empresa...

- Nah... Desculpa te interromper, mas não quero falar nada sobre a empresa hoje, na verdade, você é sub-chefe dela certo?

- Sim, eu e sei pai comandávamos esse império.

- Sim, gostaria de lhe fazer uma proposta Tio.

- Claro Theo, diga.

- Primeiro eu vou ver o que tem nessa carta, vou a um tradutor agora.

- Ah essa hora? Já está quase escurecendo.

- Eu sei, mas preciso descobrir o que está escrito nela. Segundo, gostaria de te deixar no total controle sobre a empresa, fale comigo somente se precisar do meu aval para fazer algo.

- Mas Theo, você é o presidente agora.

- Sim, mas eu odeio tudo que envolve essa empresa, TUDO! Eu não quero mais lembrar de todo esse “ império “ que meu pai criou, eu não te culpo Tio, você foi uma pessoa excelente na minha vida, uma das poucas no caso. Eu sei que você sabe como dirigir uma empresa. Também sei que meu pai tem uma fortuna milionária que agora é minha no banco, por conta disso, vou tirar uma parte do dinheiro para mim e caso você precise de algo, eu irei lhe fornecer.

- Theo...

- Calma, a empresa ainda será minha, se um dia eu quiser fazer algo com ela. Você será o presidente por agora... Ah e Tio, sem esse papo de roubar a empresa ou coisa do tipo, esse papo de novela. Eu não vou ser bonzinho com você, eu sei onde você mora. E sim isso foi uma ameaça, conheço a sua família inteira, ela também é minha...

- Meu deus Theo eu nunca faria isso...

- Tá bom Tio, eu preciso ir, por favor saia do meu apartamento.

- Tudo bem...

Theo abriu a porta e Glauber saiu andando de cabeça baixa. Theo foi duro demais com seu Tio, ou não? Os anos de sofrimento de Theo o ensinou uma coisa, não confiar em ninguém, muito menos na família, quando você é milionário e seu Tio Glauber não era tão bonzinho quanto se pensa ao olhar para ele. Glauber é um bêbado que perdeu o amor de sua própria filha e esposa, ao descontar sua raiva do mundo, nas duas pobres moças, que ele chamava de família, por fim, ele não era nenhum santo.

Theo esperou alguns minutos para então descer até o estacionamento do prédio pegar seu carro e ir até o tradutor e foi o que ele fez. Saiu do apartamento o trancando e pegou o elevador até o estacionamento onde estava estacionada sua BMW Preta. Logo ele já estava saindo do prédio e se despedindo do porteiro, com direção a talvez, o homem que poderia traduzir o que na carta estava escrito.

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