Capítulo 5

Quando Zhoe chegou na Sweet Dreams, encontrou Craig sentado na porta de entrada. Paige ainda não tinha chegado.

            — Acho que temos que te dar uma chave da loja. Na verdade era para eu ter chegado mais cedo, mas, para variar, o Tate surgiu.

            — Tate? Você está bem? — Craig levantou-se, enquanto Zhoe abria a porta.

            — Estou. O que posso fazer? Ele vai aparecer sempre, quando eu menos esperar. Preciso me acostumar com isso.

            — Talvez tenhamos que fazê-lo acreditar que você realmente está em outra. Já disse que posso ajudar com isso. O que acha de sairmos para jantar hoje de noite? Alguém vai ver e acabar contando para ele. Ou talvez ele mesmo veja.

            Zhoe ficou em silêncio por algum tempo, como se ponderasse a respeito da proposta. Sem dúvida seria uma chance e tanto de afastar Tate. Se ele achasse que ela estava mesmo apaixonada, poderia se afastar para sempre. Mas será que era isso que queria?

            — O que você acha, Zhoe? Quer mesmo tirar Tate da sua vida ou ainda sente alguma coisa por ele?

            É, Craig era mais esperto do que ela pensava.

            — Não sai, Craig. Sinceramente, não sei. Ele mexe comigo. Sempre mexeu. Mas, de qualquer forma, ele precisa de uma lição. E, de qualquer forma, vai ser bom passar um tempo com alguém legal como você.

            Craig sorriu.

            — Então, logo depois que a loja fechar, podemos ir. Mas tem que ser em algum lugar onde Tate normalmente vá.

            — Na cafeteria da minha tia. Ele sempre vai lá.

            — Ótimo!

            Assim que eles terminaram de falar, Paige chegou.

            — Bom dia, queridos. Sabem o que tem aqui nesta bolsa? — ela ergueu a bolsa térmica que tinha em mãos. — Tortinhas de vários sabores. Passei boa parte da noite preparando-as.

            — E por que fez isso? Agora temos Craig, podemos fazer as coisas aqui na loja — Zhoe falou.

            — Ah, Jacob estava ocupado com uns relatórios para a polícia, então, precisei me ocupar também.

            — Tenho certeza que devem estar ótimos. Mas está na hora de começarmos o dia — Zhoe alertou, e  todos se puseram a realizar suas tarefas.

            Para a agonia de Zhoe, o dia passou rápido. Por mais que Craig fosse uma pessoa agradável e já estivesse nascendo até mesmo certa intimidade entre eles, Zhoe não tinha um encontro em... Céus, ela nem conseguia calcular. Tudo bem que era um encontro de fachada, mas, ainda assim, era um encontro. Quando deu por si, já estava entrando no restaurante de Cora, e Craig estava puxando a cadeira para que ela se sentasse. Um cavalheiro.

            Por alguns longos minutos, ficaram sem saber o que falar, mas não demorou muito para Cora aparecer, muito curiosa, doida para se intrometer, é claro. Assim que ela se colocou ao lado da mesa, pronta para lhes servir pessoalmente, coisa que não fazia há anos, Zhoe se arrependeu de ter escolhido o Fair Café para aquele jantar.

            — Querida, que bom te ver por aqui, ainda mais tão bem acompanhada — Cora lançou um olhar bastante malicioso para Craig. — Como vai, querido? Já terminou o livro?

            Zhoe sentiu-se confusa.

            — Vocês já se conhecem? — ela perguntou.

            — Ah, esse rapaz bonito já veio aqui buscar comida algumas vezes, mas sempre com pressa. Fico feliz que tenha vindo aqui com mais calma.

            Com toda sua gentileza e charme, Craig pegou a mão de Cora na sua e a beijou.

            — Essas mãos mágicas de sua tia me mantiveram alimentado e inspirado. Eu deveria ter percebido que só podiam ser da mesma família, já que são tão prendadas.

            Zhoe sorriu. Meu Deus, por que aquele cara não tinha aparecido em sua vida meses antes de se envolver com Tate pela segunda vez? Sim, porque infelizmente seu coração estava mais do que contaminado por um amor infeccioso, que só lhe fazia mal.

            — Ah, querido, que gentileza. Eu amei seu livro, aliás. Que imaginação privilegiada você tem!

            — Obrigado — Craig agradeceu sem falsa modéstia.

            — O que vão querer? — Cora preguntou, abrindo a tampa da caneta e se preparando para anotar os pedidos.

            — Você vai nos servir, tia? Mas que honra! — Zhoe cruzou os braços em uma atitude desafiadora.

            — Como não serviria à minha sobrinha?

            Zhoe olhou para Cora com as sobrancelhas erguidas, bastante contrariada, sabendo que ela estava  ali apenas para fofocar. Não era muito diferente das duas senhoras que estiveram na Sweet Dreams no dia anterior.

            — Eu vou querer sua deliciosa sopa de ervilha — Craig falou, tentando amenizar as coisas.

            Cora anotou.

            — E você, Zhoe?

            — Uma salada Caesar, por favor.

            — Ótimo! Você poderia me acompanhar à cozinha um minuto?

            — Mas, tia, eu estou acompanhada — Zhoe falou por entredentes.

            — Pode ir, Zhoe. Enquanto isso vou checar meus e-mails.

            Ah, lá estava o primeiro defeito de Craig: era um traidor. Zhoe não queria ficar sozinha com Cora, pois sabia que ela iria fazer perguntas de mais. Porém, se viu sem escolha e teve que acatar o pedido de sua tia.

            Então, levantou-se, pediu licença a Craig e seguiu Cora até a cozinha.        

            — Mas o que é que você está fazendo, Zhoe Nolan? — Cora perguntou em um tom de repreensão.

            — O quê? Não entendi.

            — Você está enganando aquele rapaz para colocar ciúme em Tate? Se for isso, posso dizer com segurança que estou decepcionada.

            Tudo que restou a Zhoe foi ficar boquiaberta diante daquele breve discurso.

            — Pelo amor de Deus, tia, de que lado você está?

            — Do seu, querida, é claro! Mas será que não percebe que pode magoar várias pessoas, especialmente aquele rapaz com quem veio jantar, que não tem nada a ver com isso — Cora parecia realmente revoltada.

            — Craig sabe de tudo. Ele se voluntariou para me ajudar — Zhoe falou em tom de confissão, como se tivesse vergonha do que estava fazendo.

            — Voluntariou? Como assim?

            Zhoe suspirou antes de falar.

            — Inventei para Tate que estava namorando alguém em um ato impensado, então, Craig ficou sabendo e se ofereceu para fingir que está comigo.

            Ambas ficaram em silêncio, por algum tempo, embora Zhoe sequer conseguisse encarar a tia. Cada vez que contava a história, mais ela parecia idiota e infantil.

            Com uma expressão penalizada, Cora colocou gentilmente as mãos nos ombros da sobrinha.

            — Querida, você realmente acha que o que fez é certo?

            — Claro que não. Mas estou cansada de fazer sempre a coisa certa. — A mágoa latente estava estampada em seu rosto, tanto que uma lágrima discreta até ameaçou cair. — Estou cansada de estar à disposição de Tate a qualquer momento que ele desejar. Pode ter sido uma decisão infantil, mas eu queria que ele acreditasse que um cara bonito e legal me queria. E Craig apareceu... — Zhoe ia continuar falando sem parar, mas Cora colocou as mãos em seus braços com carinho.

            — Querida, não chore. Você não cometeu nenhum crime, só tem que tomar cuidado para não se magoar — falou com gentileza e paciência, como se conversasse com uma criança.

            — Mas quem sabe eu não me apaixone por Craig? Talvez, no final das contas, essa mentira resulte em algo bom. Não deve ser muito difícil cair de amores por um cara como ele.

            Cora balançou a cabeça em negativa.

            — Vocês dois não foram feitos um para o outro. Ambos têm histórias do passado inacabadas.

            — Ah, tia, você não está querendo dizer que estou destinada a Tate, não é?

            — Talvez esteja. Por que não? Vocês têm muita história juntos — Cora deu de ombros.

            — Ah, pelo amor de Deus, tia. Você sempre falou que Tate não era para mim.

            — As coisas mudam. Ele voltou diferente, está até trabalhando na loja, acordando cedo...

            — Claro, porque Gilbert não deve estar dando mole para ele como costumava dar antes de ele sumir.

            — Talvez, mas você sabe que eu dificilmente erro. Veja o que aconteceu com Paige e Jacob. Era um casal improvável, mas eu sabia que tinham sido feitos um para o outro. Vamos ver o que acontecerá entre você e Tate.

            Zhoe respirou fundo, quase bufando, sabendo que era inútil discutir com a tia. Então, sem dizer mais nada, voltou para a mesa, para a companhia de Craig, tentando disfarçar os olhos vermelhos de choro.

            Aquela noite já estava começando bem demais para não dizer o contrário. Mas algo lhe dizia que tinha potencial para piorar.

***

            Pedindo desculpa por ter deixado Craig sozinho por tanto tempo, Zhoe sentou-se tentando ensaiar uma expressão satisfeita, embora não estivesse com a menor vontade de sorrir.

            — E então... quer dizer que sou a única que ainda não leu um livro seu? — ela tentou descontrair.

            Craig não respondeu nada, apenas se virou e remexeu em sua jaqueta, que estava pendurada na cadeira e tirou de lá um exemplar do livro pocket, entregando-o a ela em seguida.

            — Agora podemos resolver esse problema.

            Zhoe pegou o livro nas mãos e observou a capa. A luz do sol incidia sobre um lindo chalé à beira de um lago, dando um aspecto de alvorada belíssimo. O título, em vermelho, estava em destaque, e chamava-se “O lago”. A discreta frase: “Do autor best seller do New York Times” vinha em cima do nome dele, cuja tipografia era maior que o título. Um sinal de que ele fazia realmente sucesso.

            — Uau. A capa é linda.

            — É um dos meus favoritos e um tantinho autobiográfico.

            Pela sinopse, Zhoe pôde ver que se tratava de uma história de um casal que se conhecia à beira de um lago. Uma mulher misteriosa e encantadora, que conquista o coração de um escritor solitário. Ela não duvidou nem por um minuto que ele contava sobre a esposa perdida. Mas Zhoe não iria mencionar nada, principalmente porque fora Paige quem lhe contara em segredo.

            — Vou começar a ler hoje mesmo.

            Craig abriu um sorriso satisfeito e emendou em outra pergunta, o que ela agradeceu imensamente, pois o silêncio era deveras sufocante.

            — Mas me fale de você, Zhoe. Preciso conhecer a mulher com quem estou namorando.

            Zhoe se surpreendeu com o fato de ele conseguir levar aquilo na brincadeira.

            — Não tem muito o que falar. Vivia em Nova Iorque com minha família e tinha acabado de começar a faculdade de jornalismo quando vim passar as férias aqui em Green Hill com minha tia e minha avó, que ainda era viva. Foi quando conheci Tate e, bem... você já sabe o que aconteceu depois.

            — E por que decidiu ficar?

            — Porque tia Cora e minha avó foram as únicas pessoas que me aceitaram, mesmo grávida. O resto da família virou as costas para mim e para Colin. — Não queria soar tão triste, mas aquela lembrança sempre conseguia deixá-la para baixo.

            Percebendo sua melancolia, Craig pegou sua mão com carinho, como um amigo faria, e acariciou-a gentilmente.

            — Você foi bastante corajosa por ter enfrentado tudo isso sozinha.

            — Eu fui bastante burra por ter engravidado logo na primeira vez em que fiz sexo. Mas Colin é um presente, então, não gosto de ficar reclamando. E também não posso ser injusta. Eu tinha minha avó e minha tia, além de Tate. Ele pode ter todos os defeitos, mas nunca me deixou desamparada.

            Aquela era a  primeira vez em meses que falava de Tate sem rancor. Ao mencionar seu nome, sentiu um calafrio gostoso percorrer seu corpo, que, apesar de tudo, gritava de saudade. Imediatamente prontificou-se a afastar a sensação, pois não queria alimentar novamente aquele amor. Enquanto estivesse tomada pela mágoa, estaria protegida. Não podia baixar a guarda.

            — Desculpa a pergunta, mas você ainda o ama, não ama?

            Zhoe não lembrava de ter dado qualquer tipo de intimidade a Craig para uma pergunta como aquela. Bem, ou talvez lhe devesse aquela resposta, já que o tinha arrastado para uma situação tão constrangedora.

            E será que tinha o direito de mentir? De faltar com a verdade com uma pessoa que a estava ajudando tanto?

            — Sim, infelizmente eu ainda o amo. Acho que desde que o conheci, nunca deixei de amá-lo. E isso faz com que eu me sinta uma idiota.

            — Por quê? — Craig perguntou com o cenho franzido.

            — Porque isso é muita falta de amor próprio. Tate já me fez sofrer demais.

            — E por acaso a gente manda no coração? Você acha que isso é uma escolha?

            Não, não era. E Zhoe sabia muito bem disso. Se pudesse escolher, com certeza não preferiria manter aquele homem em seu coração.

            Ela não precisou nem responder, sua expressão dizia claramente que Craig estava completamente certo, por mais que não fosse fácil admitir. Além disso, era algo muito injusto. Injusto demais.

            Mas é claro que nada era tão ruim que não pudesse piorar.

            Já estavam no meio da refeição, travando uma conversa animada. Tinha mudado de assunto, Tate não estava mais em pauta, e ela estava finalmente se divertindo de verdade depois de tanto tempo enclausurada em uma espécie de luto, mesmo que ninguém tivesse morrido. Craig era inteligente, divertido e muito gentil, o que, sem dúvida, consistia em uma mistura muito charmosa, sem mencionar o quanto era bonito. Contudo, havia algo dentro do coração de Zhoe, como uma barreira construída com muito esforço, que a proibia de se apaixonar ou se sentir atraída por qualquer pessoa que não fosse aquela praga que a atormentava.

            Bem, e não demorou muito para a praga aparecer, como se ele tivesse um radar.

            Entrava no Fair Café segurando a mão de Colin, que parecia animado, como há muito tempo não se animava ao lado da mãe. O garoto era louco pelo pai, e Zhoe nunca se importou demais com a ligação especial que tinha, contudo, desde que Tate tinha ido embora, sentia como se estivesse perdendo o filho lentamente, como se ele estivesse escapando de seu controle. E a criança tinha apenas oito anos, pelo amor de Deus! O que aconteceria quando fizesse dezoito e começasse a sair de casa sem hora para voltar?

            Sorridente enquanto falava com o filho, Tate deu uma boa olhada ao redor da cafeteria e logo encontrou Zhoe e Craig. Sua expressão antes satisfeita, tornou-se imediatamente um misto de surpresa e dor.

            Mas era exatamente isso que ela queria, não era? Que ele a visse com Craig, que acreditasse na história de namoro e que desistisse de uma vez por todas.

            Ah, quem ela queria enganar? Não era essa a sua intenção verdadeira. Queria era que ele sentisse ciúme.

            Zhoe podia jurar que Tate não estava nem um pouco disposto a ir falar com ela, mas Colin a viu.

            — Mamãe! — Assim que ele exclamou e começou a correr em sua direção, Zhoe sentiu o coração apertar de amor. Fazia tempo que ele não se mostrava tão carinhoso e feliz por vê-la, por isso, abriu os braços e o recebeu com todo amor que só uma mãe é capaz de compartilhar.

            — E aí, querido? Como foi seu dia? — perguntou carinhosa.

            — Foi uma droga. Papai me deixou o dia inteiro na loja, sem ter o que fazer. — Ele fez um biquinho irritado, repleto de pirraça, o que tinha se tornado comum em sua personalidade.

            — Ah, filho, seu pai estava trabalhando. Amanhã você pode brincar.

            — Eu queria ter brincado hoje!

            — Vamos brincar amanhã, Colin! — Tate se intrometeu, porém, estava muito sério, olhando para Craig como se quisesse cometer um assassinato ali mesmo. — Venha, vamos deixar a mamãe jantar com o namorado dela em paz.

            Pronto. Aquilo era exatamente o que Zhoe não queria que acontecesse. Quando jogou a mentira ao vento, não tinha pensado nas consequências, o que era um absurdo. Como pôde ter esquecido que aquela história poderia chegar aos ouvidos de Colin?

            — Namorado? A mamãe não tem namorado! — Colin exclamou, olhando de Zhoe para Tate, de Tate para Zhoe com os olhinhos arregalados. Parecia se sentir enganado. Era de partir o coração.

            Percebendo a saia justa que tinha se formado, Cora juntou-se a eles, colocando a mão no ombro do menino.

            — Colin, querido, venha até o balcão com a tia. Vou te dar um milk-shake por conta da casa.

            — Não, Cora. Deixa a Zhoe apresentar o namorado para Colin. Eles precisam se conhecer — provocou Tate, vingativo. Cora balançou a cabeça desaprovando tal atitude, enquanto Zhoe franzia o cenho, não gostando nada do comentário.

            — Você é o namorado da minha mãe? — Sem nenhum constrangimento, Colin se virou para Craig e o encarou, cruzando os braços com a expressão mais ameaçadora que seu rostinho de criança permitiu.

            Por um momento, Craig ficou sem saber o que dizer. Por mais que tivessem entrado em um acordo, que ele tivesse topado viver aquela mentira para ajudar Zhoe, não estava em seus planos mentir para uma criança. Por isso, deixaria nas mãos da mãe. O que ela decidisse, seria feito.

            Mas Zhoe também se sentia na corda bamba. Tanto que por um momento, ela quase desistiu e disse a verdade, por mais que soubesse que iria soar ridículo. Contudo, ao olhar para Tate, viu um ar contrafeito, como se ele tivesse algum direito de se irritar por ela estar ali seguindo em frente, relacionando-se com um homem que não era ele. Precisava deixar bem claro que não era uma propriedade de Tate Barlow, embora ele insistisse que sim.

            — Sim, filho. Este é Craig Geller, namorado da mamãe. — Precisou de muita coragem para fazer as palavras escaparem de sua boca. Estava mentindo para uma criatura de oito anos, seu próprio filho; o quão cruel isso a tornava? Mas, ao mesmo tempo, era bom que Colin soubesse que ela poderia ter outros namorados, que não ficaria esperando por Tate para sempre. Quando arrumasse um companheiro de verdade, seria mais fácil para que ele aceitasse.

            Zhoe fingiu não ver o olhar de reprovação que Cora lhe lançou, então, continuou a encarar Colin com um olhar paciente.

            — Você tem que namorar o meu papai. Eu vi vocês dois se beijando antes de ele ir embora. Agora que ele voltou, vocês podem ficar juntos de novo.

            — Querido... — Cora interferiu novamente. — Isso é assunto de adultos. Venha com a tia.

            Após dizer isso, Cora literalmente arrastou o menino para a cozinha, deixando Zhoe, Tate e Craig lá fora, em um clima completamente pesado.

            — Está feliz agora, Tate? — Zhoe perguntou, tentanto lutar contra as lágrimas.

            — Ah, mas agora a culpa é minha? Eu vim jantar com meu filho. Pode apostar que a última coisa que eu queria era dar de cara com você e seu... namorado aqui. — O escárnio usado para proferir a palavra “namorado” era quase venenoso.

            — Olha, Zhoe, se você quiser, posso ir embora — Craig se intrometeu com cautela.

            — Não se meta na conversa! — Tate se alterou, mas essa sua atitude fez com que Zhoe se levantasse da cadeira cheia de imponência e uma expressão assassina no rosto.

            — Não fale assim com ele! — explodiu, como faria uma mãe com um filho malcriado. Depois virou-se para Craig: — Você não tem que sair por causa disso. Colin precisa se acostumar com essa situação. — Não queria que o filho se acostumasse com mentiras, mas a merda já tinha sido feita, afinal.

            Tate engoliu em seco, ainda visivelmente contrariado, mas tentando com todas as suas forças se controlar, o que era um avanço e tanto. Se ela bem conhecia o pai de seu filho, se fosse há algum tempo, ele teria partido para cima de Craig sem nem pensar nas consequências.

            — Vou levar Colin para outro lugar. Aqui o clima está muito pesado.

            — Não! — Zhoe interrompeu. — Já estávamos terminando aqui. Vocês podem ficar. Colin adora comer aqui.

            Tanto Zhoe quanto Craig se levantaram.

            — Zhoe, posso falar com você um minuto? — Tate pediu, quase implorando.

            Ela hesitou. Não queria falar com ele, não queria nem sequer olhá-lo. Tudo que queria era pegar Colin e sair dali com o filho correndo e se esconder em qualquer lugar, bem longe, sem Tate e sem Craig, que tanto bagunçavam sua cabeça.

            Mas — sim, era uma merda admitir — não era tão fácil dizer não para Tate. E Zhoe sabia que iria arder no fogo do inferno por causa disso.

            — Ok, Tate. Mas não quero demorar. — Foi então que ela se lembrou que precisava manter a farsa do namoro. Sendo assim, virou-se para Craig e perguntou: — Tudo bem para você, querido?

            Craig contraiu o maxilar, visivelmente constrangido com a situação. Pobre rapaz, tinha se metido em uma roubada.

            — Ah, é... c-claro! — gaguejou. — Sem problemas. Vou pagar a conta no balcão.

            Então, assim que Craig saiu, Zhoe cruzou os braços e voltou-se para Tate com sua expressão mais contrariada.

            — Quer dizer que você está mesmo namorando esse cara? — ele perguntou sem perder tempo.

            — É claro. Por que eu mentiria? Não tenho a menor intenção de te causar ciúme, se foi isso que pensou. — Aquela era uma mentira deslavada. Estava fazendo exatamente o que afirmara que não faria.

            — Não foi o que pensei, só acho que era nisso que eu queria acreditar. — Tate passou a mão pelo cabelo, levemente desconfortável. — Mas você conhece ele, Zhoe? Tem certeza que não está se metendo em uma roubada?

            Zhoe riu com escárnio.

            — Roubada eu me meti quando fui parar na sua cama pela primeira vez e acabei grávida. Eu também não te conhecia assim tão bem, mas isso não me impediu de engravidar de um filho seu.

            — Touchê! — Tate balançou a cabeça em afirmativa, dando a vitória daquele debate a ela: — Não me entenda mal, só estou prezando pela sua segurança.

            Zhoe ergueu uma sobrancelha em um tom desafiador, duvidando do que ele dizia.

            — Você acredita mesmo nas suas próprias mentiras? — Havia um tom de zombaria, até de divertimento, na forma como ela falou, tanto que logo mudou de atitude porque não queria que ele interpretasse de forma errada. Não queria demonstrar simpatia, de forma alguma.

            — É claro que me preocupo com você, Zhoe. Posso estar sentindo ciúme, mas não sou insensível. Além disso, temos um filho. Não quero Colin exposto a uma pessoa não confiável.

            Zhoe encheu o peito, pronta para responder poucas e boas, mas podia ver em seus olhos que ele não estava mentindo, que falava sério. A verdade era que, exatamente como tinha falado para Craig, não podia reclamar de Tate como pai. Com exceção de sua ausência naqueles últimos seis meses, ele sempre fora presente, participativo e amoroso, cuidando de Colin com responsabilidade. Aliás, podia quase jurar que era a única coisa na vida com a qual Tate agia como um adulto. Sabendo de tudo isso, relaxou um pouco, suavizando sua expressão.

            — Não se preocupe, Tate. Não sou louca. Não iria colocar nosso filho em risco. Se essa é sua única preocupação, pode ficar tranquilo.

            — Você sabe muito bem que essa não é minha única preocupação. Também me preocupo com o fato de ter te perdido para sempre por causa de uma burrice, de uma insegurança. Quando decidi voltar para Green Hill, já sabia que teria que lutar muito para te mostrar que poderia ser merecedor de ter você de volta. Mas agora vejo que vou precisar lutar um pouco mais do que tinha planejado a princípio, mas vou entrar nessa briga, não vou desistir.

            A convicção na fala de Tate era sexy. Deus, como era sexy. Jamais o tinha visto agir com tanta decisão e segurança, muito menos em relação a ela, com quem sempre ficou em cima do muro.

            Porém, Zhoe decidiu que não poderia demonstrar o quanto aquela atitude lhe era sedutora.

            — Era só isso que tinha a dizer, Tate? Craig está me esperando.

            Tudo que ela queria era fugir dali o mais rápido possível. As reações traiçoeiras de seu corpo a estavam incomodando demais.

            — Sim. Era só isso. Mas não se esqueça, Zhoe. Sou outro homem agora. E vou te provar isso. Nem que precise de anos. Serei paciente.

            Depois de dizer isso, ele simplesmente saiu, deixando aquela frase de efeito, como se tivesse planejado milimetricamente o que falaria, como agiria e cada um de seus movimentos. E ela não duvidava que tivesse feito isso mesmo.

            Enquanto ele se afastava, tudo que restou a Zhoe foi balançar a cabeça em negativa, totalmente incrédula de que aquilo tudo estava acontecendo.

***

            Com o peso da derrota nas costas, Tate passou mais algumas horas com o filho, até que o levou para a casa de seu pai. Fez isso apenas por insistência de Cora, porque sua vontade era devolver Colin à mãe só para que ele atrapalhasse o namoro.

            Até porque, quem aquele cara pensava que era para achar que era homem suficiente para Zhoe? Ela merecia ser amada por inteiro, venerada, merecia que lhe fizessem amor como se não houvesse amanhã, como se ela fosse a relíquia mais preciosa na face da terra. Ou seja, ela merecia tudo que ele não fora capaz de lhe dar, porque era um babaca. Um verdadeiro boçal que não sabia segurar o próprio pau dentro da calça.

            O mais doloroso de tudo aquilo era que ali, sentado no banco da praça principal de Green Hill, imagens atormentadoras preenchiam a mente de Tate. Tudo que ele conseguia imaginar era Zhoe nos braços daquele almofadinha, sendo beijada por ele, acariciada e sentindo prazer com alguém que não era ele. Só de pensar nessa possibilidade, seu sangue já começava a esquentar, e ele temia fazer alguma besteira. Especialmente conforme o álcool ia enevoando sua cabeça e tornando-o mais e mais impulsivo. Precisava apenas se controlar.

            Tentara não responder nenhuma pergunta para Colin — porque, sim, a criança fizera algumas perguntas —, mas preferira não se comprometer. Que a mãe explicasse, afinal, ele preferia que Zhoe contasse sua versão da história e que explicasse o que achasse mais conveniente. Apesar de estar desolado com toda aquela história, não queria, de forma alguma, criar discórdias entre mãe e filho. Não era covarde àquele ponto. Embora, precisasse confessar, a ideia fosse bastante tentadora.

            E tornava-se mais ainda conforme a garrafa de vodca ia esvaziando.

            Precisava conversar com alguém, desabafar, tirar aquele peso de seu peito em algum ombro amigo que pudesse lhe dar bons conselhos. O problema era que a única pessoa capaz de preencher todos aqueles requisitos era Jacob Barnham, que, com certeza, não devia estar muito satisfeito com as atitudes de Tate, especialmente porque este tinha chegado na cidade e simplesmente não tivera coragem de visitar o amigo, pois sabia que seria repreendido. E com razão, é claro.

            Contudo, assim que se levantou do banco duro, onde seu traseiro já estava ficando quadrado, deixou que seus pés seguissem seu próprio caminho, sem muita direção, então, caso acabasse indo parar na casa de Jacob, poderia considerar apenas como obra do destino.

            E é claro que foi o que aconteceu. Quando deu por si, já estava batendo na porta da casa do xerife de Green Hill, sentindo-se pronto para levar um belo de um sermão.

            Quem atendeu, no entanto, foi Paige. Menos mal que ela estava ali, poderia apaziguar as coisas.

            — Tate? O que houve com você? Está péssimo!

            Atrás da figura pequena e esguia de Paige havia um espelho, então, ele pôde dar uma olhada em sua aparência. Com isso, constatou que ela tinha sido até boazinha demais naquela afirmação, pois ele estava destruído, amassado, bagunçado e pegajoso. Sentia sua camisa polo grudar em seu corpo e algumas mechas de seu cabelo também estavam começando a grudar na testa, então, passou a mão por ele, jogando-o todo para trás. A garrafa em sua mão já estava quase vazia, mas intensificava o ar de bêbado mendigo que tinha se instalado em sua aparência.

            — Posso falar com Jacob? — a pergunta escapou direto da garganta, e ele mal reconheceu a própria voz.

            — Claro. Ele está tomando banho. Pode esperá-lo na sala.

            Tate entrou e sentou-se no sofá, sem precisar nem de convite. Ficou um pouco aéreo por alguns segundos até que percebeu que Paige ainda estava à sua frente, parada. Quando ergueu os olhos na direção dela, percebeu que estava com a mão estendida, esperando alguma coisa.

            — Me entregue a garrafa. Não vai ficar se embebedando ainda mais dentro da minha casa — ela falou com muita autoridade, como uma mãe falaria para um filho desobediente.

            Tate abriu a boca para protestar, pois simplesmente não queria se afastar daquela garrafa, já que se sentia completamente apegado a ela. Apesar disso, acabou entregando-a para Paige, que a levou para a cozinha.

            Cada minuto passado deixava Tate ainda mais apreensivo. Por várias vezes sentiu vontade de se levantar daquele sofá e sair porta afora, mas tinha plena noção de que aquele era um passo importante para sua nova versão de si mesmo. Se queria ser um homem melhor, precisava começar mantendo sua coragem. Até porque, se não conseguia lidar com a fúria de seu melhor amigo, como iria se preparar para a batalha que enfrentaria dali em diante para reconquistar Zhoe?

            No entanto, não esperava que fosse ser recebido por um belo soco na cara. Puta que pariu! O filho da puta tinha um gancho de direita dos infernos!

            — Satisfeito? — Depois de se recuperar por alguns instantes, perguntou a Jacob com a mão no maxilar, como se tentasse colocá-lo no lugar.

            — Ainda não. Você merece muito mais do que isso pelo que fez com Zhoe e com Colin, mas vou me limitar a esse soco.

            — Ah, então você ficou do lado de Zhoe também?

            — Do lado de Zhoe? — Jacob se alterou levemente. — Existem lados nessa história? Porque para mim você estava errado e ponto final. O que foi buscar, Tate?

            Tate respirou fundo, quase bufando, dando-se por vencido.

            — Não fui buscar nada, Jake. Eu apenas fugi.

            Jacob, ainda de cabelo molhado, sentou-se na poltrona, de frente para Tate.

            — Fugiu de quê?

            — De mim mesmo, talvez. Da minha insegurança. Do medo que eu tinha de ficar amarrado a Zhoe, pelo que eu sentia por ela e simplesmente não compreendia. — Tate riu com sarcasmo. — Mas nem pensei que ela nunca me deixou preso.

            — O amor não prende ninguém.

            — Eu sei! Agora eu sei. — Tate se levantou e começou a caminhar de um lado para o outro. — Mas eu queria ter liberdade, não queria ter que ser leal a ninguém. Não queria perder meus anos de juventude com uma única mulher — era a primeira vez que ele confessava aquilo para alguém e só de ouvir, já se sentia um idiota. — Agora eu vejo que essa foi uma das maiores burrices que já fiz na vida.

            — E olha que você já fez um bocado — zombou Jacob, e Tate simplesmente balançou a cabeça em afirmativa.           

            — Pode crer. Agora eu tenho que colher o que plantei, vou ter que suar muito para reparar meus erros. — Jacob não falou nada, apenas balançou a cabeça, parecendo estranho subitamente. E Tate sabia mais ou menos qual poderia ser o motivo para aquela mudança de comportamento. Sendo assim, iria entrar no assunto mais delicado. — Quer dizer então que você conhece o namorado da Zhoe?

            Jacob revirou os olhos, parecendo bastante incomodado com aquele assunto.

            — Olha, Tate, se veio aqui para saber fofocas sobre Zhoe, não vai conseguir nada de mim.

            — Achei que você fosse meu amigo!

            — Sou. E exatamente por isso vou te aconselhar: parta para outra, deixe Zhoe ser feliz, porque ela merece.

            — Ela merece ser feliz comigo! — Tate se alterou. — Sei que posso estar parecendo egoísta ao dizer isso, mas eu sei que ninguém a ama mais do que eu.

            — E eu sei que ninguém que afirma amá-la dessa forma teria coragem de abandoná-la como você fez.

            Aquilo doía mais do que uma porra de um soco na cara. Principalmente porque Tate sabia que Jacob estava certo. Porque, Deus, ele estava. Sabia que qualquer homem que tivesse a chance e a sorte de conquistar uma mulher como Zhoe jamais a deixaria escapar. Era o tipo de garota que não dava sopa por aí. E Jacob sabia muito bem disso, porque Paige também era assim. Ela também era insubstituível. Mas ele não parecia nem um pouco inclinado a fazer qualquer besteira, parecia feliz, satisfeito com sua vida, parecia conformado com o fato de ter que viver a vida inteira com a mesma mulher, assim como fora com seu pai, com seus quarenta anos de casamento, completos pouco antes da esposa morrer. Tate nunca tinha entendido aquele tipo de amor, que é capaz de durar por anos e anos, sem que se pensasse em jogar tudo para o alto. Por várias vezes ele tentou compreender, sem sucesso, que tipo de amor era aquele. Agora, finalmente, compreendia. Ele já sabia que seria capaz de amar Zhoe daquela forma. Para sempre. Mas como provar isso para ela? E para todos que quisessem ver? Ele seria capaz de fazer qualquer coisa. Qualquer coisa.

            — Eu sou um filho da puta, Jacob. Tenho completa noção disso. Mas sou um filho da puta obstinado E vou consertar as coisas.

            Jacob balançou a cabeça, parecendo bastante interessado com o  que o amigo estava dizendo.

            — É, aparentemente você cresceu. Vamos ver como vai agir daqui em diante, porque vou te falar só uma coisa, parceiro: você tem apenas uma chance. Apenas uma. Talvez Zhoe ainda sinta alguma coisa por você, mas se vacilar mais uma vez, vai ser para sempre. Ela nunca mais vai te perdoar. — Jacob terminou de falar e se levantou. — Vou pegar um pouco de gelo para que você possa colocar nesse maxilar. E vou pegar uma cerveja para nós também.

            Sim, ele gostaria de uma cerveja. Ou talvez duas. Ah, ele queria pelo menos umas dez para esquecer a imagem que não parava de surgir em sua mente, de Zhoe beijando aquele cara.

            É, talvez ele precisasse mesmo ficar muito bêbado.

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