Capítulo 4

A casa do xerife era bem mais promissora por dentro, se é que Paige tinha conseguido perceber qualquer coisa quando a olhou, sentindo-se da forma como se sentia. Não que estivesse muito melhor naquele momento, mas ao menos estava tentando.

                Jacob Barnham era surpreendentemente organizado e limpo. Não parecia haver nada fora do lugar em sua casa, tudo cheirava a lima-limão, como se tivesse feito uma faxina pesada há poucas horas. Não havia quase mobília, só o realmente necessário, mas o que faltava em móveis, ele compensava com porta-retratos. E todos eles guardavam fotos de uma mulher. Paige nem sequer sabia que ele era casado.

                A mulher das fotos era muito bonita, o que ela não pôde deixar de reparar. Cabelos castanhos e longos, olhos verdes, eguia... parecia ter uma elegância natural e um sorriso charmoso, que era perceptível mesmo em uma fotografia.

                ― Pode se sentar aqui. Vou pegar um copo d'água para você. ― Jacob apontou o sofá para que ela pudesse se sentar.

                ― Será que sua esposa não vai se incomodar de eu estar aqui? ― Ao falar, Paige olhou instintivamente para os porta-retratos.

                Jacob abaixou a cabeça, sentindo-se envergonhado. Ela não era a primeira pessoa que entrava ali e fazia perguntas do tipo ou que olhava desconfiada para todas aquelas fotografias. Ele sabia que era um babaca, que aquela mulher o tinha feito sofrer como nunca, mas ainda se sentia ligado a ela, nem que fosse por laços de odio.

                Sim, ele a odiava. E talvez todas aquelas lembranças que guardava dela servissem para mostrar o quanto não podia ser tolo e entregar seu coração novamente.

                ― Não sou casado.

                Foi tudo que ele respondeu, como se tal assunto fosse proibido, um tabu. E deveria ser realmente. Paige via nos olhos de Jacob o quanto o assunto ainda o feria, por isso, condenou-se por ter perguntado.

                ― Desculpa, eu...   

                ― Não peça desculpas! ― ele falou de forma um pouco rude, sem olhá-la nos olhos, talvez envergonhado por estar agindo como um babaca.

                Exatamente por isso, Jacob permaneceu de costas, ainda sem coragem de encará-la, não apenas pelo fato de tê-la respondido de forma grosseira ou pelas fotografias que denunciavam sua louca obsessão, mas também porque estava desacostumado a ter uma mulher em sua casa, por mais que fosse uma visita breve.

                E não foi por falta de oportunidade. Naqueles dois anos depois do divórcio, recebera inúmeras propostas indecentes, convites e cantadas inesperadas. Mas não estava interessado em nada daquilo. Não queria receber nem fazer promessas. Queria viver sua vida em paz. Seria pedir muito?

                Paige viu Jacob estender o copo d'água em sua direção e, sem que fosse sua intenção, acabou tocando na mão dele, sentindo-a quase quente em contraste com o vidro gelado. Esse breve contato fez com que Jacob finalmente virasse os olhos na direção dos dela, fazendo-o fitá-la por alguns segundos que mais pareciam uma eternidade. Podia ter sido uma impressão momentânea que demorou nada mais do que uma fração de segundos, mas ambos tiveram a nítida impressão de que seus espíritos se reconheciam, como se fossem cúmplices de um mesmo crime, como se compartilhassem uma história em silêncio. Havia a mesma carga de dor entranhada naqueles olhos. Eram duas almas precisando de ajuda.

                ― O que veio fazer em Green Hill? ― ele foi direto na pergunta, como se não pudesse perder tempo.

                ― Acho que todo mundo já percebeu o que vim fazer aqui. ― Talvez tivesse sido a bolada na cabeça, a forma como a pergunta foi feita ou simplesmente o comportamento dele, mas desde que chegara ali e começara a se relacionar com as pessoas, de alguma forma, não sentira tanta vontade de se abrir como estava sentindo naquele momento. Talvez o fato de ele ser um policial contasse para alguma coisa.

                ― Não. ― Ele deu de ombros, como se aquilo não lhe importasse nem um pouco e se sentou de frente para ela. ― Eu não faço ideia.

                Paige sabia que ele estava mentindo, assim como sabia que toda aquela indiferença que ele tentava demonstrar era nada mais que uma manobra articulada de auto-defesa. Porém, isso não lhe importava. Fosse o que fosse, não tinha nada a perder.

                ― Eu vim para cá para fugir ― falou olhando diretamente em seus olhos, reunindo uma coragem que já não sentia há tempos.

                ― Fugir? De quê?

                ― De um pesadelo. Um sonho horrível que não me deixava em paz nem mesmo quando estava acordada. ― O sentimento presente em sua voz era capaz de cortar qualquer coracão no meio. Paige sentia raiva e medo, o que era fácil de ler em seus olhos, e isso fez com que Jacob reunisse várias teorias a respeito daquela confissão. Todas elas, porém, envolviam violência, física e emocional. Como homem e policial, aquilo atiçava seus instintos mais protetores.

                Sem nem pensar em mais nada, Jacob inclinou-se um pouco para frente, como se fosse compartilhar um segredo com ela.

                ― Você sabe que seja lá o que for, pode e deve contar com a ajuda da polícia.

                ― A polícia não me ajudou muitas vezes...

                ― Mas eu posso te ajudar. ― Ele colocou a mão sobre a dela, sem qualquer segunda intenção. Era apenas um gesto confortador. ― Sei que ainda não me conhece direito, mas pode me contar tudo que aconteceu.

                Paige avaliou-o com cuidado. Não era do tipo de mulher que pretendia esconder a dor para parecer mais forte ou porque sentia vergonha de qualquer coisa. Além disso, Jacob parecia estar formulando várias teorias erradas. Seria prudente lhe falar a verdade, não apenas para que compreendesse toda a história, mas porque talvez viesse a precisar de proteção, se por acaso o mal voltasse a persegui-la. O que ela não duvidava que acabaria acontecendo mais cedo ou mais tarde.

                ― Não vou falar. Não estou pronta ainda.

                Será que algum dia estaria?

                Jacob passou algum tempo observando-a depois daquela resposta, especialmente curioso pelo fato de ela não desviar o olhar enquanto ele fazia isso. O que, com certeza, dizia muita coisa sobre aquela mulher. Apesar da aparência frágil, Paige O'Brien carregava uma imensa força dentro de si.

                Enquanto ainda a analisava durante aqueles breves segundos de silêncio, ele chegou à conclusão que estava amaldiçoado.

                Merda!

                Dentro de si, também sentira a conexão com ela, com sua história misteriosa, embora tivesse a leve impressão de que fosse lá qual fosse o problema dela, não tinha nem comparação com o fato de ele ter sido um corno idiota. A garota tinha cicatrizes bem mais feias que as dele. No entanto, finalmente tinha a constatação de que um simples ato poderia trazer consequências bem significativas. Jacob tinha ajudado Paige, a levara para sua casa e fizera perguntas demais. Agora estava feito, ele a tomaria como sua responsabilidade, como alguém que deveria proteger. Era algo que fazia sua índole gritar, que mexia com seus instintos.

                ― Acho melhor que eu vá embora agora. ― Paige anunciou, sem mais nem menos, como em um rompante súbito. Ela era tão esquiva quanto ele; mais uma coisa que de certa forma tinham em comum.

                E, exatamente por compreender aquele comportamento, Jacob assentiu.

                ― Vou te levar. ― Ele não perguntou nem pediu permissão, apenas comunicou. Sabia que as coisas com ela teriam que ser dessa forma.

                ― Não é longe. Posso ir sozinha.

                ― Enquanto não aceitar que eu a leve, não vai sair daqui.

                Imediatamente após ouvir tal frase, Paige sobressaltou-se. Não saberia dizer exatamente o que a tinha assustado, mas provavelmente tinha a ver com o tom impaciente e autoritário. Mas não podia se abater, pois não estava mais vivendo a terrível realidade de antes. Era ivre, e Jacob Barnham ― por mais que fosse o xerife da cidade ― não iria lhe dizer o que fazer nem ditar as regras.

― Você pode até ser o xerife e m****r nesta cidade, mas não vai conseguir m****r em mim.

                Era a primeira vez que enfrentava alguém daquela forma, então, não se surpreendeu nem um pouco quando sua voz soou mais frágil do que esperava. Mas isso era o menos importante ali; o que realmente contava era que Jacob, depois de hesitar um pouco, balançou a cabeça em afirmativa. Com um semblante derrotado, ele levantou-se de onde estava sentado e simplesmente abriu a porta da casa, como se abrisse os portões de uma prisão, libertando um prisioneiro.

                Ao ver a cena, Paige também se levantou e seguiu-o até a porta. Contudo, antes que pudesse sair, virou-se, ficando de frente para ele.

                ― Obrigada pelo que fez. Não pense que não me sinto agradecida, só não sei lidar muito bem com as pessoas. Algumas coisas ainda me assustam.

                ― O problema não é com você. Algumas pessoas são realmente assustadoras e nos causam traumas para a vida inteira. Mas você é forte, vai saber superar, seja lá o que foi que passou.

                ― Forte? Eu? ― Queria fazer valer o que ele tinha acabado de falr, mas, secretamente, começava a sentir lágrimas nascendo em seus olhos. Lágrimas de emoção pelo que ele tinha acabado de dizer.

                Jacob percebeu-as, mas preferiu não comentar. Ela já estava fragilizada demais para que ainda tivesse que ser humilhada daquela forma.

                ― Sim, você é mais forte do que pensa. Estar lutando para levar uma vida normal é a maior prova disso.

                Paige absorveu aquelas palavras e respirou fundo, quase que para deixar que elas se espalhassem por sua corrente sanguínea. Pensando nisso, cumprimentou-o com a cabeça e saiu, dando-se o direito de chorar sem testemunhas.

***

                Já fazia quinze minutos desde que Paige saíra de sua casa, mas era como se ela ainda estivesse ali. Antes de passar pela porta, ela tinha deixado um rastro de cacos de sentimentos espalhados pelo chão, e era como se todos eles estivessem afetando Jacob de alguma forma.

                Por um bom tempo, manteve-se inerte, sentado na poltrona, com as mãos na cabeça, como se elas o estivessem ajudando a suportar o peso de seus pensamentos.

                Exatamente como tinha suposto anteriormente, aquela mulher carregava um fardo muito grande. Mas agora que ela tinha feito um princípio de confissão, ele começava a imaginar muitas coisas.

                O problema era que sua imaginação era fértil demais e sempre tendia a passear por caminhos obscuros. Exatamente por esse motivo, preferia investigar. Sabia que poderia estar invadindo a privacidade de Paige ― uma vez que era bem óbvio que ela não parecia muito disposta a falar do passado ―, mas no final das contas seria para o bem dela.

                Para começar, pegou um caderninho e se dirigiu até o seu computador pessoal. Enquanto o aparelho inicializava, tentou reunir algumas informações que tinha sobre ela. Depois de pensar por alguns segundos, chegou à conclusão que tinha apenas um nome, que ele duvidava muito que fosse real. Porém, com anos de experiência na profissão, já tinha aprendido que pessoas que criam pseudônimos para se esconderem, tendem a utilizar um nome que tenha algum significado para elas.

                Paige O'Brien não era um nome tão incomum ssim, por isso, ele sabia que teria que pesquisar bastante.

                E levou a noite inteira naquela atividade, começando a pesquisar utilizando o computador de sua casa em acesso remoto com o da delegacia. Como mantinha a cabeça focada no trabalho vinte e quatro horas por dia, usava aquele recurso para poder levar serviço para casa sempre que quisesse. E o serviço daquela noite era a bela loira desconhecida e misteriosa que chegara em sua cidade sem qualquer explicação.

                Utilizando um sistema da polícia, encontrou algumas referências ao tal nome usado por ela. Fez uma lista com todos os que encontrou e ficou por alguns minutos parado, olhando para aqueles nomes, chegando à conclusão que teria um longo caminho pela frente. Ela poderia estar homenageando qualquer pessoa ou simplesmente utilizando-se de um nome de personagem de livro, filme ou algo do gênero.

                E foi exatamente esse pensamento que o fez ter uma ideia.

Abriu o site do G****e em seu navegador de Internet e digitou: : "Paige O'Brien", apertando Enter em seguida. Girou a barra de rolagem, sem deixar de prestar atenção a cada uma das menções ali presentes. Havia links para mídias sociais, reportagens jornalísticas e muitas outras coisas. Mas Jacob estava empenhado em descobrir alguma coisa, afinal, queria ajudar. Na verdade aquilo tinha potencial para se tornar sua mais nova obsessão.

                Foram horas e horas de busca até enxergar uma luz no fim do túnel. E uma luz bem fraquinha, mas, ainda assim, relevante.

                Havia uma Paige O'Brien autora de um blog muito visitado, embora sua última postagem tivesse acontecido há sete anos. Era uma página de poesias, crônicas e contos, com textos bem peculiares e quase infantis, próprios de uma adolescente. Falavam de paqueras, problemas familiares e amizades. No perfil havia uma imagem de uma tatuagem e o seguinte texto: "Assim como Clark Kent, mantenho minha verdadeira identidade em segredo para poder falar mais abertamente sobre como me sinto.".

                Era algo a se levar em consideração. Ao menos alguma coisa combinava: há sete anos, Paige também era uma adolescente.

                Não que fosse uma evidência muito útil... Ah, que diabos! Estava sendo otimista demais. Ele não tinha praticamente nada.

                Tentando se manter otimista com as poucas informações que tinha, imprimiu a foto da tal tatuagem e guardou consigo, na carteira. O desenho ficava no ombro, e era de uma borboleta azul, com as asas parecendo em movimento, como se estivesse prestes a voar. Na primeira oportunidade iria verificar se Paige tinha alguma como aquela.

                Mas se tivesse, o que faria? Revelaria que estava fazendo uma leve investigação ou continuaria pesquisando de forma secreta, remexendo em segredos que não lhe pertenciam?

                Bem, tudo a seu tempo. Aquela era uma decisão que poderia tomar depois.

***

`              Lá estava Zhoe esperando de novo.

                Uma hora de atraso. Era sempre assim com Tate.

                Mas ela até que gostava quando ele dava umas mancadas como aquela, pois servia para que abrisse os olhos.

                No dia anterior, quando falou para Paige que não nutria mais nenhum sentimento por Tate, mentira. Claro que já não sofria mais como antes, que não pensava mais nele o tempo todo como antes... Mas isso não queria dizer que tinha esquecido.

                Tate era como um pernilongo irritante que insistia em fazer cócegas em seu coração. Mesmo depois de tanto tempo, ela ainda o desejava. Acreditava, no entanto, que isso tinha muito mais a ver com luxúria do que com qualquer outra coisa, afinal, tiveram uma noite de amor insanamente maravilhosa e nunca mais se tocaram. Nem um beijinho sequer. A não ser que contasse as vezes que ele tentava agarrá-la furtivamente e acabava tocando-a sem qualquer permissão.

                Pensar na forma como ele sempre dava um jeito de tocá-la a fez estremecer. E antes que aquele pensamento se enraizasse em sua cabeça, Zhoe serviu-se de uma taça de vinho. Seria melhor entorpecer sua mente com álcool do que com pensamentos a respeito de Tate.

                Para garantir efeito rápido, virou a taça inteira de uma vez só.

                E esperou por mais meia hora.

                Quando Tate bateu à porta da pousada, ela sabia, sem nem precisar olhar para ele que o atraso tinha a ver com alguma mulher. E foi exatamente isso que a deixou mais irritada.

                ― Está atrasado ― anunciou com uma voz seca, visivelmente contrariada.

                ― Ei, que bela recepção, hein! Eu perdi a hora. Acontece. ― Enquanto falava, Tate fechava a porta que Zhoe tinha deixado aberta e foi atrás dela, que já estava se servindo de outra taça de vinho.

                ― Claro que acontece. Uma vez ou outra, mas não toda hora. Não é possível que sempre deixe seu filho em segundo plano, Tate!

                Era a primeira vez que falava com ele daquela forma, que o repreendia por seu comportamento irresponsável e infantil. Talvez esse tivesse sido seu erro. Durante todos aqueles anos passara a mão na cabeça dele, guardando para si a verdadeira mágoa que sentia. Fora muito mais amiga do que ele realmente merecia. Mas estava cansada.

                ― O que deu em você hoje, hein?

                E ele ainda era abusado! Zhoe precisou contar até dez para não mandá-lo para aquele lugar.

                ― Em mim? Nada, Tate. Só estou  cansada de ver meu filho triste ou te esperando por horas enquanto você trepa com uma das suas vagabundas.

                Zhoe se surpreendeu consigo mesma. Ela dificilmente falava palavras de baixo calão como aquelas.

                ― Você está com ciúme? ― ele sorriu de canto, extremamente sedutor, cheio de malícia nos olhos.

                Zhoe gargalhou. E se condenou pelo riso ter soado tão falso.

                ― Ciúme? Eu? Ah, por favor, Tate, não se superestime tanto. ― Dizendo isso, ela tentou dar outra golada no vinho, mas teve a taça arrancada de sua mão. ― Ei! Me devolve isso!

                ― Não. Nada disso. Você não fica nem um pouco educada quando está bêbada.

                ― Não estou bêbada! ― exclamou e esticou o braço para pegar a taça de volta, mas ele a segurou pela cintura, puxando-a para longe do vinho.

                Mesmo depois de levá-la até uma distância segura, Tate não a soltou. Mais do que isso. Não satisfeito com o fato de estar com as mãos em sua cintura, ele passou um braço ao redor dela, segurando-a com mais firmeza.

                ― Tate, me solta!

                ― Você está me deixando louco assim, toda nervosinha de ciúmes, mas não posso mentir. Eu não estava com nenhuma mulher. Estava ajudando meu pai com a contabilidade da loja e acabei me atrasando.

                Podia ser uma mentira, é claro, e Zhoe teria acreditado totalmente nisso se não fosse o fato de que Tate era sempre sincero com ela. Mesmo quando a verdade era muito mais podre, ele sempre escolhia não distorcê-la.

                Sentindo-se um pouco mais calma, afinal ele tivera um bom motivo para o atraso, Zhoe finalmente teve ciência da proximidade que tinha se formado entre eles. Tate a segurava com firmeza pela cintura, com o braço direito, e não demorou para que o esquerdo se elevasse um pouco, o suficiente para que sua mão fosse parar bem em sua nuca.  A posição ideal para um beijo.

                ― Não me beije, Tate ― alertou, mas sem muita convicção. A respiração pesada e entrecortada a denunciava.

                ― Ah, eu vou beijar. Faz muito tempo que eu quero relembrar o gosto dos seus lábios. Da última vez eles tinham gosto de cereja. Você se lembra?

                Sim, ela se lembrava. Lembrava que ele tinha comentado exatamente isso ao final do melhor beijo de sua vida, com a mesma voz sussurrante e sensual que usara para falar com ela ali, naquele momento. Mas também se lembrava que aquele beijo inocente os tinha levado  para a cama, o que resultara em uma drástica mudança em suas vidas: um bebê.

                Mas agora ela era uma mulher feita, experiente e não se deixaria levar tão fácil.

                Ao menos pensava assim.

                ― Já faz muito tempo, Tate.

                ― Faz. Muito. Por isso que eu acho que já deveria ter feito isso muito antes.

                Antes que ela pudesse contestar ou tentar impedi-lo, Tate a puxou para si com urgência, colando seus lábios nos dela, desesperadamente.

                Para o inferno com o que era certo ou errado! Se ficasse arrependida no dia seguinte ao menos podia culpar o vinho.

                Quase perdeu completamente a cabeça quando, usando o braço que estava em sua cintura, ele a ergueu do chão, começando a caminhar com ela levemente suspensa no ar, levando-a a colidir com uma parede.

                Alguma parte bem sensata de sua consciência dizia que era hora de parar antes que fosse tarde, mas ela não parecia muito disposta a dar ouvidos à razão. Não quando o coração parecia gritar, batendo forte no peito, quase fazendo o barulho de um trovão em dia de tempestade. E como poderia resistir, enquanto ele fazia misérias com a sua boca, apertando-a com firmeza contra si, como se sua sobrevivência dependesse daquele contato.

                Deus! E ele beijava tão bem! E, além disso, fazia tanto tempo que Zhoe não era beijada, que sentia como se estivesse recuperando sua feminilidade.

                Ela sabia onde aquilo ia chegar. Sabia...

                Sabia que Tate a beijaria até que ficassem sem fôlego, que ele a levaria para o quarto e acabariam sem roupa antes mesmo de chegarem à cama.

                O cenário era tentador. Ah, mais do que isso... a ideia de fazer amor com Tate depois de um beijo daqueles era quase uma necessidade. Contudo, havia um fator muito relevante naquela história que tinha sido esquecido por ambos: Colin.

                O menino ainda estava em seu quartinho, assistindo TV e esperando ansiosamente pelo pai. Como poderia colocar seus desejos acima da felicidade do filho? Como poderia se deitar em uma cama com Tate, varar a madrugada fazendo amor e deixar a criança lá, sem qualquer resposta, sendo feito de bobo?

                Não. Era uma mãe agora. Não podia agir com tamanho egoísmo.

                ― Chega! ― ela conseguiu proferir depois de reunir toda boa vontade possível. Mas Tate pareceu não ligar, pois continuou a beijar seu pescoço... Precisava fazê-lo parar antes que não conseguisse mais nem pensar. ― Tate, chega! ― Ela o empurrou, afastando-o de si. ― Colin! Ele está te esperando. Não podemos fazer isso com nosso filho.      

                Ao ouvir o nome do menino, Tate suspirou derrotado, mas lhe deu razão. Podia ter todos os defeitos do mundo, mas amava o filho mais do que qualquer coisa no mundo. Seu pau podia esperar, Colin, não.

                ― Tudo bem. Você está certa. ― A voz dele soou rouca, cheia de resquícios do desejo que quase o enlouquecera minutos atrás.

                ― Vou chamá-lo.

                Assim que deu o aviso, Zhoe virou-se de costas e subiu para o segundo andar, enquanto ajeitava o cabelo para tentar parecer mais apresentável. Deus! Ele amava aquele cabelo cor de fogo que tanto combinava com a personalidade esfuziante dela.

                Colin não demorou muito para aparecer, o que ele quase agradeceu. Era bom ver o rostinho angelical de seu filho para lembrar que não podia cometer a loucura de ir atrás da mãe dele, erguê-la nos braços como um homem das cavernas e levá-la para a cama.

                Só a cena de Zhoe sendo jogada sobre um lençol macio, espalhando aqueles cabelos escarlate pelo travesseiro já era suficiente para enchê-lo de tesão novamente.

                ― Papai! ― Colin correu para ele e o abraçou pelas pernas, parecendo muito feliz. A inocência daquele momento acalmou seus ânimos. Ou quase.

                ― E aí, garotão? Pronto para comer aquela pizza gigante? ― Tate levantou Colin no colo.

                ― Não vá entupir o menino de besteiras, Tate! Ele vai acabar passando mal.

                Tate revirou os olhos, como se já tivesse ouvido aquela frase inúmeras vezes.

                ― Fica tranquila. ― Ele deu uma piscadela charmosa, que fez com que Zhoe estremecesse. E, para piorar tudo, ainda acrescentou: ― Ainda não terminamos nosso assunto de antes. Não se esqueça disso.

                Ah, ela com certeza não esqueceria. E enquanto Tate saía da pensão com Colin nos braços, ela pensava que estava totalmente perdida.

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