Capítulo 03

Amira Garcia

 

Meu destino era mesmo fodido, logo no primeiro dia de trabalho quebrara meu nariz. Não estava acreditando ainda na coincidência de ser justo o poste ambulante que trabalharia ao meu lado. Ele sentia repulsa de mim sem ao menos disfarçar.

 

— Se você quer sobreviver nesse lugar, melhor não causar problemas! — olhei em direção a porta assustada. Quem era aquela mulher para falar comigo daquele jeito?

 

— Sou uma vítima. Não está vendo? — resmunguei, franzendo o cenho.

 

Sua gargalhada escandalosa quase me deixou surda. Cruzei meus braços encarando aquela mulher que se aproximava de mim, ela parou na minha frente, socando um uniforme no meu peito com brutalidade, me fazendo dar um passo para trás.

 

— Olha pra você… — falou em tom de deboche, em seguida deu mais uma gargalhada, balançando a cabeça. — Você não pertence a esse restaurante sua ignorante! Pensou que eu fosse me comover? Querida, volte de onde veio! Não tô acreditando ainda que vim ajudar alguém do seu tipinho. — fiquei em silêncio tentando entender, não sei por qual razão fui tratada daquele jeito, quando ela saiu pela porta voltei a respirar aliviada.

 

Depois que fiquei sozinha no banheiro tirei minhas roupas e coloquei o uniforme. A camisa era de mangas curtas, todo o uniforme era de cor azul-escuro, a calça estava um pouco apertada no meu quadril, marcando muito a minha bunda.

 

Antes de sair do banheiro fiz uma oração pra Deus me proteger naquele novo emprego. Quando abri a porta, meu carma me aguardava, com seu olhar intimidador me fez engolir em seco. A sensação de estar nua na sua frente fez minhas bochechas esquentarem, então, desviei o olhar, embora fosse um homem fisicamente bonito, seu coração era de pedra, não precisei de muito tempo para chegar naquela conclusão.

 

— Coloca isso! — ele me entregou uma touca, e não foi nada amigável.

 

— Por que tenho que usar isso? Eu não preparo a comida! — perguntei encarando a touca preta. Será que ele tinha se enganado? Me perguntei, porque na cozinha só era boa em comer, era um desastre como cozinheira.

 

— Acha mesmo que vou te deixar ir até os clientes hoje despreparada? Ficará comigo nessa cozinha para aprender o básico. Essa touca é pra nenhum fio do seu cabelo oleoso cair em um dos pratos.

 

Fiquei ouvindo tudo desacreditada, porém, não poderia fazer nada além de obedecer. Ele pegou a touca das minhas mãos, colocando em seguida na minha cabeça, e não foi nada delicado ao fazer isso.

 

— Isso coça… — resmunguei querendo me livrar da touca, estava me causando desconforto.

 

— Tem piolhos? Não pode ser… E eu toquei nos seus cabelos. — perguntou, enrugando a testa.

 

— Piolhos tem tua mãe! — falei sem pensar, todos que estavam na cozinha olharam em nossa direção.

 

Me arrependi na mesma hora do que havia falado.

 

— Vem… — ele falou rosnando, senti sua mão pesada no meu braço esquerdo, o desgraçado logo começou a me puxar pelo braço, até a pilha de pratos sujos na pia. — Lave-os, talvez isso cale seu atrevimento!

 

— Meu trabalho não é esse! — gritei cerrando os dentes enquanto estava tentando controlar minha indignação.

 

— Não perguntei se é! Quer gritar e reclamar? A porta está aberta para ir embora quando quiser! — ouvi tudo calada, ele era terrível, me perguntei que carma maldito era aquele meu.

 

Deixei meu orgulho de lado, e comecei a lavar os pratos sujos, por dentro eu estava igual uma bomba relógio que poderia explodir a qualquer momento, no entanto, precisava me acalmar, porque estava realmente precisando daquele trabalho. Enquanto esfregava os pratos me imaginava esfregando merda de vaca naquele metido.

 

Lorenzo Rivera sem dúvidas me pagaria com juros tudo que me fizesse.

 

[...]

 

Quando terminei meu turno de trabalho, fiquei tão feliz, respirei fundo antes de sair pela porta do restaurante para ir embora, o que pensei ser um alívio virou aflição ao ver aquele cozinheiro cretino de costas coladas para parede, meu sorriso morreu na hora. Talvez ele estivesse esperando alguém, nossos olhares se cruzaram me causando arrepios, desviei meu olhar rapidamente na esperança dele me ignorar, contudo, já era tarde, ouvi seus passos na minha direção.

 

— Te vejo amanhã? — perguntou enfiando uma das mãos no bolso de sua calça jeans cinza. Eu não sabia para onde olhar, estava muito nervosa, meu olhar foi atraído para seu corpo, e minha boca começou a salivar bastante, afastei meus pensamentos indecentes, e coloquei minha cabeça no lugar, aquele idiota não gostava de mim, eu também não gostava dele, era recíproco. Aquele desgraçado estava me desconcentrando devido aos seus músculos que estavam destacados na camiseta branca. Confesso que senti minha intimidade formigar, suspirei ficando na ponta dos pés, na intenção de olhar nos seus olhos castanhos escuros, eram um par de olhos que poderiam me hipnotizar se ficasse mais tempo os encarando. Pelo tempo que demorei responder sua pergunta, por estar admirando a sua beleza, talvez ele estivesse pensando que me deixou sem palavras, e, na verdade, sim. Limpei a garganta preparando minha resposta, se ele esperava ouvir um nunca mais voltaria ao trabalho, havia se enganado.

 

— Pensa que desistirei devido a você? Precisa bem mais que pegar no meu pé, e quebrar meu nariz pra mim sumir da sua vida! — falei demonstrando que não era nenhuma covarde. Como não estávamos mais no restaurante, Lorenzo era alguém como qualquer pessoa, eu não seria intimidada.

 

— Isso veremos na prática. Você estará longe daqui muito em breve! — afirmou sorrindo como se tivesse certeza disso.

 

— Se eu fosse você não contaria com isso! — afirmei esbarrando meu ombro nele. Caminhei sem olhar para trás, porém seu cheiro parecia me acompanhar enquanto caminhava.

 

O que eu tinha na cabeça? Merda claro! Ninguém normal sente atração pelo inimigo… Falei atração? Eu estava na seca! Meus amigos(a) a carência faz cada coisa com a gente!

 

Não deu para evitar de reparar em sua beleza, o grandão era gostoso, mas muito perigoso, chato, mandão, um verdadeiro sapo nojento. Seus cabelos negros perfeitamente no lugar, em um corte moderno, e pele bronzeada, chamavam atenção de qualquer pessoa, um moreno, musculoso, com barba muito bem aparada não precisava de muito pra molhar qualquer calcinha, inclusive a minha.

 

Naquele dia voltei para meu apartamento usando o uniforme, já que minhas roupas estavam sujas de sangue. Quando cheguei em casa fui tirando o uniforme, coloquei ele sobre a poltrona.

 

— Flora! Cadê você filha? — comecei a procurá-la pelo apartamento, logo a encontrei dormindo em sua caminha.

 

Como uma mãe babona fiquei sorrindo alguns segundos enquanto admirava a sua fofura. Às vezes sentia falta de ter uma família, eu queria uma família bem grande, já que era filha única, mas esses pensamentos davam lugar às torturas que passei no passado todas às vezes que me entreguei por amor.

 

No começo tudo é maravilhoso, porém depois de um tempo se revelavam ser uns trastes que queriam apenas me usar sexualmente. Uma vez quase fui esfaqueada por um deles, só porque eu não quis fazer amor com as luzes acesas.

 

Eu tinha um limite que não deveria ser ultrapassado, para mim já era doloroso falar de como consegui a cicatriz, não queria que ninguém a visse e pensasse que eu era um monstro, sempre a escondia de todos, sem exceção.

 

Caminhei em direção ao banheiro e tomei um longo banho, aproveitava aqueles momentos comigo mesma para refletir. Enquanto a água fria molhava todo meu corpo, desejava limpar minha alma, chorava quase sempre debaixo do chuveiro, esperando que tudo fosse embora pelo ralo, só queria ter uma vida normal, mas estava marcada pela tragédia.

 

O lado bom de morar sozinha era que eu podia andar pelada pelo apartamento sem medo que alguém fosse me olhar e ficar com nojo, eu não conseguia evitar pensamentos assim, estava traumatizada e guardava tudo só para mim.

 

[...]

 

Sempre que, eu saia pelo meu bairro tinha medo de ser assaltada. Ser pobre e fodida não era tudo que poderia me acontecer. Já era noite quando resolvi sair pra comprar comida, usei um blusão com capuz de cor verde e uma calça jeans preta, também estava usando um dos meus tênis desgastados e assim fui.

 

Quando entrei no supermercado estava nitidamente nervosa, o local era grande e isso me deixava ansiosa, caminhei até os carrinhos de compras e peguei um.

 

— O que você tem? — falei sozinha olhando para rodinha esquerda traseira do carrinho que estava fazendo um barulho horrível.

 

Mordi suavemente meu lábio inferior, e pensei: Foda-se, vou usar este mesmo.

 

Aquele carrinho e eu estávamos chamando atenção pelos corredores do supermercado. Fiquei resmungando baixinho pelos corredores enquanto jogava umas besteiras dentro dele, quando peguei tudo que queria, caminhei até o caixa para pagar, estava com sorte porque não peguei fila alguma.

 

Peguei o pouco de dinheiro que tinha e paguei tudo, a atendente me entregou as compras em sacos plásticos, não estava pesado porque eram apenas bobagens que pude comprar com pouco dinheiro.

 

Enquanto eu caminhava pela rua escura sentia calafrios, não por estar frio, a impressão de ser observada estava me deixando inquieta.

 

— Não tem ninguém atrás de mim, não tem… — sussurrei olhando para trás ocasionalmente.

 

Fiquei com a boca seca e apressei meus passos, só consegui respirar aliviada quando já estava dentro do meu apartamento, tranquei tudo como se minha vida dependesse disso.

 

Eu tinha medo de algo acontecer comigo, ninguém sentiria minha falta, seria só mais uma, a desaparecer na cidade grande. Coloquei as sacolas sobre a mesa e corri para meu quarto, entrei debaixo das cobertas e comecei a chorar.

 

— Mãe, pai, como sinto a falta de vocês! Não tenho ninguém para cuidar de mim, eu deveria ter morrido junto com vocês.

 

Naquele momento pensei como tudo poderia ser diferente se eles estivessem vivos, eu nunca teria saído da minha cidadezinha, e sem dúvidas estaria muito feliz.

 

Gradualmente fui adormecendo, deixei minhas aflições de lado e finalmente pude dormir em paz, ou, pelo menos, esperava que daquela vez não tivesse mais um dos meus terríveis pesadelos.

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