Capítulo 3

— Meu Deus, Chris! — falou Olivia ao assistir ao vivo na TV uma perseguição policial, onde Christopher e Ramona corriam atrás de um suspeito de estupro e assassinato enquanto a polícia organizava um cerco.

Levou alguns minutos para findar a reportagem, ela aguardou ansiosa, esperando um momento oportuno para ligar para o marido e comprovar que tudo acabara realmente bem, conforme fora dito na matéria, onde vira apenas o carro da polícia sair levando para a delegacia o suspeito.

Sabia que ao chegar à Unidade de Homicídios demoraria algum tempo até ir interrogar o rapaz, considerando que os vinte minutos que se passara fosse suficiente para que tivessem chegado e consequentemente o marido pudesse lhe atender, ligou.

— Olivia, tá tudo bem? — perguntou ao atender.

— Eu que te pergunto, querido, eu vi a perseguição na TV e...

— Está tudo bem, não se preocupe. A Ramona precisou fazer um curativo, estou esperando ela para...

— O que aconteceu com ela? — indagou preocupada.

— Ela o alcançou antes de mim, ele reagiu, acertou-a no rosto com um canivete, mas por sorte não foi um corte profundo.

— Meu Deus!

— Ela está bem, está melhor que ele na verdade.

— A Ramona o feriu também?

— Na verdade fui eu... Quebrei o maxilar dele — falou sorrindo.

— Chris!

— Precisei desarmá-lo, não tive escolha, fora que ele feriu a Ramona.

— Sim, eu sei, m-mas...

— O que foi, Olivia?

— Fico preocupada. Vocês se arriscam tanto nesse trabalho, hoje a Ramona se feriu, podia ser você... podia ser mais grave — disse aflita.

— Meu amor, não pense nisso, eu sei me cuidar.

— Não quero te perder, precisamos de você, Chris!

— Vocês não vão me perder, meu amor! Está tudo bem. E a Khristin, o que está fazendo?

— Está dormindo faz quase uma hora.

— Que bom. Dá um beijo nela por mim.

— Darei, amor.

— Olivia, vou desligar.

— Ok, amor, só queria mesmo confirmar se acabou tudo bem.

— Sim, fique tranquila. Nos vemos no jantar. Te amo.

— Também te amo. — Desligou o telefone.

Olivia ficara mais tranquila em saber que tudo acabara bem apesar do ferimento da detetive, mas não estava em paz com aquela situação. Antes de Khristin, a preocupação com a segurança do marido já existia, mas agora parecia que aumentara e muito, pois o simples pensamento de que elas podiam perdê-lo a assustava em demasia.

Christopher sempre fora um bom marido e agora, um bom pai, mas a profissão exigia muito dele, isso a preocupava.

Para tentar esquecer o assunto, Olivia foi para o quarto da pequena, parou de fronte ao berço e a olhou dormir um sono tranquilo, sua filha estava cada vez mais linda. Só ao contemplá-la é que o aperto em seu coração passou.

Chade, África

Donna acabara de pousar no Aeroporto Internacional de N'Djamena, capital de Chade, assim, após apanhar sua bagagem da esteira seguiu para o saguão onde combinara de encontrar a pessoa que contratara para ser sua guia e auxiliar enquanto estivesse no país, já que não falava nenhum dos idiomas locais. 

Não foi difícil identificar sua guia, já que logo a viu acenando para lhe chamar a atenção. Donna percebeu que ela estava vestida como havia avisado que faria antes do embarque: com um vestido longo de capulana estampada com formas tribais nas cores laranja, amarelo e verde, que iam até seus pés, deixando apenas parte das sandálias pretas à mostra. O cabelo estava cuidadosamente coberto com um turbante de cor laranja, enquanto o rosto belo e negro ostentava uma maquiagem leve nos olhos, contrastando com o batom roxo que trazia nos lábios carnudos.

— Neila Dupont? — confirmou retirando os óculos escuros ao se aproximar da mulher que lhe direcionava um sorriso largo e simpático.

— Muito prazer, senhorita Dixon! — Neila falou em inglês lhe estendendo a mão, exibindo algumas pulseiras coloridas no pulso.

— Me chame de Donna, por favor. O prazer é meu! — respondeu apertando a mão da guia com um sorriso. — Estou mais tranquila por te ver aqui. Estava preocupada... Como eu disse, meu francês é horrível e não falo absolutamente nada em árabe.

— Eu disse que estaria aqui, sei bem como é estar num lugar desconhecido com pessoas desconhecidas — falou gentil.

— Imagino, pelo que me disse, já viajou o mundo.

— Eu diria quase... — Riu. — Venha, você deve estar com fome, já passou do horário de almoço. Vamos comer aqui pertinho e aí te deixo no hotel para você descansar. Eu te ajudo com a bagagem, será mais fácil para você desviar das outras pessoas — falou puxando a mala de carrinho para si.

— Obrigada. Neila, na verdade estou sem fome, mas vou aceitar o convite para nos conhecermos melhor — disse enquanto seguia a guia a passos largos.

— Fico contente. Ah, olhando pra você, acho que suas medidas são basicamente as minhas, então vou separar algumas peças de roupa, porque se está pensando em usar o que usaria na Califórnia, não irá aguentar o calor — falou olhando rapidamente para Donna dos pés à cabeça, que trajava uma calça jeans apertada e uma jaqueta preta.

— Neila, não sabe como agradeço, mal pousamos, eu senti mesmo a mudança de temperatura. Nessa época do ano faz frio em Los Angeles. — Sorriu.

Minutos depois a recém-chegada e a guia adentravam um pequeno estabelecimento.

— Aqui é simples, mas é limpo. A comida é boa e o atendimento é muito bom — falou ainda na porta do restaurante. — Vamos nos sentar naquele canto, é a mesa mais afastada, então teremos mais privacidade. — Apontou para a mesa vazia e Donna assentiu em silêncio.

Logo que Neila e Donna sentaram, um rapaz miúdo se aproximou com um cardápio em mãos, parecia não ter mais de doze anos.

— Aqui eles começam a trabalhar muito cedo — Neila falou em inglês ao perceber o olhar assustado de Donna para o garoto. — Ele tem sorte de trabalhar num estabelecimento como esse. Muitos, mais novos ainda, estão lá fora, embaixo de sol, fazendo serviços pesados, com pouca remuneração ou nenhuma. — O rapaz não entendera nada, mas como já conhecia Neila e o seu trabalho como guia sempre em companhia de estrangeiros, imaginou que ela estava explicando algo para a mulher à sua frente. 

— Eu lamento... — respondeu Donna perplexa.

— Eu também — comentou a guia demonstrando tristeza.

Neila ajudou Donna a escolher um prato leve e fez o pedido para o garçom que logo saiu, deixando-as sozinhas.

— Quantos idiomas você fala? — Donna perguntou curiosa.

— Com fluência, seis! Mas me viro em outros cinco. — Sorriu orgulhosa.

— Incrível! 

— Obrigada.

— Seu sobrenome não me parece africano — observou.

— Não é. — Sorriu. — Sou filha de uma chadiana com um francês, o sobrenome é do meu pai.

— Entendo.

— Donna, você pode ir direto ao assunto, pode confiar em mim. Sei que veio fazer uma investigação, você é detetive?

— Não. — Riu sem jeito. — Talvez! 

— Não entendi — falou levantando a sobrancelha.

— Digamos que eu seja uma detetive particular — falou séria, mas sorriu sabendo que não convenceria a guia.

— Não trabalha para a polícia — observou Neila.

Donna balançou a cabeça.

— O que está investigando? — perguntou séria.

— Um assassino.

— Mas se não é da polícia...

— Vou entregar as provas que eu conseguir para a polícia.

— Entendo... É pessoal? 

— É.

— Donna, a agência me recomendou para você exatamente porque já fui policial.

— Sim, eu soube disso. Me disseram que enquanto morou na França...

— Isso mesmo. Era meu sonho de menina, meu pai também era policial. — Sorriu orgulhosa. — Mas depois que fui alvejada e quase morri, eu desisti da minha carreira e voltei para Chade para me casar.

— Me disseram que você era solteira, que por isso poderia ficar à minha disposição! — Donna a interrompeu preocupada.

— Eu sou viúva, na verdade. Larguei tudo por ele, decidimos que eu não ia trabalhar, mas cinco anos depois ele descobriu que tinha uma tuberculose avançada, só com os ganhos dele não tínhamos como tratar. Ele morreu quase um ano depois que descobrimos a doença. Mas eu prometi a mim mesma e ao meu marido que não voltaria mais para a polícia, que encontraria uma profissão que eu pudesse amar tanto quanto, mas que eu não corresse o mesmo perigo.

— O agente me disse que você prestava serviços aos policiais estrangeiros e auxiliou em outras investigações na África, na Ásia e na Europa.

— Sim, isso porque não consegui cumprir ao pé da letra a minha promessa. — Sorriu. — E ser poliglota ajuda muito nessas horas.

— Imagino que sim. — Donna sorriu.

— O que eu quero dizer é que preciso que seja franca comigo, quero saber o risco que estou correndo, acho que você sabe que poderá contar com minha discrição.

— Você não correrá nenhum risco, nem eu correrei desde que a pessoa que estou investigando não saiba que estou aqui.

— Ele é influente? Há meios dele saber?

— A resposta é não para as duas perguntas.

— Então temos que ficar na moita! — falou divertida.

— Acho que essa é a expressão perfeita.

— Pois bem, Donna! Não precisa me dar detalhes de nada, ao menos não agora. Mas vou precisar de mais informações, como te disse, preciso saber até onde podemos ir sem corrermos riscos.

— Neila, eu vou te contar tudo que precisa saber, até porque vou precisar mesmo da sua ajuda para me comunicar, mas garanto que não há riscos. Tudo que precisamos fazer, como você mesma disse, é ficarmos na moita enquanto recolho provas contra ele.

— Perfeito! Vamos comer? — convidou ao ver o garçom se aproximar com dois pratos nas mãos.

— Ei, Ruby! Você aqui em pleno dia de folga! — Kathe sorriu maliciosa ao passar pela colega de trabalho ao sair do laboratório.

— Senti saudades também, Kathe! — respondeu a outra com ironia, entrando no laboratório onde apenas Vincent estava.

— O que faz aqui? — perguntou ele, encarando-a.

— Estou bem, obrigada por se preocupar, querido! — falou se aproximando do biomédico que permaneceu sentado com alguns papéis nas mãos. — O que está fazendo?

— Trabalhando — respondeu ríspido. — E você, o que faz aqui? Hoje é seu dia de folga.

— A Kathe já me lembrou disso, você também, não precisa, né? — debochou.

— Diga logo, Ruby! O que você quer?

— Só vim te ver, Vince. Que droga de recepção é essa? Eu, hein!

— Você aqui, no seu dia de folga, pra me ver? Sério? Qual a parte que você não entendeu sobre ninguém poder desconfiar da nossa relação? — perguntou irritado.

— Que preocupação desnecessária, não entendo o porquê de tanto segredo. Estamos juntos, ninguém tem nada a ver com isso — falou com firmeza.

— Não estamos juntos, Ruby! Trabalhamos juntos, é diferente.

— Sim, sim... Trabalhamos aqui, fazemos extras lá fora e... na cama também. Ainda não entendo qual é o problema!

— Seu comportamento é um problema.

Ruby revirou os olhos e desviou o olhar para uma cadeira onde avistou uma maleta remexida, notou um passaporte, alguns documentos e fotos à mostra. Ela se aproximou curiosa, enquanto Vincent continuou lendo o relatório que tinha em mãos.

— Onde foram tiradas? Sua filha é mesmo a cara da mãe — disse com um punhado de fotos nas mãos onde podia ver a filha de Vincent dormindo no berço, Donna a carregando em pé e outra na qual a mãe segurava a pequena no colo sentada em um sofá, além de várias da ex-mulher de Vincent sozinha.

— O que está fazendo? — Vincent falou se levantando e indo ao seu encontro. — Não mexa nas minhas coisas! — Puxou as fotos das mãos dela e as guardou num envelope dentro da maleta.

— Nunca vi essas fotos.

— Talvez porque não fosse pra você ver.

— Essas fotos não foram tiradas no hospital, e como elas não chegaram a ir para sua casa... Elas foram tiradas na casa do irmão dela?

— Sim, foi meu cunhado quem me deu, são as únicas fotos feitas depois do nascimento de Danna. 

— E por que as mantêm? — Vincent lançou um olhar inquisidor. — Me refiro às fotos da Donna, da menina até entendo.

— Não me importa o que você entende ou deixa de entender, Ruby!

— Vincent! Por que você mantêm essas fotos? Ou melhor, por que as trouxe nessa viagem?

— São fotos da minha mulher e filha, por que eu não traria?

— Da sua ex-mulher, você quer dizer, vocês se divorciaram, lembra? — observou revirando os olhos.

— Não me importa o que diz um papel, Donna sempre será minha mulher. 

— Você ainda a quer, Vincent? — perguntou desdenhosa.

— É claro, Donna e Danna são minha família!

— Aquela branquela sem sal se divorciou de você, ela não te quer mais, querido!

— Ela só não entendeu ainda que tudo que fiz foi preciso, mas quando ela me ouvir, vai entender.

— E se ela não entender?

— Ela irá, Ruby, tenho certeza! — disse convicto.

— Eu não apostaria apenas num plano A, querido! Ela pode não entender e até te odiar ainda mais — falou em tom de deboche.

— Não aposto apenas nisso.

— Então, qual o plano B? — perguntou curiosa.

— Achar minha filha.

— Vai obrigá-la a ficar com você depois que conseguir a menina?

— Se for preciso... Faço qualquer coisa para ter minha família de volta.

— Ridículo! A branquela te dá um ponta pé na bunda e você planejando correr atrás dela. Vire a página, Vince, sua égua da crina amarela deve estar rolando com outro macho agora, não quer nem saber de você! — Vincent grudou em seu pescoço logo que ela concluiu a frase, empurrando-a contra parede.

— Cuidado com o que fala da minha mulher, sua vagabunda! — disse com os dentes cerrados de raiva enquanto apertava mais o pescoço de Ruby.

— V-vin-vince — sussurrou com suas mãos tentando afastar a dele de seu pescoço. 

— Não quero mais que abra sua boca suja para falar da minha família, entendeu? 

— S-sim — Vincent afrouxou o aperto em volta do seu pescoço permitindo que ela se desvencilhasse dele e se afastasse. — Seu idiota! — disse com as mãos no pescoço. — Você me machucou!

— Você mereceu! Agora saia daqui e me deixe trabalhar em paz!

— Eu vou mesmo, mas antes...

— O que foi?

— A garota que veio acompanhando aquele velho, o voluntário... Aquela que estava grávida de cinco meses.

— Sim, me lembro dela... O que tem?

— Marquei o encontro. Vamos vê-la daqui dois dias, é numa cidadezinha há vinte quilômetros daqui.

— Ok, combinamos tudo depois. Agora saia daqui. — Ruby saiu ainda mais irritada.

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