O Ceifador de Anjos - A Última Ceifa
O Ceifador de Anjos - A Última Ceifa
Por: JulieteVasconcelos
Capítulo 1

— POW! — Donna viu por trás dos óculos de proteção o terceiro disparo atingir o ombro do alvo humanoide. — POW! — O quarto tiro se alojou ao lado do anterior.

Donna já não sentia o recuo após os disparos, os mesmos que a jogaram para trás nas primeiras vezes em que atirou logo que começou as suas aulas de tiros. O estrondo produzido toda vez que ela aperta o gatilho não é ouvido, graças ao abafador em seus ouvidos, deixando-a alheia aos ruídos de fora de seu estande.

Após seis meses na clínica de recuperação, ela finalmente conseguiu sua liberdade, pois o juiz analisara as provas apresentadas pelo advogado, as quais não deixavam dúvidas sobre a doença que a havia acometido, visto que a filha fora desejada pela professora e pelo marido. O juiz entendera que o assassinato da menina fora uma consequência grave do estado mental da mãe que sofreu uma terrível depressão pós-parto, o que foi alegado até mesmo pelos médicos que a atenderam, onde o próprio Vincent se encarregara de expor as terríveis circunstâncias em que Donna perdeu a melhor amiga Adelle e sua aluna Stephanie, ambas grávidas. Também fora citado pelo advogado o divórcio de sua cliente, comprovando que a doença dela não somente lhe tirou a filha, como acabou com o seu casamento. Assim, não havia pena maior para a professora do que o próprio remorso pelo crime que cometera, consequência essa que precisaria conviver pelo resto da sua vida.

Nos meses em que passou na clínica, Donna não fez nada além de buscar uma forma de desmascarar seu ex-marido, afinal, a justiça para com suas vítimas e suas famílias precisava ser feita, assim como era a única forma de garantir a segurança da sua filha Danna.

Donna estava disposta a fazer o que fosse possível para isso, para tanto, sabia que precisava se preparar, pois se não fosse capaz de proteger a si, como poderia proteger a menina?

Nos dias em que esteve enclausurada ela se lembrara de tudo que vivera ao lado daquele homem que julgou ser perfeito, mas que descobrira ser o oposto disso. Como ele podia matar mulheres e crianças indefesas? Como podia fingir tão bem? E como era possível que ele não percebesse o quão errado e monstruoso eram os seus atos? As dúvidas eram muitas, e para todas não tinha uma resposta a não ser que... Vincent era um monstro!

Por vezes se sentira culpada e frustrada por nunca ter desconfiado, mas como poderia? Foram anos maravilhosos ao lado de um homem maravilhoso, ele nunca dera qualquer motivo para desconfiar, tampouco para confrontá-lo por qualquer coisa. Que mulher sã e lúcida confrontaria ou desconfiaria de um homem que não lhe desse qualquer motivo para isso? Que fosse sempre tão prestativo, além de carinhoso e perfeito!? Agora ela sabia que vivera uma mentira, o homem perfeito que tanto amou não existia, ele sempre usara uma máscara e a enganara muito bem, Vincent Hughes era fachada, e fez da vida dela, uma fachada também.

A verdade é que muitas das lembranças que teve a fez perceber coisas que somente agora faziam sentido para ela, como Vincent fazer questão de se encarregar da limpeza do porão, da aversão inicial ao desejo da melhor amiga Adelle de ser mãe independente. Lembrou que quando Stephanie foi assassinada, ela estava de férias na casa do irmão, e quando a Ade foi morta, assim como nas noites em que o Ceifador fez suas vítimas, ela adormecera rapidamente após ingerir o lanche que o ex-marido lhe preparara, sempre que alegava estar sem sono. Tais lembranças ajudaram-na a tomar as decisões que julgou serem as certas e que acreditava serem necessárias. Assim, tão logo saiu da clínica, retornou para o seu apartamento que há meses estava desocupado.

No dia seguinte procurou por uma academia que oferecia aulas de lutas, onde se matriculou para aprender e praticar defesa pessoal, em seguida seguiu para um dos melhores clubes de tiro de Los Angeles, determinada a aprender a se defender do inimigo que estava prestes a enfrentar.

— POW! — Quinto disparo, ao que Donna viu a bala atingir o coração do alvo humanoide, fazendo-a suar frio.

Não, essa não era a sua intenção! Donna não planejava matar Vincent, isso estava fora de cogitação, ela queria apenas ter meios de se defender quando fosse preciso, então, se precisasse atirar, pernas, braços e ombros eram alvos aceitáveis, visto que só tinha de fazê-lo parar, mas matá-lo não, pois ele era o pai da sua filha e era ainda o homem com quem casara e jurara amor eterno.

Donna já não sabia se o amava, pois sempre que se lembrava de um momento feliz, a imagem da estante com suas prateleiras repletas de fetos também vinha à sua mente, fazendo-a se revoltar. Revoltava-se com ele e com ela mesma. Como pôde sentir algo por aquele homem?

— POW! — Sexto tiro, a bala passou por cima do ombro do humanoide não atingindo ponto algum do seu alvo, o que significava que era hora de parar.

Donna descarregou a pistola, ativou a trava de segurança a mantendo para baixo, então soltou o pente da pistola e moveu a corrediça para ejetar qualquer cápsula que pudesse ter ficado na câmara, conforme orientação de seu instrutor. Após retirar os óculos de proteção e o abafador de ouvido, guardou todo o equipamento e seguiu para o banheiro, sentindo a necessidade de lavar seu rosto com água fria.

Donna abriu a torneira e deixou a água cair, até que levou as mãos em concha apanhando parte da água, molhando seu rosto e a nuca, repetindo o procedimento mais algumas vezes, em seguida reforçou o rabo de cavalo no alto da cabeça e saiu.

Já em seu apartamento, Donna se entregou a um banho demorado, tentando organizar os pensamentos conturbados que inevitavelmente lhe vinham à cabeça. Por alguns minutos somente, ela gostaria de esquecer o inferno em que parecia viver, queria sua vida de volta, aquela em que não precisava se preocupar em caçar um assassino, um psicopata.

Embora tivesse sido feliz, algo que não poderia negar, queria voltar no tempo em que nem sequer conhecia Vincent, quando ainda era uma estudante de História, feliz por ter comprado um apartamento, pela efetivação no seu emprego antigo e pelos momentos divertidos e até desastrosos que passava com sua melhor amiga Adelle. Naquela época tudo parecia ser tão difícil, tão árduo, mas sua felicidade era genuína.

Já era hora do almoço, e embora tivesse diversos congelados na geladeira, não sentia fome. Há muito que só comia para não deixar seu corpo enfraquecer, mas já não apreciava o sabor da comida.

Vestiu-se com uma calça escura e uma camisa violeta, com os cabelos longos fez um coque alto, pôs um calçado baixo e confortável, dispensou o uso de qualquer maquiagem, para o compromisso que a aguardava naquela tarde, não iria precisar.

Na semana seguinte à sua saída da clínica, Donna contratara uma das melhores advogadas de Los Angeles, para a qual pediu que cuidasse do caso de Giovani, pois o pobre advogado era inocente, estava preso por dois crimes que seu ex-marido cometeu, aquilo não era justo. Ela sentia como se devesse algo para ele.

Agora que Giovani poderia sair a qualquer momento, Donna se sentia compelida a pedir sua ajuda, pois certamente teria mais chances contra o Ceifador de Anjos se não estivesse sozinha. Assim, chegara a hora de ir vê-lo, onde cabia ao advogado aceitar ou não o seu pedido.

Como previsto pelos detetives Christopher e Ramona, Giovani foi declarado culpado pelos assassinatos de suas ex-namoradas, Janice e Adelle, e como sua renda consistia somente nos trabalhos advocatícios que fazia, agora preso, não era capaz nem sequer de contar com a defesa de um bom advogado. Seus colegas de trabalho não ofereceram qualquer apoio, visto que também eram conhecidos ou amigos de Adelle e acreditavam piamente que ele era culpado pela sua morte. Com seus familiares, mesmo com os mais abastados, também não podia contar, pois ninguém acreditava na sua inocência.

Após dezoito meses preso, já não nutria qualquer esperança de sair livre da prisão antes da velhice, claro, se sobrevivesse tanto tempo assim, visto que por vezes acabava brigando com um ou outro detento, pois ser um ex-advogado o tornava alvo de gozações entre alguns, enquanto os crimes dos quais fora acusado causava revolta entre os demais.

A verdade é que Giovani era forte e astuto o bastante para se defender, não fosse isso, já estaria morto. Na semana em que fora transferido após a condenação, chegou a ser cercado no pátio por cinco detentos desejosos de lhe dar uma lição.

Diferente daqueles homens grandes, no caso dele 1,90 cm e mais de 150 quilos, que apenas aparentavam ter força, Giovani realmente a tinha, além de ser consideravelmente bom de briga, de forma que, sozinho, derrubou os cinco homens, quase matando de tanto bater o que comandava a ação. A semana seguinte ele passou na solitária.

Seu feito não impediu que outros detentos viessem a confrontá-lo ao longo dos meses, mas nada houve que ele não pudesse lidar. No tempo que tinha livre se dedicava ao máximo de exercícios físicos possíveis, definindo ainda mais a sua musculatura, enquanto as muitas horas tomando sol, coisa que dificilmente fazia antes de ser preso, bronzeou ainda mais a sua pele morena. Se quando era livre já gostava de manter a cabeça raspada, no presídio, deixar os cabelos crescerem não era uma opção, pelo menos isso não foi um problema para ele. O rosto bonito, no qual comumente se via uma expressão séria, ganhou um ar ainda mais duro, pois já não tinha motivos para rir como antes.

Giovani perdera tudo, amigos, família, emprego, e principalmente, perdeu Adelle. Não havia um dia em que não se perguntasse quem fora o verdadeiro culpado por sua morte, não havia um dia em que não se culpasse pelo que aconteceu, pois se ele não tivesse ido embora, se tivesse insistido em ficar com ela, mesmo que fosse para brigar, ou quem sabe, se tivesse voltado, talvez pudesse tê-la salvado.

Agora Giovani se lembrava dos meses anteriores, os piores meses da sua vida, onde não tinha qualquer esperança de salvação ou algo em que pudesse se apegar. Fazia mais de dois meses quando milagrosamente uma das melhores advogadas de Los Angeles veio vê-lo, informando-o que trabalharia no seu caso, mas se recusou a contar quem a contratara.

As dúvidas que o acometeram foram muitas, pois alguém parecia se interessar por ele, ou pelo menos, pelo caso, mas quem poderia ser? E por quê? A curiosidade era demasiada, mas um sentimento se tornou ainda maior, a esperança de que saísse livre.

Sua liberdade em pouco tempo passou de remota possibilidade para uma certeza. Giovani sairia livre a qualquer momento, pois sua advogada não viu qualquer dificuldade em montar uma defesa sólida de sua inocência. Era fato que mesmo seu advogado anterior, um defensor público, pouco ou nada fez por ele, praticamente o deixou ser condenado, certamente, também estava convicto de que Giovani era mesmo culpado.

Os repetidos golpes que Janice sofrera na barriga fora feito por uma pessoa destra, conforme declarado pela própria perícia, mas Giovani era canhoto, o que sua nova advogada facilmente comprovou. No caso de Adelle, alguns dos vizinhos alegaram ter visto o advogado na frente da casa da ex na manhã em que fora assassinada, a advogada convocou-os mais uma vez para deporem, conseguindo anular assim os depoimentos dados anteriormente, já que um casal se lembrou de ver a falecida promotora olhando pela janela da cozinha o lado de fora da casa, provavelmente atraída pela barulheira que Giovani fazia tentando ligar o carro, o que significava que ela continuava viva quando ele saiu.

Agora, bastava o juiz anular o seu julgamento, ou permitir que fosse feito outro em que novas provas a seu favor seriam apresentadas.

Donna estava sentada desconfortavelmente na sala acompanhada pela advogada que contratara para a defesa de Giovani, as mãos que mantinha sobre a mesa e a sua expressão séria não denunciavam o seu nervosismo. A advogada, uma morena bonita de aproximadamente quarenta anos, estava concentrada em suas anotações, quando ouviram falas vindas detrás da porta, que se abriu, revelando Giovani ainda algemado, acompanhado por um agente penitenciário.

— Doutora Alba! Donna? — falou surpreso.

— Pode tirar as algemas dele, por favor — pediu a advogada arrumando seus óculos, ao que o agente obedeceu.

— Sente-se aqui! — ordenou ele forçando o ombro de Giovani, fazendo-o sentar com os olhos fixos em Donna, que também o encarava sem expressar qualquer emoção. — Tem um policial lá fora que irá entrar se for preciso — avisou olhando para as duas mulheres, enquanto seguiu para a porta.

— Não será! — respondeu a advogada com firmeza antes que a porta se fechasse deixando os três sozinhos na pequena sala onde não havia nada mais que uma mesa com cadeiras.

— Doutora, o que está acontecendo? — indagou olhando para a advogada. — Donna, o que faz aqui? Por que vocês estão... 

— Vou deixar vocês conversarem sozinhos — declarou a advogada, olhando-os. — Giovani, peço que não se altere, ou ela terá que sair. Para nossa sorte, o diretor daqui é meu amigo, consegui com ele essa rápida reunião dando minha palavra de que você não é perigoso, e como está prestes a sair em liberdade ele deixou, mas, por favor, não abuse da boa vontade dele! — esclareceu. — Donna, estarei do lado de fora também, se precisar que eu entre...

— Sim, Alba, pode ir! Muito obrigada — respondeu a outra enquanto Giovani parecia cada vez mais confuso.

— Oi, Giovani — cumprimentou após a porta se fechar.

— Donna, não estou entendendo nada, o que está fazendo aqui? Por que minha advogada trouxe você aqui? E o que quer comigo? — questionou curioso.

— Estou aqui porque precisamos conversar...

— Donna, eu sei que pra você é difícil acreditar, mas eu não matei a Ade — interrompeu. — Eu vou ser inocentado, a doutora Alba conseguiu provas que...

— Eu sei de tudo isso, Giovani!

— Como sabe? — perguntou surpreso.

— Eu contratei a Alba para te tirar daqui.

— Você? M-mas, por quê? 

— Vou te contar, Giovani, vou te contar tudo, só que... O que tenho pra falar não é nada fácil para mim.

— Estou ouvindo, Donna. Quero saber por que está me ajudando!

— Primeiro, porque sei que realmente é inocente e...

— Mas como pode saber? Você...

— Sim, eu sei quem é o Ceifador! — declarou firme.

— Quem? — perguntou com um misto de curiosidade e raiva.

— Vincent!

— O quê? — perguntou incrédulo.

— Meu... ex-marido é o Ceifador de Anjos, Giovani!

— O Vincent? Ex-marido? O que isso tudo significa? O que está acontecendo, Donna? — indagou perplexo e confuso.

— Sim, o Vincent, meu ex-marido! — Suspirou. 

— Como tem tanta certeza? — perguntou ainda perplexo.

— Eu encontrei os frascos com os fetos, os gêmeos da Ade e... todos eles. — Sentiu o estômago embrulhar com a lembrança. — Estavam no porão de casa — contou.

— Não acredito! — falou apertando com força a borda da mesa com os dentes cerrados. — Por que ele não está preso, o que aconteceu?

— Eu destruí tudo, eu...

— Você o quê? Você destruiu as provas que tinha contra um psicopata? Com certeza as únicas que poderiam colocá-lo atrás das grades! — indagou estupefato, revoltado com aquela declaração.

— Se me deixar falar, vai entender! — Donna falou exaltada.

Giovani não respondeu, esperando que ela continuasse.

— Quando eu encontrei os fetos, eu estava grávida de oito meses, desci no porão por acaso, queria encontrar alguns pertences da família dele e que eu sabia estarem lá, foi quando vi a estante de livros um pouco torta, eu fui arrumar e... me deparei com aquilo! Eu surtei, Giovani, naquela hora eu surtei! Não pensei no que fazia, eu só sentia raiva, medo e dor. Meu marido, Giovani, meu marido, um monstro! Eu amava a Ade, achava que ele a amava também e ele a matou! 

Giovani ouvia calado, perplexo com aquele curto relato.

— Eu me lembro de ter atirado tudo no chão, na parede... lembro do cheiro forte de formol e... das pontadas que comecei a sentir na barriga, fiquei apavorada, com medo que Vincent chegasse, que me matasse, que tirasse de dentro de mim a minha filha! Eu saí dali o mais rápido que pude, lembro-me de atravessar a porta para a rua e depois não me lembro de mais nada. Quando acordei, minha filha já tinha nascido. Eu soube que fui levada para o hospital em estado de choque, que fui sedada, pois entrei em trabalho de parto, mas não tinha condições de cooperar.

— Donna, e-eu... sinto muito! Eu nunca soube que esteve grávida, que tem uma filha e... — começou a dizer um pouco envergonhado por sua reação anterior.

— Vincent estava no quarto, agia como se nada tivesse acontecido. Quando eu falei que ia denunciá-lo, ele ameaçou me internar numa clínica de loucos porque não havia qualquer prova contra ele... Era verdade, eu destruí tudo, e ele me disse que eu agredi um casal que tentou me ajudar na rua antes de ser levada para o hospital. Disse que o próprio médico que fez meu parto, e que me sedou, testemunharia sobre meu estado mental, que seria fácil provar que tudo era decorrente das perdas que eu tive, da morte da Ade e de uma aluna de quem eu gostava muito, ambas mortas pelo Ceifador! 

— Desgraçado! A Ade o idolatrava! Aquele dia, no hospital, ele me socou porque a Ade perdeu o bebê. Foi apenas um teatro daquele maldito! — observou com raiva. — E você... Todos esses anos sendo enganada!

— Eu fiquei desesperada. Não sabia o que fazer, mas não podia e não queria voltar para casa com ele — Donna continuou seu relato ignorando os comentários de Giovani. — Então fui para casa do meu irmão, onde fiquei alguns dias e... Passei seis meses internada numa clínica psiquiátrica acusada de matar minha filha. Como fui diagnosticada com depressão pós-parto, meu advogado conseguiu minha liberdade antes do tempo previsto, faz três meses que saí da clínica — concluiu aliviada por finalmente poder se abrir com alguém.

— Não acredito. Ele foi capaz de matar a própria filha e te...

— Não. Ele não me incriminou e também não matou minha filha. Eu forjei seu assassinato, me fiz de louca, convenci todos que a joguei de uma ponte, então fui internada.

Giovani ouviu atento e boquiaberto, aquilo foi mesmo um ato extremo e inesperado da parte dela.

— E onde está sua filha? — indagou curioso.

— Sendo muito bem cuidada por uma amiga.

— Então você teve ajuda...

— Não. Eu abandonei minha filha na porta da casa dela. Ela e o marido a estão criando, mas não sabem que é minha filha — declarou aflita.

— Não sei o que dizer... Eu... — dizia olhando-a com pesar. — Por que não contou para esse casal?

— P-porque o homem que a está criando é um detetive, o mesmo que está responsável pelos casos do Ceifador.

— Não acredito! — Giovani sentiu seu queixo cair, incrédulo.

— Se alguém souber que o detetive está criando a filha do homem que ele procura, ele será...

— Afastado. Porque ele fará parte do caso, sendo ele o pai adotivo da filha do Ceifador, a justiça não julgará suas ações como imparciais, então o detetive fica de fora. Eu sei, sou advogado, lembra?

Donna assentiu com a cabeça enquanto Giovani começou a gargalhar de forma descontrolada e divertida, como se alguém tivesse lhe contado uma boa piada.

— O que foi? — perguntou Donna sem entender.

— Isso. O detetive criando a filha do Ceifador! Consegue imaginar a cara deles se soubessem disso? — Continuou gargalhando enquanto Donna fechou a cara não vendo nenhuma graça na situação. — Me desculpe, Donna, sei que isso tudo que me contou é trágico, mas não resisti.

— Não quero que nenhum deles saiba, Vincent vai procurar pela filha quando voltar e...

— Ele sabe que ela está viva? Voltar de onde?

— Sabe. Ele está na África há seis meses, foi a trabalho e irá retornar para Los Angeles daqui seis meses.

— Um ano fora! Ele foi mesmo a trabalho? — perguntou curioso.

— Acredito que também porque queria dar um tempo em Los Angeles, você soube que o FBI está acompanhando os casos? Acho que Vincent ficou intimidado, não tenho certeza, mas ele foi para a África com uma equipe de biomédicos.

— Entendi. Tudo isso acontecendo lá fora e eu aqui sem saber de nada. — Encarou Donna com um olhar chateado. — Lamento o que você passou, sei que não foi fácil.

— Não foi, mas o que você passou, também não foi. Também lamento por isso.

— Que nada, ganhei uma ou outra cicatriz, mas nada que se compare ao que quero fazer com aquele desgraçado! — declarou com raiva.

— Giovani! — Donna fechou a cara imaginando o que o advogado estava pensando em fazer. — Matá-lo só te trará de volta para a prisão.

— Então o que sugere? Você me contou tudo isso e está me tirando da prisão. — Olhou para ela, curioso. — Você tem algo em mente! Precisa da minha ajuda, não é?

— Como te disse antes, vai sair da prisão porque é inocente. Mas sim, eu preciso da sua ajuda, se você puder e quiser, é claro.

— O que quer fazer, Donna? 

— Reunir provas contra ele, e mandá-lo para a cadeia. Quero que ele seja condenado por todos os crimes que cometeu e q-que... apodreça na prisão!

— Prefiro-o morto.

— Simples assim? Ele morre e não paga pelos crimes que cometeu enquanto você acaba com suas chances de liberdade. Não me parece muito esperto vindo de um advogado.

— Ele matou a Adelle, eu a amava — falou baixo e com raiva. — Ele matou os gêmeos, e não só eles, Vincent foi o culpado por ela ter perdido o bebê, me fazendo parecer o assassino que matou Janice. Janice... Aquela louca também não merecia aquele fim!

— Nenhuma dessas mulheres que ele matou merecia, Giovani, todas foram vítimas dele, assim como você e eu.

— Está bem, Donna, vou te ajudar a colocar esse canalha na prisão, espero mesmo que ele apodreça nela!

— No que depender de mim, ele vai.

— Eu só não sei quando vou sair daqui, mas a doutora disse que poderá ser a qualquer momento.

— Sim, eu sei, mas isso pode acontecer daqui alguns dias ou até meses, não temos como saber ainda. Giovani, tem outra coisa que preciso te falar, um dos motivos que me fizeram vir aqui hoje é que na próxima semana irei viajar, então vai demorar para nos vermos novamente.

— Para onde vai? — perguntou curioso.

— Para África, mais especificamente, para Chade.

— É onde ele está? — indagou, ao que ela assentiu com a cabeça. — Acha que ele está matando lá e quer recolher provas? — disse mostrando que entendeu as intenções dela.

— Tenho certeza que ele está matando, assim como matou da última vez em que esteve nesse país, sei disso porque ele trouxe os fetos.

— Como ele conseguiu isso?

— Não sei. Mas pelo que pesquisei, a alfândega africana não é das mais burocráticas, fazem vista grossa para muitas coisas que acontecem por lá, além de que Chade é um dos países mais pobres do mundo. Outra coisa que descobri, é que materiais de pesquisas científicas possuem passagens livres de vistorias em alguns casos, por risco de contaminação do material, ou até mesmo do local se não for apropriado para o seu manuseio.

— Então ele teve carta branca.

— Sim. Quando voltou de Chade trouxe um caixote, me disse que eram materiais usados nas suas pesquisas e que levaria para o hospital, hoje sei o que continha de verdade. Depois que saí da clínica, pesquisei muito na internet sobre algum caso em Chade e nos países vizinhos, nos quais ele poderia estar envolvido, não achei nada.

— Imagino as mulheres que ele escolheu, é o que mais tem por lá! E ninguém lá dentro viu necessidade de noticiar, afinal, ninguém liga para essa pobre gente, não é?

— Exatamente. Por isso eu preciso ir, provavelmente voltarei depois que ele dessa viagem, porque são muitos lugares para eu procurar alguma pista.

— Sabe que poderá encontrá-lo, não é? Acho seu plano muito arriscado.

— Eu sei, mas é nossa única chance. Farei o possível para que Vincent não perceba minha presença ou que descubra que fui para lá, não se preocupe com isso.

— Se esperar eu sair...

— Não, não temos tempo a perder. Eu só peço que depois que você sair, tente sondar como andam as investigações, e se ele retornar mesmo antes de mim... ou se algo acontecer comigo naquele país... — disse baixo, considerando aquela possibilidade. — Fique atendo aos atos dele, mas sem se colocar em risco, e principalmente, olha minha filha por mim, se Vincent descobrir que ela...

— Não vou deixá-lo tocar na sua filha, tem minha palavra.

— Obrigada, Giovani. — Donna sorriu pela primeira vez desde que entrara ali. — Você é mesmo o cara incrível que a Ade falava! — comentou e ele sorriu em resposta.

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