O canecas

                            (Uma aventura pirata completa em 1 capítulo!)

                                                                 *

         – Se eu me importasse com a opinião de todos, eu seria um ninguém. – Digo e espero a interpretação da psicóloga.

        – Curioso ponto de partida – ela diz, mais interessada na minha interpretação da minha fala, pelo visto.

        Me acomodo na poltrona e digo:

        – Curioso você apontar como ponto de partida. Mas acho que está certa, mesmo sendo a conclusão de algum processo. É assim mesmo. Uma coisa gerando outra, como combustível para gerar ainda mais.

        – Você também está certo. Pode ser um ponto de partida, mas para ser bem aproveitado no depois, é importante entender todo o antes que o gerou. Por isso, me conte como chegou nele. 

        – Você sabe que foi através de uma aventura do pirata, mas como não sabe qual, eu conto.

                                                        *

        O pirata Ônix Pedra-Negra estava numa taverna. Diante dele estava um grandalhão barbudo de cabelos longos com a cara fechada. Como o candelabro ficava acima deles, no centro do estabelecimento, eram vistos por todos ali, embora fossem poucas pessoas sentadas à uma mesa aqui e outra ali, nos cantos escuros.

        O grandalhão usava apenas um minúsculo colete em cima de músculos muito desenvolvidos. Usava uma tanga muito curta cobrindo as partes da frente e de trás. As botas, que vinham até os joelhos, eram o que mais cobria partes do seu corpo.

        O tal grandalhão falou ao pirata:

        – Eu avisei que ia te encontrar outra vez e falei o que eu faria quando isso acontecesse. E sou um homem de palavra.

        Ônix sorriu e falou:

        – Que bom que é, porque assim não vai fazer o que falou que faria, já que não foi você que me encontrou e sim eu que te encontrei. Mas eu não vim aqui por você... então, se me der licença.... 

        – Acha que vai se livrar duma surra, se fazendo de espertinho?

        – Espero que sim, porque não estou muito afim de dar uma surra em alguém agora.

Indignado, o musculoso homem falou.

        – Você entende tudo da forma que quer. Passou da hora de alguém te mostrar que nada é como você acha que é.

        – E já parou pra pensar que nada pode ser como você acha que é? Ou esperar que você pense é pedir muito?

        Ignorando a pergunta feita para irritar, o homem perguntou, deixando claro que já havia irritação o suficiente:

        – Achou que eu ia esquecer o que você fez?

        – Talvez – Ônix falou. – Porque eu já esqueci. Você me odeia por que mesmo?

        – Te matar é a única forma de eu reconquistar e minha honra!

        – Ah! Isso! Seja lá o que isso signifique... – ele sorriu. – Desculpe, seja como for. É que eu só me lembro de coisas importantes. Tipo: os bancos dessa taverna eram de uma madeira mais escura, não eram?

        – Além de ter feito o que já fez, ainda me insulta sem parar! Dessa vez não tem um monte de gente pra me segurar e impedir que eu...

        – Descubra que eles te fizeram um favor? – Ônix disse e o semblante do gigante era de puro ódio. Ao contrário do pirata que, alegre, disse:  – Olha, por mim, eu não estaria nem tendo essa conversa com você, porque eu vim pra conversar com o Tarântula ali atrás – Ele apontou para uma das mesas num canto escuro na qual havia um homem careca com tatuagem de teia no rosto. – Quanto antes eu falar com ele, mais cedo te deixo em paz com sua angústia. Assim sendo te peço licença pela segunda vez, mas não vou pedir uma terceira.

        – Licença eu não vou dar. Mas uma lição sim – o grandão falou.

        Ônix aplaudiu e comentou:

        – Seria uma boa frase de efeito, se fosse verdade.

        – Sabe porque me chamam de Canecas? – O grandão perguntou.

        –  Eu nem sabia que te chamam assim – Ônix riu. –  Aliás, com essa roupa que usa, que quase não é uma roupa, o nome mais condizente seria: Bela-Benga. Pelo que dá pra ver daqui. E vendo, não entendi porque focaram em outra coisa qualquer pra escolherem seu codinome.

        – Vai entender...

        O grandão pegou duas imensas canecas numa das mesas e voltou até o pirata. Só então virou o vinho de uma delas na goela, de uma vez.

        Ônix fez uma careta e falou:

        – Faz isso não...

        O gigante virou a outra caneca e bebeu todo o vinho que havia nela e Ônix disse, balançando a cabeça em reprovação:

      – Cara, teve muita gente trabalhando nessa bebida. Desde o plantio das uvas até o engarrafamento da coisa. Puta falta de respeito com tanto trabalho duro. Porque assim você nem sente o gosto do vinho.

        – Mas eu vou sentir o gosto do seu sangue – o grandão afirmou, ajustando as mãos nas canecas e batendo uma na outra, para evidenciar como as usaria na luta.

        – Desculpe. – Ônix retirou a espada do cinto, com bainha e tudo e continuou: – Mas uma gota do meu sangue é mais cara que um barril de vinho e mais trabalhoso de se conseguir, também, do que plantar uvas, protegê-las da geada, colhê-las, esmagá-las, prensá-las, cuidar da fermentação, separar a casca e as sementes, engarrafar o líquido da forma certa e todos os detalhes entre uma coisa e outra.

        – Então eu vou me concentrar apenas na parte de esmagar.

         E o grandão atacou com um soco direto, do qual Ônix escapou dando um passo para trás, enquanto girava a espada e encaixava a ponta do cabo dentro da caneca usada para tentar atingí-lo e muito rapidamente girou, torcendo a mão do gigante que ficou imobilizado pela fração de segundo necessária para Ônix socar o cotovelo do oponente, de baixo para cima, e encaixar um chute nas costelas expostas do barbudo.

            Canecas era muito musculoso e subestimou a força do pirata, mas a verdade é que o chute foi sentido e o fez recuar. O braço quase tinha sido quebrado e era o que mais doía, mas nada que uns movimentos no ar não mostrassem que ainda funcionava.

            Ônix esperava ter terminado aquela luta ao quebrar o braço do gigante, mas pelo visto ia ter mais trabalho. Sacou a espada e Canecas atacou com uma sequência imensa de socos, dos quais o pirata se esquivava. Mais de uma vez a madeira de uma viga da taverna foi atingida e ferida por golpes dos quais Pedra-Negra escapou.

            O pirata não apenas esquivava. Desferia cortes que eram bloqueados pelas canecas de metal e, como eram bem menores que escudo, Ônix não deixou de se admirar.

            Enquanto alternavam golpes, o gigante soltou uma das canecas no ar, após um soco direto que não alcançou o pirata, e atingiu tal caneca com a segunda que usou para socar a primeira que voou feito um projétil na cara de Ônix. O nariz dele foi atingido com força.

            Foi a distração necessária para Canecas alcançá-lo e atingir a mão do pirata com um soco metálico forte o suficiente para desarmá-lo.

Ônix sabia que um golpe poderoso estava vindo.

            Um gancho subiu buscando o maxilar do pirata ainda atordoado, por isso ele apenas se abaixou e escapou do braço que passou por cima. Não teve tempo e alcance para recuperar a espada, mas o gigante estava inclinado sobre ele que baixado tinha tudo para se impulsionar e assim o fez.

        O pirata jogou o corpo para trás e um dos pés subiu no maxilar do gigante que foi atingido violentamente e não apenas uma vez, já que Ônix girou sobre as mãos no chão e, após ver que Canecas se curvou outra novamente, dessa vez pelo golpe sofrido, e desceu um dos pés sobre a nuca do grandão, fazendo-o bater de testa na caneca que ela havia arremessado na cara do pirata e que estava ali no chão.     

          O som ouvido anunciou o nocaute. Ônix falou, ciente de que o oponente não escutaria e que qualquer um outra não entenderia:

          – Um bom paranauê derrubar qualquer gigante mal.

O pirata pegou sua espada, a guardou na bainha e a pendurou novamente no cinto. Mirou o tal do Tarântula e foi até ele. Tacou um sorriso na cara e sem se sentar à mesa, falou:

        – Saudações, meu amigo.

        – Não somos amigos – o cara falou, olhando Ônix de cima a baixo com o único de seus olhinhos pequenos que funcionavam. O inútil estava fechado e selado por uma cicatriz vertical. 

– Mas também não somos inimigos – Ônix falou.

        – O que não faz diferença para mim, porque vendo informações para quem paga, seja quem for – Tarântula falou, para deixar claro que não tinha qualquer assunto com quem fosse, que não fosse trabalho.

        – Taí um cara com uma boa visão – Ônix riu. Tarântula não. Se limitou a estreitar o olho que funcionava e Ônix entendeu que bom humor não era com o cara e falou: – Bem, eu preciso saber onde está a relíquia do passado esquecido conhecida como Oscar. Se me der essa informação eu fico te devendo um favor. O que é mais do que a informação vale, se você perguntar por aí, porque eu sou um cara de sorte.

        – Não trabalho com troca de favores. Eu disse que vendo informações e essa que busca custa sessenta moedas de ouro.

        – Então te pago quando eu pegar a relíquia – Ônix falou, como se fosse simples. – Ela vale cento e cinquenta douradinhas e se eu a conseguir, acho justo te pagar quase metade.

        Tarântula sacudiu a cabeça e falou:

        – Ou paga ou não terá a informação. Porque quando você me pede pra pagar depois de, e se, conseguir a relíquia; o que eu escuto é que você não confia nas suas habilidades pra conseguir isso. Por que eu deveria confiar?

       Ônix entendeu que não havia outra escolha e disse:          

        –  Nesse caso pago pela informação e nos dois ficamos satisfeitos.

        –  É claro que paga – O careca falou. – Todos pagam.

        – Você é mais duro na queda do que o Canecas ali – Ônix apontou para o grandão ainda desacordado. Ninguém tinha se dado ao trabalho de ir ajudá-lo.

      – Astúcia é uma força mais poderosa que a bruta – Tarântula afirmou.

        – Então? – Ônix questionou: – Onde acho a relíquia Oscar?

        – Pagamento adiantado.

        – Não pode me culpar por tentar – Ônix sorriu. – Mas não tem problema, porque, como eu disse: acredito na minha sorte e é questão de tempo essa relíquia estar ao alcance das minhas mãos. Deixe-me apenas achar as moedas... porque eu sei que coloquei por aqui.

        O pirata ônix procurava o saquinho de moedas quando uma garota entrou na taverna. Usava capa escura com capuz e um pano tampando a parte inferior do rosto. O jeito elegante de andar era elegante, mas parecia perigosa. Uma ladra. 

        Ela parou no meio da taverna e olhou ao redor. Parou quando viu o homem careca no canto e foi em sua direção.

        – Você é o tal Tarântula? – Ela perguntou com a voz abafada e muito séria. Sussurrada como alguém que estivesse ameaçando, mas disse: – Preciso de uma informação e dizem que você a tem.

        – E disseram que toda informação tem um preço? – O tarântula perguntou.

        Ônix a olhou de soslaio, enquanto ainda fuçava seus bolsos, e a recém chegada falou:

        – Estou disposta a pagar.

        O pirata parou de procurar as moedas por um instante e disse para a mulher:

        – Mas aí é complicado, porque eu cheguei aqui primeiro para negociar.

        A garota sequer olhou para ele, mas respondeu:

        – Eu espero. Só preciso saber se ele sabe onde fica um lugar chamado de Toca da Troca. Porque se não souber, não perco meu tempo esperando em vão.

        Fazia sentido. E o Tarântula respondeu:

        – Sei sim. Mas vai custar duzentas moedas de ouro. Se você não tiver, também não precisa esperar.

          Ônix riu, como se alguém tivesse contado uma piada e tanto a recém chegada quanto tarântula olharam sérios para ele, que falou:

        – Essa informação eu tenho... e não sabia que valia tanto.

        Tarântula fechou a cara e avisou:

        – Não se mete!

        – Então... – Ônix disse, desistindo completamente de achar moedas em algum bolso: – Posso não me meter pelo precinho amigável de cem moedas de ouro. Ou... você pode me dar a informação que eu pedi e que, veja só, custa apenas sessenta moedas.

        O Tarântula fechou o punho, mas não era alguém de briga. Não tinha guarda costas, porque tinha um medalhão que, diziam, lançava uma maldição em que o ferisse e ninguém ousava tentar.

        Ônix falou, ao careca:

        – Verdade seja dita: você não vai sequer gastar essas sessenta moedas que é o meu preço. Só vai deixar de ganha-las de mim, mas vai ganhar duzentas da moça aqui. Muito mais lucrativo.

        As sobrancelhas da tal moça desenharam descontentamento e o pirata continuou:

        – Quanto a mim: eu falei que eu era um cara de sorte. Parece que a vida quis que eu me tornasse uma concorrência para você.

        Tarântula fez uma careta e falou com desprezo:

        – Não vou te pagar moeda alguma e não vou te dar a informação que você quer; porque você não sabe onde fica a entrada da Toca da Troca. Você está blefando.   

        – Não é assim que eu trabalho. Não blefo. Mas pode pagar pra ver se não quiser pagar com a informação que busco.

        A garota se virou para o pirata e falou, num murmúrio baixo, mas que pôde ser ouvido pelo Tarântula:

        – Eu te pago cem moedas de ouro, pra você me contar; já que é metade do que ele cobra.

        O careca socou a mesa, frustrado e decretou:

        – Se fizer isso, pirata, eu aumento o preço da informação que você quer, para trezentos e sessenta moedas e para você ter sua informação, eu ainda vou receber o que vocês dois me pagariam.

        – Pense bem, Tarântula – Ônix riu. –  Com as cem moedas dela eu nem preciso ir atrás da relíquia que valerá noventa para mim, se eu te pagar pela informação. Posso aceitar a oferta dela e nem precisar me esforçar. Você não consegue nem as minhas sessenta e nem as duzentas dela.

        O homem das informações passou a mão sobre a boca, emputecido. E Ônix ofereceu uma alternativa:

        – Se aceitar me pagar com a informação que eu busco, por outro lado, fico calado e você embolsa as duzentas moedas dela. Eu embolso as cento e cinquenta da relíquia que vou buscar. Bom pra mim e bom pra você; ruim pra ela, mas... nem era pra eu estar aqui quando ela chegou, se você tivesse aceitado que eu te pagasse depois, desde o início.

        Tarântula pensava e a mulher de capuz falou ao pirata:

        – Você é um bacaca.

        – Essa informação eu também já tinha – Ônix apontou o indicador para ela.

        – Eu aceito – o homem sentado falou. –  A relíquia Oscar que você busca, pirata, está no Forte da Morte do senhor Levraunus. Ônix arregalou os olhos e o tarântula continuou: – O que foi? Falei na frente de alguém que pode usar a informação e se tornar uma concorrência pra você? Vai ver a vida quis assim.

        A mulher, porém, retirou a capa e capuz e piscou para seu capitão.

        – Óh! É uma das minhas marujas, Larapia, vejam só que surpresa! – Ônix disse, de forma muito displicente. –  E por coincidência foi exatamente aquela que bolou o plano para te enganar. E como prometido... – Ele sacou a espada e encostou a lâmina virada em cada um dos ombros dela e continuou: – ... agora você foi promovida a imediata e vai estar no comando no navio, nas minhas ausências. Sendo a minha ida pro Forte da Morte, a primeira delas.

       – Deixa comigo!

       – De agora em diante... – Tarântula era pura raiva. –... o preço de qualquer informação para você será mais caro.

        – Você disse que vendia para amigos e inimigos e que não fazia diferença para você.

        – Mas não disse que não havia diferença para meus inimigos.

        – E como saberá se não mandei alguém pra pegar a informação? Vai ter de subir o preço pra seja lá quem for e vai falir porque ninguém vai pagar. Então é algo que não pode fazer. Aceite sua derrota, homem, por hoje. Afinal: Astúcia é uma força mais poderosa que a bruta.

        Tarântula estreitou o pequeno olho.

        – E se não me quer como amigo... – Ônix falou, sorrindo, antes de ficar assustadoramente sério e continuar: –... não vai me querer como inimigo.

        O careca virou o rosto para o lado e falou:

        – Vai ser um prazer não ver sua cara de agora até o infortúnio de te encontrar novamente. Torço para que morra na sua busca.

        – Isso você pode fazer – Ônix falou, antes de se virar para sair com Larapia.

        Ônix e a maruja deram alguns passos. Larapia perguntou, num sussurro:

        – O Tarântula vai engolir essa e deixar para lá?

        – Vai porque acha que me deu uma informação para uma relíquia que vale cento e cinquenta moedas – Ônix respondeu, também sussurrando, quando estavam quase no meio da taverna. –  Mas tenho um comprador interessado em pagar vinte vezes mais. Se ele soubesse disso, aí sim ele ficaria muito nervoso. Mas, que bom que ele não tem todas as informações.

          Foi aí que ele parou. Tinha uma coisa errada. Canecas não estava mais caído no centro iluminado. Estava posicionado na frente da única porta de saída e tinha duas canecas em mãos.

          Ônix fez uma careta e foi em direção à porta com sua nova imediata um passo atrás.

          – Outra vez? – o pirata perguntou. – Te derrubei na entrada. Te derrubo na saída mais fácil ainda.

        Mas Larapia passou pelo capitão e falou:

        – Eu resolvo isso também.

        E de fato, tinham a informação por causa do plano dela. Mas Canecas falou para a mulher, enquanto mirava a cara do pirata:

        – Não se intrometa nisso.

        Mas Larapia disse com firmeza:

        – Estou fazendo a mesma coisa que você: defendendo um inocente.

        – Está dizendo que Ônix é inocente?

        – Pois é. Faz isso não – o pirata falou, aos ouvidos da imediata que não via o rosto contorcido do capitão.

        E o gigante falou:

        – Eu era um carrasco punindo criminosos e feliz com meu trabalho. Até eu descobri ter matado um bom e inocente homem. Ônix Pedra-Negra deixou outro morrer no lugar dele. Eu não pude continuar meu ofício e jurei matá-lo.  

        Larapia balançou a cabeça afirmativamente, mas informou:

        – O homem inocente que aceitou morrer no lugar de Ônix, morreria de qualquer maneira nos próximos dias e o plano foi dele. Era a única forma de ajudar sua família e ajudar meu capitão, porque o tal homem sabia que Ônix luta contra a corrupção dos governantes, o que favorece os mais pobres.

        – Não que seja minha intenção – Ônix tratou de avisar. – Mas... é... no geral favorece.

        – Meu capitão aceitou a ideia.

        – Foi uma negociação – Pedra-Negra esclareceu. – Não uma preocupação com a família que ficaria sem seu provedor. Só não gosto de dever nada pra alguém.

        – Meu capitão, porém, não deixaria o nome do coitado sujo por muito tempo. Quando não fazia mais diferença ter um crime a mais na sua lista, ele assumiu o feito.

        – Na verdade, eu me importo é em ter a glória de ter cometido os crimes que cometi – o pirata falou, ainda atrás da mulher mais baixa que ele e muito mais baixa que o grandalhão diante dela. E ele continuou: – Precisei deixar esse de fora um tempinho, mas me orgulho dele.

        Canecas sacudiu a cabeça em negação e a imediata falou:

        – Você já saberia disso se realmente se preocupasse com o inocente e tivesse procurado a mulher dele e investigado, porque ela sabe toda a verdade. Preferiu, porém, olhar pro próprio umbigo e se ferir, se castigando dia após dia, numa taverna.

         – E porque o pirata não me contou nada disso? – A voz grave de Canecas estava denunciando um novo tipo de raiva.

        – O pirata, aqui, no caso eu... – Ônix falou. – ... até achou seu sofrimento pelo homem inocente desnecessário. Mas, por outro lado, merecido por muitos inocentes que matou antes daquele coitado.

        – Eu não matava inocentes!

        – Você matava em nome da lei – Ônix afirmou, como se isso explicasse tudo, mas foi gentil ao dizer mais: – Então todos eram inocentes. E acho que no fundo você já entendeu isso e a raiva que tem de mim foi por abrir a porta que mostrou isso.

        Canecas passou um dos enormes braços sobre o rosto e novamente sacudiu a cabeça. Aquilo mudava tudo e dava outro significado a tudo e não sabia se isso era melhor ou pior. Mas claro que passou a se questionava sobre e eficácia da lei após ter matado aquele último homem.

        Ônix percebeu o conflito interno do gigante e falou:

        – Mas já que a Larapia aqui deu com a língua nos dentes; talvez você aceite a equilibrar a balança. Como já foi dito, nossas ações aliviam, por consequência, o sofrimento dos inocentes oprimidos. Se quiser trabalhar comigo, cada um que ajudar, será um peso a menos na sua alma, por ter feito por tantos anos o que fez. O rei se acha intocável, mas a gente vai pegar ele. Porque o ele é mau e a gente é mau também!

        – Você me daria essa chance?

        Larapia sorriu. E o capitão atrás dela afirmou:

        – Você é um bom lutador. Não tem nada a perder e muito a provar. Pode vir a ser útil se já tiver cansado de ser o contrário, aqui. Mas estamos de saída. Não tem tempo para pensar e...

        – Eu aceito.

        O gigante juntou as duas canecas numa das mãos e ofereceu a outra. Era a única forma de encontrar alguma paz e iria atrás dela.

        – Excelente – Ônix falou, apertando a mão do grandão por cima de Larapia. – A cada dia estou mais perto de realizar um grande feito, pelo qual serei lembrado até quando não estiver mais aqui, e preciso de grandes aliados. Só estou na dúvida sobre seu o codinome. Se fizemos um corte da sua sobrancelha eu te chamava de Aquaman...

        – Posso votar? – Larapia falou, sorrindo.

        – Claro – Ônix falou. – Canecas ou Bela-Benga?

        – A segunda opção, com certeza – ela falou de imediato. – Não que eu tenha visto, mas com essa roupa que usa é questão de tempo. Seja como for, meu capitão te derrubou. Então em termos de luta você não o supera, mas em termos da parte do corpo em questão, não é muito difícil.

      – Ela está certa nisso – Ônix balançou a cabeça afirmativamente. – O meu não é bonito. É muito mais funcional do que belo. Aliás, pelo tanto que funciona, seria impossível ser mais belo.

        – Ele está certo nisso – foi a vez de Larapia confirmar.

        Uma das sobrancelhas do gigante se ergueu e ele falou:

        – Posso usar outra roupa e...

        – Não, não – Larapia interveio. – Pelo que estou vendo, quanto menos roupa você usar, melhor pra você... e pra mim. 

        O grandão arregalou os olhos sem saber se aquilo era uma informação boa ou ruim e Ônix falou:

        – Larapia, minha imediata, acho que agora é um bom momento para eu te repreender: Como assim você causa desconforto numa pessoa que merece tanto respeito? Alguém evidentemente extraordinário... como... eu!? Porque o que eu te conto não é para você contar por aí. Eu tenho uma reputação pela qual zelo.

        – Você não precisa ser odiado – Larapia se virou para o capitão, ignorando o gigante que Ônix já estava ignorando também.

        – Pelo contrário – o capitão afirmou. – Ser odiado simplifica as coisas. Ninguém se decepciona se eu fizer algo ruim que não posso explicar e no geral não posso. A reputação pela qual zelo é por isso e não por me importar com a opinião dos outros a meu respeito. Se eu me importasse com a opinião de todos, eu seria um ninguém.

        Larapia colocou as mãos na cintura e disse:

        – Acho que conseguimos esclarecer que você não se importa em ajudar ninguém e transformamos um adversário em aliado. Pode contar duas ações de sucesso!

        – Hummm... – o capitão pensou e falou: – E se for pra contar, tenho que somar a elas a conquista da informação que viemos buscar e que passa a ser a terceira, embora tenha sido conquistada antes. O que importa é que de fato estou de bom humor. Sorte de vocês dois.

        – Então somos sortudos por termos um capitão sortudo – Larapia falou, dando um passo para o lado para poder olhar para os dois homens próximos a ela. – O que pode dar errado?

        – Agora que você perguntou... – Ônix fez uma careta. – Provavelmente tudo.

        E o gigante disse:

        – Esse não é o tipo de pergunta que se faz. Ferra tudo mesmo. Mas vamos encarar.

        Ônix sorriu e falou:

        – E que escolha temos, quando as outras alternativas são... não sermos? Então sejamos.

        E satisfeito com o raciocínio, o capitão saiu da taverna.

      – Você entendeu essa coisa de sermos? – Bela-Benga perguntou.

        – Ele quis dizer que para estarmos vivos de verdade só encarando a morte – Larapia explicou.

        – Ah! ... 

        – Pode ir B.B. – Lara piscou para o grandão. – Alcanço vocês. Só vou pegar uma garrafa pra molharmos a garganta na caminhada até o navio.

        - B.B.? – O grandão ia perguntar a razão, mas entendeu. –  Ah!

        O novo recruta saiu da taverna e Larapia foi até o Tarântula no fundo. Não ia deixar pontas soltas. Entregou um saquinho de moedas para o careca e ele falou:

        – Foi bom fazer negócio com você.

        Muito séria, Larapia respondeu:

        – Para a lei corrupta perder, todos os massacrados por ela precisam ganhar... estamos do mesmo lado... eu precisava ganhar o cargo mais alto na tripulação de Ônix. Você sempre precisa de dinheiro e meu capitão precisava da informação.  Um hoje bom para nós é uma chance de um amanhã ruim para os soberanos.

        E saiu da taverna Oi meu Boi para alcançar os outros.  

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