Capítulo dois

Estava tão absorta em meus pensamentos que nem vi minha gorduchinha sentar ao meu lado.

– Mamãe, está chorando de novo? O que foi? – ela diz preocupada, secando uma lágrima minha.

– Ah, minha pequena Luz... não tenho nada, meu amor. É só a mamãe lembrando algumas coisas da vida.

– Coisas ruins? – ela fica realmente preocupada quando me vê chorando.

– Já passou, minha gatinha – digo fungando. – Estava lembrando o dia em que você nasceu.

– Conta mamãe, conta mamãe. – Ela adora ouvir a história de seu nascimento, ainda mais que conto como se fosse um conto de fadas.

– A mamãe conta só se você prometer que depois vai tomar banho para eu te levar para a tia Jô e ir trabalhar. Promete, espoletinha?

– Sim, mamãe, eu prometo. – Ela jura com dedinho, então sorrio e começo a contar:

– “Era uma vez, uma garota muito bonita chamada Cindy, ela era a princesa mais feliz do reino inteiro. Um belo dia, a princesa conhece o plebeu David e se apaixona por ele e ele por ela. Os pais da princesa não queriam permitir que eles namorassem, só que a princesa amava muito o plebeu e mesmo contra gosto dos pais, ficou com ele. Passou-se vários anos e a princesa descobriu que estava esperando um pontinho de luz, que era fruto do amor dela pelo plebeu.”

– E o que mais mamãe? O que mais? – ela fica muito empolgada quando ouve essa história.

–  Se você interromper a história não vai dar para continuar. – Ela faz sinal de silêncio, eu sorrio e continuo:

– “Depois que a princesa descobriu que estava grávida do seu pontinho de luz, ela correu para contar ao seu amor o que descobrira, porém, o amado não reagiu muito bem à notícia e foi para uma longa viagem. Ela muito triste, contou para os reis sobre o pontinho e como seus pais queriam que ela fizesse uma coisa muito feia e como ela não quis fazer essa coisa feia, fugiu do seu castelo, já que queriam fazer mal ao seu pontinho.”

Nesse momento, acaricio seu rosto e continuo:

– “Então ela foi parar em um vilarejo muito distante de seu reino, conseguiu comprar uma casinha e com ajuda de quatro anjos conseguiu montar o quarto mais lindo para a sua pequena. A princesa deixou de se chamar Cindy e virou Cinderela e trabalhou muito até que no dia sete de Dezembro, enquanto estava no trabalho, sentiu uma dor muito forte e foi para o hospital, onde às 18:00h, seu pontinho, que agora tinha o nome de Luz, veio ao mundo com 3Kg e 850gm. Depois que Luz veio ao mundo, Cinderela nunca mais se sentiu sozinha. Cindy agradece todos os dias ao universo por ter sido presenteada com o maior tesouro de sua vida.”

Assim que termino a história, Luz fica me encarando por alguns minutos e sei que lá vem pergunta, só espero que seja fácil.

– Mamãe, na história da Cinderela que vi na televisão, ela esquece o sapatinho de vidro na escada e o príncipe encontra ela depois. Será que o papai já achou o seu sapatinho e está te procurando para me conhecer? – toda a vez que conto a história do seu nascimento ela me pergunta a mesma coisa.

Um nó se forma em minha garganta e preciso disfarçar, pois minha pequena é muito esperta, vou confessar que esse é o momento mais difícil. A cada dia que passa, Luz pergunta mais e mais pelo seu pai e não posso lhe contar a verdade, ela é muito pequena, não quero vê-la sofrer a dor da rejeição como eu, acho que nunca contarei a verdade e espero que um dia ela possa conhecer David.

Sei que ela sente falta e sonha com o pai que nunca conheceu porque não a quis e isso me deixa profundamente triste. Respiro fundo e tento responder a minha baixinha.

– Filha, a mamãe deixou o sapatinho para trás porque não cabia mais no pé dela.

–  Por que mamãe? Seu pé ficou grandão? – ela pergunta e olha para os meus pés e acabo soltando uma gargalhada e agora vou tentar explicar melhor para que ela entenda.

– Não, meu bebê, muitas vezes o sapato é do nosso tamanho, mas de alguma forma não cabe mais. Um dia você vai ficar mocinha e vai entender melhor, o que a mamãe está dizendo é uma frase no sentido figurado.

– E o que a gente faz quando o sapatinho de vidro não dá mais? E o que é sentido figurado? – cada dia que passa está mais difícil explicar as coisas a essa criança. Penso por um instante e respondo.

– Às vezes, para seguirmos adiante, precisamos deixar algo ou alguém que não pode nos acompanhar, para trás. Para te explicar a situação, a mamãe usou a palavra sapatinho no sentido figurado. – Ela ainda me olha meio sem entender, mas tenho outra explicação melhor. – Agora chega de perguntas, dona curiosa.  Toco seu nariz com o indicador e ela começa a rir.

– Mamãe, mamãe, eu tenho avós? Um dia vou conhecer eles? – muitas perguntas difíceis de responder em um único dia.

– Todas as pessoas têm avós meu amor, e quem sabe um dia os conheça, Luz. Agora a senhorita vai já para o chuveiro tomar um banho.

– Tá bom, mamãe! Eu acho que o papai vai pegar o seu sapatinho e vai te achar e vai ser igual o desenho. E quando ele te achar vai poder me conhecer e vamos ser felizes para sempre que nem na historinha.

– Quem sabe, meu amor! Mas agora é hora de voltar à realidade, minha princesa.

 Dou banho em Luz e observo o quanto ela se parece com David. Os cabelos castanhos, os olhos cor de mel esverdeado, a pintinha no pescoço e muitas outras características. Como pode a mãe carregar nove meses e a menina nasce a cópia fiel do pai?

Quando eu estava grávida, sentia muito enjoo e azia, tinha dias que eu nem conseguia dormir e conforme a gestação ia avançado, as dores iam se intensificando. Vou confessar que mesmo tendo a ajuda de todos os meus novos amigos, eu me sentia sozinha e confesso que muitas vezes quando as dores estavam insuportáveis, eu me transportava para o passado, quando era feliz e quando me sentia segura nos braços de David. Para os momentos que ele dizia me amar incondicionalmente e que dizia que lutaríamos contra tudo e todos e por alguns segundos aqueles momentos eram o meu consolo, mas logo voltava para a realidade e estava sozinha tentando sobreviver.

Todos os dias olho no espelho e digo a mim mesma  que não o amo. A quem quero enganar! Esse sentimento ainda está vivo dentro de mim como uma chama que nunca se apaga. Já tentei tocar a vida pra frente e namorar outro rapaz, mas infelizmente não deu certo. Carlos era um doce, não tinha como não amá-lo, mas infelizmente eu não consegui me desprender de David. Às vezes, eu queria saber como ele está, mas tenho medo de saber que ele refez a vida enquanto a tonta aqui parou no tempo.

Deixei Luz brincar um pouco na água enquanto fico remoendo o passado. Desligo o chuveiro, arrumo minha pequena e a deixo com Jô, dou-lhe um beijo e sigo para meu trabalho.

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