Capítulo um

(Cinco anos depois)

Aqui estou olhando para o espelho e não vejo Cindy Laura, a aspirante a modelo, a herdeira de uma das maiores agências de modelo do Rio de Janeiro. Minha vida deu um giro de 180°c  e agora brinco comigo mesma me chamando de Cinderela, só que minha vida não tem nada haver com madrastas e meio-irmãs malvadas como a história original, e sim uma escolha que fiz e que nunca me arrependerei.

Tudo começou quando desmaiei na faculdade e com um teste de farmácia descobri que estava grávida. Fiquei desesperada e ao mesmo tempo feliz, pois o bebê era fruto do amor meu e de David.

Como ele havia trancado a faculdade, fui para a porta do seu trabalho esperando ele sair e assim que chegamos em sua casa, fui mostrar ao amor da minha vida meu exame de gravidez que havia feito para ter certeza e naquele momento fiquei sem chão com suas palavras, nossa última conversa ainda ecoa em minha mente.

– Porra, não acredito! Como você deixou isso acontecer, Cindy? – diz ele passando a mão por seus cabelos.

– Você está sendo um idiota! Estou esperando o nosso filho e você não sabe como isso aconteceu? Talvez tenha sido no carro, talvez na cachoeira, talvez na praia, talvez no banheiro da faculdade, quer que eu continue a enumerar os lugares onde possa ter acontecido?

– Eu não sou burro, Caralho! Só pensei que você estava se protegendo de alguma forma, as mulheres são boas nisso.

– E estava, devo ter esquecido uma ou duas vezes, talvez três, mas isso não vem ao caso. E só para a sua informação, você está sendo um cretino.

– Cindy, meu amor... escuta: eu sustento dois irmãos, pago as contas de um bêbado que faz dívida de bar em bar, meu dinheiro mal dá para as despesas, como vou  sustentar uma criança? Como vou dar a vida luxuosa que está acostumada a ter? Não me entenda a mal e perdoe se vou ser um idiota agora, mas você precisa resolver isso, sei lá, pede ajuda aos seus pais, eles saberão o que fazer.

Chego bem perto de David proibindo as lágrimas de rolarem pelo meu rosto, olho dentro de seus olhos e digo-lhe:

– Você acha que se eu ligasse para dinheiro estaria com você? Eu não sou como os meus pais, eu sempre te amei pelo o que você é e representa para mim e pensei que quando soubesse da gravidez ficaria louco, mas que diria que daríamos um jeito juntos.

– E o que você quer que eu faça? Na teoria é tudo muito bonito, mas aqui é a vida real e não tem nada de bom nisso. Você fala em amor, mas quando faltar dinheiro para as fraldas ou o leite da mamadeira quero ver você falar em amor. Posso parecer um idiota, mas se você quiser ficar com o bebê estará por conta própria.

– Minha mãe sempre avisou que um dia isso iria acontecer. Ela me disse que quando as coisas ficassem difíceis você pularia fora, mas nunca acreditei nela. Eu sempre disse que você não seria um canalha, que o nosso amor seria imbatível, pelo visto a errada era eu. Nosso amor não foi suficiente. – Respiro fundo e continuo. –  David, eu nunca irei te perdoar por isso e a partir de hoje você morreu pra mim e para essa criança que vou criar e educar já que será apenas minha.

Dou-lhe um tapa na face bem forte, viro-me para partir e ele chama meu nome. Por um momento, eu acreditei que ele tivesse visto o quão babaca estava sendo, mas ele apenas disse palavras de uma pessoa covarde.

–  Cindy, eu te amo, me perdoa. Mas não posso ajudar você com isso.

As lágrimas começam a escorrer por minha face. Definitivamente, só conhecemos verdadeiramente uma pessoa quando algo põe o amor à prova. E essa foi a última vez que o vi.

Após nossa discussão, vou para casa e converso com meus pais sobre o ocorrido. Primeiro, disseram que sabiam que isso iria acontecer e depois ficaram horas e horas a fio gritando comigo e depois do festival de gritos e lamentos, me deram duas opções:

Primeiro: Retirar a criança e fingir que nada disso aconteceu.

Segundo: Se eu escolhesse ficar com a criança, era para esquecer que tinha pais e que teria que dar o meu jeito para sustentar a mim e ao meu bebê.

Após minha conversa com eles, subi para meu quarto e me permiti chorar tudo que estava preso em minha garganta. Minha relação com meus pais sempre foi estranha, eles eram empresários de sucesso e a nossa conversa era sobre a como eu tinha talento para ser modelo, como eu poderia ser uma atriz ou apenas assumir a empresa deles. Meus pais nunca prestaram atenção em mim de verdade, nunca perceberam que meu desejo era me tornar química e não viver sob os holofotes, sempre almejei uma vida anônima.

 Depois de tanta autopiedade, limpei meus olhos, olhei-me no espelho, alisei minha barriga imperceptível e tomei a decisão mais importante da minha vida.

Arrumei uma pequena mochila apenas com o essencial para a minha sobrevivência, peguei todo o dinheiro que havia ganho de uns trabalhos que havia feito, peguei algumas joias para vender, caso precisasse, esperei que todos dormissem e olhei para o meu quarto digno de uma princesa pela a última vez. Fui para a rodoviária e deixei meu coração escolher o destino e ele escolheu o destino de minha vida, estava tão amarga que decidi que iria para a cidade de Amargosa, na Bahia, uma cidadezinha pequena onde ninguém me reconheceria e poderia viver em paz com meu bebezinho.

Muito determinada, comprei uma passagem só de ida, pois pretendia nunca mais pôr os pés no Rio de Janeiro. Criaria meu bebê em uma cidade diferente de onde cresci, longe de tudo que conheci. Antes de partir, deixei uma carta para os meus pais avisando de minha decisão. Já que era adulta, estava na hora de amadurecer e ficar por conta própria.

Como o ônibus só sairia pela manhã, passei a noite em uma cadeira dura e desconfortável da rodoviária e logo cedo embarquei. Fui por todo trajeto chorando e ouvindo músicas no meu IPOD que só levei porque comprei com meu dinheiro, o restante eu deixei para trás. Não queria ter lembranças de nada e sabe o que percebi ao longo da viagem? É que não tenho amigos verdadeiros ou pais compreensivos que me ame, tudo que queria ouvir depois do sermão deles era o quanto eles me amavam e que apesar de tudo eles estariam ao meu lado, um dia achamos que temos tudo e no outro descobrimos que é tudo uma ilusão.

Levei uns 4 dias para chegar à tal cidade e fiquei um pouco perdida. O bom de uma cidade pequena é que todos se conhecem e quando cheguei em Amargosa, fui bem recepcionada. Os vizinhos foram muito receptivos, principalmente uma moça chamada Joziane, que gosta de ser chamada de Jô. Tivemos uma conexão imediata e nos tornamos muito amigas, contei toda a minha história para ela, que me abrigou em sua casa sem pestanejar. Seu marido, Ricardo, que apelidei de Rick,  também me acolheu e me ajudou a comprar a minha casinha.

Com o pouco dinheiro que sobrou, consegui comprar alguns móveis usados e com o restante fui sobrevivendo por um tempo. Com a ajuda da Jô, aprendi a cozinhar e a fazer serviços domésticos.

Quando vi que o dinheiro estava acabando, andei pela cidade em busca de algum trabalho, mas mesmo sendo uma cidade pequena, alguns têm receio de ajudar uma completa estranha, já estava perdendo as esperanças quando entrei em um bar para comprar uma água.

E assim que ouvi a dona dizer que precisava de alguém para ajudá-la, pedi licença e me candidatei à vaga. Expliquei tudo o que me aconteceu sem dar todos os detalhes e Seu Zé e Dona Guta me deram o emprego que precisava. Nesse dia, corri para Jô e Rick para contar-lhes que havia conseguido um emprego e mesmo eles achando que eu não deveria trabalhar, ficaram felizes pela minha conquista. Podia não ser muito, mas para mim era tudo.

Sofri um pouco para aprender a ser ágil. Como nunca havia trabalhado, dona Guta me ensinava com muita paciência. Jô conseguiu uma vaga para que eu fizesse pré-natal no mesmo hospital que ela fazia, a sua gestação estava um pouco mais avançada que a minha e lá descobri que meu ponto de luz era uma menina e aí foi uma festança, já que a de Jô também era uma menina.

Em pouquíssimo tempo me senti parte da comunidade e comecei a me sentir bem como nunca  havia me sentido. Com o passar dos meses, comecei a conhecer todos os moradores da cidade, afinal, existiam apenas 38.259 habitantes.

Minha pequena Luz veio ao mundo no dia sete de Dezembro. A batizei de Luz, pois ela me tirou da solidão, ela foi a luz em meio à escuridão que estava vivendo e agora não estava mais sozinha no mundo, agora tinha a minha Ana Luz comigo e por ela eu iria ao inferno quantas vezes precisasse.

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