Capítulo 1

Eu estava caçando mais uma vez. Fazia isso quase todas as noites e estava cada vez mais difícil manter a fome sob controle.

Ouvi risos em algum lugar próximo e fui bem devagar até lá.

Três pessoas estavam andando no meio da rua, com latas de cerveja nas mãos e rindo como loucos.

Bêbados! - bufei. Eu simplesmente odiava esses bêbados. O sabor deles não era muito bom e fazia minha mente ficar um pouco enevoada, mas era melhor do que nada.

Puxei o ar com força e senti um cheiro estranho que me lembrava de terra molhada e... madeira, como cheiro de árvore, misturado com um leve aroma que me lembrava o cheiro de um cachorro, ou de um lobo.

Na verdade o cheiro em si não era tão estranho, afinal aquele lugar era cercado por árvores e tinha alguns cachorros na rua, mas o estranho era que o cheiro parecia vir de um lugar específico, ou no caso, de uma pessoa específica.

Fiquei em posição de ataque e foi quando eu fui surpreendida por um homem que pulou de cima de uma árvore, caindo bem na minha frente.

O homem era alto e musculoso, seu rosto tinha um formato quadrado e queixo forte, seus olhos e cabelos eram castanhos, sua barba era espessa, apesar de curta, e sua pele bronzeada. Entretanto o que mais me chamou a atenção foram seus dentes, que eram pontiagudos e um pouco grandes demais para a sua boca, e suas unhas, que eram encurvadas, quase parecendo garras.

- Oi gracinha. - ele falou.

Algo em sua voz me pareceu ameaçador, mas eu não me assustava fácil, por isso mantive uma pose firme, tentando mostrar que eu não tinha medo dele.

- Quem é você? - perguntei.

- Me chamo William, muito prazer.

Ele estendeu a mão para mim e eu fiz questão de ignorar.

- E você é?.... - ele perguntou.

- Não te interessa.

Ele sorriu de forma maliciosa.

Seu movimento foi tão rápido que não tive tempo para reagir. Quando percebi ele havia me dado uma rasteira e estava sentado em cima de mim.

Me debati tentando me soltar, mas não consegui. Ele era forte e com certeza não era um humano comum.

Ele segurou firme as minhas mãos e olhou para o meu pulso, onde havia a marca de um "V", como uma tatuagem. Algo que eu tinha desde que me lembrava.

- Muito bem, vou te chamar de "V". - anunciou ele.

Rosnei.

- Calma "V", eu não sou seu inimigo.

Ele se levantou e estendeu a mão para mim, mas eu o ignorei de novo e me levantei sozinha.

- Meu nome é Cinco! - o corrigi com raiva e ele riu.

- Cinco? Como o número? - debochou.

Era um número, mas era o único nome que eu conhecia, e seria estranho escolher outro depois de tanto tempo.

- Se você não é meu inimigo, então o que você é? - questionei, ignorando seu comentário desnecessário.

- Isso vai depender de você. - foi a resposta que ele me deu - Posso ser seu amigo, se você quiser.

Revirei os olhos e cruzei os braços.

Ao fundo eu ouvi os três bêbados se aproximando de nós. Estavam andando devagar, mas logo chegariam à esquina onde eu pretendia encurrala-los.

William também percebeu e olhou atrás de mim, para verificar o quão longe eles estavam.

- É melhor irmos para um lugar mais reservado. - ele disse, caminhando em direção às árvores.

O lugar onde estávamos era praticamente uma pequena floresta, com um mato alto e várias árvores, principalmente pinheiros.

William foi caminhando e eu acabei por segui-lo apenas pela curiosidade.

Estávamos já bem longe da estrada onde estavam os bêbados e ninguém mais nos ouviria dali.

William parou e se virou para mim.

- Agora sim. - ele disse com um sorriso. - Aqui nós podemos conversar em paz.

Cruzei os braços sobre o peito e o encarei, esperando que começasse a falar.

- Eu sei quem você é. - anunciou ele - Sei de onde veio e também sei o que pode fazer.

- E como você sabe?

Ele então levantou o pulso e eu pude ver a marca "VII" escrita na cor preta, como uma tatuagem. Olhei para o meu próprio pulso, percebendo a similaridade.

- Você é como eu?

- Não. - ele respondeu - Não exatamente como você.

Franzi a testa sem entender.

- Eu sou a experiência número sete. - ele explicou - Minha mutação é diferente da sua.

Continuei confusa.

- O lugar de onde você fugiu era um laboratório. - ele continuou - Nós dois fomos criados lá, mas você é uma experiência diferente e mais antiga também.

- Mas... Se você é o número sete... Há outros como nós?

- Há sim. - ele respondeu.

Encarei o chão e fiquei pensativa, tentando entender o que aquilo podia significar.

- Como você fugiu? - perguntei curiosa - Como me encontrou?

William riu.

- Eu fugi porque sou muito esperto. - respondeu vagamente - E você... Eu estava te observando há alguns dias e era óbvio que você não era uma humana comum, mas só agora que vi a marca em seu pulso, tive realmente certeza de quem você era.

Assenti, ainda tentando absorver todas as informações.

William se aproximou mais de mim e me encarou.

- Infelizmente... - falou em voz baixa - Durante esses dias em que te observei, percebi uma coisa...

- O quê? - perguntei, dando um passo para trás.

De repente meu instinto me alertou do perigo.

William me encarava sério e em um movimento rápido me agarrou pela garganta e me empurrou contra uma árvore.

- Não há espaço aqui para nós dois. - ele disse - Você está chamando muita atenção. Você mata pessoas!

Seu aperto em minha garganta aumentou e eu lutei para respirar, arranhando seus braços numa tentativa inútil de fazê-lo me soltar.

- Eu... Preciso... - tentei dizer.

Ele apertou mais o meu pescoço e eu pude ver a ira em seu olhar.

Me debati desesperadamente, tentando chuta-lo, arranha-lo, ou soca-lo. Eu só não queria morrer.

Senti meus olhos se encherem de lágrimas enquanto eu me desesperava totalmente.

- P-por... Favor...

Ele ainda me encarava e eu começava a sentir que desmaiaria, e então ele me soltou.

Caí de joelhos no chão e comecei a tossir descontroladamente, enquanto tentava respirar.

Minha garganta doía demais e todo o ar do lugar parecia não ser o suficiente.

Meu rosto estava todo molhado pelas lágrimas e eu percebi que aquela havia sido a primeira vez que eu senti medo, medo de verdade.

William ainda estava ali, parado há poucos centímetros, de costas para mim.

Ele urrou e socou uma árvore com força, fazendo um buraco enorme no tronco.

Tentei me recuperar. Eu não podia deixar que ele me matasse. Eu não podia morrer, não mesmo.

Me levantei, ainda um pouco cambaleante e ele se virou para mim, me encarando mais uma vez.

- Posso te deixar viver. - ele disse - Mas você não pode continuar matando as pessoas. Está chamando atenção demais. Policiais já estão procurando por um assassino nas redondezas e vão acabar nos achando.

Balancei a cabeça.

- Quer que eu passe fome? Se eu fizer isso vou morrer do mesmo jeito.

- Posso arranjar outra forma de te alimentar. - ele garantiu.

- O quê? Como?

- Apenas espere. Me dê alguns dias.

- Alguns dias?!

- É. Ou prefere que eu te mate agora?

O encarei. Se eu não estivesse tão fraca poderia enfrenta-lo. Eu precisava me alimentar, pois não podia depender da boa vontade dele.

- Eu espero. - menti.

- Estou falando sério. - ele disse - Eu não vou arriscar a minha liberdade por você.

Encarei o chão, tentando decidir o que eu faria.

Era verdade que William podia ter me matado e decidiu não fazê-lo, mas eu não confiava nele. Meu instinto me dizia para não confiar.

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