A cantora do bar de rock

Capítulo 2

A cantora do bar de rock

Naquele momento passei a observar a cantora do bar. Era uma gata que parecia novinha, estava vestida toda de jeans e salto alto e começou a me olhar insistentemente. Se não fosse pelo meu colete, eu poderia até achar que ela estava me “dando mole”. Era um fato, eu tinha o costume de me vestir sem camisa por baixo daquele colete dos White wolves e aquilo chamava a atenção das mulheres. Era visível que eu frequentava a academia e todos os meus músculos ficavam a mostra daquele jeito. Pena que eu estava bem cansado para transar naquela noite. Era um tédio ter que ficar fingindo para os amigos que era durão o tempo todo, o “comedor”da turminha de motoqueiros. Era enfadonho até porque eu não tinha me colocado nessa posição e sim eles. Toda roda masculina conta vantagem, algumas delas são verdadeiras e outras são verdadeiras loucuras criadas pelas mentes de caras que não conseguem achar que podem estar na desvantagem da vida sexual. Eu era bem novo mas sabia que aquilo era um monte de bobagem e que eu não precisava provar nada para ninguém. A minha meta de vida sempre foi desde pequeno competir comigo mesmo. Um ensinamento bom do meu pai, porque a maioria deles foi de nenhum valor. Eu tinha passado a infância dizendo que jamais iria namorar depois de passar por noites acordado tapando os ouvidos ao ouvir meus pais brigando. Meus irmãos eram menores e certamente não foram afetados mas eu como o mais velho, via e ouvia de tudo. O meu pai sempre traiu minha mãe. As brigas eram constantes quando ela pegava alguma mensagem feminina no celular dele ou sentia um perfume diferente nas roupas dele. Eu tive que encobrir meu pai em determinada ocasião quando, com doze anos, tive que concordar que era sobrinho dele e não filho na frente de uma mulher muito bonita. Eu quis muito discordar, dizer tudo, que tinha uma mãe, que ela era incrível mas não podia ou corria o risco de apanhar de cinto depois. Na verdade minha mãe perdeu muito a beleza e alegria de viver naqueles anos. Eu tinha lembranças de uma mãe alegre, dando sonoras risadas em festas e com os filhos e também péssimas recordações das noites de bebedeira dela depois que sabia de alguma notícia nova de traição. Passei a associar casamento e namoro a pura dor. Nunca namorei. Achei que jamais namoraria. O máximo que eu conseguia era ficar com alguma garota por algumas semanas entre idas e vindas sempre deixando claro que era só aquilo. E que jamais seria algo mais. Eu tinha a minha consciência limpa de que jamais agiria como o meu pai e jamais sofreria a dor da minha mãe. Eu era um lobo branco solitário em uma planície repleta de lobas no cio em que acasalar era muito fácil mas ainda mais fácil era ir embora depois do coito. Nada de assuntos românticos, nada de promessas que eu sabia que jamais ia cumprir. O combinado não saía caro e eu não era um filho da puta com ninguém, no máximo um cafajeste. Mas isso eu sabia que era mesmo e gostava de ser assim. Era fácil me proteger de sentimentos e voltar para casa satisfeito. O fato é que me causar sentimentos era algo difícil. Uma mulher precisaria ser muito diferente de tudo que eu via ao meu redor. Ela tinha que ser eu de “saias” porque o fato é que eu me amava demais. E isso não era nem um pouco um problema, na verdade eu achava que todos deveriam sentir o mesmo, mas o meu caminho estava repleto de mulheres que não faziam qualquer diferença e, portanto, eu preferia a minha moto e as estradas. A minha casa era puro drama e eu queria muito me livrar daquilo de vez em quando.

De repente ouvi um som que conhecia vir do violão daquela cantora. Ergui meu olhar para ela levando o cigarro junto, pendurado na boca. Era Limp Bizkit que ela cantava. Era como se lesse minha alma naquele momento, enfurnado dentro de mim mesmo, afundando em um poço de lembranças da dor da minha mãe. Eu sabia que estava como que mergulhado em sombras, de olhar baixo, deixando o cigarro ser consumido pela sua própria chama sobre o cinzeiro enquanto viajava até minha infância. Então ela parecia estar cantando para mim naquele momento em que me olhava...

- No one knows what its like

To feel these feelings

Like I do

And I blame you

No one bites back as hard

On their anger

None of my pain and woe

Can show through

But my dreams they aren't as empty

As my conscience seems to be

I have hours, only lonely

My love is vengeance

That's never free

No one knows what its like

To be mistreated, to be defeated

Behind blue eyes

And no one knows how to say

That they're sorry and don't worry

I'm not telling lies*

Atrás dos olhos azuis ou atrás dos olhos tristonhos... fazia muito sentido quando vinha de outra pessoa dizer aquilo sobre mim. Mas ela não sabia nada a meu respeito, era impossível saber algo a respeito de um completo desconhecido somente achando que lê sua postura em um bar. O mais desconcertante é que ela parecia saber. A garçonete voltou a nossa mesa trazendo um drink vermelho e então o pousou em minha frente na mesa com um guardanapo sobre a taça. Eu a olhei sem entender.

- Que é isso?

- A cantora mandou te entregar, é um mojito de frutas vermelhas. É com...

- Rum, eu sei o que é um mojito.

- Então, parece que perdi minha carona hoje não é?

Os rapazes me olhavam esperando uma resposta quando pelo canto dos olhos vi Bill e Mad Max sorrindo debochadamente da minha cara.

- Meu bem, - Eu tinha esse costume de chamar as garotas de meu bem e nunca perdi o costume - Eu só vou tomar isso aqui porque é caro... depois vou procurar pousar em algum canto.

- Tá bem, eu anoto meu número aqui no guardanapo. - Ela realmente sacou uma caneta do bolso do avental e escreveu o número do celular ali e me entregou.

Eu segurei o papel e senti o dedinho gelado dela deslizar pela minha mão de forma quase romântica. Então sorri sem vontade e olhei para os caras.

- Como você consegue, Ferreira? Arrasta muita bu...

- Pára Bill!

- ...Por onde passa, mano! O que você tem? Mel?

- Bill ainda não se tocou que o cara é bonito para caralho e esse cabelão ai atrai a mulherada! - Ria Caio. - Até vou deixar o meu crescer para pegar mulher com a quantidade que ele pega!

- Isso ai, meu companheiro, igual marinheiro, um amor em cada porto! Vamos brindar com essa porcaria vermelha que ela te mandou ai!

Eles só conheciam cerveja e era engraçado ver como, mesmo bem sucedidos, eram totalmente avessos a drinks mais sofisticados.

- Mais uma garrafa de rum pro “lobo louco”.

Brindamos e eu voltei a minha atenção a garota do palco. Ergui a minha taça em direção a ela que sorriu timidamente, baixando a cabeça enquanto começava a cantar “Simple man” do Lynyrd Skynyrd. Ela estava lendo minha playlist gravada na mente? Eu ouvia tanto as mesmas músicas que alguém com bons dons telepatas saberia exatamente o que eu ouvia sempre. Aquela era uma boa sensação, uma mulher que conhecia o bom rock and roll e isso era bem difícil de se achar. Só por isso me senti mais próximo dela. Dei um gole no gostoso mojito e os outros quiseram provar. O mojito foi passando de mão em mão e quando voltou a minha mesa estava praticamente vazio. Eu vi a bonita cantora dar um sorriso divertido. Ergui as mãos sorrindo e decidi ficar até o final do show somente para agradecer. Algumas pessoas tem esse dom de nos perceber no meio da multidão e nos tirar das piores lembranças somente enviando um drink vermelho, cheio de frescuras por cima. Foi divertido e uma forma de me salvar pelo menos naquela noite de me afogar em auto piedade.

Assim que ela desceu do palco ao final do show, eu a abordei na escada. Acredito que ela não esperava, pois levou um susto e deu uma risada sonora.

- Desculpe se te assustei!

- Nada, eu não esperava mesmo...

Ela fez aquela coisa que as mulheres fazem quando estão tímidas. Jogou o cabelo para trás da orelha e baixou a cabeça para ouvir melhor o que eu falava no meio da confusão.

- Eu vim te agradecer pelo Mojito!

- Ah que isso! - Respondeu sem graça me lançando um dos sorrisos mais bonitos que eu já tinha visto.

- A música também foi para mim?

Insisto quando tenho interesse. Ri de mim mesmo.

- Sim, foi, você parecia meio para baixo. Aliás motoqueiros sempre parecem meio pra baixo no fim do dia, talvez por que a estrada tenha terminado?

- Ah então, - Ergui meu dedo e apontei para ela - É especialista em motoqueiro...e eu me achando o tal!

- Não! - Ela gargalhou se atrapalhando - Vem, vamos conversar lá fora!

Senti a mão me segurar pelo antebraço e dar uma leve puxadinha para a direção em que queria ir. Eu fui, sou obediente quando quero. Saímos do bar em frente as vinte e duas motos ali estacionadas.

- Uau, você veio de comboio mesmo!

- Vim, sim! Somos os lobos brancos mas na verdade eles são solitários e essa informação é confidencial, talvez eu te carregue para a alcatéia depois dessa confissão!

Ambos rimos. Eu comecei a caminhar em direção a minha moto acendendo outro cigarro. Ela ficou um pouco parada atrás de mim.

- Onde vai?

- Até minha moto, logo ali. - Apontei com a mesma mão com que segurava o cigarro.

- Acho melhor não.

- Porque? - Parei a observando e percebi que sentiu um pouco de medo de se afastar da frente do bar. - Ah, se quiser conversar aqui em pé, tudo okay, mas eu vou te garantir, eu sou um lobo bonzinho... - Sorri tragando.

- Eu aposto que sim mas é melhor não arriscar.

- Então, o Mojito não era para me conquistar? Sou péssimo nisso, vou ter que aprimorar meus sentidos porque parecia uma cantada...

Ela riu nervosamente sabendo que era verdade.

- Talvez... - A expressão da bela cantora se tornou séria.

- Hummm... - Fiz um bico olhando para o céu estrelado sobre nós - O que posso dizer para você confiar em mim e ir até a moto?

- Deixa eu ver... Pode fingir que essa sua moto é barata e que é um homem humilde, sendo que nada em você é humilde principalmente suas roupas, sua moto e seu jeito de falar.

- Não me acha humilde? Agora estou extremamente magoado.

- Não é não e isso é bom, tem auto estima e é invejado pelo seu grupo de amigos.

- Tá certo, porque você trabalha cantando se pode ler mãos e ficar rica?

Ela gargalhou.

- Sou apenas observadora e senti curiosidade por você.

- Eu chamaria isso de atração.

- Touché! Também! - Ela ria de maneira muito gostosa.

- Então eu não sou nada modesto e nada paciente também, meu bem...

Segurei sua mão e a puxei até a minha moto estacionada. Ela não reclamou, não tentou puxar a mão de volta. Eu tinha vencido naquela conversinha dela sobre curiosidade. Uma coisa que eu odiava era rodeios, principalmente quando se tratava de mulheres. Assim que chegamos a minha moto eu sentei e a puxei para meu corpo. Ela sorriu me encarando enquanto eu a enlaçava com as duas mãos a prendendo em meus braços. Algumas mulheres gostam mesmo é da pegada e da decisão e isso eu tinha de sobra. Ouvir sobre como ela era tímida, suas histórias com namorados, seus sonhos de vida não era nem de perto assuntos com os quais eu queria me envolver. Eu queria noites de prazer sem dramas alheios. Eu já tinha os meus. Enfiei minha mão sob seus cabelos castanhos e a fiz olhar dentro dos meus olhos azuis acinzentados acariciando sua nuca com força. Então eu tinha me tocado que sequer tinha perguntado o nome dela. E muito menos dito o meu. Contudo isso era um detalhe da noite, um detalhe que faria diferença só muito mais tarde, depois que eu a beijasse por inteiro.

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