Capítulo 6

Naquela noite haveria uma festa na ilha, para comemorar a chegada dos músicos. Tamí soube que eles haviam se instalado em barracas perto dos rochedos. Achou perigoso, pois sabia dos ventos fortes que havia lá, principalmente à noite. Mas se ninguém foi capaz de lhe dizer isso, não seria ela que diria. 

Cátia foi convidar Tamí para ir à festa. Mas ela recusou.

- Mas, Tamí... Todo mundo vai estar lá. Só vai faltar vocês. – argumentou ela tentando convencer a amiga.

- Sabe que não gosto de festas, Cátia. Além do mais tem Albert...

- Todas as crianças estão indo para lá junto com os pais. Além do mais você sabe que Albert vai adorar... Será diferente para ele.

- Acho que deveria sair um pouco para se divertir, filha. – observou Esperança.

- Realmente prefiro ficar em casa. Peguei um livro emprestado do Júnior e gostaria de começar a ler... Ainda não tive tempo.

- Livro? Você só pode estar brincando. Está acontecendo uma festa no povoado, Tamí. Sabe quanto tempo não temos uma festa? Nem sei dizer se a última coisa que vi foi uma festa no povoado ou a chuva. Nós trabalhamos tanto... Você trabalha muito. Precisa se divertir de alguma forma.

- Vamos, mamãe. – insistiu Albert.

- Viu? Ate seu filho que ri. – falou Cátia.

- Sim... – falou o menino sorrindo.

Com todos insistindo, mesmo sem ter vontade, ela acabou sendo convencida. Vestiu o menino com uma roupa mais nova, que ele costumava usar para ir à missa com os avós: bermuda clara com camiseta no mesmo tom. Ela optou um vestido branco de linho com alguns bordados floreados vermelho e verde, que usava pouco. Os cabelos manteve soltos, como gostava. 

- Estamos prontos. – disse ela saindo do quarto com o filho.

- Você está linda. – disse Cátia.

- Muito bela, mamãe.

- Quando ela quer ficar bonita, consegue. – observou Esperança. – Mas ela não dá muita importância a isso. 

- De que adianta ficar se arrumando todos os dias? Todos aqui sabem como eu realmente sou. Todos nos conhecemos. Não me importo em tentar impressionar ninguém. Pelo contrário, quanto menos eu chamar a atenção de todos, melhor. – disse ela.

- Bom... Mas vou dizer que você está chamando muito a atenção, amiga. Arrisca arranjar um casamento com os recém-chegados deste jeito. – falou Cátia brincando. 

- Não quero me casar. – falou Tamí imediatamente.

Cátia ficou quieta. Sabia que o comentário havia deixado a amiga irritada. E Tamí ficou chateada por mesmo ela sendo das únicas pessoas a saberem toda verdade, toda mágoa e ressentimento que sentia com relação aos homens, ainda assim puxar este tipo de assunto que tanto a irritava.

Todos foram à festa no povoado, inclusive Esperança e João. Realmente Cátia estava certa... Ninguém lembrava quando havia sido a última vez que todos se reuniram para uma festa na ilha. Havia tantas coisas nas mesas, feitas pelas pessoas do povoado. Muito vinho, cerveja... Ela ficou impressionada. Boatos davam conta que o dinheiro para aquelas coisas todas havia sido dado pelos músicos recém-chegados. Todos conversavam animadamente. Alguns arriscavam dançar músicas típicas. Os homens que haviam chegado à ilha eram bastante simpáticos, estando sempre envolvido com o povo, conversando, tirando dúvidas. Estavam sempre sorrindo. Tamí ainda estava desconfiada com toda aquela história. A aparição de toda aquela gente na ilha de uma hora para outra, dizendo que fariam uma música sobre eles e seu trabalho e modo de vida. E mais impressionante ainda era o dono da Companhia dos Conquistadores autorizar aquela visita, mesmo sabendo das péssimas condições de vida daquelas pessoas. Ele era o único a lucrar com o ouro... Ninguém mais. Quem fazia o trabalho braçal para aumentar os lucros dele não tinha nada, nem o mínimo. Tamí não conhecia o dono daquele lugar, mas não gostava nenhum pouco dele. 

Cátia logo encontrou atenção de um dos músicos, que logo saiu do meio da multidão para concentrar sua atenção nela. Era uma mulher bonita, corpo com bastante curvas, cabelos no meio das costas, escuros, encaracolados. Ela havia colocado um vestido simples, mas justo e que evidenciava seu corpo perfeito. Não esqueceu um batom vermelho realçando os lábios bonitos. 

Esperança e João logo foram conversar com os amigos e até se arriscaram a dançar na roda. Estavam visivelmente felizes. Tamí se perguntou por que não fazia mais daqueles momentos na ilha? Por que precisavam vir pessoas de fora para fazer com que todos se reunissem por um momento de diversão e celebração?

Albert permanecia de mãos dadas com sua mãe, olhando tudo atentamente, olhos brilhando. Ela sentiu um vento sul um pouco mais forte. Sabia que ele iria aumentar a intensidade e poderia facilmente jogar as barracas daqueles homens no penhasco. Levariam um susto... Mas achava que não morreriam. Ela riu sozinha dos próprios pensamentos.

- Estou com sono. – disse Albert.

- Hum... Então vamos embora? – sugeriu ela.

- Na verdade não quero ir embora. Queria que você dançasse comigo para eu não ficar mais com sono. 

Tamí riu:

- Isso me parece uma chantagem, pequeno Albert. Você é um garoto esperto.

- Dança comigo, mamãe?

- Não prefere dançar com ela? Esta mocinha está procurando um par. 

Os dois olharam para Hirst, com uma menina toda arrumada pela mão. Os dois sorriam e Albert não pensou duas vezes e pegou na mão da menina, levando-a para a roda de dança. 

- Albert... E minha dança? – perguntou Tamí fingindo estar braba.

Ele parou com a menina pela mão, olhando para a mãe, confuso. Tamí abriu os braços, esperando uma resposta. 

- Dança com ele. – disse Albert saindo sem olhar para trás.

- Boa ideia. – falou Hirst pegando Tami pela mão.

Hirst pegou a mão dela com leveza e delicadeza, levando-a para o meio da roda de dança. Ela ficou confusa, mas não conseguiu dizer não, vendo toda diversão de todos à sua volta. Ficou surpresa por Hirst saber os passos de dança locais, como se fosse daquele lugar há muito tempo. 

- Seu marido não veio? – perguntou ele no ouvido dela.

- Isso não é da sua conta. – falou ela indo mais devagar que o ritmo, não tendo certeza se deveria parar ou não. 

- Desculpe minha indiscrição e ao mesmo tempo curiosidade. Só fiquei receoso de ele aparecer, nos vir dançando e talvez não gostar.

- Seria covardia da sua parte, não acha? Convidou-me para dançar, então corria o risco sim de haver alguém na minha vida. Mas pelo fato de eu ser uma mulher, espera que eu tenha um marido, um namorado, ou seja, um homem na minha vida. – falou ela ironicamente.

- Sei que tem um filho. – observou ele.

- Sim, tenho um filho. – confirmou ela.

- E o pai onde está?

Tamí soltou as mãos dele imediatamente e foi andando para fora da roda de dança. Ele tentou alcançá-la, mas Tamí correu e ele a perdeu no meio da multidão. Ela foi até o local onde estavam as barracas deles montadas... Cinco barracas novas e bonitas, meticulosamente armadas bem próximas ao precipício. Dava para ver que eram bem amadores com relação ao mar, ao vento. Ela sentou-se numa pequena elevação gramada, perto das barracas. Sentia o vento soprar forte contra seu rosto. Como amava aquela sensação do vento e a vista à sua frente. Não conseguia ver o mar na escuridão, mas o sentia em seu corpo e o cheiro dele entrava em seus pulmões, trazendo uma boa sensação que ela nem sabia explicar. Hirst era um homem diferente dos demais da ilha, ela sabia, não podia negar. Mas fazia muitas perguntas, falava demais e disso ela não gostava nenhum pouco. Ela não queria conversar sobre sua vida com ninguém, principalmente com aquele homem desconhecido, que estava ali de passagem, querendo revirar um passado do qual ela fazia questão de esquecer. 

- Finalmente a encontrei. – disse Hirst sentando-se ao lado dela sem cerimônia.

- Por que está me seguindo? – perguntou ela fazendo menção de levantar-se.

Ele pegou o braço dela, delicada, mas firmemente, puxando para sentar-se novamente.

- Me desculpe... Não vou mais importuná-la com perguntas. Eu prometo. – disse ele.

Ele deu um largo sorriso. Sem entender muito bem o motivo, ela disse:

- Tudo bem.

- Qual seu nome mesmo?

- Pensei que você havia dito sem perguntas.

- Querer saber o nome de uma pessoa é tão natural... Eu só quero ser seu amigo, nada além, acredite.

- Você acha que eu preciso de amigos?

- Eu acho que todo mundo precisa de amigos... Ou de pessoas.

- Eu não preciso. – falou ela.

- Se não tem pessoas, nem amigos, deve ser uma mulher muito só.

- E você continua tentando saber sobre minha vida, tirando suas próprias conclusões.

- Seu nome... Só isso.  – disse ele colocando as mãos para cima, num gesto de vencido.

- Tamí.

- Lindo nome... Diferente. Viu que não doeu nada? – brincou ele.

- E você, como se chama? – perguntou ela, mesmo sabendo o nome dele. Era um nome bem diferente, e ela não esquecera.

- Hum... Não gosta que lhe façam perguntas, mas gosta de fazer. – ele riu. – Mas estamos conversando... Uma grande evolução. Chamo-me Hirst. Vimos-nos hoje. Perguntei-lhe sobre hospedagem...

- Acho que estou lembrada. – falou ela fingindo-se desentendida. 

Por um momento passou pela cabeça dela o outro homem... De olhos negros e que a olhava dentro da alma. Onde estaria? Ela não havia visto ele na festa. Teria ido embora?

- Você tinha razão... Não encontramos lugar melhor para ficar que nossas barracas. – ele riu. – Ainda bem que trouxemos nossas próprias casas nas costas, contando que poderíamos não encontrar alguém para nos acolher. Mas ficar numa casa com uma família também seria bom para vermos melhor a realidade de vocês. Mas enfim... Não foi possível. Também não quisemos ficar nos alojamentos dos fiscais por estar muito longe dos garimpeiros. 

- O vento vai ficar bem mais forte. E corre o risco das barracas de vocês serem levadas para o penhasco. 

Ele olhou para ela confuso, observando as barracas balançarem.

- Eu sei do que estou falando. Moro aqui desde que nasci. E acredite, os ventos são minha especialidade.

- Vou seguir seu conselho... E avisar os rapazes depois que voltarem.

- Amanhã teremos ventania e muito pó pela ilha.

O vento seguia aumentando a velocidade. Ela colocou o vestido no meio das pernas, entre os joelhos, para segurá-lo no lugar.

- Vejamos... E o que Tamí sabe mais, além de conhecer os ventos?

- Sou uma ótima garimpeira.

- Você é garimpeira? – perguntou ele surpreso.

- Por que o espanto? Sou garimpeira, moro aqui nesta ilha.

- Não pensei que você entrasse dentro daquelas rochas subterrâneas.

- Se eu não fosse uma garimpeira eu não moraria nesta ilha, não é mesmo?

- Sim... Tem razão. Mas você é tão... Bonita... Não consigo imaginar você correndo perigo lá embaixo.

- Por favor, peço que não continue com esta conversa.

- É só um elogio, acredite. Que mulher não gosta de elogios?

- Eu. – falou ela.

- Você é tão diferente das mulheres que conheço. 

- E como são as mulheres que você conhece? Como são estas mulheres que vivem longe desta ilha?

- Vejo que são opostas à você. Em tudo.

- Talvez você ache que eu não ajo corretamente... Mas...

- Não... Eu não quis dizer que você age errado. Só disse que age diferente. Mas é exatamente isso que a torna especial.

- Por que você veio para cá? – perguntou ela sem rodeios.

- Sou vocalista de uma banda bem conhecida fora daqui. Mas pelo visto nesta ilha nunca ouviram falar nosso nome. – ele riu. – Vim para terminar de compor uma música e fazer um clipe. Não disseram isto para vocês?

- Sim, disseram. Mas eu não acreditei.

- Por quê?

- Por que o dono da Companhia dos Conquistadores permitiria esta visita de vocês aqui?

- Não entendi este seu questionamento. 

- Esta ilha é dele. Ele é o dono de tudo... Não só do ouro que existe nas minas, mas também é nosso dono, digamos. Vivemos uma vida difícil por aqui... Muito mais do que você imagina. Não acredito que este homem deixaria qualquer pessoa vir para cá se fosse nos trazer qualquer benefício se não a ele mesmo.

- Mas ele permitiu que viéssemos. Sem muitos questionamentos, acredite.

- Ainda não consigo acreditar na bondade por trás disto.

- Ele não só permitiu como mandou conosco o filho dele junto, para que pudesse nos auxiliar no que precisássemos.

- O filho? Ele tem um filho? E ele está aqui? – perguntou ela curiosa e ao mesmo tempo impressionada.

- Vocês não sabiam?

- Não... Nem poderia imaginar.

- Sim... Ele está conosco. Eu já o conhecia, mas não pessoalmente. É um cara legal. Nos ajuda mesmo no que não precisamos. 

Tamí já sabia quem era o filho dele. Tinha certeza de que aqueles olhos que encontraram os dela eram os do filho do dono da Companhia dos Conquistadores. O que o destino queria dela? Mas agora entendia o que sentia quando via aquele homem... Talvez era a raiva que sentia pelo pai dele.

- Eu até poderia apresentar você a ele, mas eu não o vi na festa. – falou Hirst olhando a sua volta, tentando encontra-lo em vão. – Na verdade, não sei onde ele foi parar.

- E vocês irão mesmo compor um música sobre nosso trabalho e este lugar?

- Sim.

- E por que escolheram este tema?

- Sabemos como é o trabalho de vocês e um pouco do que passam aqui. Sabemos que a vida de vocês não é nada fácil. E queremos que as pessoas do mundo saibam isso.

- Por que quereriam isso? Qual o benefício de vocês?

- Dizer a verdade... Que a vida não é fácil pra todo mundo. Que as pessoas tem que valorizar o que tem. Que o ouro tem um processo bem difícil por trás de quem o usa como adereço. Queremos que as pessoas saibam como aquilo que pagam tão caro chegou até eles. Acham que sofrem... Não sabem o que é sofrimento ou trabalho duro. Quem paga pelo ouro não se dá conta disto.

- E como fariam isso através de uma música?

- A música é a forma mais possível de chegar às pessoas, de todas as classes sociais. Usamos a música para cantar e contar coisas importantes. Somos uma banda engajada, politicamente correta. Já falamos sobre poluição, derretimento das geleiras do Ártico... Agora chegou a vez de vocês. Conseguimos fazer notoriedade com nossas canções. E assim podemos ajudar algumas causas. É nisso que eu acredito. Temos total liberdade pra criação da nossa música. Mas para filmagem do clipe não podemos entrar nas minas. Esta foi a única condição imposta. 

- Eu sabia que ele não permitiria que nosso sofrimento fosse retratado de alguma maneira.

- Você o conhece?

- Não... Ninguém aqui o conhece. Ele nunca esteve aqui. Mas ainda assim sinto muita raiva dele.

- Por quê?

- Espere ver um dia de trabalho na mina e a condição de vida das pessoas e depois você me entenderá.

- Melhor Benjamin não saber disso. – falou ele.

- Quem é Benjamin?

- Filho de Lucas Lowe, o dono da Companhia dos Conquistadores.

- Lucas Lowe? Este é o nome do homem dono de tudo isso... Inclusive de nossas vidas? 

- Sim... Nunca pensei que vocês pudessem não saber.

- Estou bastante surpresa.

- Ouvi dizer que ele tem uma filha também, mas não tenho certeza. Só sei de coisas que vi nas notícias. Conversei com ele somente quando solicitamos a visita e não posso reclamar, pois foi bem cordial. Nem precisaria nos atender, pois é um homem muito ocupado, dono de tantas coisas que nem dá pra listar. Rico e muito poderoso. E há boatos que agora está se envolvendo na política. 

- O filho dele não conversou com vocês sobre o pai? Sobre seus planos para este lugar...

 - Não... Benjamin é um homem bastante reservado quanto à sua vida pessoal. 

Ela ficou confusa... Mil pensamentos na cabeça.

- Agora é sua vez de me responder. Fez-me tantas perguntas...

- Por favor, sem perguntas. – pediu ela.

- Eu também sou curioso.

- O que quer saber? – perguntou ela.

- Sua vida.

- Impossível saber sobre minha vida. Isso não vai acontecer.

- É casada? Não vejo uma aliança ou anel no seu dedo.

- Não. – respondeu ela.

- Bem... Para mim isso era bem importante saber. – disse ele dando um largo sorriso.

- Quer minha sinceridade? – perguntou ela.

- Sim, por favor.

- Serei clara e direta: não tente me conquistar. Não perca seu precioso tempo com isso, pois será em vão.

Ele ficou quieto, olhando para ela, pensando nas palavras que diria.

Ela continuou:

- Se tem qualquer intenção comigo, além de uma amizade, melhor desistir. E se continuar, eu vou me afastar de você de modo que nunca mais me verá. 

- Isso quer dizer que tenho chance de conquistar sua amizade?

- Sim... Mas nada além de minha amizade.

Ele riu:

- Confesso que estou feliz. Eu achei que jamais me ofereceria uma trégua... Uma amizade está de bom tamanho.

Tamí sorriu do jeito dele:

- Não sou uma pessoa tão horrível... Mas também não sou boa como você pensa.

- Estou com fome. Vou buscar algo para comermos. Me espera aí sentada?

- Sim... eu espero.

Hirst saiu. Tamí ficou ali, olhando novamente para a paisagem que a acalmava. Ele era um homem amável. E lhe trouxera muitas novidades sobre o dono da Companhia dos Conquistadores que ela jamais pensou saber. Conquistar a confiança daquele homem lhe traria mais informações sobre Lucas Lowe, o homem que tinha a vida dos garimpeiros em suas mãos.

- Tamí...

Ela gelou ao ver o homem falando seu nome ironicamente, saindo de dentro de uma das barracas tranquilamente. Lá estava ele, com seu incrível poder de fazer seu corpo tremer com seu olhar escuro e profundo. Ela lembrou-se imediatamente do homem de olhos cor da noite que a Velha do Mar havia falado. Como podia ter tanta certeza de que era ele? Ficou ali, imóvel, sem vir nenhuma palavra em seus lábios.

- Te assustei? – perguntou ele.

- Não... Claro que não. – mentiu ela.

Ele puxou uma cadeira de dentro da barraca e colocou próxima dela. Tinha na mão uma garrafa com água e começou a beber devagar. Tinha um corpo forte, barba por fazer, um pouco crescida, mas não muito. Cabelos muito curtos, quase raspados. Não tinha como não observar as tatuagens pelos braços dele. O olhar era profundo e o sorriso irônico.

- Acho que tive sorte... Não quis participar da festa. Preferi ficar dormindo. Acabo sendo acordado por conversas e descubro que você se chama Tamí, que não gosta do meu pai... Tudo deitado dentro da minha barraca. Acho que tive sorte hoje.

- Você deve ser...

- Benjamin Lowe... Muito prazer.

Tamí ficou sem palavras, desconcertada. E isso nunca acontecia com ela. Estava na frente do filho do dono da Companhia dos Conquistadores. E ela odiava o pai dele... Deveria odiar o filho também?

- Não quer falar comigo? – perguntou ele.

- Não tenho o que dizer, não é mesmo? – arriscou ela.

Ela fez menção de levantar-se, mas ele foi até ela e pegou-a pelo pulso firmemente:

- Acho que precisamos conversar, não é mesmo? 

- Não tenho nada para falar com você. Solte-me.

- Tem certeza?

- Acha que não sei me defender de homens como você? 

- Creio que saiba sim... Sei o que fez com Rotsey.

Ela ficou ali, olhando nos olhos dele com raiva enquanto ele ainda a segurava.

- Ele mereceu. Não tem medo que eu faça o mesmo com você? – falou ela rispidamente, raivosa.

- Não tenho medo de você. Sabe quem é meu pai...

- Não sabe se defender sozinho? Precisa mesmo do nome do papai para se garantir? – ironizou ela.

- Sei me defender sozinho... Verá isso com o tempo.

- Acho que não teremos tempo para tanto... – continuou ela ironizando.

- Tamí, eu não quero brigar com você. Pelo contrário... Eu quero ajuda-la. – disse ele gentilmente, fazendo desaparecer completamente o homem irônico que estava ali há alguns segundos.

- Por que você acha que eu preciso de ajuda?

- Para acabar com meu pai você precisa de toda ajuda que conseguir. E eu posso garantir minha ajuda será bastante útil.

- Como? – perguntou ela confusa, tirando o braço das mãos dele. Ainda conseguia sentir o toque, o calor do corpo dele sobre seu pulso. Por que seu coração batia intensamente na presença daquele homem frio e irônico? Não gostara dele. Era muito diferente de Hirst.

- É isso mesmo que você ouviu. Eu quero ajudar você a destruir meu pai.

- Esqueça. Eu não vou participar do seu joguinho.

- Não é um jogo. Meu pai sempre consegue o que quer na vida dele. E na maioria das vezes não é de forma muito legal ou justa com as pessoas à volta dele. Ele compra pessoas... Isso é o que ele faz de melhor. É um corrupto e ainda assim consegue tudo que quer, sendo intocável por todos. E vai ficar ainda mais poderoso, pois vai concorrer a governador nas próximas eleições. E você pode ajudar a acabar com isso.

- Por que acha que eu seria ingênua de acreditar em você?

- Só saberá se me der um voto de confiança.

- Quer que eu acredite que você quer o mal do seu pai? Só pode estar brincando comigo.

- Nossa relação pai e filho nunca foi muito normal. Ele sempre foi um homem dominador. A forma como ele age com todos é a forma de lidar com a família também. Nunca tive oportunidade de lutar contra ele. E nunca vi ninguém com tanta vontade de fazer justiça contra ele. Podemos nos unir.

- Escute aqui... – começou ela colocando o dedo em direção a ele.

Benjamim abaixou o dedo dela com sua mão, gentilmente, olhando em seus olhos, fazendo com que ela se perdesse nas palavras.

- Eu... Não acredito em você, portanto não vou ajuda-lo no que quer que seja. Mesmo que eu tenha raiva de seu pai e quisesse me vingar dele e de tudo que ele faz contra nós eu jamais teria forças para isso. Eu sou uma simples garimpeira da ilha da mineração... Só isso.

- É uma mulher forte. Ninguém duvidaria se você falasse as coisas que acontecem aqui. 

- Pare que brincar comigo. Eu não sou idiota. Isto é um jogo... E você quer me incriminar de alguma forma por causa do que escutou. Não sabe o que sou capaz de fazer se você continuar...

- Por que é tão desconfiada? Sim... Eu sei o que você é capaz de fazer. – lembrou ele.

- Acredite, Benjamim Lowe, você não sabe o que sou capaz de fazer. E sim, eu sou desconfiada de tudo e todos. Eu não conheço você.

- Então o fato de você não me conhecer é o problema?

- Esqueça tudo que falei sobre seu pai, por favor. 

- Eu imaginava que você era mais forte e tinha certeza que sua raiva seria perfeito para destruição de meu pai e todo mal que ele faz. Pelo visto seu desejo de vingança só está dentro de você. Não tem coragem para botar em prática. 

- Você não tem o direito de falar assim comigo.

Ela saiu dali rapidamente, sem olhar para trás.

- Vou esperar por você aqui, neste mesmo lugar, amanhã. Vou lhe contar sobre minha vida para você saber tudo que aconteceu e ver porque eu lhe propus isso. 

Ela não olhou para trás. Precisava ir embora daquela festa e ficar longe daqueles homens. Hirst estava vindo em sua direção, com dois pratos de comida. Ela nem parou quando o viu e seguiu em direção ao filho.

- Albert, precisamos ir embora.

- Mas, mamãe...

- Por favor, Albert, agora.

- Está bem. – disse ele saindo de perto das outras crianças e seguindo com ela. 

- Por que já está indo embora, Tamí? Eu estava levando comida e...

Tamí não falou nada. Pegou o menino no colo e foi em direção à sua casa sem olhar para trás. Hirst continuou a segui-la confuso:

-Tamí, por favor, o que aconteceu? Estávamos conversando tão bem... eu só saí um minuto e...

- Hirst, o problema não é você. Deixe-me em paz, por favor. Esta festa não tem hora para acabar e logo vai amanhecer e eu preciso trabalhar. 

- E quando eu vou vê-la novamente?

- Não sei se será possível. Trabalho o dia todo, chego em casa cansada e preciso dar atenção ao meu filho. Ele é minha prioridade.

- Mas...

- Esqueça o “mas”... É melhor não me procurar. Eu lhe peço.

- Tamí... Eu quero que saiba que você é muito especial neste lugar... E para mim também... Você é como uma flor do deserto.

- Hirst, você não me conhece. Não fale sobre o que não sabe.

- Então me dê a oportunidade de conhecê-la.

- Infelizmente é melhor não. Para mim e para você. Somos de mundos distantes... Nossos destinos não se cruzam, entende?

- Se nossos destinos não se cruzam, por que estamos aqui, conversando, neste momento? Não acha que o destino fez isso, sendo nós de mundos completamente diferentes?

- Você irá embora em breve e eu vou continuar com a minha vida, como todos aqui. Logo você nem lembrará que eu passei pela sua vida. E eu nem lembrarei que vocês um dia estiveram aqui... E não será porque eu não quero lembrar, mas sim porque não terei nem tempo para isso, porque nossa vida aqui é trabalho. E nosso trabalho é para sobrevivermos, entende? Você jamais saberia sobre nossa vida como realmente ela é.

- Não tenha medo de mim... Só quero sua amizade.

- Já a tem, Hirst. Sei que é um homem sincero. 

Ele deu um largo sorriso. Tamí parou e sorriu também. Gostava dele. Era divertido, insistente, mas percebia-se que era um bom homem. Ela via honestidade nele, diferente do que via em Benjamin Lowe. 

- Está na hora de você ir. – falou ela.

- Boa noite. – disse ele.

- Boa noite.

Ela deitou na cama e sabia que não conseguiria dormir naquela noite, pois mil pensamentos passavam ao mesmo tempo em sua cabeça. Quem eram aqueles homens? Por que entraram em sua vida? Por que não conseguia parar de pensar em Benjamim Lowe e na forma com que havia agido com ela? Por que ficava tão vulnerável e sem palavras na presença dele? Seria Hirst um bom homem, como ela pensava? Seriam eles os homens previstos em seu destino pela Velha do Mar? Tantas perguntas... Nenhuma resposta. 

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