3. Separação

Nós havíamos passado as férias de julho em Recife, tivemos momentos legais, mas eu notava algo errado na expressão do meu pai, acredito que minha mãe também tinha percebido, pois em alguns momentos os dois conversavam a sós, e era nítido que o assunto não era agradável. 

Estávamos no mês de setembro, meu pai não conseguia mais disfarçar sua infelicidade, percebi que era inútil acreditar que ele queria recuperar a nossa família, não estava satisfeito, e a situação piorou quando minha mãe descobriu que estava grávida. Ela parecia feliz, estava animada, a ouvi dizendo que dessa vez desejava que fosse uma menina e se chamaria Fernanda. Meu pai por outro lado se desesperou, pareceu detestar a notícia, e pude ouvir quando os dois se trancaram no quarto discutindo. 

— Você não podia ter feito isso! — Falava irritado. Ele estava culpando minha mãe por estar grávida? Eu não entendia o porquê. 

Naquele dia minha mãe chorou, chorou muito, até que passou mal e meu pai a levou às pressas para o hospital. As discussões cessaram por um tempo depois que ela voltou, não que eles tivessem se reconciliado, mas minha mãe passou a ignorá-lo, mal se falavam, até que um dia quando voltei da escola meu pai não estava lá e não voltou para casa, no dia seguinte também não e só então percebi, ele havia ido embora. 

— Mamãe, meu pai não volta mais? — Perguntei apenas para confirmar minha hipótese. 

— Filho, seu pai e eu, bom… — Ela me olhava como se buscasse a melhor maneira de me dar uma notícia que eu já esperava. — Nós não vamos mais continuar juntos. 

Vi as lágrimas surgindo nos seus olhos e a toquei no rosto com carinho. 

— Tudo bem, não fique triste! — Falei surpreendendo-a, pois eu mesmo não estava surpreso e sequer me importava, já não suportava mais vê-la sofrendo por aquele homem. 

— Não se preocupe, mamãe sempre vai estar aqui com você. — Ela tocou a barriga que ainda não aparecia. — Com você e seu irmão, ou irmã! — E abriu um leve sorriso. Apesar da amargura, do ressentimento, minha doce mãe ainda era capaz de transbordar amor, por mim e pelo bebê que estava gerando. 

Meu pai levou um bom tempo para aparecer, ele me buscou, mas não subiu no nosso apartamento, esperou que eu descesse sem sair do seu carro e me levou para uma sorveteria. 

— Como você está, filho? — Perguntou como se sentisse culpado, como se aquilo tudo fosse uma forma de se redimir. 

— Bem… — Respondi tranquilamente e continuei saboreando o meu sorvete. 

— Fico feliz, você já é um rapazinho, então acho que nós podemos conversar, de homem para homem, tudo bem? 

Concordei ainda olhando apenas para as diversas guloseimas que eu havia jogado em cima do sorvete que montei. 

— Acredito que sua mãe tenha te explicado que nós passamos por uma situação delicada e por isso decidimos seguir caminhos diferentes. 

— Sim… — Falei ainda indiferente. 

— Quero que você saiba que nada muda entre nós. 

— Eu sei que não. — Eu não quis ser sarcástico, nem tinha essa mentalidade ainda, apenas fui sincero. O que poderia mudar? Ele nunca foi de fato presente, talvez deixasse de me dar presentes? Bom, se fosse isso tudo bem, minha mãe com certeza daria. No mais, eu não via que falta ele poderia fazer na minha vida, e sinceramente não estava me importando, a não ser pelo fato de que a minha mãe estava cada dia mais triste. Ela passava mal constantemente, eu acreditava que tinha relação com a gravidez, até o dia que tia Anelise apareceu para uma visita e demonstrou preocupação. 

— Você não pode continuar assim, minha irmã! — Lembro-me da angústia que havia em sua expressão. Naquele dia, elas fizeram as nossas malas e nós fomos com minha tia para a fazenda. Passamos alguns dias lá e não consigo sequer explicar o quanto odiei aquilo. 

— Ele precisa voltar para a escola, falta pouco para entrar de férias. — Minha mãe dizia. 

Por sorte ela decidiu voltar para casa, mas eu já não tinha certeza se deveria me alegrar, mamãe não estava bem. Sua barriga estava crescendo, mas seu rosto estava magro, sem vida, os olhos fundos, uma expressão sempre cansada, comecei a reparar que ela nunca comia, até que um dia desmaiou. Nós estávamos sozinhos e eu me desesperei, lembro-me da angústia que senti, sem fazer ideia de como deveria agir. Corri para o telefone, mas não sabia nenhum número de cabeça, então fui buscar na agenda velha que ficava no criado mudo e vi o número do celular do meu pai, não pensei duas vezes e disquei.

— Alô? Pai? A minha mãe está caída no chão, ela desmaiou! — Eu ofegava. 

Ele não demorou a chegar, mamãe já estava acordada, mas ainda fraca, ele correu com ela para o hospital e avisou a tia Anelise. 

— Sua tia deve chegar em uma hora no máximo, por favor, não mexa em nada, não saia de casa, não abra para estranhos, vou confiar em você! — Meu pai disse saindo às pressas e me deixou sozinho em casa. De fato não fiz nada, não que eu fosse obediente, mas estava apavorado demais para me aproveitar de estar sozinho, aliás, o que eu mais temia naquele momento era ter que ficar assim definitivamente. 

Minha tia chegou rapidamente acompanhada do marido e do meu primo, Cristiano. Os dois ficaram comigo no apartamento enquanto ela foi em busca de notícias no hospital. 

— Sua mãe vai precisar passar a noite no hospital, querido, vamos arrumar suas coisas e você vai com a gente, tudo bem? — Tia Anelise disse assim que voltou. 

— O que aconteceu? Eu quero ver a minha mãe! — Falei desesperado e minha tia me abraçou tentando me tranquilizar. 

— Ela só precisa tomar um pouco de soro, mas logo vai ficar bem. — Tia Anelise tentava demonstrar que tudo estava bem, mas eu não aceitava, não queria ir.

— Eu não vou, por favor, eu não quero ir! — Implorei, não apenas por odiar a fazenda, mas porque era longe. Como eu poderia deixar minha mãe dessa forma? — Eu quero ficar aqui, quero ficar perto da minha mãe! 

Minha tia não discutiu ou tentou me convencer, apenas ligou para o meu pai e explicou a situação, ouvi quando ela se ofereceu para ficar no hospital, para que ele pudesse ficar comigo em casa e assim foi feito, mas ao contrário do que eu imaginava, não ficamos no nosso apartamento, ele me levou pro local onde morava desde a separação e ela estava lá, a amante, e pior do que isso, aquela mulher estava grávida como a minha mãe. 

— Oi Felipe. — Ela me cumprimentou sem graça. Eu a conhecia, era a secretária do meu pai, sempre que ele me levava para o trabalho a via, a moça era legal comigo, mas naquele dia em especial passei a odiá-la. 

— Esse bebê que você está esperando é do meu pai? — Fui tão direto, tão intuitivo que até meu pai se chocou. 

— Filho, sim, você terá um irmão. Adrielly é minha nova esposa. — Ele interferiu. — Quer conversar sobre isso? 

Eu só conseguia sentir raiva do meu pai naquele momento, e daquela mulher que havia tirado ele da minha mãe e destruído a nossa família.

— Eu só tenho um irmão, o que minha mãe está esperando. — Respondi friamente e dei de ombros. Olhei para minha bolsa no chão, em seguida olhei para a porta do apartamento e desejei sair dali, se eu ficasse naquele lugar estaria sendo tão traidor quanto o meu pai.

— Filho, você já é um rapazinho, precisa entender que… 

— Eu já entendi. — Não estava nem aí para as explicações do meu pai, mas não ficaria ali com aquela mulher. 

— Pode pedir pra tia Lise me buscar? — Pedi calma e friamente. 

— Mas Felipe, pensei que você não quisesse ir. — Ele me olhou confuso. 

— Eu não quero ficar aqui com essa mulher! — Resmunguei. 

— Felipe, eu não vou admitir… — Ele iniciou um sermão mas a tal Adrielly o conteve. 

— Está tudo bem. — Ela disse. — Vou aguardar lá dentro, seja paciente Roberto.

"Bruxa, sonsa", eu pensava, "Querendo se fazer de boazinha."

— Filho, você terá que respeitar a sua madrasta. 

— Eu não quero saber dela, não quero saber de você! Me leva pra tia Lise, pai, me leva agora! — Toda dor que eu vinha acumulando transbordou naquele exato momento. — Eu odeio você! Você faz a minha mãe sofrer, abandonou ela, deixou ela doente! — Eu gritava, chorava. — Minha mãe não merece morrer, essa mulher que merece! 

— Felipe, você está passando dos limites! — Meu pai se irritou. 

— Eu não quero ficar aqui, eu quero a minha mãe! — Gritei. — Eu te odeio, te odeio, vou odiar pra sempre! 

Vi o horror na expressão do meu pai, sua amante apareceu chorando e o tocou no ombro. 

— Por favor, Roberto, não insista nisso, vai com ele! 

Meu pai não disse mais nada, continuava me olhando espantado, mas não conseguia me repreender porque reconhecia a sua culpa, então pegou suas coisas e ficou comigo no apartamento que era nosso. Eu me tranquei no meu quarto e não falei com ele pelo resto do dia, o traste não sabia cozinhar obviamente, era minha mãe quem fazia tudo para ele, então pediu pizza na tentativa de me comprar, calabresa, minha predileta, mas me recusei a comer, me recusei a sair do quarto e a olhar na cara dele.

Fiquei aliviado quando tia Anelise chegou no dia seguinte com a minha mãe, já era quase hora do almoço e eu tinha tomado apenas um copo de leite escondido na madrugada anterior, quando vi que meu pai estava dormindo, eu estava faminto e acima de tudo extremamente preocupado.  

— Mamãe! — Corri empolgado para os braços dela, a abracei com carinho, grato por ela estar comigo novamente. 

— Está tudo bem, meu amor, não se preocupe! — Ela dizia com a voz ainda trêmula. 

— Você pode ir agora, Roberto! — Eu disse sem sequer olhá-lo nos olhos. 

— Filho, por que está agindo assim com o seu pai? — Minha mãe me olhou espantada, tia Anelise da mesma forma.

— Ele não é meu pai, ele tem outra família agora e outro filho. 

Minha mãe olhou para ele e em seguida para mim, uma lágrimas escorreu em seu rosto, ela não estava surpresa, ela sabia, sabia que meu pai a tinha abandonado grávida para ficar com a outra que também estava grávida. Mamãe estava sofrendo em silêncio, tentando me poupar, e em momento algum me colocou contra o meu pai ou falou mal dele, não foi preciso, eu o odiava por conta própria, pelo simples fato de fazer mal a pessoa que eu mais amava em todo mundo. 

Roberto era tão covarde que não conseguia dizer nada, não se defendia, apenas fugiu de um problema que ele próprio criou, foi embora e não se preocupou mais em me procurar. Eu tinha a certeza de que ele não fazia questão de me ver, tanto quanto eu não queria vê-lo.

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