CAPÍTULO 3

                                                         Benjamin Padovanne

         A brisa batia em meu rosto e o sol quente brilhava no céu azul limpo sem nenhuma nuvem. Um dia lindo, perfeito, sem qualquer chance de uma gota de chuva cair. À minha frente está o mar e o horizonte, ambos passando uma sensação de calmaria, O mar de Cagliari está azul, límpido e cristalino, um verdadeiro paraíso.

         - Benjamin – uma voz suave aveludada me chama fazendo-me virar para trás em busca de sua dona.

         Atrás de mim está um campo de girassóis apontando diretamente para o sol irradiante à minha frente. Contudo não tem ninguém, de onde a voz vem?

         - Benjamin – diz novamente.

         Eu quero saber de quem é essa voz doce, suave, aveludada e gostosa de ouvir. Quero estar ao lado de sua dona e fazê-la falar mais para ter mais desse prazer.

         Acho que estou ficando doido. Acho não, tenho certeza!

         - Quem é você? – pergunto alto ainda girando em busca de alguém.

         - Benjamin...

         - O que você quer?

         - Você tem certeza Benjamin?

         Certeza? Certeza do quê?

         - Certeza do quê? Do que está falando?

         - Você tem certeza? – a voz vai ficando mais baixa como se estivesse cada vez mais longe – Não está sendo muito precipitado?

         A agonia em meu corpo me fez começar a correr pelo campo, entre as flores, em busca dela. Tenho quase certeza que a voz é feminina, então onde ela estava?

         Corria sem me preocupar com o caminho ou direção, só queria acabar com a minha curiosidade.

         Eu tinha certeza do quê?

                                                                     ...

         Acordo em um sobressalto com a cabeça latejando de dor. Que diabos de sonho foi esse?

         A campainha começa a tocar várias vezes, então levanto da cama ainda meio grogue de sono e vou abrir a porta.

         - Até que enfim, sua mãe não te deu educação não? Onde já se viu deixar visita 30 minutos tocando a campainha? – Vicente diz entrando sem ser convidado. Intimidade é uma droga, não é mesmo?

         Eu tinha combinado alguma coisa com ele? Droga! Minha cabeça dói tanto!

         - Você não tinha começado a tocar agora? – digo passando a mão pelo rosto tentando acordar de uma vez.

         - Não, estou aqui há um tempo.

         - Eu estava...

         - Dormindo pelo visto – ri da minha cara – Essa sua cara de travesseiro amassado não esconde nada, sonhou comigo querido?

         Ignoro suas piadas e vou para o banheiro a fim de, pelo menos, escovar os dentes e lavar o rosto.

         - O que está fazendo aqui tão cedo? – pergunto voltando para a sala um tanto mais apresentável e acordado.

         - Preciso conversar contigo antes da minha viagem para evitar mais surpresas.

         - Surpresas? Viagem?

         - Você é lerdo ou se faz? Eu te avisei semana passada que iria ao Brasil para resolver alguns casos no escritório de meu pai, ele precisa da minha ajuda.

         - Estou acordando ainda, me dá um tempo para processar as coisas.

         - Promete pra mim que nunca vai atender ninguém nessa situação. Porque, meu amigo, tenho certeza que o paciente não vai ter uma pontinha de esperança.

         - Veio aqui para conversar ou ficar zoando da minha cara?

         - Para conversar e para te usar de escravo pessoal para que faça um café da manhã decente pra mim.

         - Eu sabia! Você não tem jeito mesmo Vicente – entro na cozinha – Sempre com essa segunda intenção.

         - Posso fazer o que? Deus não te deu essas mãos de fada somente para cirurgias, parece que eram pra cozinhar pra mim também – gargalha.

         - Muito engraçado você – joguei um pano em sua direção.

         - Mas agora é sério, que história é essa de casamento? Você nunca me falou em pedido algum, me senti magoado em saber do casório de meu melhor amigo por terceiros – força um bico.

         - Ah... Helena fez o pedido e eu aceitei.

         - COM MENOS DE TRÊS MESES DE NAMORO?!

         - E o que tem? Tem gente que casa com muito menos tempo – dou de ombros.

         - Você sabe muito bem que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa – o encaro com as sobrancelhas franzidas - Vocês nem se conhecem direito, eu duvido que ame essa mulher a ponto de querer casar tão rápido.

         - Eu gosto dela...

         - Gostar é uma coisa, amar é outra muito diferente.

         - Vicente, Helena esteve presente pra mim em um dos momentos mais importante da minha vida eu pensei que nunca voltaria a operar novamente, você sabe muito bem pelo que passei – ele assente – Ela esteve pra mim em cada segundo, me apoiou quando ninguém mais acreditava em mim como profissional.

         - Eu estive pra você! Cadê o meu anel de casamento então? – reviro os olhos e ele bufa – Benjamin eu entendo. Entendo que ela esteve pra você depois daquele paciente, entendo que ela te ajudou a não desistir de sua carreira, mas isso é um casamento! Um compromisso para a vida inteira! Um divórcio não é a mesma coisa que um término de namoro.

         - Quem é que se casa pensando em divórcio Vicente?

         - Eu só acho que você não está pronto pra isso, eu não sinto que vocês...

         - Você não acha que eu pensei nisso quando disse sim? Eu pensei e cheguei a conclusão de que ela seria a pessoa e pronto.

         - Então me diz por que nunca fala dela direito? Eu te conheço Benjamin! Da última vez que gostou de alguma mulher, e me refiro a achar atraente, não parava de falar dela. É no mínimo, estranho você se dizer apaixonado a ponto de casar e não ter sentado para falar dela uma vez.

         - Acho que suas apostas em mim não estavam corretas, afinal, me desculpe se estou te desapontando.

         - Não meu amigo, você não está me desapontando, mas sim SE desapontando - aponta para mim - Sabe o que eu acho? – nego – Eu acho que você admira Helena pela pessoa que ela é: uma A-M-I-G-A muito especial. Porém, esse casamento não é por amor e sim por gratidão. Aposto que só aceitou esse pedido para não fazê-la passar pelo vexame de receber um não na frente de todo o hospital.

         - Tá maluco? Eu nunca faria isso!

         - Faria sim! – ri – Se esse pedido tivesse sido feito quando vocês dois estivessem sozinhos, será que a resposta seria a mesma? Já pensou nisso?

         - Acho que sim. Tenho certeza que sinto algo por ela e é algo diferente do que já senti por outras mulheres.

         - É diferente por causa da sua admiração, pois ela, de fato, foi importante em sua vida. Você um dia disse pra mim que queria se casar com uma mulher que te levasse à loucura, te fizesse se sentir como um adolescente bobo, te fizesse agir como nunca agiu antes, te tirasse do sério e te fizesse querer ser uma pessoa melhor. Talvez em Helena você tenha encontrado um atalho para isso, mas será que daqui a 10, 15 anos você vai olhar para essa decisão e não vai pensar que existia alguém mais apropriado para o papel? Será que ela desperta tudo isso em você? Será que não existe ninguém mais no mundo com essa capacidade?

         - E se eu terminar com ela e me arrepender depois?

         - Se for pra vocês se casarem, isso vai acontecer, acredite.

         - E se ela for essa pessoa?

         - Você vai saber se ela for

         - Não sei...

         - O casamento de vocês vai tomar tempo, então só te digo uma coisa: só vá até o fim quando tiver plena certeza. Não pode haver dúvidas nessa decisão, é a sua felicidade e a felicidade dela que estão em jogo. Às vezes, é preciso dar tempo ao tempo para as coisas acontecerem da melhor forma.

         - Eu sei - sento-me ao seu lado.

         - Estou te dizendo isso, pois eu te conheço Benjamin e sei que você nunca se perdoaria se fosse infiel a alguém. Você é um homem decente e só quer ver o bem em todos a sua volta.

         - Tudo bem, obrigado – suspiro.

         - Não precisa tomar uma decisão de cara, tenho certeza que a sua própria cabeça irá te dizer o certo a se fazer, só esteja disposto a ouvir seus pensamentos. Você é um homem inteligente e intuitivo, não se esqueça disso.

         - Você está saindo melhor que outros coaches por aí.

         - É isso que dá ser seu amigo, porém meus conselhos consomem bastante da minha energia e me dão fome, então está na hora do meu escravo, quer dizer, amigo me preparar um belo café da manhã.

         - Eu acho que você deveria contratar alguém para cozinhar para você Vicente, esse monstro que você chama de estômago não é igual aos outros e precisa de comida decente.

         - Eu sei me virar, mas por que vou perder meu tempo cozinhando, quando o meu melhor amigo é um cozinheiro mil vezes melhor que eu e mora a cinco minutos do meu apartamento?

         - Conheço muito bem a sua tática de aumentar o meu ego para conseguir o que quer mais rápido.

         - Se isso vai te ajudar a dormir melhor, então tenho que fazer um esforço, certo?

         - Beleza, eu cozinho, mas ainda vou te convencer a contratar alguém para fazer isso.

         - No dia que conseguir, eu cozinho pra você – pisca o olho.

         - Será que dá pra trocar de prêmio, não estou muito a fim de uma indigestão sabe?

                                                               Maya Costa

         - E aí? Vai querer me contar a verdade por si mesma ou eu posso continuar tirando minhas próprias conclusões? Porque eu tenho quase certeza que estou no caminho certo pela sua cara.

         - Eu não sei se devo...

         - Não tem muito pra onde fugir Maya, estou certa, não estou? – assinto – Se te deixa mais tranquila, eu prometo não contar para ninguém, sigilo médico entre amigas aqui.

         - Tudo bem – respiro fundo e me preparo para a história.

         Conto para ela toda a minha história desde o meu relacionamento anterior a Leandro até hoje. Falo de todas as agressões, ameaças, tudo...

         - O que eu gostaria de entender é por que uma mulher tão forte como você ainda continua aturando isso?

         - No dia que Théo nasceu, existiram milhares de complicações. Ele era tão pequenininho, tão indefeso, tão inocente, que eu prometi o defender de tudo, independente do que iria enfrentar. Para isso, eu não posso negar que ainda preciso da ajuda de Leandro, infelizmente eu não ganho o suficiente para manter uma casa e o tratamento de Théo. O meu filho é a coisa mais importante pra mim e nunca vou deixar de dar a ele o que merece por nada.

         - Mas você sabe que poderia estar dando tudo a ele sem aturar tudo isso, não acha que ele mereça um ambiente mais estruturado?

         - Eu sei, mas foi todo um contexto que me prendeu a Leandro. Eu estava em depressão por perder quem eu pensava ser o amor da minha vida, a família dele me culpava, minha mãe me apoiava e eu já não tinha mais energias para aturar um homem com dor de cotovelo por ter sido negado. Leandro me venceu pela força e pelo cansaço, quando dei por mim já estava presa nessa realidade sem saída com uma criança na barriga e tudo mais. Tentei fugir durante a gestação, mas ele sempre me encontrava e repetia... – engulo em seco e ela assente triste – Se eu fosse realmente forte, teria resistido mais naquela época.

         - Não diga isso, você estava frágil e ele se aproveitou da situação para tomar a sua liberdade. Quando percebeu que seria mais difícil, que a mocinha frágil não era tão frágil assim, partiu para a violência e concluiu o plano nojento.

         - Só de lembrar já me dá uma dor de cabeça.

         - E quando vocês casaram?

         - Nunca fui e nunca serei casada com Leandro, não sou tão burra a esse ponto, ainda mais depois de descobrir quem ele realmente é. Ele já tocou no assunto milhares de vezes, mas já deixei bem claro que isso eu não faço de jeito nenhum.

         - Isso deixa as coisas mais fáceis – ela parecia pensar em algo.

         - Eu preciso me livrar dele e estou disposta a fazer qualquer coisa.

         - Qualquer coisa? – sorri.

         - Sim, mas tenho que ter a garantia que Théo vai continuar 100% seguro, não posso perder o meu filho.

         - Tenho uma proposta, mas você não poderá ser orgulhosa em nenhum aspecto.

         - Qual?

         - Você sabe que minha família não tem dificuldade alguma no quesito financeiro – assinto – Sem contar que meus pais são as coisas mais maravilhosas que existem, então acredito que não negariam ajuda a uma pessoa tão especial pra mim.

         - Eu não entendo como isso pode me ajudar.

         - Eu posso pedir ajuda a eles e você vai para a casa de uma tia minha que fica no interior da cidade. Isso seria algo apenas temporário, pois eu vou tentar uma bolsa de internato fora do Brasil. Se eu conseguir, você vem comigo e estará livre de Leandro.

         - Seu pai ficará chateado comigo, ele vai perceber que eu menti quando pedi demissão.

         - Maya, meu pai te adora! Sempre comenta que você é uma das melhores funcionárias sem contar que eles sabem da minha amizade contigo, eles não mediriam esforços para te ajudar e, com certeza, entenderão os seus motivos.

         - Você está dizendo que a sua família vai manter a mim e ao meu filho?

         - Quando a gente chegar nesse outro local, e estivermos instaladas, deixo você me pagar o que “deve”. Pra mim não precisa, mas eu já percebi como você é orgulhosa.

         - A sua família vai pensar que sou uma aproveitadora!

         - Nunca pensariam isso. Você é a minha melhor amiga, a pessoa que mais me ajudou quando precisei, todos te admiram Maya, nunca pensariam mal pelo simples fato de estar precisando de um pouco mais de ajuda.

         - E se eles denunciarem Leandro? Eu já tentei várias vezes e sempre recai tudo em mim novamente. Ele vai me achar...

         - Eu garanto que isso não vai acontecer. Vai ser somente eu, você e Théo.

         - Quanto tempo eu ficaria nessa casa?

         - Pouco tempo, eu juro! Só tenho que fazer as provas finais das disciplinas teóricas e a prova da bolsa. Acredito ter boas chances, o meu histórico é bom e tenho recomendações de alguns professores importantes. Além disso, meus pais estão animados com a ideia, então já conto com o apoio deles. Cabe a você a decisão Maya, se eu passar, você vai comigo?

         - Vou – digo e ela abre um sorriso.

         - Se prepare, sua vida está prestes a mudar.

         - Você tem noção que Leandro é capaz de mobilizar a polícia inteira a minha procura, não tem?

         - Assim como Leandro tem seus contatos na polícia, meu pai também tem. Você pode se considerar uma mulher livre de Leandro Guerra.

         - Calma, temos que organizar isso com calma, lembre-se que ele não está trabalhando há um tempo e fica bastante em casa.

         - Vocês dormem em quartos separados, certo? – assinto – Deixe todas as suas coisas arrumadas em malas, desse jeito fica mais rápido de pegar tudo quando for acontecer.

         - Do mesmo jeito ainda vai demorar.

         - Quanto mais tempo você ficar em casa, menos tempo ele terá para te procurar depois. Então, por enquanto, fique lá e aguente todos os absurdos e eu vou arrumar tudo com a minha família.

         - Ta.

         - Diga pra Théo que a tia Sophie está prestes a salvá-lo do “homem mau”.

         - Nunca terei palavras suficientes para agradecer o que você está se dispondo a fazer. Literalmente serei eternamente grata.

         - Se você continuar sendo a minha amiga, do seu jeitinho, juro que não existirá nenhuma forma melhor de agradecimento. Você foi a única a me defender na escola quando aqueles idiotas faziam bullying comigo, mesmo quando você também sofria.

         - Eu só estava fazendo o que eu acreditava ser certo.

         - E eu nunca pude retribuir. Você era bolsista numa escola de mimados, fugia de todos os padrões daquela escola e, ainda assim, me defendeu de tudo e todos. Não poderia fazer nada diferente agora.

         - Obrigada – a abraço forte já deixando as lágrimas de emoção escaparem.

         - Não precisa agradecer em nada, a minha tia vai adorar ter um companhia por um tempinho.

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