Capítulo 4 - Uma Nova Amiga

Na manhã seguinte chegou no bordel uma nova meretriz, seu nome era Rute. Jovem, linda e bastante delicada, veio da capital a convite da Madame na pretensão de animar o recinto e fazer novos espetáculos, visto que era uma cantora das melhores boates paraenses. Ao ver a adolescente num dos quartos da casa, quando passava aos aposentos que lhe foi reservado.

 Admirou-se do fato de uma criança estar ali e indagou para aquela que a acompanhava se a menina era filha da patroa. Sabendo de imediato que se tratava de uma desvalida que apareceu por lá de repente, sendo acolhida pela dona do ambiente. Segundo a informação recebida, ela estaria cuidando da garota até que aparecesse algum familiar, mas como uma experiente mulher na vida noturna dos prostíbulos.

 Rute percebeu de imediato a verdadeira intenção da dona do ambiente para com a pobre infeliz, principalmente porque ela mesma foi vítima de situação semelhante, quando foi obrigada a viver num orfanato e sem parentes que a acolhessem  foi violentada e obrigada a se prostituir por muito tempo num ambiente como aquele, para sobreviver.

Tendo seu corpo abusado dia e noite por homens de toda espécie e índoles, como una verdadeira escrava do sexo. Ao ver aquela menina sofrida e prestes a ser abusada sexualmente, sentiu reacender no peito a revolta que pensava já ter superado no decorrer dos anos e decidiu ajudá-la a fugir daquele antro de prostituição, antes que fosse tarde demais.

Naquela mesma noite, após fazer sua apresentação no palco, a cantora pediu encarecidamente a Noêmia, responsável pela administração do lugar, que lhe permitisse conhecer a garotinha linda que avistou num dos quartos ao passar pelo corredor. Tratando-se de alguém importante para o ambiente não lhe foi negado o pedido e logo estava a conversar com a menina. Claro que a curiosa “mão de ferro” permaneceu próxima das duas para ficar a par da conversa.

Mas, Rute foi insistente para que ela lhe deixasse a sós, alegando que nenhum mal faria a garota e que estava apenas querendo lhe dá um pouco de atenção, pois sentia saudades da filha com a mesma idade de quem estava distante e sem vê-la a muitos meses. A história sem fundamentos, pois nem filha alguma tinha, deu certo e elas puderam conversar sem interferências:

 ― Qual seu nome, querida? ―

Sou Walquíria

 — Como você veio parar nesse puteiro imundo, menina, quem te trouxe para esse lugar maldito?

 — É uma longa história, senhora

 — Não se preocupe com isso, tempo é o que mais tenho de sobra para ouvi-la, me conte tudo

 —Vim parar aqui por acaso, eu fugia de casa após acontecer uma grande desgraça

 — Como assim, uma desgraça, o que aconteceu?

 — Eu não conheci meus verdadeiros pais, fui criada como adotiva de um casal que me acolheram, quando fui deixada recém-nascida na porta de sua casa. Minha mãe sentia profundo amor por mim e me criou como uma filha de sangue.

Porém, o esposo dela era um viciado, que também tinha acolhido ela ainda jovem, quando vagava pelas ruas, pois também não conheceu seus pais. Na verdade, foi isso que fez ela me acolher, nossas histórias eram semelhantes

  — Eram? Por que você usou o termo no passado?

  — Minha mãe está morta, senhora, aquele assassino a matou!

  — Nossa Senhora, coitadinha de você, e como aconteceu isso? Me explique!

       — Foi ontem, eu acabava de voltar da escola e me deparei com os dois discutindo.

     Isso era normal entre eles, viviam brigando e ele a espancava bastante. Mas, desta vez, a agressão foi além dos limites e ele a espancou com um pedaço de madeira, minha mãe caiu desmaiada e eu perdi a cabeça… Ela levanta-se e anda em direção a porta do quarto, onde as duas encontravam-se a conversar, e conclui:

 ― Então eu o matei! Cravei uma faca no peito daquele maldito, e o matei, senhora, eu matei aquele monstro!

Rute, percebendo a angústia que dominava o coração despedaçado daquela adolescente vai ao encontro dela e tenta confortá-la com um forte abraço.

 ― Pobre menina, que Deus tenha compaixão de você! Tenha calma, tudo vai se resolver, tudo vai ficar bem, confie em mim. Mas, antes tenho que tirar você daqui, está correndo riscos de vida nessa casa!

  — Como assim, não entendo, Dona Maria dos Anjos parece boa pessoa e acho que pretende me ajudar

  — Mas que inocência a sua, minha querida.

Acha mesmo que uma cobra venenosa como esta, que ganha a vida explorando pobres mulheres desafortunadas teria um só segundo de dignidade para lhe prestar qualquer tipo de ajuda, que não fosse vender sua pureza aos coronéis destas terras?

    —  Desculpe, não estou conseguindo entender suas palavras

    — Quantos anos você tem? ― Quinze, completos!

       — Como pode, nessa idade, ser tão ingênua

    — Não sou ingênua!

    — Claro que é, além da conta!

     — Simplesmente não entendo porque está tão preocupada, fui acolhida nesta casa por pessoas que decidiram me ajudar, com certeza Dona Maria irá me levar até Bragança, onde mora uma amiga de minha mãe

   — Está certo, e ela vai perder a chance de ganhar bastante dinheiro, negociando a sua virgindade para os ricaços fazendeiros desta região? faz ideia de quanto isso vale por aqui, garota?

   — Como entende tanto disso?

   — Acorda, mocinha, você não é a única que não conheceu os pais e teve que ralar na vida para sobreviver

   — Também foi adotada por uma família?

   — Pior que isso, me jogaram como um lixo qualquer na porta de um orfanato. Depois, quando completei dez anos e após viver como um animal de cargas, fazendo todo tipo de serviços pesados naquele inferno, a madre superior decidiu ganhar um bom dinheiro me vendendo pros coronéis.

 E depois de ser usada fui jogada nas ruas, onde para não morrer de fome e ter um teto para morar, tive que passar muito tempo vivendo num prostíbulo como este, sujeitando-me a todo tipo se abusos sexuais de homens que por serem ricos podem fazer o que bem querem de uma mulher desamparada como eu e você. Ao ouvir as declarações de da nova amiga passou a levar mais a sério seus avisos quanto ao risco que estava correndo ali, e demonstrou-se interessada no que ela teria para lhe propor.

 ― Se acha mesmo que estou correndo este risco, neste caso, o que faremos, senhora?

  — Vamos fugir amanhã pela madrugada. Depois de minha última apresentação vou me recolher aos meus aposentos.

 Você precisa encontrar um jeito de esconder-se na floresta antes do movimento no bar encerrar, como não fica trancada no quarto essa parte lhe será fácil fazer

      —  Está bem, farei como diz, estarei lhe aguardando lá

      — Fique na direção onde estão localizados os currais dos animais

      — Mas não sei onde ficam

      — Dê um jeito de descobri, disse que não era ingênua!

Com isso findou a conversa e Rute retirou-se para seus aposentos. A curiosidade de Noêmia era tanta que mesmo de longe observava tudo. Ao ver que as duas haviam terminado a palestra, seguiu as pressas para contar as novidades para a patroa.

  — E foi assim, patroa, elas ficaram conversando por um bom tempo no quarto da menina

  — Mas, porque será que Rute teria tanto interesse nesta garota? 

  — Sei não, patroa, mas achei isso muito esquisito

       — Sem dúvida alguma isso é mesmo muito estranho. Fique de olho nestas duas, Noêmia, precisamos estar alertas para qualquer surpresa desagradável para nossos negócios, afinal, já mandei avisar ao coronel Santiago e seria terrível para minha influência que ao chegar aqui eu não pudesse cumprir com o prometido

  — O que a senhora está temendo que aconteça, que ela possa levar a menina daqui?

— Ela que ouse fazer isso, essa cantora de cabaré não sabe do que sou capaz de fazer contra quem mete o nariz nos meus negócios!

  — Então, pode deixar patroa, ficarei de olhos bem abertos nas duas, qualquer coisa virei correndo lhe avisar!

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