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Pedro estava sendo levado por um táxi até o sítio de sua família. O jovem belo e magro, de olhos azuis e vinte e quatro anos, havia chegado de Londres bem cedo naquela mesma manhã. Para ele, o voo havia sido tranquilo, afinal, dormira a noite inteira.

Ao chegar ao Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, o Galeão, no Rio de Janeiro, logo tratara com um taxista e conseguira que o mesmo aceitasse a proposta de levá-lo pelo preço de quatrocentos reais até Rio Azul, a cidade na Zona da Mata de Minas Gerais onde morava sua família. Após uma viagem de quatro horas, eles já estavam chegando ao seu destino.

Pensando no reencontro com sua mãe e sua família, Pedro observava a vegetação próxima à estrada, sentindo o cheiro de terra molhada e balançando dentro do carro, que chacoalhava por causa dos buracos da estrada de terra. O caminho estava cheio de lama; havia chovido bastante naquela região.

Pedro vira em uma televisão do aeroporto que, nas redondezas de Rio Azul, a situação estava muito difícil e precária. Muitas enchentes e pessoas desabrigadas por causa das chuvas torrenciais que assolavam a região. O jovem estava acostumado às chuvas tipicamente londrinas, mas não às tempestades de verão do Brasil.

Pedro Galardães havia morado durante seis anos em Londres, na Inglaterra. Inicialmente, a viagem era voltada para os estudos. Porém, três anos depois de estar morando no Reino Unido, tentando uma carreira como escritor, enviou seu livro “Who killed Dr. Murray?”, escrito totalmente em inglês, para diversos agentes literários. Foi quando sua sorte lá mudou. No momento em que seu original caiu na mesa do agente Bob Mathews, os dois fecharam contrato.

Quatro meses depois, a obra estava nas livrarias e também na internet. Em pouco tempo, já era um sucesso comercial de vendas. A história do assassinato do doutor Murray cativara os britânicos e até chegara a ser comparada com obras de Agatha Christie pelos jornais – ou pelo menos havia potencial futuro para ser comparado à Rainha do Crime, segundo a crítica.

            Apenas dois anos após o sucesso de seu livro, uma editora brasileira decidiu investir na publicação da versão em português da obra de Pedro no Brasil. A editora fizera uma proposta: além de publicar Quem matou o Dr. Murray?, a editora queria a volta de Pedro ao Brasil para melhor divulgar a obra e ajudar em seu lançamento.

            Ambas as editoras, assim como Bob, estavam interessadíssimas em um novo suspense do brasileiro, mas todos concordaram em esperar. Assim, ficava subentendido que Pedro retornava ao Brasil não só para acompanhar o processo editorial de seu livro em português, mas também para produzir um novo sucesso.

            O escritor, todavia, não gostava nem um pouco da pressão que recebia principalmente de Bob, mas imaginava que passar um tempo no sítio de sua família lhe ajudaria a esquecer a pressão e até, quem sabe, escrever mais um livro, que era tão esperado.

            Dentro do carro, o jovem apontou para um portal próximo da estrada, onde estava escrito Sítio Galardães.

            — É ali, Silveira — informou.

            O taxista fez um “OK” com a mão e girou o volante para virar com o carro e entrar à direita na propriedade.

            Pedro olhou a casa ao longe: continuava a mesma de sua memória. Era uma casa de dois andares, pintada de amarelo com madeiras em todas as extremidades. Ficava em cima de uma pequena colina rodeada por um círculo de pedras. Uma estrada de pedrinhas com várias árvores nos dois lados levava até a construção tipicamente mineira.

Quando Silveira, o taxista, parou perto da residência, a primeira figura que apareceu na varanda do casarão foi Tomás, primo de doze anos de Pedro. O garoto de cabelos escuros sem penteado algum, bochechas rosadas, olhos bem escuros, magro e de roupas de marca entrou na casa, provavelmente indo avisar da chegada do primo.

Tomás tinha uma única irmã, Suzana, de vinte anos, e era filho de Sérgio, tio de Pedro, que falecera junto da esposa Delma em um trágico acidente de carro indo para Belo Horizonte durante a noite. Eles iam até a sede da Gal, a empresa da família, na capital do estado de Minas Gerais quando o pior aconteceu.

O choque fora terrível para toda a família Galardães. Pedro estava em Londres e viera para o funeral. Ele nunca vira seu avô, Sebastião, tão triste. Apesar de já terem se passado três anos, a família ainda se recuperava. Tomás e sua irmã passaram a morar em Rio Azul depois do acidente.

Pedro olhou então para cima e viu, no segundo andar, sua mãe Malena na janela. A bela mulher sorriu; “como continua linda”, pensou o escritor. Tinha lábios finos e vermelhos. Seus cabelos lisos e castanhos vinham até um pouco abaixo dos ombros, em perfeita harmonia com sua pele clara. Seus olhos azuis brilhantes eram os mesmos do filho Pedro.

O jovem escritor saiu do táxi e levantou sua mão, saudando a mãe, que saiu da janela. O taxista saiu do carro logo depois, indo tirar as malas do porta-malas.

— Não precisa se preocupar, Silveira. Vamos entrar primeiro, não quer tomar um café, comer alguma coisa? — indagou Pedro.

— Não, obrigado, jovem. Eu tenho que voltar logo pro Rio, ainda hoje — explicou o homem. — Mas será que eu posso ir rapidinho ao banheiro?

— Claro. Vamos entrar que eu lhe apresento minha família — disse Pedro.

Os dois subiram os degraus de pedra que os levaram até o varandão. Logo quem veio de dentro da casa foi Rosário, a outra tia de Pedro, uma mulher baixa de nariz pequeno, sorriso largo e cabelos escuros pintados para deixá-los ruivos. A mulher tirou seus óculos e colocou as duas mãos no rosto do sobrinho.

— Mas como cresceu este menino! — exclamou. — Já tem o quê? Vinte e seis anos?

— Vinte e quatro. Ainda faltam alguns meses para completar vinte e cinco — falou, dando um beijo em cada bochecha de sua tia. — Silveira, esta é minha tia Rosário.

— Prazer — cumprimentou o taxista, encabulado.

Tomás apareceu atrás de sua tia, levantando o polegar para o primo.

— E aí, Tomás, beleza? — perguntou o Pedro. — Tudo certo, primo?

— Tudo, primo — respondeu.

A atenção de Pedro voltou-se para o som de um salto a bater no chão de tábuas de madeira de dentro do casarão, seguido de uma voz feminina:

— Olha só, meu escritor preferido aqui em minha casa!

Malena apareceu na varanda com seu ar totalmente majestoso e maquiagem perfeita. Até seus movimentos pareciam denotar que ela havia saído da Semana de Moda de Milão. A postura equilibrada e elegante não deixava dúvida de que ela era integrante das mais alta sociedade mineira. A mulher, sorrindo discretamente, estendeu seus braços para Pedro e abraçou-o bem forte para sentir o filho que por tantos anos estivera fora do país. Estava aliviada por novamente tê-lo em seus braços.

— Meu filho! Você não sabe como senti saudades! — falou ela, abraçando-o apertado. — Aquelas ligações nunca me satisfizeram.

— Mãe, também senti muitas saudades, você não tem ideia! Que saudade! Eu falei para você comprar um computador, assim poderíamos falar melhor, não é mesmo?

— Você conhece seu avô — falou ela, desvencilhando-se dos braços do filho e olhando melhor para seu rosto adulto. — Foi um milagre ele ter permitido que tivéssemos um telefone aqui em casa.

Pedro revirou os olhos. Seu avô Sebastião não permitia que nenhuma tecnologia estivesse presente na casa: não havia televisão, computador nada disso. Apenas utensílios básicos, como a geladeira e o telefone.

— Fico muito feliz por tê-lo de volta — declarou Malena.

— E eu por estar de volta — respondeu Pedro. — Mãe, este é Silveira, que me trouxe aqui. Silveira, esta é minha mãe Malena.

— Encantado — falou o taxista, apertando a mão de Malena com vigor.

Pedro foi adentrando a sala e foi tomado pelo odor característico dos móveis coloniais do casarão — móveis de madeira, sofá de couro e tapetes importados. O sítio parecia o mesmo da época em que Pedro morara ali. Um portal separava a sala de estar da sala de jantar, que poderia ser vista com sua mesa larga com mais de dez cadeiras.

Quem estava sentada em uma das poltronas de couro da sala, lendo um livro, era Maria, outra prima de Pedro, única filha de Rosário. A menina tinha seus dezesseis anos, prendia seu cabelo em um rabo de cavalo e usava roupas muito comportadas e formais.

— Olá, Maria, tudo bem? — perguntou Pedro, dando um beijo em sua testa.

— Sim, Pedro, como foi sua viagem? — perguntou ela, sem nem tirar os olhos do livro que lia. — Algo me diz que você dormiu como sempre.

— Exatamente, dormi o tempo todo. Não tinha nenhuma turbulência em meu sonho. Silveira, o banheiro é por aqui, pode entrar — Pedro indicou o corredor. — É a primeira porta à esquerda.

O taxista agradeceu e foi andando até o banheiro. Pedro sentou-se no sofá de couro, descansando da viagem.

— Meu pai está aí? — perguntou o escritor.

— Vladimir está em BH resolvendo assuntos da empresa. Eu e Rosário ficamos aqui de folga. — respondeu Malena, sentando-se na poltrona da sala.

O pai de Pedro, Vladimir Valerius, nascido polonês e naturalizado brasileiro após casar-se com Malena, estava no comando da Alfaiataria Gal, junto de Malena e Rosário, após o falecimento de Sérgio, antigo presidente do negócio.

— Mas ele deve vir ainda esta semana — falou Maria, sem desgrudar os olhos do livro, mostrando que ainda estava prestando atenção no que acontecia no cômodo. — Ele foi semana passada para lá, deve estar voltando depois de amanhã.

— Ah! Quase ia me esquecendo — falou Malena. — Pedro, você vai dividir o quarto com Tomás, escutou?

— Ah, tia! — reclamou Tomás, jogando-se no sofá. — Por que Maria e Suzana tem que ter quartos só para elas e eu tenho que dividir o meu?

— Por que você é menino e elas são meninas. Precisam de espaço — explicou Rosário.

— Sei — falou irônico. — Tia, posso ir para a casa do Marcos?

— Não antes do almoço, depois você pode — respondeu Malena. — E não deixe seu avô saber: ele não gostará nem um pouco se descobrir que você está indo para casa de amiguinho usar... computador.

Tomás ficou com expressão fechada e suspirou de irritação. Não compreendia a aversão de seu avô à tecnologia.

 Silveira saiu do banheiro e Pedro levantou-se, tirando a carteira do bolso e pegando o pagamento do taxista.

— Aqui está, Silveira, muito obrigado pela viagem, sim? — disse ele, entregando o dinheiro.

— Obrigado a você, Seu Pedro! Vou pegar as suas malas e deixá-las na varanda.

O taxista retirou-se da sala e Pedro, virando-se para sua mãe, indagou em tom sério:

— E meu avô? Como ele está?

Malena trocou olhares com a irmã Rosário. Maria parou de ler seu livro, mas continuou mantendo-o aberto nos braços: fingia ainda estar lendo para prestar mais atenção na conversa.

— Ele está indo — Rosário limitou-se a dizer.

— Mas ele piorou? Mãe, tia, vocês tem que falar se qualquer coisa estiver acontecendo — pressionou Pedro.

— Ele está mais fraco. Não é o mesmo que você viu quatro anos atrás, no enterro de seu tio, mas certamente ainda tem algumas forças. Por mais que usemos todos os métodos que conhecemos e todas as ciências existentes, não há como frear a doença dele.

— Então a situação está difícil — concluiu Pedro.

Rosário confirmou com a cabeça, com o olhar triste.

— Por favor, não tenham pudor em falar disso comigo. Eu posso lidar com isso, de verdade — pediu o jovem.

— Talvez nós é que não possamos lidar tão bem quanto você — lamentou Rosário, levantando-se e contendo uma expressão de choro.

— Seu Pedro, coloquei as malas aqui na varanda — falou Silveira, entrando na sala. — Eu vou indo porque minha esposa está me esperando lá no Rio, ainda vou para Santa Cruz. Até mais, prazer conhecer vocês.

O clima estava um pouco pesado, até o Silveira percebera quando entrara para se despedir. Com a fala do motorista, o clima ficou mais descontraído. Maria voltou a ler seu livro.

— Boa viagem, senhor Silveira — disse Pedro, dando um tchau.

Rosário manteve-se onde estava, virada de costas olhando a janela.

— Tomás, vá ver com a Albinha se o almoço está pronto — mandou Malena.

— Albinha ainda está aqui?! — exclamou Pedro. — Vocês nem me avisaram! Vou falar com ela.

O jovem escritor levantou-se e foi atrás de Tomás para a cozinha.

— Ainda estamos como duas molengas emotivas... em relação a papai... — falou Malena para a irmã.

— O pior, minha irmã, é que, mesmo com todo o nosso poder, nada nos foi útil — reclamou a ruiva, quando Pedro já não estava mais a vista. — E tudo começou com a mamãe, você sabe. Sua morte abalou demais nosso pai. E depois o Sérgio, a Delma, aquela tragédia... Daqui a pouco, será ele, coitado. Ele sempre manteve nossa família tão unida. De vez em quando, eu não gosto nem de ir ao seu quarto. Mesmo com a Essência, não conseguimos fazê-lo melhorar...

— Por que não podemos vencer a morte, mesmo com Essência. É inevitável, devemos aceitar — discursou Malena, também emotiva. — Sei que o fato de termos a Essência parece só intensificar a nossa impotência.

— Parece até que a Essência não serve de nada...

— Mas veja quantos anos nosso pai já enfrentou: doze anos. E ele descobriu o câncer em estado avançado. Sem a Essência, ele já teria ido há muito tempo.

— Volta e meia, acredito que isso só o faz sofrer mais — lamentou Rosário.

— Pelo contrário, minha mãe — opinou Maria, finalmente deixando o livro de lado — O que o fará sofrer mais é você não ir ao quarto dele como você disse que não gosta de fazer.

            Sebastião estava deitado em sua cama quando a porta do quarto foi aberta. Com esforço, seus olhos abriram-se para ver quem entrava no aposento.

            — Vovô? — falou Pedro.

            Após dar calorosos abraços na empregada que por tanto tempo cuidara do jovem Pedro, o recém-chegado agora ia ver o patriarca Galardães. A passos lentos, como se temesse descobrir em qual estado estava o seu avó, Pedro aproximou-se da cama onde o velho estava deitado, observando o rosto de Sebastião vagarosamente mover-se para o lado para encarar o visitante.

            — Ora, olá... Pedro? Oi, meu neto — balbuciou com o sotaque português, com a velocidade de sua fala melhorando a cada palavra, como quem despertava do silêncio. — Tu chegaste de Londres? Muito bem... Fala com tua mãe para ela aprontar um quarto para ti. Fico feliz que tenhas voltado.

            — Já está tudo arrumado, pai! — disse Rosário, entrando no quarto. — Não é bom ele ter voltado? Só espero que não traga junto os costumes de lá, por aqui temos os nossos, não é?

            — Nem são costumes tão diferentes, até porque vocês sempre tomam café às cinco horas, lá é chá...

            Sebastião deu uma tossida curta, tentando impedi-la de vir à tona. Pedro olhou-o novamente e perguntou, segurando a mão do avô.

            — Como você está se sentindo?

            — Estou indo. Meu tempo já passou, estou aqui apenas zelando pela família em minhas preces.

            — Não diga isso, meu pai — repreendeu Rosário. — Vamos, Pedro, deixe seu avô descansar, vamos. Ele precisa pegar um sol.

            A mulher foi abrindo as cortinas da janela acima da cama de Sebastião, fazendo os raios luminosos atingirem sua colcha e esquentá-lo. Quando Pedro saiu do quarto, Rosário fechou a porta.

            No corredor, o jovem hesitou, encostou-se na parede. Seus pensamentos estavam a mil. Seu avô estava realmente pior. Ainda conseguia falar e raciocinar, mas com extrema dificuldade; com esforço o reconhecera — e talvez nem tivesse, talvez alguém lhe tivesse dito um pouco antes que era ele, Pedro, quem estava chegando. Era questão de meses até que as frases de Sebastião já não fizessem sentido. A degradação era exponencial.

            Não que Sebastião não tivesse tido uma vida saudável. Na verdade, ele já tinha pouco mais de oitenta anos, vivera bem até desenvolver o câncer. Só que, para Pedro, era um impacto grande ver a vida de um homem esvaindo-se, caindo-lhe dos dedos de uma mão que não tem mais forças para segurar. Tinha construído uma relação normal avô-neto, mas vê-lo naquela condição de fragilidade era como lembrar que a morte ainda existia. Era como ver que a morte consumia; dessa vez, consumia o seu avô. Poderia ser egoísta, mas era, acima de tudo, a dor de lembrar que, algum dia, seria ele o consumido.

            Dentro do quarto, Rosário dirigiu-se para o pai.

            — Assim está melhor? Vai ficar quentinho agora. Não quer levantar?

            Sebastião resmungou algo inaudível, fechando os olhos.

            — Seu tempo não passou, pai. Se lutar contra isso, você conseguirá esquecer a dor — Rosário tocou-lhe o pescoço e um fiapo de luz azul saiu de seu dedo indicador e percorreu o pomo-de-adão de Sebastião até entranhar-se em uma veia. — Resista, entendeu bem? Todos nós o queremos aqui, vivo.

            Sebastião sentiu o fiapo adentrando seu corpo. Um alívio percorreu seus membros, uma fagulha de esperança para resistir. Ele não sabia se era a Essência pura ou o produto dela — ele nunca entendera nada disso. Sabia apenas que, ao mesmo tempo em que dava-lhe um alívio, aquilo retardava a sua doença e mantinha-o ali vivo, preso àquela cama.

            Pedro adentrou seu antigo quarto, agora usado por seu primo Tomás. Colocou sua mala em cima da cama e sentou-se, olhando o cômodo no qual dormira desde sua infância até ir para Londres. O quarto continuava basicamente o mesmo: em uma parede, havia um armário colonial de madeira, grande e robusto; em outra, havia uma mesa larga e acima dela duas prateleiras com antigos livros de Pedro e alguns livros de Tomás, sendo alguns escolares. No canto do quarto, havia duas camas em “L”, uma sob a janela, a outra abaixo de um pôster grande de uma dama deitada.

            Fora Pedro quem havia pregado aquele pôster à parede. A mulher deitada era uma modelo, Lara Dolphay, que o jovem muito havia admirado — e continuava admirando. Lara encontrava-se deitada com um vestido preto e o peito aberto, os braços atrás do travesseiro e as pernas unidas elegantemente. Parecia que a modelo se entregava com decoro a alguém e Pedro sempre sonhara que esse alguém era ele.

            Ao lado do pôster de Lara, havia dois novos pôsteres, um de Harry Potter e um de Assassin’s Creed, um jogo de Playstation. Havia sido Tomás quem colocara ambos. Após o falecimento de seus pais, o menino Tomás havia saído de BH, onde morava, para ir morar com as tias no Sítio Galardães. O quarto de Pedro tornara-se o seu quarto.

            Pedro deitou-se na cama por cima da mala, estendendo a mão para o pôster da Lara, como se a tocasse mentalmente. Sentira falta dela. Não especificamente daquele pôster ou daquela imagem, mas do ar de aconchego que o Sítio trazia para si. Londres poderia ser uma cidade de Primeiro Mundo, com uma vida moderna, agitada e até badalada, mas jamais acolheria de forma tão calorosa como o seu lar. Fora naquela propriedade mineira que Pedro nascera e crescera. Agora, retornava a ela.

            O jovem espreguiçou-se; sentou-se novamente na cama, abriu a bolsa que trouxera como bagagem de mão e tirou o notebook de dentro, colocando-o em cima da mesa. Era aquele o seu instrumento de trabalho. Muitos escritores tinham preferência pela escrita à mão, envolvendo a contemplação da caneta ou do lápis manchando de tinta ou deixando o grafite na folha com a própria letra do autor. Outros, principalmente na Inglaterra, ainda usavam-se de máquinas de datilografar, tendo como resultado uma folha pronta com letras de forma, mas ainda assim suscetíveis ao erro por parte de principiantes e até profissionais datilógrafos.

As máquinas e a escrita à mão tinham todo um processo retrô que dava um ar de maior trabalho e cuidado com a palavra. Pedro, contudo, preferia a praticidade de escrever diretamente no notebook, podendo revisar todas as suas frases no momento em que conviesse. Afinal, não era o meio pelo qual se escrevia, mas o seu conteúdo que realmente importava.

            Nesse momento, Tomás entrou no quarto, olhando para o primo e sua mala em cima da cama.

            — Tia Malena disse que separou metade do armário para você colocar suas coisas.

            O menino abriu a porta do móvel colonial e observou que suas roupas preenchiam todo o espaço da direita do armário, enquanto o espaço esquerdo estava completamente vazio.

            — Você pode colocar as suas roupas aí. Trouxe tudo nessa mala?

            — Tudo o que eu vou precisar.

            — Ok. Então o lado direito é meu e o esquerdo é seu. Se quiser mais, aí você fala com a Suzana que ela pode guardar algo no quarto dela, mas algo que você não vá precisar pegar toda hora, né.

            — E a Suzana, onde está?

            — Está lá no campo cavalgando — respondeu Tomás.

            Pedro olhou pela janela. O campo era como a família chamava a parte da propriedade além do casarão, onde havia a horta cultivada por Albinha, o estábulo e um campo aberto. Se Suzana, a irmã de Tomás, estava cavalgando, fazia-o no campo aberto.          

            Pedro abriu sua mala e começou a retirar suas roupas e colocá-las nas gavetas. Passou algum tempo arrumando seu lado do armário até um berro ecoar pelo corredor: era sua mãe anunciando que o almoço estava servido.

           

            Na sala de jantar, todos estavam à mesa, exceto Suzana. O almoço era farto, mas ninguém começou a se servir. Pedro levantou-se para colocar seu arroz, mas sua mãe o interrompeu.

— Pode deixar que eu lhe sirvo — disse.

Por um segundo, Pedro esquecera como funcionavam as coisas ali. Malena, a matriarca da família, servia todos os jovens à mesa e depois arrumava o seu prato, seguida de Rosário. Aquele era um costume herdado do tempo em que a avó de Pedro, Sophia, servia todos à mesa e somente depois disso se servia. Era uma questão de decoro e tradição entre os Galardães.

— Tomás, você não chamou sua irmã para almoçar? Ela vai comer frio! Já esperamos demais por ela — falou Malena. — Quer feijão, meu filho?

Pedro fez que sim com a cabeça.

— Ela está no campo, tia — disse Tomás.

— É isso que dá ir andar a cavalo antes do almoço — queixou-se Malena.

— Melhor antes do que depois — retrucou Rosário. — Depois do almoço é que não se pode cavalgar. Faz mal à digestão.

Malena concordou e terminou de pôr o prato de Pedro, passando para o de Tomás. Todos esperavam aparentemente pacientes, mas eram denunciados pelos olhos que, ansiosamente, pareciam devorar a comida.

Albinha voltou da cozinha com um pequeno prato nas mãos. Colocou-o à frente de Tomás. Era uma porção especial de batata frita para o menino, que agradeceu.

Suzana adentrou a sala de jantar. Pedro, boquiaberto, levantou-se sorrindo para cumprimentá-la.

— Mas minha prima está linda por demais! — exclamou, rindo e abraçando-a.

Suzana havia desabrochado, seus traços delicadas do rosto formavam um dos sorrisos mais bonitos que Pedro já vira. Seu cabelo estava amarrado em um coque por baixo do quepe e ela Vestia uma camisa polo vermelha e botas de equitação; era uma visão estonteante, mesmo com trajes simples.

— Ah, obrigada, Pedro. Você também já está um homenzarrão — respondeu a jovem, tirando o quepe e colocando-o sobre uma mesinha próxima à parede.

— O almoço já está pronto há muito tempo. Ficou pronto uma e meia — anunciou Malena.

— Foi descuido meu, tia — limitou-se ela a dizer.

            Quando todos já estavam servidos e comiam, Pedro falou:

            — A estrada estava toda cheia de lama, mas conseguimos chegar. Vi no aeroporto que a região está debaixo d’água.

            — No entanto, hoje o dia está claro — falou Maria.

            — Pois é, agora vai melhorar. Tem chovido muito nos últimos dias — completou Rosário.

            — No noticiário do aeroporto, a previsão era de que a situação pioraria hoje. Já ocorreram algumas enchentes em Santa Rita, mais para baixo de Rio Azul. No lado do Estado do Rio, já ocorreram deslizamentos — informou Pedro.

            — O rio Azul subiu bastante também, você reparou quando passou pela cidade? Não inundou nenhuma das casas perto da sua margem, mas chegou bem próximo. Mas o noticiário falou errado. A situação vai melhorar, as nuvens já se dissiparam hoje de manhã. Olhe só o sol aí — falou Malena.

            — O campo estava tranquilo de cavalgar, Suzana? — indagou Pedro.

            — E você já viu algum acre desse sítio comprometido por chuvas? — replicou Suzana, graciosamente sarcástica.

            Malena trocou um olhar com Rosário tão rapidamente que Pedro nem percebeu.

            — O que você quer dizer? — perguntou o jovem, ainda curioso.

            Malena olhou para Suzana, que desviou o olhar, disfarçando um pouco.

            — Ah, você sabe, a terra aqui é bem cuidada pelo caseiro. Mesmo chovendo.

            Logo Rosário mudou de assunto, falando que o caseiro, marido de Albinha, tinha adotado mais um cachorro. Agora eram sete no total. Mais um cachorro abandonado na praça de Rio Azul que o caseiro levou para sua casa para poder cuidar.

            O caseiro tivera uma mulher, já falecida, e seus dois filhos foram para Juiz de Fora, trabalhar. Restavam-lhe os cachorros como família. Os Galardães só se preocupavam mesmo com o fato do caseiro gastar demais com os cachorros; temiam que lhe faltasse à mesa. Nada que eles não pudessem ajudar, caso fosse preciso.

            O almoço prosseguiu sem mais delongas. Pedro apreciou cada garfada que dava, relembrando o tempero que por anos deixara de saborear em Londres. Por mais que houvesse restaurantes brasileiros lá, nenhum se comparava à verdadeira comida mineira que Albinha preparava.

            A sobremesa foi um doce de leite calhado que fez Albinha passar três horas em frente ao fogão apenas mexendo para poder fazer o doce. Era o preferido de Pedro e fora feito em sua homenagem.

            Depois de comer, todos se retiraram para os seus quartos, provavelmente para dormirem, como era de costume. Enquanto Tomás montava um quebra-cabeça de 500 peças no chão do quarto, Pedro ligou o notebook e acessou a lenta internet através do aparelho 3G que comprara no Rio de Janeiro, pois sabia que no sítio não havia computador ou internet.

            A primeira coisa que fez foi entrar em um site de notícias. Era um costume seu; todo dia entrava em um site de notícias. Em Londres, costumava entrar no site do The Guardian. Em Rio Azul, entrou em algum site qualquer de notícias e, dentre os artigos, clicou em um link sobre o tempo na Região Sudeste. O artigo era uma espécie de retratação.

  Frente Fria se dissipa e Zona da Mata Mineira se recupera das enchentes

Camilo Alves, 15/01

  Na madrugada de hoje, a Frente Fria que vinha do Atlântico Sul se dissipou da região de Juiz de Fora e passou para o Sul da Bahia, em menor tamanho. Até ontem à noite, a perspectiva era de que as chuvas continuassem, mas hoje as previsões apontam céu claro com poucas nuvens. Os metereólogos avaliaram que uma zona de alta pressão atípica teria expulsado as massas de ar que estavam sobre a Zona da Mata de Minas Gerais.

  A região vinha sofrendo com chuvas de verão provocadas pelo encontro da Frente Fria do Sul e da Frente Quente da Amazônia. Juiz de Fora registrou um volume de água superior ao esperado para os meses de janeiro a maio. Em Santa Rita de Atalaia, mais de 40% das construções próximas ao leito do Rio Azul, afluente do Paraíba do Sul, foram destruídas por enchentes. As chuvas também atingiram a Serra Fluminense e seus municípios de Nova Friburgo e Cordeiro, já afetados em anos anteriores por chuvas na época de janeiro.

  As autoridades locais discutiram a imposição de novas regras às construções irregulares e os Governadores de Minas Gerais e do Rio de Janeiro disseram que apresentarão ainda essa semana novos planos de ajuda aos afetados pelas enchentes e catástrofes causadas pelas chuvas.

           

            Sua mãe e sua tia estavam certas, pois o noticiário que Pedro vira no aeroporto logo quando chegara ao Rio de Janeiro havia informado de maneira equivocada que a situação tenderia a piorar. Entretanto, as nuvens haviam se dissipado para outra região. Sorte de Pedro, pois ter uma chuva no primeiro dia de volta ao Sítio Galardães não seria nem um pouco animador.

            Pedro deu mais uma olhada em outras notícias. Uma delas era de economia, sobre uma reunião do Banco Central Europeu com o FMI em busca de novas medidas de contenção da crise da Zona do Euro. Uma outra era de fofoca, sobre a separação de dois atores estadunidenses famosos e sobre a luta na Justiça pela guarda de seus filhos.

Depois de também checar sua caixa de e-mails, Pedro desligou o notebook e deitou-se na cama, tirando os sapatênis e deixando-os cairem no chão, sem que caíssem perto do quebra-cabeça que Tomás montava.

— Você podia me ajudar aqui — falou Tomás.

— Vou descansar um pouco. Se quiser, mais tarde eu o ajudo — respondeu Pedro.

— Mais tarde eu faço outro então.

Pedro olhou então para o pôster de Lara Dolphay, imaginando como ela era perfeita. Como eles poderiam ser felizes juntos. Como ela era diferente de Holly.

Droga, Pedro lembrou-se de Holly. Tentara manter o pensamento afastado dela o máximo que podia, mas naquele instante ele não conseguiu evitar. Lembrara-se da existência de sua decepção amorosa. Lembrara-se da única mulher que já o tinha feito sofrer; chorar, até. Ela havia sido outro motivo para o seu retorno. Na verdade, talvez tivesse sido o principal.

Depois de terminarem, parecia insustentável para Pedro continuar indo nos lugares que costumavam ser dele e de Holly; tomar café na mesma cafeteria de antes, beber algo no mesmo pub de antes, andar pelas mesmas ruas de antes. Era demais para ele, eram muitas lembranças.

Londres era gigante: havia várias ruas, vários pubs, várias cafeterias. O problema era que Pedro continuava indo aos mesmos lugares, como se não quisesse esquecer ao mesmo tempo em que sofria por não esquecer. Era preciso dar um basta. Voltar para casa, esfriar a cabeça, pensar direito, superar.

Assim, dois meses depois do término do namoro, Pedro voltava para o Brasil. Estava despedaçado? Talvez. Entretanto, ele não queria pensar nisso, não queria ver o quanto havia sido afetado. Seria como admitir que havia sido afetado. O que ele queria era continuar com sua vida. Por isso, focou-se em Lara Dolphay, que ali estava, em sua parede, deitada para ele. E como ela estava lindamente deitada. Ela era perfeita, pensou Pedro. Lentamente, o sono foi se abatendo e o jovem adormeceu com a imagem da modelo ainda em sua mente. Enquanto ela estivesse em seus pensamentos, Lara seria a sua namorada ideal.

           

Quando Pedro acordou, já estava caindo a noite. Olhou para o chão e viu a metade da cidade de Praga montada no quebra-cabeça de seu primo. Ele ainda não havia terminado, faltava a outra metade. O escritor desceu as escadas e encontrou todos reunidos ao redor da mesa, lanchando.

— Sente-se conosco, Pedro — disse Rosário. — Temos aqui broa, pão, queijo minas e café preto. Temos também umas rosquinhas muito boas

O jovem sentou-se, ainda um pouco sonolento.

— Eu apaguei — comentou ele.

— Não é por menos, depois de tantas horas viajando de Londres ao Rio e de lá até aqui — disse Malena.

— Antes de dormir fui ver na internet sobre o tempo. Eles falaram que formou-se uma zona de pressão atípica — disse Pedro, tossindo levemente.

— “Atípica”, eles dizem. Eu diria “não sabemos explicar” — declarou Suzana.

— Essas coisas estão mais comuns hoje em dia. Não sei o porquê. Esse tempo aí está maluco, revirado — opinou Malena. — É esse aquecimento global dos infernos alterando tudo. Chuvas, secas; é uma maluquice. Quer uma broa, Pedro?

Enquanto Pedro comia um pedaço daquela broa deliciosa servida pela sua mãe, Maria perguntou-lhe, mudando de assunto:

— Meu primo, e o seu livro? Você já tem a ideia para uma continuação?

— Estou amadurecendo a ideia, na verdade. Acho que passar um tempo aqui poderá esclarecer as coisas.

— Você tinha dito que eles estavam fazendo muita pressão lá na Inglaterra — lembrou Malena.

— A pressão maior vem do Mathews, que queria que eu assinasse um contrato para trabalhar como escritor de maneira fixa para a Tomes, a editora de lá. Ele queria que eu tivesse prazos definidos e estivesse aberto às possibilidades de escrever qualquer história que a Tomes me incumbisse de escrever. Eu não gosto disso, por essa razão não quis. A obrigação torna a escrita muito mecânica e comercial, ao meu ver.

— Mas também impede que você enrole a editora, não é? — acrescentou Malena; Pedro concordou com a cabeça. A última coisa que queria era enrolar alguém, mas ele sabia que o momento certo para escrever não vinha tão facilmente. — No fim, Pedro, um escritor profissional deve trabalhar com prazos, não é isso que você quer ser?

O escritor não respondeu. Ele simplesmente não gostava da pressão sobre ele.

Terminado o lanche, todos se levantaram. Malena e Rosário começaram a retirar os pratos da mesa enquanto Suzana subia para o seu quarto e Maria ia para a sala. Tomás pediu a Pedro que o ajudasse no quebra-cabeças como prometido e os dois foram retornando para o quarto.

No momento em que passava para o corredor, Pedro viu sua prima Maria deitada no sofá, lendo um livro diferente daquele que lia quando ele chegara.

— A Divina Comédia? Pensei que estivesse lendo Dom Casmurro — falou ele, parando perto do batente da porta.

— Já estava terminando aquele hoje de manhã. Comecei a ler Dante essa tarde — disse ela, novamente sem tirar os olhos do livro.

— E o que achou? Capitu traiu ou não? — indagou.

Uai, é pessoal, você sabe. Mas eu acho que ela é apenas uma mulher mal compreendida pelo marido. Para mim, não houve traição — argumentou Maria, finalmente baixando o livro em seu peito e olhando para Pedro.

— Já eu tenho minhas dúvidas e aposto no contrário.

­— A malícia está nos olhos de quem vê — falou Maria.

Pedro riu alto e foi saindo da sala de estar, mas não sem antes dizer:

­— A inocência também, minha prima.

            Ao voltar para o quarto, Pedro e Tomás terminaram a figura de Praga no quebra-cabeça. Depois, ainda conversaram um pouco e jogaram um jogo de cartas. Tomás mostrou-lhe os jogos de playstation que possuía, dentre eles o jogo do pôster pregado na parede. Não eram jogos novos, tinham mais de três anos, da época em que o menino ainda vivia com seus pais. Eram jogos que ele não mais podia jogar, uma vez que vivia agora no Sítio Galardães, sob a recusa de Sebastião às mais recentes tecnologias.

            Na realidade, a tal aversão do velho Galardães era sustentada por suas filhas Malena e Rosário, que não o questionavam. Como as duas estavam constantemente em Belo Horizonte, na Alfaiataria Gal, a falta de tecnologia na casa não as afetava muito, mas parecia uma tortura para os irmãos Tomás e Suzana. Maria, por sua vez, encontrava alento nos livros.

            O resto da noite passou rapidamente. Pedro permitira que Tomás usasse seu notebook e logo depois o menino foi dormir. O escritor também se arrumou para ir dormir, mas sentia sua garganta seca. Por isso, saiu do quarto para buscar um copo d’água.

            A casa já se encontrava em silêncio. Pedro desceu as escadas com cuidado, pois todas as luzes já estavam apagadas. Foi até a cozinha, encheu um copo com água e percorreu o corredor novamente, parando em frente à porta da sala de estar para observá-la sutilmente iluminada pela luz que vinha de fora. Atravessou a sala e chegou até a janela, olhando para o céu repleto de estrelas. A lua reinava majestosa e cheia em meio aos pontinhos brilhantes, parecendo até estar maior.

            No campo, além do círculo de pedra que rodeava a colina da casa, os grilos crilavam e outros insetos chiavam. Alguns sapos até coaxavam de tempos em tempos, de olhos arregalados e atentos à movimentação. Talvez fossem rãs, mais comuns ali. Os mosquitos, felizmente, nunca foram problema no sítio e nenhum incomodou o escritor.

            Mais além do campo, perto da mata e dos bosques da fazenda, estava a casa do caseiro, onde também imperava o silêncio naquele momento. Na casinha dos cachorros, não se escutava nenhum latido. Deveriam todos estar dormindo. Foi nesse momento, imerso na contemplação da paisagem do sítio, que Pedro viu algo que o fez aguçar os olhos e franzir a testa. Um grande vulto passou perto da casa do caseiro. Pedro não tinha certeza se havia visto corretamente, mas precisava verificar. Que diabos seria aquilo?

            O jovem rapidamente deixou o copo d’água em uma mesinha e saiu da sala de estar pela porta principal, percorrendo a varanda para sair do casarão.

            — O que está fazendo, primo? — inquiriu uma voz feminina. — Onde está indo?

            Pedro virou-se e viu que a voz vinha de sua prima Suzana, imersa nas sombras da varanda, sentada em uma poltrona grande e acolchoada. Estava provavelmente observando também o céu como Pedro fizera na janela. Ele hesitou no meio da escada da varanda.

            — Eu vi um vulto perto da casa do caseiro. Vou lá checar — informou.

            — Não é nada, Pedro. Eu estava aqui olhando para lá também e não vi nada.

            — Parecia uma movimentação, talvez algumas pessoas. Ou talvez seja uma matilha, alguns animais — sugeriu.

            — Conheço todos os animais desta região — falou ela. — Moro aqui há três anos e posso dizer que não há nada lá. Acha mesmo que, se alguém estivesse rondando a casinha, nenhum dos cachorros teria latido?

            Pedro subiu alguns degraus, voltando para a varanda. Realmente ele não havia pensado naquilo.

            — Sente-se aí, meu primo. Conte-me mais sobre Londres. Você falou tão pouco desde que voltou — afirmou Suzana.

            — Vocês não perguntaram muita coisa também — retorquiu ele, sentando-se em outra poltrona ao lado.

            — Uai, pergunto agora então... Você ainda está com ela na cabeça? — inquiriu a prima, com a voz baixa.

            Pedro abriu a boca para perguntar, mas não saiu nada. Não era preciso perguntar a quem ela se referia.

            — Eu não gostaria de falar disso — cortou ele, segundos depois.

            — Pedro... — a voz dela estava em um tom baixo até que adquiriu um tom fraternal. — Ela não merecia você, Pedro. Sei que você já deve ter escutado isso e entendo que seja muito mais complexo quando você sente do que quando você está observando de fora.

            “Obviamente”, pensou ele.

            — Mas você fez o certo — continuou. — Terminou, saiu de lá e veio para cá para espairecer. Só que ela não era a única mulher do mundo. Você vai encontrar muitas outras. Acredite nisso.

            — Obrigado, Suzana, pela força — agradeceu ele. As palavras não o fizeram refletir mais do que já refletira, mas era bom sentir o apoio de sua prima. — Foi minha mãe quem comentou?

            Suzana riu.

            — Ela disse que você tinha terminado com a Holly, não explicou muito bem o que aconteceu, mas deu para entender o quanto você a amava quando você chegou. Você pode até estar com uma máscara para os outros, mas eu vi seus olhos tristes.

            Pedro olhou para o céu, assim como fazia sua prima antes dele chegar na varanda. Era inacreditável como ela conseguia entendê-lo mesmo que o vendo poucas vezes. Mesmo após terem se passado apenas algumas horas desde sua chegada ao sítio, era incrível como parecia que ela já o tinha decifrado.

            — Além do mais, você não estava normal: em que mundo você não reclamaria por estar sendo servido pela sua mãe no almoço? — completou Suzana, rindo.

            — Isso quer dizer então que eu devo ser mais rebelde nos próximos almoços? — perguntou ele, rindo um pouco. — Eu vou esquecê-la. Só preciso de tempo.

            — Você tem todo o tempo do mundo. — disse ela.

            Os dois ficaram um momento por silêncio, até ele retomar a conversa:

            — E você? Saindo muito, namorando muito?

            Suzana soltou uns resmungos até responder:

            — Tendo como base a vida noturna de Rio Azul, saio bastante, mas não quero namorar. Só irei fazer isso quando já tiver muita experiência.

            — E o que quer dizer “tendo como base a vida noturna de Rio Azul”?

            — Quer dizer que eu saio uma vez por mês. Ou a cada dois meses. Isso é muito para essa cidadezinha... Falando em sair, eu vou falar com o Arthur Figueira, o Figueirinha, lembra? Vou falar com ele para que você seja convidado para a próxima festa dele no Clube Novo. Lá você poderá conhecer várias pessoas. Várias mesmo. As sociais que ele dá no salão alugado do clube são o que podemos chamar de “festões” para a elite daqui. Você vai encontrar alguma menina apessoada... E seus antigos amigos daqui, você vai reencontrá-los?

            — Talvez, nunca tive muito contato com nenhum deles depois de viajar... — admitiu pausadamente, pensando no fato de que ele nunca tivera grandes amigos ali em Rio Azul.

            Nesse instante, o telefone tocou. Suzana fez uma expressão de impressionada — aquele telefone nunca tocava, pelo menos não àquela hora. Já passavam das dez horas.

            — Eu atendo esse telefone. Como se fossem horas de se ligar... — queixou-se Pedro, levantando-se.

            — Não, não seja grosseiro, eu atenderei — disse Suzana, colocando-se à frente do primo.

            Suzana acendeu a luz da sala e andou até o telefone de discar antigo, daqueles que se gira um disco com os números para fazer a sua chamada. Aquele era um dos poucos objetos que Sebastião aceitara em sua casa. Tirou o telefone do gancho e colocou-o no ouvido.

            — Alô.

            Pedro colocou-se ao lado dela, atento, tentando descobrir quem ligava.

            — Não, é a sobrinha dela. Minha tia está dormindo Quem é?... Sim, as duas. Você gostaria de deixar recado? — uma longa pausa se sucedeu por alguns minutos. — Você poderia repetir, por favor? — outra longa pausa. — Eu darei o recado, senhora. Boa noite.

            Suzana colocou o telefone no gancho lentamente, com os olhos um pouco perplexos e a boca entreaberta.

            — Quem era? — perguntou Pedro.

            — Uma mulher... Disse que se chamava Astra Valerius. Pediu que eu avisasse às minhas tias que ela está vindo nos visitar.

            — Astra Valerius? — repetiu o jovem. — É alguma amiga de minha mãe ou de meu pai?

            — Não sei, mas já escutei esse nome em algum lugar...

            — Claro que escutou — afirmou Pedro. — Meu pai é Valerius, eu sou um também, esqueceu-se do meu nome?

            — Não... É, bem... É isso mesmo, esqueci-me disso... É alguma parenta de seu pai, talvez? — perguntou Suzana, desconcertada. Não era a isso que se referia, mas preferiu não falar muito.

            — Não tenho a menor ideia — confessou Pedro.

            — Amanhã darei o recado a minha tia, então.

            — Bem, eu vou dormir. Boa noite, Suzana — disse ele. — Cuidado com as sombras que espreitam esse sítio.

            — Pode deixar, não as temo — replicou sua prima, rindo. — Boa noite.

            Pedro voltou à sala de estar, pegou o copo de água agora pela metade e subiu as escadas, voltando para o quarto.

Ao retornar ao seu aposento, o escritor foi até a mesa onde estava seu notebook, sentou-se na cadeira e ligou o computador, tomando o cuidado de não fazer muito barulho e desligando o som do aparelho, já que Tomás estava dormindo na outra cama.

Assim que o computador ligou, Pedro abriu a internet, que continuava lenta mesmo àquela hora. Foi em um site de buscas e digitou Astra Valerius, visto que aquela ligação o deixara intrigado. Ele agora queria saber quem era aquela mulher e se ela tinha alguma ligação com seu pai.

Não foi muito difícil descobrir na internet quem ela era, pois Astra não era um nome comum. A única Astra Valerius do qual o buscador mostrara sites relacionados era Astra Melora Valerius, uma acionista do Banco Valerius de São Paulo. Segundo a pesquisa, ela não só era esposa do presidente do banco, Edgar Valerius, como detinha uma cadeira no conselho do Grupo Valerius. Aparentemente, ela não tinha nenhuma relação com Vladimir, pai de Pedro.

Havia também algumas imagens dela. A primeira era dela e de seu esposo em frente ao edifício espelhado da sede do banco. Ela tinha os cabelos negros e ondulados na altura dos ombros, algumas rugas de não mais que cinquenta anos de idade, olhos compenetrados e sérios e uma expressão de superioridade, como se tivesse os dentes cerrados dentro da boca fechada. Já o marido tinha os cabelos sebosos e grisalhos e olhos claríssimos contrastando com um rosto marcado pela velhice — parecia ter uns setenta anos.

Outra imagem era de uma reportagem de uma revista de empreendedorismo. Ao lado do artigo, que contava a trajetória do Banco Valerius como um negócio familiar que cresceu até se tornar uma holding, estava a imagem de Astra, seu marido, seu filho e seu irmão. Todos, segundo a reportagem, ocupavam cargos altos na empresa.

Após passar o olho pela notícia, Pedro chegou à conclusão de que o banco dos Valerius tinha uma trajetória muito semelhante à empresa Gal, pois ambos haviam nascido de núcleos familiares. Entretanto, o banco havia chegado ao Brasil com o pai de Edgar nos anos 60 e só sob a chefia de Edgar e Astra havia se tornado um banco que alcançava todo o Sudeste do Brasil. A Gal, por sua vez, havia se transformado apenas nos anos 2000 como empresa de maior porte e sua atuação ainda limitava-se ao estado de Minas Gerais. Preservava o setor de demandas típico de uma alfaiataria, mas possuía também o setor industrial.

No topo dos sites retornados pelo buscador, estava também uma outra notícia, mais recente. Essa despertou em Pedro uma curiosidade peculiar, portanto, ele tomou um gole d’água antes de lê-la por completo.

Enterrado magnata polonês da prata

Milla Ferreira Setúbal, 26/10

 

  Foi enterrado no dia de ontem, 25/10, o milionário polonês Zirnitra Dróttin Valerius e seus dois herdeiros, Marcin e Konrad. Zirnitra foi um magnata que enriqueceu com a extração de minérios, sobretudo a prata. A causa da morte foi um acidente na estrada que liga Lubin a Varsóvia. O enterro foi realizado em Lubin, cidade natal de Zirnitra.

  Na cerimônia, estiveram presentes Edgar Valerius e sua esposa Astra. O casal requeriu junto às autoridades da Polônia o controle do espólio de Zirnitra, que não deixou herdeiros diretos vivos. O espólio inclui uma carteira de ativos avaliada em mais de US$ 400 bilhões de dólares. De acordo com seus advogados, Edgar quer deixar as empresas do falecido, dentre elas a DrV Srebro, sob administração do Grupo Valerius, a mesma entidade que administra o Banco Valerius. O caso tramita na Justiça polonesa.

           

            A notícia tinha quase três meses e indicava apenas uma coisa: os Valerius estavam para ampliar completamente as suas riquezas. A fortuna de Zirnitra passaria para os Valerius do Brasil — isso se já não tivesse passado.

            Perceber como aquela Astra Valerius parecia rica e poderosa instigava mais ainda o escritor Pedro e só deixava-o com mais vontade de saber o que ela queria com suas tias e porque viria visitá-las. Além disso, quem Astra pensava que era para ligar depois das dez horas da noite e dizer que viria no dia seguinte ao sítio? “Essa mulher deve se achar a Rainha Elizabeth!”, pensou.

            A situação toda deixara Pedro muito curioso e sua cabeça até estaria a mil se ele não estivesse tão cansado. Suas últimas forças haviam se exaurido naquela pesquisa sobre a Astra. Seus olhos já ardiam de olhar para aquela tela brilhante do notebook dentro do quarto escuro.

            Por isso, o escritor desligou o aparelho, deu sua pesquisa por concluída e foi dormir mantendo em mente apenas uma coisa: perguntar a sua mãe o que aquela Astra queria. Em pouco tempo, caiu no sono.

            Suzana permanecera na varanda. Enquanto todos que estavam dentro do casarão amarelo dormiam, ela estava bem acordada, do lado de fora, sentada na poltrona acolchoada. Passou um longo período ali, olhando para a lua, banhando-se em sua luz revigorante. Ela adorava tomar banhos assim; sentia-se mais forte, mais poderosa.

Suas tias tinham todo um ritual para absorver a luz lunar e até haviam ensinado a Suzana. De vez em quando, reuniam-se todos no campo, incluindo Maria, Tomás e, com menos frequência, Vladimir, recebendo aquela descarga de energia, fortalecendo sua Essência.

Contudo, aquela era uma prática que exigia muita dedicação, concentração e principalmente paciência, pois um ritual daqueles poderia levar horas. Era certamente compensador quando terminado, mas nem sempre Suzana conseguia completar. Por essa razão, ela preferia simplesmente os puros banhos de lua, que a deixavam relaxada como após uma massagem, apesar deles não se caracterizarem como um ritual.

A jovem abaixou seus olhos para observar a mata próxima à casa do caseiro e viu o mesmo que havia visto seu primo: viu um vulto saindo da mata, as “sombras que espreitavam o sítio”. O banho de lua havia afastado dos pensamentos a ligação que atendera, mas o vulto se aproximando a fez se lembrar de que precisava avisar suas tias da visita daquela Astra.

As sombras se aproximaram e tomaram forma; poucos segundos depois, podia-se ver claramente que eram pessoas caminhando. Quando elas encontraram a luz da lua no campo aberto que se estendia até a colina do casarão, suas silhuetas estavam mais bem definidas. Eram três pessoas, sendo que uma delas levitava entre as outras duas. As três pessoas apressaram-se à medida que se aproximavam da casa, uma vez que estavam desprotegidas e à vista no campo. Subiram a colina e aproximaram-se da varanda.

Suzana levantou-se, encarando os três que vinham. Eram suas tias a pé e seu avó levitando, como que por mágica. Sebastião nem havia tirado o pijama, mas Suzana notou que sua expressão estava muito melhor.

            — Como está, vovô? — perguntou ela.

            — Muito melhor, minha neta. Vou apenas dormir um pouco e amanhã acordarei e cavalgaremos juntos!

            — Também não chega a tanto, pai. Você vai é descansar — ordenou Rosário.

            — Mas depois de todo esse esforço que acabastes de fazer eu mereço pelo menos almoçar na sala de jantar! — exclamou ele.

            — Claro, pai. Não o fortalecemos por nada; só que, no entanto, a energia que recebeu não deve ser gasta em cavalgadas. Agora, vamos entrando — falou Malena.

            As duas senhoras seguiam para dentro da casa quando Suzana as interrompeu:

            — Rosário, vá subindo com meu avô para impedir que alguém o veja. Tia Malena, eu preciso falar algo com você — pediu Suzana. As tias concordaram e Rosário foi conduzindo seu pai em levitação pela casa, enquanto sua irmã continuou na varanda. A menina prosseguiu: — O telefone tocou enquanto vocês estavam na mata. Era Astra Valerius.

            — Astra Valerius?! — exclamou Malena, mais surpresa do que Suzana poderia imaginar.

            — Sim... Ela é uma deles, não é? Uma dos magi de São Paulo.

            — É sim. É esposa do primo de Vladimir. Infelizmente, estamos atados até os dentes a eles. Mas o que ela queria?

            — Eu imaginei que ela fosse do clã. Por isso, fiquei surpresa... Bem, ela queria informar que está vindo amanhã para cá, pois deseja reunir-se com toda a família, inclusive Vladimir, ela frisou bastante.

            — Amanhã? Aqui? Ela... Ela está maluca! — esbravejou Malena, tentando depois conter o seu tom de voz. — Quem os Valerius pensam que são? Acham que mandam nos Galardães? Vladimir não está aqui! Ela deveria avisar com antecedência. O que mais ela disse?

            — As palavras dela foram “avise suas tias de que estarei indo para aí amanhã de manhã e devo chegar depois do almoço. Quero me encontrar com todos, inclusive Vladimir. Estamos indo eu e minha família; não podemos abdicar dessa reunião urgencial. Peça para que façam os preparativos para nossa chegada”. Foram exatamente essas — reportou Suzana, lembrando-se com dificuldade.

            — Pois bem! Eu, ao contrário dela, tenho educação e não ligarei a essa hora da noite. Amanhã de manhã vou falar primeiro com meu marido e depois com ela. E logo agora que o meu Pedro chegou ela quer vir aqui... — lamentou Malena colocando a mão na testa.

            — Falando nele, tia, acho que tenho que dizer algo. Ele viu vocês entrando na mata, mas eu o convenci de que não era nada. Vocês deveriam ter tomado mais cuidado.

            — Ah, meu Deus! Está vendo, Suzana? Tudo está desmoronando, imagina se ele nos vê e começa a fazer perguntas? Não quero isso para ele! — a tia ainda estava um pouco desnorteada.

            — E ele sabe da Astra. Estava aqui quando atendi a ligação e eu falei quem era e o que queria, mas nada a mais. Talvez eu não devesse ter falado... Não sei, também fiquei um pouco surpresa com a ligação: não pela hora, mas por quem era...

            Malena pensou um pouco, como se estivesse absorvendo a informação de que, no dia seguinte, receberia a visita de Astra Valerius. Quando saiu de seus pensamentos, manteve a expressão contida e falou com sua voz solene:

            — Não faz diferença, de qualquer jeito ele saberá que Astra virá amanhã. Tente mantê-lo por fora, Suzana. Eu não quero que ele se meta nos assuntos dos Valerius. Se ele perguntar, diga que você me informou da ligação pela manhã e que descobriu que Astra está vindo para discutir negócios da empresa.

            — Entendi, tia.

            — E mais uma coisa... — continuou, agora falando em voz baixa. — Tente medir seus comentários, quaisquer que sejam, quando você estiver perto do meu Pedro. Eu já disse e repito: não o quero metido nos assuntos dos Valerius, muito menos em assuntos da Essência. Agora vamos dormir.

            — Pode deixar, vou evitar qualquer coisa suspeita — prometeu a sobrinha.

            Malena adentrou a casa, preocupadíssima com o que aconteceria no dia seguinte. A vinda dos Valerius não lhe parecia nem um pouco boa. Eram más notícias, disso ela estava certa. Provavelmente sobre as mortes dos Valerius. Astra a avisara, mas os Galardães estavam tentando se manter longe de tudo isso. A situação aparentemente estava pior; não haveria outra razão para os Valerius de São Paulo virem até Minas Gerais. Malena sentia que aquilo ia voltar-se contra ela e sua família. Aquilo iria atingí-los, era inevitável. Afinal de contas, os Galardães eram Valerius.

            Atrás dela, entrou Suzana, pensativa. Temia pelo seu primo, o único daquela casa a desconhecer a verdadeira natureza dos Valerius. A jovem subiu as escadas depois da tia e foi até o seu quarto dormir e finalmente mergulhar a casa no mais profundo silêncio.

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