Tripulação Amotinada

A tripulação olhou para o ruivo e sentiram o frio arrepio percorrer seus corpos, o medo em suas faces, eles sabiam que o Escorpião os matarias sem pensar duas vezes se desobedece a qualquer ordem que fosse, se o ruivo lhes pedisse para comer as próprias fezes eles teriam de fazer ou seu destino seria um pouco pior do que a morte.

Podiam ainda apelar ao código Pirata para terem seus direitos dentro da embarcação, mas o respeito de Pierre pelo código ia apenas perante a frota e não para quem estava ali dentro do navio com ele.

O capitão agora andava por entre a tripulação amedrontada.

— Rapazes, deem um funeral digno ao capitão, estarei na cabine, me chamem quando terminarem de preparar tudo. — a voz de Pierre saiu rouca e transmitia calma perante aquele momento.

Ele não esperou uma resposta da tripulação apenas foi para a cabine central pegando antes o canhoneiro, que estava em uma cabine no convés.

— Vem comigo! — Sua voz nesse momento saiu cortante.

Luid estava  muito assustado, ouviu todos os murmúrios do lado de fora da cabine, viu a porta se abrir e escutou a ordem de forma quase gritada e cortante, um arrepio lhe percorreu a espinha, não demonstraria medo, porém naquele momento se sentia acuado, seguiu o mais velho sem dizer uma unica palavra e durante aquele percurso silencioso escutou o ruivo fungar de maneira sigilosa.

 " Então embaixo daquela casca assustadora existe um ser humano" — pensou o garoto em sua inocência, mas não abriu a boca para tecer comentários diante da situação.

Ele viu o capitão parado diante da porta entalhada e o viu riscar uma das entalhaduras.

— Cada desenho entalhado aqui representa um capitão que já comandou essa maldita Nau, agora o Brian se foi, e é em Sinal de respeito que riscamos o que lhe representa. — Pierre não estava falando com Luid, estava falando mais para si mesmo, se lembrando de quando o anterior Capitão do navio morreu durante o ataque a um navio mercantil que ia direto para a Inglaterra.

Após riscar a madeira com a ponta da espada ele abriu a porta, passou por ela e chamou o mais novo com as mãos sem se virar de costas para o encarar.

— Feche a porta ao passar por ela, não gosto que a tripulação saiba mais da minha intimidade do que o necessário.

Luid obedeceu a ordem, o garoto estava com mais medo do que o habitual, e estava também muito mexido com o fato de sua mãe o abandonar daquela maneira, ele não entendia o medo que sua mãe tinha de embarcações, e podia jurar que durante o redemoinho tinha visto uma cauda batendo nas águas, mas não falaria nada ao seu novo capitão, o medo de Luid vinha também do fato de que foi tentando chegar em sua casa que o capitão Brian havia morrido.

— Águas de redemoinhos não podem ser navegadas, é difícil de chegar a praia, e atracar em um lugar desses é quase suicídio, deu sorte por sair com vida das duas vezes Garotinho, mas agora tenho uma proposta a você. — Pierre falava com a entonação calma, porem se olhasse bem para sua face podia notar o abatimento do mesmo, afinal, Brian era como um pai pra ele.

— Que proposta Capitão? — fez a pergunta encarando os próprios pés e estava tremendo de medo, porem não demonstraria de forma tão visível.

— Fica aqui no navio comigo, não dá pra chegar até tua mãe, se tentarmos vamos morrer, águas assim são traiçoeiras, e sem contar a proximidade com a Bahia de Deusas, eu não gosto de brincar com a sorte. — Pierre caminhava na direção do mais novo e a cada passo que dava notava o outro recuar discretamente.

— Então... Eu não serei mais livre e vou seguir aqui passando fome e frio...— resmungou choroso com a cabeça baixa, naquele momento ele desistiu de qualquer esperança que ainda pudesse existir em seu pequeno coração.

— Fome e frio? Em qual situação garoto? Tenho certeza de que o cozinheiro faz comida para toda a tripulação, podemos ser piratas mas não somos tão cruéis com a tripulação, precisamos de vocês...— Pierre olhou para o garoto magro a sua frente, pele e osso, se lembrou da primeira vez que o viu o mesmo não era tão esquelético dessa maneira e da conversa que teve com Brian, onde o mesmo expressava sua preocupação com o canhoneiro.— A Quanto tempo está sem comer?

— Eu comi os restos dos outros ontem... Eu não ligava, pois ia retornar pra casa, mas agora prefiro que me jogue ao mar, passar fome e dormir ao ar livre não é algo que me faça brilhar os olhos. — Finalmente Luid abria a boca com relação a sua situação ali dentro.

— Por que não me contou que a tripulação estava te torturando? — tentou parecer mais compreensível com o mais novo, já que sem as habilidades de Luid não teriam tido o dobro dos lucros em alto mar como naqueles últimos onze meses.

— Eles disseram que eram ordens suas... — Murmurou as palavras deixando a frase morrer com receio de continuar a fazer a denuncia contra a tripulação.

— Não dou esse tipo de ordens canhoneiro, daria se fosse um dos meus prisioneiros, eu quero o nome deles agora mesmo. — a voz de Pierre saiu grossa e raivosa.

— Não sei o nome deles, mas obedeciam ao contra mestre... Não diga que abri a boca, apenas me lance ao mar... — Insistiu em sua liberdade mesmo ela custando sua vida.

— Temos um código a seguir, e todos os piratas dentro de um navio tem seus direitos por menor que seja seu cargo aqui dentro, cada um ganha exatamente a mesma coisa, quando acham que já basta de pilhagens eles desembarcam no primeiro Porto que veem e jamais retornam. — Falou um pouco mais sério e autoritário. — E você é um canhoneiro e tem habilidades únicas, coisa que esses ratos não tem, então se não recebeu nada durante todo o tempo em que esteve aqui quer dizer duas coisas, estavam te torturando e te roubando, sou obrigado a tomar uma atitude com relação a isso. 

Luid nada respondeu, Mas mesmo com os olhos um pouco chuvosos levantou o olhar para encarar o mais velho.

Pierre pegou um rolo de fita que estava próximo a mesa dos mapas, fita essa que era usada para indicar no mapa os lugares que já haviam atacado durante a semana. Ele cortou em 50 pedaços e entregou as fitas cortadas para o mais novo.

— O que são essas fitas capitão?

— Vai até o convés e para cada maldito pirata que cometeu o ato de tortura com você vai entregar uma fita, diga que o capitão quer que os mesmos amarrem essas ao braço.

— Mas não vão desconfiar que eu abri a boca? Existe uma lei entre eles e os delatores são açoitados com 40 chicotadas.

— Não vão ter tempo... Agora espere aqui. Antes de sair, tenho algo para lhe dar.

Pierre saiu e foi pela passagem que levava até a cozinha, iria pedir um favor ao cozinheiro, o mesmo era um dos poucos homens que inspiravam confiança, afinal nunca saia de seu posto, assim que passou pela entrada já começou a falar sem rodeios.

— Preciso de uma vitamina, um composto que faça o garoto das explosões ganhar peso, estamos matando o mesmo aos poucos e ele tem habilidades muito boas para serem perdidas no mar do esquecimento. — falou olhando diretamente para o homem que estava terminando de limpar um pequeno porco selvagem.

— Tem um composto de fígado, e misturado ao óleo de baleia e barbatana de tubarão, esse composto pode ajudar. — O cozinheiro o respondeu sem olha-lo.

— Então prepare, e quero isso pronto até o jantar da tripulação, e pode reduzir a quantidade, nem todos vão ter esse direito hoje.

— Sim senhor Capitão. — O homem colocou a carne do porco selvagem dentro de um caldeirão para cozinhar e logo começou a pegar os ingredientes da mistura.

Pierre antes de sair da cozinha do Navio pegou uma bandeja e colocou na mesma um pouco de uma sopa que fervilhava na panela em um prato fundo e alguns pães. O cozinheiro não entendeu o que estava acontecendo mas não ousou retrucar as ordens.

Seguiu pela passagem secreta sem ser visto e antes de alcançar sua cabine escutou uma conversa de um grupo de Piratas.

— "Agora vamos ser comandados por uma criança...

— Pior do que isso é que as provisões estão acabando e no mar aberto não vai demorar muito para começarmos a morrer de fome, Pierre é um menino que sempre esteve na barra das calças do capitão, ele não vai saber comandar, e vamos acabar tendo um fim precoce nessa nau?"

Pierre  marcou os rostos de quem falava e apenas seguiu calmo para a cabine, precisava dar uma certa atenção ao canhoneiro, para que o mesmo continuasse ali com ele e não inventasse de pular ao mar.

Assim que adentrou o local encontrou o menino todo sujo e magricela sentado no mesmo lugar que havia deixado segurando o punhado de fitas cortadas.

— Vem aqui...— chamou e colocou a bandeja na frente do garoto.— Coma, e não vai mais dormir no porão com a tripulação, agora vai ficar aqui.

— Mas... — Pensou em corrigir o capitão, ja que ele não dormia no porão com a tripulação e sim ao ar livre no convés, mas não falou nada, apenas desistiu de continuar sua fala.

— Começa a comer... — A ordem saiu cortante da garganta do ruivo que logo escutou o sino tocar e essa era a hora de sair.—Vou para o funeral, e você não saia desta cabine até ter comido tudo, e apenas depois de comer vai com as fitas entregando aos seus inimigos.

Luid nada respondeu, mas confiava um pouco mais em Pierre, o ruivo tinha mesmo cumprido as coisas que lhe havia prometido, por mais que no coração do ruivo existisse outro motivo. Assim que viu a porta se fechar ele olhou para o prato de comida a sua frente e uma lagrima escorreu sem permissão de seus olhos, era a primeira vez que comeria algo limpo e sem ter sido antes cuspido ou apenas os restos, era algo apenas para ele comer e aquele ato de Pierre fez o pequeno Luid se emocionar.

Pierre fechou a porta da cabine, mas ficou espiando pra ver se o garoto comeria de fato, e acabou se deparando com a cena do garoto chorando por finalmente ter algo para se alimentar, seu coração por mais cruel que fosse se apertou naquele momento, se lembrou de si mesmo quando era uma criança de cinco anos jogado aos porcos no fundo de uma taberna.

 " Luid, nunca mais vai sentir fome na vida, eu prometo." — Fez a promessa a si mesmo.

saiu da frente da porta a qual estava espiando o mais novo e se encaminhou para o convés, aquela seria a ultima vez que veria seu tutor, chegou na borda do navio e viu o corpo sendo lançado em chamas no mar em um barco que havia sido embebido de rum, ele não se permitiria chorar naquele momento, precisava se manter de cabeça erguida para não ser visto como um fraco diante da tripulação.

enquanto estava distraído não notou a movimentação da tripulação, mas no momento em que se virou viu os homens vindo em sua direção com pistolas e espadas, um motim, era disso que se tratava, e parecia que a frota tinha diminuído o ritmo de navegação ficando um pouco pra trás, o que deu a Pierre a certeza de que tanto aqueles de dentro do navio, como os que estavam nas outras 3 naus eram amotinados e tinham planejado isso no momento em que ele foi para a cabine com o canhoneiro, e ele mostraria aqueles homens qual era o destino de amotinados. 

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