A Palavra de um Pirata

Pierre arregaçou as mangas e começou a instruir o garoto, não importava se eram dias, semanas ou horas ele não iria desistir de corromper aquela doce alma para o mundo da pirataria e estava indo bem, Luid tinha um tratamento melhor e diante da promessa de rever sua mãe o mesmo seguia o escorpião a todo canto como se fosse seu bichinho de estimação e mal percebia que estava apegado tanto ao mar quanto a pirataria.

Os dias no mar eram impiedosos, os suprimentos iam acabando com o passar dos dias e nada mudava, os navios mercantis que cruzavam o caminho do "Escorpião" tinham o fundo do mar como sua nova moradia, e parte disso era cortesia do mais novo canhoneiro daquela nau, Luid era quem se encarregava dos canhões agora, e seria uma pena não citar o fato de que junto com as balas de canhão ele as vezes colocava uma de suas garrafas explosivas que basicamente  faziam um estrago explosivo no navio oponente.

Assim eram os dias de Luid em alto mar, pouca alimentação, pois os mais velhos ainda o torturavam e muito trabalho, tinham uma rota simples que era carregada de navios mercantis, e derrubar esses navios era lucrativo demais para Brian, porém precisavam atracar em breve, principalmente por causa da falta de chuva e tinham a necessidade de agua potável e de rum é claro, uma bebida que a maioria deles consumia com certa frequência.

E em uma manhã Brian viu o garoto cuidando dos canhões sozinho e notou que o mesmo arfava bastante, e seu corpo já estava bem esquelético, a magreza do mesmo chegava a ser assustadora de se ver de perto, mas quem vivia no mar estava sujeito a tudo, e em uma conversa com Pierre mostrou um pouco de sua preocupação.

— O garoto não vai aguentar mais duas semanas no navio... Você vai mesmo cumprir o acordo? — Brian perguntava bebendo um gole de rum, gole esse que ele dava diretamente do gargalo da garrafa.

— Todavia faria, mas o garoto é habilidoso demais, ele mencionou a mãe como sendo sua instrutora nas questões dos explosivos, e se pegássemos a grande família feliz para um trabalho extra? Não acha que possa valer a pena? — O coração de Pierre era tão impiedoso quanto suas palavras.

— Mas deu a sua palavra Pierre, somos o lado ruim de toda essa situação, nem sabemos se a mãe do garoto continua no mesmo lugar, seria sim um bom negocio levar o garoto até lá, mas acha que se escravizarmos a mãe dele ele ainda vai andar atrás de você como um animal de estimação?. —  Brian testava o coração de Pierre mais uma vez com um de seus questionamentos de ética, mas recebeu logo uma resposta que lhe mostrou o quão negro era o coração do mais novo.

—  Não me importo com nada disso, se o garoto vai sentir ódio ou não, fazendo o trabalho dele é o que importa, temos que conseguir mais homens, outro navio e para isso precisamos derrubar mais navios mercantis, principalmente os ingleses e tem aquela pequena colaboração em Nassau e com a ilha das Garças. —  Pierre não demonstrava de forma alguma que tinha sentimentos, mas a verdade é que ele não queria que o garoto fosse embora, algo dentro dele não queria aquilo e nem era por causa de suas explosões.

—  Sabe que estávamos próximos a Bahia de Deusas, o garoto mora por lá... —  Brian deixou a frase morrer, sabia que o nome do lugar era conhecido e que causava medo aos homens. 

— Aquelas aguas são conhecidas, dizem ser aguas de sereia, mas o garoto tem pernas e parece bem humano, então não deve ser verdade isso, porem seria mais seguro deixar ele próximo a ilha, assim ele iria com um barco até lá e faria a ponte entre a gente e a mãe dele. 

— Tem medo meu rapaz, pois lhe afirmo que não tenho medo de tais criaturas, não terei medo e não me verá recuando diante dos monstros daquele lugar, se por ventura a lenda for verídica. — Brian falava de maneira leve, e basicamente  sem muitas emoções em suas expressões faciais, no entanto notava o sorriso malandro de Pierre nos lábios.

— Dizem que o efeito de seu canto apaixonante só atinge os corações maliciosos... Como é seu coração Capitão? — Perguntava rindo de lado, como se estivesse o insultando.

— Tão negro quanto a noite e mais perverso do que os donos das tabernas ao cobrar 800 pesos por uma única dose aos piratas que já estão mortos de embriagues.

— Vamos levar o garoto... ou melhor o garoto vai nos levar, e a família feliz vai ser muito util. — Pierre falava rindo ainda, mas esse tipo de atitude só mostrava o quanto o capitão já o tinha corrompido, dando a ele o nome de seu navio e o escolhendo como seu sucessor.

Durante aquela breve conversa tinham decidido ir até a ilha onde Luid, um dia chamou de lar, mas eles não suspeitavam das verdadeiras origens do garoto, apenas iam movidos pelas habilidades que a mãe do garoto poderia ter, e com sorte abasteceriam o navio e os marujos poderiam se divertir com as distrações carnais do local.

Luid foi avisado no mesmo dia sobre voltar para sua "casa", e seu coração se encheu de esperança e felicidade, pois veria sua mãe e suas tias, as mulheres a quem ele sempre foi muito apegado, e veria também a seus primos mais novos e isso fazia seus olhos brilharem, viveu ali no navio cerca de onze meses, e nesse tempo tinha aprendido a ser mau e suas mãos já estavam manchadas com o sangue dos marinheiros que se perderam no mar durante seus ataques aos navios mercantis, mas ainda restava um pouco do coração puro de Luid.

A pólvora que Luid manipulava era a que surtia muito mais efeito, as explosões que criava eram grandes, com apenas uma explosão ele destruía parte do convés de um cargueiro espanhol, uma das atividades extras de Brian era roubar também navios negreiros da época, e ele sempre devolvia os Homens a sua terra natal ou os convidava para fazer parte de sua tripulação, mas no caso desses ele realmente convidada, pois entendia do sofrimento daquelas pessoas.

Pierre não mediria esforços para colocar a mãe do garoto dentro daquela nau, seria para eles muito bom ter uma mulher a bordo, principalmente uma mulher que tinha alto conhecimento de explosivos, e depois de atacarem um navio mercantil, eles avistaram de longe a nau de Garred, com sorte poderiam atacar a mesma, ainda com o garoto a bordo, mas já tinham mudado o curso indo para a Bahia de Deusas.

Quando estavam próximo a Ilha em que a mãe de Luid estava e já tendo passado ilesos pela Bahia de Deusas, o garoto desmaiou, de emoção? Não! Sua mãe o fez desmaiar e através disso teve um momento por telepatia com o pequeno, ela não poderia ter um reencontro com seu filho amado, tinha que proteger suas irmãs, haviam ainda muitas sereias perdidas no oceano, mas aquelas que estavam ali com ela tinham seu sangue, eram suas irmãs mais novas, as mesmas que tinham sido aprisionadas e cativas no navio britânico a alguns anos atrás.

 "Pequeno, esqueça essa ilha e quem eu fui, jamais repita que suas habilidades provêm dos meus ensinamentos, e agora vai trilhar seu caminho sozinho, aos dezoito anos evite entrar na água salgada perto de outras pessoas... Os ventos vão soprar você pra longe dos meus olhos, mas a conexão pela marca ainda vai existir, cante se ficar com medo, herdou quase tudo do meu ser..." — A conexão da telepatia não deu a Luid o direito de responder a sua mãe, talvez pelo motivo de ela saber que ele pediria para ficar ali, mas o que ela podia fazer, ser capturada mais uma vez? Isso ela não podia permitir, não daria a localização de sua casa para nenhum ser humano, nem ela nem as suas irmãs.

As águas começaram a ficar agitadas ao redor do navio que se aproximava a todo pano, o vento natural e o vento que as sereias guiavam entraram em choque e o redemoinho começou, a se formar de maneira leve, o garotinho loiro tinha acabado de acordar e estava agora na proa do navio e em umas das voltas que o navio deu ele viu sua mãe saindo do fundo do mar e gritou.

— MAMÃEEEEE! —  Mas tanto seu grito como seu desespero foram quase ignorados ele pode ler os lábios de sua mãe naquele momento que dizia.

— "Eu sinto muito meu pequenino..." —  E ela realmente sentia muito, Luid era sua grande paixão, tinha um olhar inocente, e era tão semelhante a ela.

E o navio deu outra volta em torno de si mesmo e quando Brian e os outros se deram conta estavam no meio de um redemoinho gigantesco e em mar aberto, longe da ilha, Luid grudou nas vestes de Pierre que jogou o garotinho dentro da cabine do convés.

— Canhoneiro, você fica aí... Capitão, contorne a estibordo! — o ruivo gritou, e ele sabia como sair de redemoinhos como aqueles, não tinham a mínima noção de como o redemoinho havia começado, mas sabiam que precisavam contornar para poder sair do centro.

Em uma das voltas e balanços brutos que o mesmo fazia durante a revolta das águas marítimas um dos canhões que estava aposentado por ter sido vitimado pelas marcas do tempo e da maresia se soltou das correntes que o fixavam, em segundos estava em cima do capitão, e o mesmo só teve tempo de lançar sua espada para Pierre, que com aquele ato, era agora o capitão do navio e estava sendo obrigado a assumir o posto, pois o tal canhão tinha acabado de esmagar seu tutor Brian, aquele que lhe deu um nome e uma razão de viver.

O redemoinho dominou o navio por cerca de meia hora, até o mesmo conseguir se ver livre da famigerada situação.

Brian estava morto, seu corpo podia ser visto debaixo do canhão completamente esmagado ao lado do Timão, e lá estava agora Pierre com chapéu tricórnio indicando sua nova posição dentro daquela nau infernal, sua nova amiga a espada com o desenho de um escorpião cravejada de rubis no cabo, era agora sua. O escorpião era o capitão do navio.

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