Capítulo 4

Mike leva alguns dias para autorizar Nina a postar as traduções. No final, ele concorda que é uma ótima oportunidade. De qualquer forma, temos a mensagem dela onde ela se oferece para fazer isso, ninguém a estaria obrigando a nada. Acesso a mensagem de Carolina para avisá-la, no entanto, hesito antes de escrever.

Poxa, ela vai fazer um favor para nós de muito boa vontade. O mínimo que posso fazer é ser mais cordial. Ela não parece aquele tipo de fã que irá ficar perturbando. Chamá-la de Carolina é muito formal... Será que seu apelido é Carol?

Antes de responder, decido olhar seu perfil social. Quero conhecer um pouco mais sobre ela para não cometer uma gafe. Ela não posta muita coisa sobre si mesma, parece uma pessoa reservada. Tem algumas fotos com o marido e o filho.

Está explicada sua postura mais centrada. É uma mulher madura e com família.

Vejo alguém chamá-la de Nina em uma das fotos e ela responde com um coração. 

Nina é bem mais original e acolhedor...

Eu sorrio para mim mesmo e alterno para o aplicativo de mensagens.

HelioX: Howdy, Nina! I agree. Thank you very much!

Não… ainda não está bom. 

Pesquiso no tradutor online como é um agradecimento em português e acrescento:

HelioX: Howdy, Nina! I agree. Thank you very much! Muito obrigado! Jhonny.

Pronto. Agora me dou por satisfeito. Envio a mensagem e começo a navegar pelas outras que ainda não foram respondidas. Tem uma fã perguntando onde a banda irá comemorar o aniversário do Pablo. Respondo que faremos um show em Washington no dia e festejaremos com o público. 

Vai ser muito legal. 

Nesse meio tempo, Carolina tem traduzido muitas de nossas canções. Sempre me mandando notícias de como o site está. Acho até graça por ela se preocupar com a ordem das postagens das músicas. Sinceramente, se ela postasse pela ordem dos álbuns seria melhor, porém imaginei que ela estivesse colocando primeiro as que mais gosta. Não vou criar caso por causa disso, o efeito será o mesmo. 

O que acho gratificante é ela ter colocado a letra do nosso novo single. Sei que coloquei um vídeo de uma apresentação ao vivo da música no canal, pois ainda não gravamos em estúdio. Então, sequer divulguei a letra. No entanto, ela foi capaz de me ouvir e entender. 

Perfeito.

Acho que ela também deve ter divulgado o link do site. Pude perceber mais fãs falando português nos comentários dos vídeos no canal da banda. Uma nova porta está se abrindo para nós. 

Obrigado, Nina.

Eu falo espanhol e sempre achei que português fosse parecido, porém ao ler as traduções dela pude perceber que há muita diferença entre os dois idiomas. Ainda bem que ela só me manda mensagens em inglês, ter que ficar usando o tradutor é um pé no saco. 

Por falar em suas mensagens, o fato dela nunca ter me assediado, já que tinha conseguido a minha atenção, me deixa confortável para responder suas dúvidas, que normalmente são sobre o que eu pensava ou sentia quando estava escrevendo determinada música, para que ela pudesse capturar melhor a essência do que eu queria passar. Sempre se manteve profissional. Um trabalho formidável.

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ㅡ Jhonny, quinze minutos.

ㅡ Está bem, Mike. 

Levanto-me da poltrona do camarim onde estamos e guardo os celulares na minha mochila. Olho para o Pablo, que está dando um toque especial em seus longos cabelos negros. É maior que o meu, alcança a bunda. Meu amigo é imigrante mexicano, veio ainda criança para os Estados Unidos. Ele foi adotado por uma família americana, já que seus pais faleceram do outro lado da fronteira. Quando nos conhecemos, foi como se tivéssemos uma ligação de vidas passadas. Nunca mais nos desgrudamos. Não resisto em dar um puxão naquele cabelão só para provocar.

ㅡ Porra, hermano! Sacanagem!

Eu rio e ele revira seus olhos negros nas órbitas. Depois, me dá uma gravata e esfrega o punho fechado no alto da minha cabeça. Acabou com meu cabelo.

ㅡ Qual é, Pablo!

ㅡ Não sabe brincar, não desce pro play!

Caímos na gargalhada e eu o empurro para tentar salvar meu rabo de cavalo.

Foda-se… Já está arruinado.

Tiro o elástico e solto o cabelo. Viro para o espelho e pego uma escova. Então, Martin rouba o objeto da minha mão. Encaro esse cabeludo ruivo muito aborrecido.

ㅡ Martin, tenho que arrumar a merda que o Pablo fez no meu cabelo. ㅡ Digo, esticando a mão para ele.

ㅡ Tenho que arrumar a merda do cabelo… ㅡ Ele faz uma voz afetada, zombando de mim. 

ㅡ Devolva a escova ou encare as consequências.

ㅡ O que você vai fazer?

ㅡ Vou raspar essa sua barba e bigode quando estiver dormindo!

Ele arregala os olhos e passa os dedos pela barba bem cuidada.

ㅡ Jhonny, pegou pesado... Minha barba é sagrada. Toma essa merda. 

Ele joga a escova na minha direção de qualquer jeito. Quase a deixo cair no chão. Arthur dá uma ombrada no irmão gêmeo, caçoando dele.

Sinceramente, são duas crianças grandes. Não mudaram nada desde a faculdade.

Sacudo minha cabeça e volto minha atenção para o meu cabelo. Decido deixá-lo solto mesmo. Nesse momento, Gregory sai do banheiro. Ele é o único membro da banda que tem cabelo curto, até demais, estilo militar e, como é castanho bem claro, às vezes tenho a impressão dele ser careca. Ele tem olheiras, não parece muito bem. Coloco uma mão em seu ombro e ele fixa seu olhar no chão.

ㅡ O que você tem?

ㅡ Meu estômago está me dando trabalho hoje. Meu pai fez o almoço.

ㅡ Puta merda… Tenho pena de você.

ㅡ Nem me fale...

ㅡ Consegue se apresentar nesse estado?

ㅡ Sim, consigo. Porém, vou direto para casa depois. ㅡ Ele direciona um olhar para o Pablo. ㅡ Sinto muito, mas não vou ficar para a festa.

Pablo se aproxima e apoia seu braço no outro ombro de Gregory.

ㅡ Não tem problema. Ia ser feio se você vomitasse em mim. As chicas iriam sair correndo!

Nós rimos e nos separamos. Eu sou o único casado do grupo. Pablo é um Dom Juan fanfarrão. Arthur e Martin são dois palhaços, as garotas gostam. Gregory é uma incógnita. Nunca o vi com ninguém. Já até perguntei se ela era gay e teria vergonha de falar. Não seria o fim do mundo. Ninguém aqui se importaria, somos todos amigos e a opção sexual de cada um é respeitada. Mas ele negou. 

Ok, seu bando de desordeiros. Hora do show!

Saímos do camarim ao comando de Mike e seguimos pelo corredor que leva ao palco. Os gritos da plateia que nos espera são extasiantes. Eu paro na lateral e aguardo. Sempre sinto um frio no estômago antes de cada apresentação, mesmo que já tenha feito isso milhares de vezes. É a adrenalina correndo nas veias, uma sensação de euforia que me toma, que me impulsiona. Esqueço todas as dificuldades, todas as minhas limitações. Quando estou no palco, me mesclo com a música e com o público. É tão bom quanto fazer amor com a minha mulher.

ㅡ Senhoras e senhores, com vocês a atração principal da noite! HelioX! 

Ao ouvir o apresentador, faço o sinal da cruz rapidamente e adentro o palco, juntamente com meus companheiros. 

Essa noite promete…

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ㅡ Vejam o tamanho do monstrinho de pelúcia que aquela garota jogou no palco! O que é isso, Jhonny?

Arthur pergunta apontando para o bicho que seguro assim que retornamos para o camarim. 

ㅡ Um coelho, o que acha?

Sacudo o presente como se fosse algo óbvio, embora eu saiba que o bicho seja realmente esquisito. É roxo com bolinhas amarelas e orelhas enormes. Tirando a cor, parece um coelho.

ㅡ Ah, que bonitinho… Vai colocar na sua caminha, Jhonny?

ㅡ Não, vou dar para Vivian. Ela vai adorar.

Ele troca um olhar cúmplice com Martin e ambos falam em um coro grotescamente debochado:

ㅡ Fofo!

Reviro os olhos e rio. Gregory se despede de todos, de Pablo com um abraço apertado, parabenizando-o pela data, e vai embora. Coloco o bicho na poltrona e arranco a camisa suada do corpo. Percebo os olhares sem graça dos meus amigos na minha direção. Pego uma toalha e uma muda de roupa na minha mochila e meio que cubro o meu peito, um pouco aborrecido.

ㅡ Vou tomar uma ducha.

Pablo me segue e me para antes que eu entre no banheiro.

ㅡ Foi mal, hermano

Eu suspiro forte e sorrio fracamente.

ㅡ Sem problemas. Sei que não é uma marca agradável de se olhar.

Tranco-me no banheiro e me observo diante do espelho. Eu posso dizer que tenho o corpo perfeito, eu malho para isso, todos nós malhamos. Nossa imagem conta no nosso trabalho. Porém, essa cicatriz que me acompanha desde a infância é algo perturbador. Não me deixa esquecer. 

Chacoalho a cabeça e me jogo debaixo da ducha fria para espantar os pensamentos tristes. Xingo um palavrão porque está gelada pra cassete. Posso ouvir a troça dos rapazes lá fora, pois provavelmente me escutaram. 

Não me demoro muito, os outros também irão querer tomar um banho antes de sairmos. Enquanto esperamos Martin tomar sua chuveirada, eu vejo a carteira de Gregory sobre uma mesa.

ㅡ Fala sério! Gregory esqueceu a carteira de novo!

ㅡ Ah, amanhã a gente entrega para ele, hermano.

ㅡ Não, Pablo. Ele estava mal. E se precisar comprar algum remédio? ㅡ Batuco levemente com os dedos sobre a mesa. Retiro meu celular da mochila para conferir o horário e o guardo no bolso do casaco que visto. ㅡ Vamos fazer assim, eu levo a carteira e aproveito para ver se ele precisa de alguma coisa. Volto a tempo de assoprar as velinhas e enfiar a sua cara no bolo!

Pablo ri e mostra o punho cerrado para mim. 

ㅡ Monika não vai reclamar de você chegar tarde hoje? 

ㅡ Não, Arthur. Ela vai dormir com a Vivian na casa da irmã. Lucy não tem passado muito bem ultimamente e, assim, posso ficar com vocês sem me preocupar com o horário. Vou lá no Gregory, volto logo.

ㅡ É, vá ver sua segunda esposa!

Arthur dá uma gargalhada alta, até vejo seus músculos do abdômen se contraírem debaixo da camisa.

Mané…

Mostro-lhe o dedo do meio, pego a carteira e a minha mochila e sigo para a porta.

ㅡ Comportem-se!

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Fico feliz que o clima tenha melhorado, apesar de ainda haver neve na estrada. Acabo levando uns vinte minutos a mais do que esperava para chegar na casa do meu amigo, pois o asfalto estava um pouco escorregadio. Eu paro o carro do outro lado da rua e saio já puxando o capuz do casaco preto.

Frio maldito!

Depois de esfregar as mãos enluvadas uma na outra, atravesso a rua. A casa de Gregory tem um muro alto para diminuir o assédio dos fãs, já que ele não mora em um condomínio fechado. Como tenho uma cópia das chaves, entro sem cerimônia e sem aviso. 

Se ele estiver descansando vou apenas deixar sua carteira dentro de casa e voltar para a festa do Pablo. 

Paro surpreso ao ver o carro de Monika logo atrás do carro de Gregory em frente a casa dele.

O que ela está fazendo aqui? Será que ele passou tão mal que precisou de ajuda? 

Eu me aproximo do veículo, certificando-me de que é o dela. 

Deve ter ligado para ela para não me tirar da festa.

Eu suspiro e sacudo um pouco o capuz. Voltou a nevar de leve, uma tênue cortina gelada me envolve. Rumo para a porta da frente e quando estou prestes a bater, escuto um grito alto. Um grito que conheço muito bem. Dou um passo para trás com uma horrível sensação. 

Parece até a Monika quando está comigo na cama…

Mordo minha boca e ando de um lado para o outro na soleira da porta sem conseguir acreditar. 

Não… Devo estar ouvindo coisas…

Ouço mais gemidos e olho para a segunda janela depois da porta por onde escapa uma rala claridade. Uma angústia me invade e engulo um pouco de saliva que desce rasgando pela minha garganta. A maldita curiosidade me vence e eu caminho lentamente até a janela. O que eu vejo, me destrói por dentro. Levo minhas mãos para a minha nuca e me afasto em silêncio. Sufoco o grito de fúria que me assola. Monika está de quatro, nua sobre a cama, enquanto Gregory a está fodendo por trás. 

Puta desgraçada! Traidor dos infernos!

Volto para o carro, cego de raiva. A visão um pouco embotada pelas lágrimas, a razão dando adeus ao meu cérebro. 

Vou matar aqueles dois!

Abro o porta-malas e pego uma chave de boca. Flocos de neve se acumulam no objeto em minhas mãos. A imagem do rosto da minha filha invade meus pensamentos. É quando me dou conta da merda que ia fazer.

Vivian…

Um conselho que dei a ela, quando bateu em um garoto na escola, pisca como um letreiro luminoso na minha mente.

Tente pensar primeiro antes de agir por impulso.

Por ela, eu engulo meu orgulho ferido e guardo a chave de volta em seu lugar. Por ela, decido não matar ninguém hoje. Por ela, tomo para mim a lição que tanto tento ensiná-la. Por ela, apenas.

Lembro-me do que já fui obrigado a fazer para livrar a banda de um cara inescrupuloso uma vez. Não é a mesma coisa, porém vou dar o troco naqueles dois traidores sem lhes dar a chance de revidar. Saco o celular do casaco e retorno para a janela. Bato algumas fotos e gravo um vídeo de trinta segundos dessa situação deplorável de merda. Não aguento mais do que isso. Volto para o carro e vou embora. Durante o trajeto faço uma ligação.

ㅡ Pai? Preciso de um favor enorme.... 

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ㅡ Jhonny? O que faz aqui?

Não respondo a pergunta de Lucy e já invado sua casa assim que ela abre uma brecha na porta.

ㅡ Vivian!

Chamo por minha filha, ignorando a cúmplice daquela vadia. Impossível que ela não soubesse e não acobertasse a irmã.

ㅡ Jhonny, o que está acontecendo? 

Viro-me para ela e berro furiosamente.

ㅡ Onde está minha filha?

Ela arregala os olhos e quando vai abrir a boca, minha garotinha surge de uma porta. 

ㅡ Papai?

Eu corro até ela e a abraço forte. Só ela me conforta. É o meu bem mais precioso. Afasto-me um pouco para olhar seu rosto e aliso seus cabelos.

ㅡ Princesa, vá arrumar suas coisas. Você vai comigo agora, está bem?

ㅡ Por quê?

ㅡ Vou te levar para um lugar especial.

Ela abre um sorriso lindo.

ㅡ Onde?

Olho de canto de olho para Lucy rapidamente. Ela está nervosa e arruma uma mecha de cabelo loiro comprido para disfarçar.

ㅡ É surpresa, meu bem. Agora vá, rápido.

Ela acena com a cabeça e segue saltitante de volta para o quarto. Assim que ela some de nossas vistas, Lucy puxa o celular do bolso da calça.

ㅡ Jhonny, se não me disser para onde vai levá-la, juro que chamo a polícia!

Tomo o aparelho de suas mãos e o arremesso na parede do outro lado da sala. Ele fica em pedaços. Depois, vou para a cozinha e arranco o telefone de parede com fio e tudo. Lucy fica horrorizada e corre para a porta de saída. Eu vou atrás dela, a seguro pelo braço e a empurro brutalmente contra a parede. Saco do meu celular e carrego uma das fotos daquele show pornô de mau gosto na tela, mostrando a ela. Seus olhos castanhos parecem quase saltar para fora da cabeça.

ㅡ Preciso explicar mais alguma coisa, cunhadinha? Quer chamar a polícia? Pois, faça. Adultério também é crime. Só estou tirando minha filha das mãos de duas depravadas. O aborto que você fez foi para que pudessem continuar a dividir o mesmo macho? Não vai ter juiz no mundo que não me dê razão depois de ver essas imagens. 

Sua boca se abre e ela fica gaguejando, sem saber como começar. Por fim, ela suspira derrotada. Nada do que diga poderia justificar o que vi. Ela olha rapidamente para a porta por onde Vivian passou e sussurra:

ㅡ Eu nunca estive apaixonada pelo Gregory. Em uma das vezes que se encontraram aqui, os dois brigaram porque ele queria que ela abrisse o jogo com você e te deixasse para ficar com ele. Minha irmã não aceitou e foi embora. Ele começou a beber e eu só o acompanhei. Sinceramente, sequer me lembro direito do que aconteceu, só de acordar ao lado dele no dia seguinte com uma ressaca infernal. Monika ficou puta da vida comigo quando o exame de gravidez deu positivo e contei a ela quem era o pai. 

ㅡ Então, para não atrapalhar o caso da sua irmã e ficar numa boa com ela, você decidiu abortar… Muito comovente…

ㅡ A decisão não foi minha. 

Achei que já houvesse recebido todos os choques possíveis de uma vida inteira. Para isso eu não estava preparado.

ㅡ Monika sugeriu o aborto?

ㅡ Não. Ela me trouxe a medicação e me fez tomar. Você realmente é ingênuo ao ponto de acreditar que ela veio na minha casa, exatamente no dia em que abortei, por acaso?

 ㅡ Por que continuou encobrindo a Monika depois do que ela e Gregory te fizeram?

ㅡ Ela é minha irmã, oras! Já me tirou de muita merda na vida. Se não sou uma drogada perdida é porque ela sempre cuidou de mim. De qualquer forma, eu não queria ter um filho com aquele idiota do Gregory. Chorei apenas de dor e de raiva. 

ㅡ E quanto a mim, Lucy?

Ela desdenha com um sorriso no canto da boca.

ㅡ O que tem você, Jhonny? Você não é ninguém para mim.

Eu a solto boquiaberto. Vivian reaparece com sua mochila nas costas e seu inseparável Kermit nas mãos e eu me afasto da vadia diante de mim.

ㅡ Estou pronta! Tchau, tia Lucy!

Eu a pego no colo e ajeito seu capuz. Faço um carinho em sua bochecha e ela depois me abraça quando caminho para fora da casa. 

ㅡ Jhonny! O que eu falo para a Monika? ㅡ Coloco minha filha em sua cadeira de segurança e fecho a porta do carro. ㅡ Jhonny!

Assumo o volante e dou um último olhar para a cunhada que nunca mais desejo ver na minha frente.

ㅡ Você não é ninguém para mim, Lucy. Diga o que quiser, não me importa.

Saio cantando pneu, com ela aos gritos atrás do carro. Vivian faz algumas perguntas sobre a situação, que despisto inventando que eu e sua mãe estamos fazendo uma brincadeira com a tia. Não estou preparado para dizer-lhe a cruel verdade agora. Embora saiba ser inevitável mais cedo ou mais tarde. 

Dirijo por quase uma hora até chegar em uma fazenda entre Rockville e Frederick. Meu pai a comprou há alguns dias e, por causa do volume de trabalho, sequer me lembrei de comentar com alguém, nem mesmo com a vagabunda da minha esposa. Ou melhor, futura ex-esposa.

Ele já está na porta quando estaciono em frente ao casarão rústico de madeira. Vivian pula para fora do carro direto para o colo do avô quando abro a porta do veículo.

ㅡ Vovô! Essa casa é sua?

ㅡ Sim, querida. Está com fome? Tem um lanche delicioso para você. Fiz panquecas.

ㅡ Oba! ㅡ Ele a coloca no chão e ela segura minha mão. ㅡ Vamos comer, papai! 

Eu me agacho diante dela e respiro fundo. É a primeira vez que vou ter que mentir para ela, mesmo que a situação seja um caos na minha cabeça, nada justifica. No entanto, agora não é o momento apropriado para explicar nada.

ㅡ Princesa, o papai tem que trabalhar. É uma turnê e vai levar alguns dias. Então, você vai ficar esse tempo com o vovô. Tudo bem?

ㅡ Eu não posso ir?

ㅡ Não dessa vez. Sua documentação não ficou pronta a tempo.

ㅡ Ah, que pena… A mamãe vai vir depois?

ㅡ Não, ela também vai trabalhar.

ㅡ É verdade. Tinha esquecido que ela trabalha com o senhor.

Até eu tinha me esquecido disso.

ㅡ Bom, então comporte-se e obedeça o vovô. Caso contrário, você não vai passear de pônei.

Ela abre uma boca do tamanho do mundo e vira para o meu pai.

ㅡ O senhor tem um pônei?

ㅡ Uma criação, querida. De manhã mostro a você. Agora entre, está muito frio.

ㅡ Sim, senhor!

Ela bate continência e corre para a casa. No meio do caminho, ela para abruptamente e volta na minha direção. Abaixo-me para ficar na sua altura e ela se joga nos meus braços, dando-me um beijo demorado no rosto. 

ㅡ Eu te amo, papai!

Eu retribuo seu carinho e sufoco as lágrimas dolorosas. 

ㅡ Eu também te amo, princesa. Agora entre.

Logo Vivian corre para dentro da casa alegremente, sem a menor ideia da tormenta que está por invadir nossas vidas. Meu pai me lança um olhar piedoso através das grossas lentes de grau. Ele pesa a mão no meu ombro e o aperta.

ㅡ Como você está, filho?

Eu me ergo, apoio as mãos na cintura e dou uma risada curta e amargurada.

ㅡ Um lixo. ㅡ Levanto meu olhar na direção do dele. ㅡ Obrigado por ficar com ela esses dias, pai. Minha vida está virando de cabeça para baixo, não queria a Vivian perdida no meio disso tudo.

Ele me dá um sorriso reconfortante.

ㅡ Cuidar da minha neta para que o meu filho possa se organizar não é nenhum sacrifício.

ㅡ Mesmo assim, obrigado. ㅡ Seu sorriso aumenta e ele abre os braços. Eu aconchego meu rosto em seu ombro, abraçando seu tronco e seus braços fecham ao redor de mim. Tem cheiro de madeira. Um cheiro que me acompanha desde pequeno e me traz paz. ㅡ Não consigo entender, pai…

Minha voz falha e um bolo na garganta me sufoca dolorosamente. Meu pai afasta um pouco o rosto e eu levanto o meu. Ele mantém uma mão firme no meu ombro esquerdo, enquanto sua mão livre espalma levemente minha bochecha. 

ㅡ Jhonny, não perca seu tempo querendo entender o inconcebível. Aquela mulher não merece você. 

ㅡ Será mesmo? Será que, de alguma forma, eu não teria feito algo que a jogasse nos braços do Gregory? Eu vivia pedindo outro filho, mesmo sabendo que ela não queria. Talvez, eu…

Eu me perco nas palavras e suspiro com um desânimo sem precedentes.

ㅡ Filho, nada justifica o que você viu. No entanto, lembre-se: Você é um Williams. A vida não te dá rasteiras. É você quem faz seu caminho. Olhe para frente, foque no seu objetivo, como você sempre faz. 

Eu meneio a cabeça confirmando e puxo o meu velho pela nuca para tocar sua testa com a minha.

ㅡ Está bem. O que seria de mim sem o senhor?

Ele estica os lábios em um sorriso.

ㅡ Eu poderia fazer a mesma pergunta.

Nós nos soltamos, sigo para o porta-malas do meu carro e retiro a bagagem de minha filha. São três malas que coloco na varanda da casa. Arrumei tudo depois do flagrante que dei naqueles dois, antes de pegar Vivian na casa da tia. 

ㅡ Peguei o essencial dela, seus brinquedos, livros e roupas favoritos. Se ela sentir falta de alguma coisa, me ligue.

ㅡ Tudo bem. ㅡ Apertamos as mãos e ele me puxa para mais um abraço, dando uns tapinhas nas minhas costas. É reconfortante. ㅡ Você vai sair dessa, filho. 

ㅡ Sim, eu vou. Minha maior motivação está devorando suas panquecas.

Sorrimos um para o outro e dou uma última olhada na minha filha através do vidro da janela, que está lambendo as mãos meladas com a geleia das panquecas. Volto para o carro e assumo o volante com o coração apertado. Meu pai se debruça e apoia os braços na janela aberta do meu veículo.

ㅡ Monika provavelmente vai me ligar.

ㅡ Não vai não. Vou acabar com essa merda hoje.

Ele aperta a mão ao redor do meu antebraço.

ㅡ Eu sei que você está com raiva agora e não te culpo por isso. Contudo, lembre-se do que sempre te disse…

ㅡ "Pense primeiro antes de agir." Não se preocupe, pai. O senhor me ensinou bem. 

Ele sorri satisfeito e se afasta do carro. Eu ligo o motor e dirijo de volta para casa. No meio do caminho recebo uma ligação do Pablo.

Merda… Eu me esqueci completamente do seu aniversário.

Paro o veículo e atendo a ligação. 

ㅡ Jhonny, por que está demorando tanto? Bateu com o carro?

Sei que sua pergunta foi em tom de brincadeira, porém…

ㅡ Antes fosse.

ㅡ Como assim? O que…

Não permito que ele continue e o interrompo.

ㅡ Pablo, me escute com atenção. Sinto muito pela sua festa, mas não vou poder voltar. Tenho que resolver umas coisas. A partir de hoje, Gregory não faz mais parte da HelioX, muito menos Monika terá acesso a qualquer projeto.

Hermano, como assim? O que aconteceu?

ㅡ Eu te conto depois, agora não dá. Posso ficar na sua casa uns dias?

ㅡ Não precisava nem pedir, pode contar comigo. A chave reserva está no lugar de sempre. É tão grave assim?

ㅡ Amanhã eu te explico. 

Encerro a chamada e rumo para casa. Por ironia do destino, o carro derrapa na pista gelada e quase acerta uma árvore antes de parar. Fico alguns minutos com as mãos coladas ao volante, tentando controlar minha respiração caótica e meu corpo trêmulo. Repouso minha testa na direção um momento.

Merda...

Puxo o ar com força e ligo o motor novamente, retomando meu caminho. Não guardo o carro na garagem, não pretendo ficar mais do que o necessário nesse lugar que foi um falso lar. Dou uma última olhada no quarto de Vivian, verificando se não me esqueci de nada. Depois rumo para o meu quarto e faço minhas malas. Meu celular toca algumas vezes enquanto levo a bagagem para o meu carro. Reconheço o toque diferenciado e não atendo. 

Essa puta vai ficar esperando.

Vou para o estúdio e olho o interior com tristeza, que logo é substituída pela ira quando vejo um dos teclados de Gregory.

O que eu fiz de tão monstruoso para merecer ser traído por alguém que considerava um irmão? Talvez… Talvez, eu fosse o único a dar valor a algo que nunca existiu...

Fecho a porta do estúdio e mudo o código de segurança. A tranca é eletrônica e precisa de senha para destravar. 

Tenho equipamentos caros aqui, por isso tive esse cuidado. Mas, agora, só quero evitar que Monika destrua meu trabalho em um ímpeto de fúria. Meu estúdio com certeza seria sua vítima.

Paro no meio da sala e olho ao redor. É dolorosamente nostálgico. A casa que sempre quis, a família que tanto sonhei. Tudo acabado. Observo minha última mala no meio do lugar e me deixo desabar sobre o sofá. Tiro o celular das redes sociais do bolso do casaco e começo a mudar as senhas de acesso em cada aplicativo. Faço a mesma coisa no meu celular pessoal. Não deixo nada passar, aplicativos de banco, cartões de crédito… Aproveito o embalo e mando uma mensagem para Mike.

Jhonny: Por favor, exclua Monika de todos os novos projetos da HelioX. 

Mike: O que houve, Jhonny?

Jhonny: Vou me separar dela. Gregory também está fora da banda. Não me pergunte mais nada no momento.

Mike: Ok. Se precisar, estarei aqui.

Jhonny: Obrigado.

Vou acabar com eles onde mais dói. No bolso.

Então, envio as fotos e o vídeo para o e-mail do meu advogado, com cópia para Monika, com apenas uma frase: "Providencie a papelada do divórcio."

Jamais me imaginei em uma situação tão humilhante como essa. Tampouco, que conseguiria agir com tanto sangue frio. Entretanto, se tem algo que meu pai me ensinou é que cabeça quente não resolve nenhum problema, às vezes até piora. Aprendi vendo-o lidar com as coisas da mamãe e da Sarah depois do acidente. Com seu empenho para a minha recuperação no hospital. Eu não estaria vivo se ele não tivesse sido tão persistente e racional.

Lembro-me do rosto do Gregory sobre mim, tentando me manter desperto após me retirar com grande esforço das ferragens antes que o carro ficasse em chamas. Ele não se importava com o enorme ferimento em sua cabeça. Recordo-me de vê-lo gritar e fazer sinal para carros passantes. Sua preocupação, seu desespero, naquela época, eram genuínos. 

O que mudou, Gregory? O que te fez me odiar tanto assim ao ponto de… De me trair de forma tão baixa?

Meu celular toca novamente e eu urro de raiva. Rejeito novamente a chamada de Monika e fecho meus olhos. 

Não faço a menor ideia de quanto tempo se passou. Eu não dormi, apenas fiquei sentado no escuro, olhando para o vazio, revendo minha vida em minhas lembranças, tentando entender onde eu tinha errado tanto. 

Monika nunca reclamou de nada. Jamais deu sinais de que estivesse insatisfeita comigo ou com nossa vida. Sempre disse que me amava...

O barulho de chaves na porta não me abala. Permaneço quieto, com as mãos cruzadas sobre a barriga, em total silêncio. Monika entra apressadamente e acende a luz. Ela sequer me nota e vai direto para o quarto de nossa filha.

ㅡ Vivian!

Ela pragueja ao perceber que o quarto está vazio e retorna para a sala. É quando finalmente me vê e se assusta ao ponto de gritar. Eu permaneço imóvel, olhando para ela, analisando friamente sua figura.

ㅡ Porra, Jhonny! Que história é essa de pegar a Vivian na minha irmã sem me avisar? 

Certamente Lucy contou para ela que eu sei do seu caso com Gregory. Está se fazendo de sonsa. Também vai bancar a vítima ou inventar que foi uma escorregada de um dia somente. Mesmo que fosse por apenas um segundo, eu jamais os perdoaria. 

ㅡ Há quanto tempo? ㅡ Pergunto seriamente, sem sair do lugar.

ㅡ Do que está falando?

ㅡ Quanto tempo? 

Não elevo minha voz. Falo pausadamente, como se ela fosse uma retardada mental. Ela desvia o olhar para o chão, depois de expelir o ar, e apoia uma das mãos na cintura. 

ㅡ Vai fazer alguma diferença?

ㅡ Não. É só curiosidade mesmo para saber há quanto tempo você me faz de idiota.

ㅡ Nunca quis isso, Jhonny. Eu tenho um carinho enorme por você e…

Eu dou uma gargalhada irônica e me levanto. Caminho calmamente em sua direção e ela recua um passo, tamanha é a frieza no meu olhar e o desdém na minha voz.

ㅡ O amor virou carinho agora? Que piada… Você não tinha nada menos clichê para dizer?

ㅡ Olha, só quero saber onde está minha filha…

Sua voz falha e eu seguro seu queixo rudemente para que me encare.

ㅡ Você por acaso se lembrou de que tinha filha enquanto estava fodendo com o seu amante?

ㅡ Uma coisa não tem nada a ver com a outra! Você não pode tirá-la de mim!

ㅡ Eu já tirei. 

Ela olha para a mala no meio da sala um momento.

ㅡ Está me mandando embora?

Agarro os cabelos de sua nuca e os puxo com força para baixo. Ela geme e eu sussurro em seu ouvido:

ㅡ Não, querida. Vou deixar essa casa como gorjeta pelos quinze anos de boa foda. Não posso negar, você é profissional. Pode se sustentar só com seus favores sexuais. Espero que tenha feito uma gorda poupança porque de mim não receberá mais nem um centavo. Mudei a senha de segurança do estúdio. Assim que puder vou m****r alguém buscar os equipamentos. Se algo estiver com o menor arranhão, vou cobrar em dobro.

Eu a arremesso contra o sofá e ela cai sentada sobre ele.

ㅡ Você não pode fazer isso comigo! Tenho direitos!

ㅡ Olhe o seu e-mail, Monika. Depois, me diga se ainda vai querer argumentar sobre direitos. 

Agarro a alça da minha mala e a arrasto porta afora. Coloco-a no porta-malas junto com as outras e o fecho. Ouço aquela infeliz gritar meu nome, no entanto não lhe dou mais ouvidos.

Estive cego por ela durante quinze malditos anos. Não mais.

Enquanto dirijo para o prédio do Pablo, passo pelo centro. Já é tarde da noite, todo o comércio está fechado. Vejo um posto com um pequeno centro comercial e decido abastecer e comprar alguma coisa. Não comi nada desde a apresentação e o meu estômago começa a reclamar. Deixo a chave do carro com o frentista e sigo para a loja de conveniências. Tem algumas lojinhas vinte e quatro horas abertas, inclusive um sex shop. Em outras circunstâncias, eu estaria comprando algo naquele lugar para uma noite quente.

Porra, Jhonny! Esqueça essa mulher! Ela não merece!

Peço um sanduíche e um refrigerante para viagem ao atendente. Ele me reconhece na hora e pede um autógrafo. Eu forço um sorriso e faço sua vontade, além de posar para uma selfie

Ossos do ofício. 

Quando enfio a mão no bolso do casaco, encontro a carteira de Gregory. Um sorriso maquiavélico me corta os lábios.

Sei todas as senhas dele.

ㅡ Vou querer também o whisky mais caro que tiver.

ㅡ Sim, senhor!

Eu pago a gasolina, o lanche e a bebida com o cartão do meu ex-amigo. Quando saio, olho para o sex shop

Quis foder com a minha esposa, Gregory? Pois, vou te foder também.

Visto o capuz do casaco, de forma a esconder meus cabelos e parte do meu rosto. Entro na lojinha cheia de apetrechos exóticos. Eu sei qual o limite dos cartões dele e compro todas as camisinhas, tubos e potes de todo tipo de creme, várias fantasias e brinquedos sexuais. Foi o estoque da loja toda. Tudo nos cartões daquele desgraçado, à vista. Limite zerado.

ㅡ Qual o endereço para entrega, senhor?

Eu dou um endereço qualquer, não me importa. Quem quer que receba a mercadoria que faça bom proveito. No entanto, já que estou solteiro, é claro que fico com alguns itens como camisinhas, duas mochilas. 

Acho que os rapazes vão gostar de algumas dessas...

Tudo acertado com a vendedora, que manteve um sorriso de um canto ao outro do rosto, volto para o carro e sigo para o apartamento do Pablo.

Ele mantém uma cópia de suas chaves embaixo de um jarro de samambaia pendurado ao lado da porta. 

Qualquer dia esse mané ainda vai encontrar uma fã assanhada dentro de casa. Bom, talvez seja isso que ele queira afinal.

Sacudo minha cabeça para dispersar esse pensamento divertido e abro a porta. Dou uma rápida olhada pelo lugar e vejo que ele ainda não chegou. 

Melhor assim, não quero ver ninguém agora. 

Levo minha bagagem para o quarto de hóspedes. Desabo sobre a cama e cubro meu rosto com um braço. Só então permito que o desgaste emocional me atinja. Uso um travesseiro para sufocar meu desespero. 

Só por essa noite eu me permito chorar. Quando o sol nascer, vou seguir em frente com a minha vida. Pela minha filha.

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