Prólogo - Agora

Nova York — Central Park

2020 Meados de março — Hora incerta

A tênue luz alaranjada iluminava uma estrada deserta qualquer.

A neve rodopiava lentamente seus minúsculos globos de gelo, que se acendiam ao contato com a luz. Árvores retorcidas, ressecadas e cobertas por neve, davam um ar assustador a quem as olhava.

Mostrando indícios fantasmagóricos de um Central Park que há muito tempo não existia.

Sobre uma estrada encoberta por gelo, um ser desafiava a densa tempestade de neve que caía sem parar. Ele cavalgava em cima de um cavalo marrom escuro.

A tocha tremulava uma chama quase morta, que insistia em desafiar os ventos gelados do dia que se transformara em noite. Sobre o cavalo, um jovem rapaz com longos cabelos e barbas ralas olhava para frente, como se procurasse por algo além de sua visão. Usando roupas quentes e grossas, parecia já acostumado com o frio. O cavalo afundava seus cascos na neve, que o cobria até as pernas. Ele sofria, e seu dono sabia que, a qualquer momento, não resistiria a mais horas de caminhada, mas precisava chegar a seu destino antes que a tempestade se acalmasse.

— Aguenta só mais um pouco. — Disse o homem, acariciando as costas peludas e geladas de seu cavalo. — Estamos chegando, só aguente mais um pouco.

O cavalo relinchou, inundando o ar com sua respiração em forma de vapor. Ele tremia, e seu dono temia por sua vida. Ele sabia que, se seu cavalo morresse, ele teria que se arriscar em uma estrada que, a cada centímetro à frente, afundava-se cada vez mais, o que, para ele, era o real perigo, pois, por baixo de toda a neve, algo maligno se escondia.

Olhou para frente, forçando a vista na vasta escuridão, mas só conseguiu ver neve e fantasmas escuros do que um dia foram prédios e torres. O cavalo que caminhava lentamente relinchou num salto. O rapaz se segurou, apertando com as mãos enluvadas a sela que prendia o pescoço do animal.

Quase foi jogado para trás com o impulso. Por sorte, ou talvez força, conseguiu se equilibrar.

Ele estava inquieto, como se houvesse acabado de ver algo que o assustou. O rapaz, preocupado, apertou a visão e olhou para todas as direções possíveis. Nada. Tudo se encontrava turvo e embaçado — por conta da escuridão misturada à neve, não conseguia ver nada. As chamas fracas da tocha estavam quase no fim, não ajudando mais na iluminação, o que o preocupou ainda mais. Ele sabia que, sem luz, correria perigo.

Rasgou de suas vestes um pedaço de pano e cuidadosamente o enrolou no fino pedaço de madeira. Chamas azuis fracas entraram em combustão assim que o pano entrou em contato, alimentando as chamas, dando novamente vida a ela.

Precisava sair o mais rápido possível do Central Park. Um campo aberto era perigoso, precisava encontrar um abrigo até a tempestade dar uma trégua, mas não sabia se seu cavalo aguentaria dar mais alguns passos.

— Calma, menino... — Acariciou mais uma vez o pescoço peludo do animal, tentando acalmá-lo.

Ele parecia assustado, cansado e faminto. Misto esse que o deixava inquieto.

— Vamos achar um lugar seguro para ficarmos. Eu prometo. Só aguente, OK?

Ele relinchou, parecendo entender seu dono, e lentamente voltou a caminhar.

Enquanto afundavam e abriam caminho pela profunda neve, o rapaz pôde notar algo que o chamou a atenção quinhentos metros à frente, quase impossível de ser avistado. Viu em um dos prédios — petrificados com o tempo — a quinze metros de altura, uma luz fixa em uma das janelas. Era quase como se alguém houvesse colocado ela ali de propósito, para chamar a atenção de qualquer viajante moribundo.

Estava animado e esperançoso, pois, ao que parecia décadas, veria outro ser humano. Alguém para conversar. Alguém como ele. Um sobrevivente.

— Por Deus... — Disse num sorriso. — Está vendo, garoto? Estamos com sorte.

Bateu a sela do cavalo para que pudesse correr mais rápido. Não via a hora de chegar ao seu novo destino.

Enquanto caminhavam, sentiu o vento gelado cortar seu rosto, os flocos gelados derretiam a pele queimada do rapaz. Pôde também ouvir um barulho. A princípio, pensou que fosse um galho seco cedendo ao gelo pesado. Nada que pudesse preocupá-lo.

Mas não era nada do que pensara.

Ouviu, ao mesmo tempo, outro som. Desta vez, bem mais perto. Um som oco vindo de sua frente. Sem entender, olhou, procurando a origem do estranho som. Nada parecia fora do normal. A não ser por seu cavalo, que parou de repente. Sem entender, levou a tocha com suas — novamente fracas — chamas até perto da cabeça do animal. Seu coração acelerou ao notar um pequeno furo no meio da testa do cavalo. No momento, não entendeu o que havia acabado de acontecer. Ficou chocado ao ver que o mesmo furo trasbordava litros de sangue. O cavalo havia sido baleado.

Após notar o que realmente havia acontecido. Sentiu o cavalo ceder e tombar, já morto.

— NÃO... MEU DEUS! — Gritou, caindo junto ao corpo do animal sem vida.

Sentiu, com a queda, uma estranha pressão vir da sua perna. Ela ficou presa assim que o cavalo desmoronou. Sentiu a neve gelada molhar suas roupas e a dor vir de vários cantos do corpo.

Confuso, procurou pela tocha, mas tudo o que encontrou foi a madeira jogada ao longe. A chama havia se apagado, restando apenas vapor do gelo que sugava o restante do calor que ainda produzia.

Ele estava no escuro.

Apertou os olhos, mas não viu nada. Tentou umas cinco — ou mil — vezes tirar sua perna de baixo do corpo. Mas ele era pesado demais, e o rapaz — já sem forças — fraco. Passou a mão na neve, buscando algo que pudesse ajudar, mas sentiu apenas o sangue do animal, que já se adensava ao redor.

Respirou fundo, tentando entender o que acabara de acontecer, mas estava desesperado demais para pensar. Só queria se soltar e dar o fora daquele maldito lugar. Tentou cavar a neve para que pudesse pelo menos movê-la um pouco, mas nada estava a seu favor.

— Porra! — Cochichou, olhando para frente, tentando enxergar o atirador. Nada. Apenas escuridão.

Se não conseguisse sair, com certeza, morreria.

Praguejou, sentindo lágrimas molharem seu rosto. Desejou que, se fosse morrer, que fosse rápido. Não aturaria mais sofrimento. Já tinha passado por muita coisa. Tudo o que queria era que fosse rápido e sem sofrimento.

Fechou os olhos e rezou. Rezou para Deus que aquela merda acabasse logo. Que finalmente descansasse.

Enquanto rezava, não notou o mesmo barulho que matou seu cavalo soar à sua procura. Seja quem fosse, queria-o morto. Mantendo os olhos fechados, sentiu, de repente, a dor abater seu ombro.

Ele gritou.

Chorou.

Abriu os olhos. E percebeu que tudo estava embaçado, mas, mesmo assim, viu, a metros à frente, luzes se aproximando. Sangue podia ser sentido em sua boca. Vendo que aquele era seu fim, olhou para o céu, apreciando os flocos de neve dançando no ar. Ouviu passos se aproximando. Quase desmaiando de dor e cansaço sentiu alguém o sacudir. Ouviu vozes ao fundo, tudo parecia meio distante como um sonho. Abriu os olhos pela última vez e, com toda a sua força, notou — ou não — um rosto encarando-o. Parecia uma mulher encapuzada. Tudo estava embaçado. Notou que o cabelo era avermelhado e os olhos verdes.

"Você está bem?"

Ele conhecia aquela voz, conhecia aquele rosto, mas estava muito fraco para formular alguma palavra.

"Ele está muito ferido..."

"Vamos levá-lo"

E mais nada.

Tudo ficou escuro como uma tela negra.

E seu último pensamento foi:

"Finalmente, estou morto."

E silêncio...

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