Capítulo 3

Melissa Anderson

Deixo as lágrimas saírem livremente pelos meus olhos, não vejo necessidade de controlar-me e mesmo se eu tentasse não conseguiria. O nervosismo toma conta de mim fazendo com que me sinta vulnerável apesar de não me sentir assim há muito tempo.

Não acredito que confiei nele, estou me sentindo tão patética que a vergonha toma conta de mim, em alguns momentos não controlo o choro desesperador que saí de dentro de mim.

Não quero que ele ouça, por isso tempo faze tudo ser o mais silencioso possível. Quando ouço-o gritar com Théo para me levar embora perco todo o controle e me sinto uma inútil novamente, aquela que nunca vai servir, a que faz tudo errado.

Antes eu realmente não queria servir e mantar este corpo magro me ajudou a ter sanidade, mas hoje eu senti algo diferente, confiei que poderia ter uma vida normal com um bom emprego e alguém especial, porém agora percebo que a vida só me iludiu como sempre fez.

A fila era muito grande e eu sempre quis ser a última por que eles nunca me escolhiam. Eram muitos homens e as meninas andavam com agilidade, eles nos mandaram sorrir, pois tínhamos que conseguir algo nesta noite, mas eu não queria sorrir, estava com medo.

Acredito que não são todas as garotas de nove anos que gostam de desfilar para homens com mais de 40. Sinto minhas mãos tremerem e o gelo percorrer meu corpo, meu cabelo esta amarrado em um coque e coloquei algumas roupas a mais para garantir que nada seria visto.

Quando chega a minha vez, ainda faltam três homens e além de mim tem mais duas garotas se eu não for selecionada o dono vai perder dinheiro e a culpa será apena minha, contudo prefiro ser castigada a passar a noite com eles.

Seus olhos me perseguem, eu não os encaro diretamente olho para minhas mãos. Também não sorrio. Um dos homens levanta e vem me analisar mais de perto, vejo pela sua expressão que ficar sem tomar banho ajudou e fico feliz quando ele nega com a cabeça e me deixam ir embora.

Saio apressada pensando que me livrei mais uma noite, é sempre uma noite de cada vez, me permito sorrir, mas meus lábios não se mexem, pois sou puxada fortemente pelo braço.

O dono esta em minha frente, ele parece bem irritado. Suas mãos seguram os meus braços e ele começa a me arrastar para dentro do prédio, chegamos a uma sala e ele me joga no chão e tranca a porta.

— Até quando pensa em fazer isso sua vadia? – Indaga gritando.

— Eu não fiz nada, não tenho culpa que não me escolhem. – Digo com medo de apanhar.

— Acha que me engana. Você não significa nada Clara, não se guarde ninguém nunca vai amá-la. – Grita e me levanta.

— Não senhor, mas não acho que seja culpa minha. – Defendo-me e ele me encara e começa a sorrir, sinto medo de suas gargalhadas.

— Odeio fazer isso, mas você esta precisando aprender uma lição. – Exclama e começa a tirar minhas roupas.

Fico em choque e sei que não adianta lugar contra ele, eu perderia facilmente. Quando não tem mais o que tirar vejo-o colocar algo para fora do zíper de sua calça e fazer com que aquilo entre fortemente em mim.

Grito ao sentir a dor e a ardência de sua força, sinto como se estivesse sendo completamente rasgada e desconfio que realmente esteja. As lágrima saem livremente pelos meus olhos enquanto ele continua investindo contra mim e rindo do meu sofrimento, da minha dor.

Neste momento percebi que eu não tinha nada e não era ninguém, nem o meu próprio corpo podia pertencer a mim mesma tudo era do dono. Eu era como um bicho e tinha que obedecer, a partir deste dia nada mais importava.

Ele se afasta de mim e vejo o sangue no chão junto com algo que ele liberou as meninas já tinham falado sobre isso, mas eu nunca quis vivenciar. Ele parece feliz e o seu sorriso assustador é a última coisa que vejo antes de apagar.”

Acordo assustada e percebo que dormi no chão, ainda sinto a dor no meio de minhas pernas. Sento-me lentamente e começo a chorar, não controlo as lágrimas e o medo tudo se liberta sem o meu consentimento.

Fazias anos que não sonhava com isso, a lembrança nunca foi tão direta e eu não sei o que pode ter feito isso voltar, o medo e o frio controlam o meu corpo, demora um tempo para que a dor vá embora e quando me sinto melhor vou para a cama.

Não acredito que conseguirei dormir e as lágrimas não me abandonam. Acendo a luz, pois a imagem do dono volta a minha mente conforme a escuridão aumenta fico deitada até que ouço o despertador e não me assusto com ele.

Levanto apressada e pego minhas coisas para ir ao banheiro, não encontro o Tomaz nesse percurso e isso me deixa aliviada. Entro no banheiro e tiro minha roupa, assusto-me quando vejo sangue em minha calcinha e demora um tempo até me lembrar-me que ainda menstruo.

Pego um absorvente no armário do banheiro e deixo junto a minha roupa já que precisarei usá-lo. Abro o chuveiro e me enfio embaixo dele antes que sinta a água quente.

Permito que a água me limpe o meu corpo das lembranças dolorosas que desejam me invadir, penso de devo ligar para o Doutor Marconi, faz tempo que não conversamos e não me sinto à vontade agora, mas decido que se tiver algum outro sonho ligarei para ele rapidamente, não vou esperar muito. Prefiro os remédios a os pesadelos.

Desligo o chuveiro e pego meu hidratante, gosto de usá-lo todos os dias, pois ajuda-me por conta das cicatrizes a pele ressecada parece fazer mal a elas. Quando termino de aplicá-lo visto a roupa que escolhi.

Coloco uma calça social verde escuro, ela é fechada na canela e possui alguns bolsos. Escolho uma blusa regata e coloco um blazer por cima assim mantenho meus braços cobertos.

Para que não precise usar lugar, enrolo duas faixas na cor preta em minhas mãos. Dessa vez eu faço uma maquiagem mais elaborada, pois o meu rosto esta muito abatido por esse motivo tenho caprichar mais, não posso permitir que algo perceba que tem algo errado.

Saio do banheiro e vejo Tomaz em frente a porta do seu quarto ele me encara e percebo que sua noite também não foi boa, sinto os meus pés e identifico que não estou de meia, com medo de que ele perceba algo afasto-me rapidamente e não o encaro, entro no quarto e fecho a porta.

Minha respiração esta irregular, mas digo a mim mesma que me sinto assim devido ao medo de ter algo descoberto, nego quando minha mente me diz que estou assim por me sentir nervosa perto dele.

Não posso gostar de alguém que não gosta de mim, isso seria injusto comigo mesma. Coloco uma meia na cor de minha pele e calço meus sapatos de salto fino. Quando estou satisfeita, vou para a cozinha e resolvo fazer café.

Assim que esta pronto coloco-o em uma xícara e sento-me a mesa para tomá-lo, sempre opto por café preto, não gosto de leite ou algo diferente para acrescentar.

— O cheiro esta muito bom. – Comento Tomaz ao adentrar a cozinha, eu não respondo e o observo se servir.

Ele senta-se em minha frente na mesa e fica encarando-me espera que eu lhe diga algo, mas prefiro o silêncio.

Após alguns minutos percebo que começa a contrair os lábios e sei que deseja me falar algo apesar de saber que não quero ouvir.

— Nós precisamos conversar Melissa. – Anuncia fazendo com que eu o encare ao invés de olhar para o meu café.

— Não acho isso. – Digo finalmente.

— O que houve ontem...

— É algo que eu desejo esquecer. – Interrompo-o e ele me encara.

— Não precisa ser assim. – Diz colocando suas mãos sobre a mesa.

— Fique tranquilo, vou falar com o Théo e sairei da sua casa. – Anuncio e ele franze as sobrancelhas.

— Não tem que fazer isso. – Murmura.

— Pensei que era o que queria ontem. – Exclamo e seus olhos ganham um brilho diferente quando percebe que eu ouvi a conversa.

 Ficamos em silêncio por um tempo, ele começa a encarar o próprio café e parece chateado, eu prendo-me em minha raiva para não permitir que ele mexa com meus sentimentos.

— Acredito que ambos estávamos nervosos ontem e falamos coisas que não queríamos. – Justifica sua ação. Seus olhos encontram o meus e eu permaneço firme.

— Não me arrependo de nada do que falei. – Afirmo e o vejo piscar algumas vezes devido ao seu espanto.

— Eu me arrependo. – Confessa deixando-me surpresa.

O silêncio retorna a dominar o ambiente fazendo com que algumas dúvidas surjam dentro de mim, não sei como agir nesta situação, penso em fazer a única coisa que aprendi... Me proteger.

— Pois eu não me arrependo de nada e acho essa conversa desnecessária. – Afirmo e o vejo respirar fundo.

— Me desculpe Melissa, vou tentar ser uma pessoa melhor para que possam continuar morando juntos. – Diz deixando-me confusa.

Eu realmente não estava preparada para um pedido de desculpas tão recente, ele me surpreendeu.

— Se quiser fazer isso tudo bem. – Murmuro e levanto para colocar minha xícara na pia, ele faz o mesmo.

— Posso te dar uma carona? – Indaga próximo a mim.

— Não precisa. – Digo e começo a sair, mas ele me impede.

— Tente cooperar comigo, vamos tentar melhorar as coisas. Não tem problema algum levá-la, vai trabalhar em um prédio ao lado da academia. – Comenta deixando-me indecisa.

— Como sabe onde vou trabalhar? – Questiono.

— Eu a vi chegando ontem para fazer a entrevista. – Informa encarando-me.

Assinto, pois sai em seguida e vou realmente trabalhar ao lado da academia, porém não sabia que ele vai trabalhar lá. Analiso o seu rosto e sinto que em algum momento esta sendo sincero e penso que uma carona não vai fazer mal a ninguém.

— Eu aceito a carona. – Digo e ele parece suspirar.

— Perfeito, então vamos ou chegaremos atrasados. – Comenta e eu o sigo.

O seu carro é aconchegante e bem higiênico, o cheiro também é muito bom e isso de alguma forma me surpreende.

— Você cuida muito bem dele. – Observo e vejo-o concordar.

— Sim, você sabe dirigir? – Indaga.

— Eu tenho habilitação. – Respondo pensativa.

— Não dirige com frequência não é? – Questiona acomodando-se.

— Não. – Informo e vejo-o abrir sua porta.

— Vem você vai levar. – Diz levantando-se.

— O que? – Pergunto confusa.

Ele abre a porta em que estou e segura minha mão fazendo com que eu me levante.

— Você vai dirigir Mel. – Afirma deixando-me confusa com o apelido e com sua posição.

— Mas eu estou usando salto. – Falo apontando para os meus pés.

— É só ficar descalça. – Esclarece.

Sinto-me confusa, mas ele permanece encarando-me, olho para suas mãos e as vejo estendidas mostrando-me as chaves.

— Tudo bem. – Digo e pego as chaves.

Dou a volta no carro e sento-me no banco do motorista. Tiro os saltos e os coloco atrás do banco, quando começo a dirigir ele não argumenta, algumas vezes o carro morre, mas ele me orienta e sem maiores problemas chegamos ao nosso destino.

Não sei especificar o que estou sentindo, mas de uma coisa tenho certeza, sinto medo de em algum momento tudo isso acabar.

— Gostou da sensação? – Questiona enquanto eu termino de calçar meus sapatos.

— Sim, foi algo grandioso para mim. – Assumo e ele sorri.

— Acho que podemos ser grandes amigos Mel. – Fala surpreendendo-me.

Desta vez não acho que esta querendo usar-me para algo, vejo a sinceridade em seu rosto, mas ainda sinto pavor.

— Não sei se posso ter amigos. – Informo e encaro seu semblante confuso.

— Confie em mim, me dê só mais uma chance... Você não vai se arrepender eu prometo. – Fala e beija o meu rosto para se despedir.

Começo a caminhar em direção a empresa e assim que entro vejo um grupo reunido na recepção eles conversam animados. Reconheço aquele homem, quando os seus olhos encontram os meus sinto uma vontade louca de ir embora e desistir de tudo, mas não me permito fazer isso tenho que insistir nesta história por mim e por nós.

Clara vem em minha direção e me abraça permito-me ser recepcionada por ela e novamente sinto paz estando ao seu lado, isso confunde tudo o que alimentei em minha mente.

Ele me leva em direção ao grupo e sinto o meu coração disparar a cada passo que dou, tento me controlar mesmo sendo difícil tento me manter firme e indiferente um calor aquece o meu corpo quando Clara segura aminha mão.

— Quero que conheçam a Melissa, ela irá trabalhar na recepção. – Anuncia e sou apresentada a todos.

Eu já os conhecia, mas ainda possua um enorme desejo de vê-los pessoalmente, vejo a barrigada da Alessandra e sinto uma náusea tentar invadir-me ignoro a sensação e encaro o Bernardo.

Ele sorri para mim, é um sorriso doce diferente de quando ele estava em São Paulo.

— Melissa quer conhecer a empresa? – Indaga Henri e eu concordo.

— Venha, eu a levo. – Convida-me Clara.

Ela me explica onde fica todas as coisas, o horário em que poderei almoçar e onde posso fazer minha refeição e alguma pausa que eu precisar, questiono referente algumas coisas que possuo dúvidas da empresa e me encanto com tudo o que vejo.

Chegamos a uma sala e ela excita um pouco antes de abrir a porta, percebo que é algo difícil para ela, mas mesmo relutante ela faz o que deve. Assim que entramos vejo um mural com várias fotos, tem algumas pessoas, mas me interesso pela foto de uma criança.

— Aqui é o mural dos que jamais serão esquecidos, alguns lembraremos por coisas boas e outros é para nos recordar do que nunca queremos ser. – Informa.

— Quem é a criança? – Questiono confusa.

— É a irmã do Bernardo, ela foi raptada quando era apenas um bebê, ele nunca a esqueceu. – Informa e sinto lágrimas em meus olhos que luto para não caírem.

Não sei o que esta acontecendo dentro de mim, mas pensar que sempre acreditei em algo errado faz o meu coração disparar ainda mais, continuo observando as fotos e vejo o que eu mais temia. Fico por um tempo encarando-a até que tenho coragem para perguntar.

— Quem é aquele homem? – Indago. Vejo-a respirar fundo e percebo que o assunto a magoa.

— É o meu pai. – Diz cabisbaixa.

— E por que ele esta ai? – Pergunto tentando esconder o meu medo.

— Ele era um cara muito mal e eu não quero ser como ele. – Esclarece.

— Por que era? – Questiono sentindo que o meu coração vai saltar.

— Ele esta morto, bom eu o matei. – Assumo e eu a olha espantada.

— Por favor, Melissa não me julgue, ele foi responsável pelo desaparecimento da irmã do Bernardo e agora nem o detetive esta conseguindo encontrá-la. – Justifica e eu fico em silêncio.

Estou descobrindo algumas coisas importantes e sinto medo do que pode acontecer quando eu sair daqui, não quero mudar, mas não sei se conseguirei ser a mesma pessoa.

— Tudo bem. – Digo, por fim.

— Você faz parte da família agora, pode colocar alguma foto de quiser. – Diz ao aproximar-se, encaro o mural mais uma vez pensando se eu teria alguma foto para colocar ali.

Voltamos a nossa excursão, vejo algumas outras sala e quando finalizamos eu vou me juntar a Cassandra que é a responsável pelo meu treinamento, sinto que terei um dia cheio e isso começa a deixar-me feliz.

Na hora do almoço encontro-me com Alessandra no corredor, ela sorri ao passar por mim e continua falando ao telefone, sua barriga enorme desperta algo em mim que não consigo controlar, quando finalmente chego a mesa sinto minhas mãos geladas pela lembrança.

“— Estou com medo Clara, isso vai doer muito. – Choraminga Ellya e eu acaricio sua mão.

Ela só tem dez anos, não acho que deveria passar por isso, mas nós não escolhemos essa vida, ninguém escolheu e não podemos condenar mais ninguém.

— Vai ficar tudo bem, eu prometo. – Digo segurando sua mão.

Sua barriga não cresceu muito, mas o suficiente para nos fazer perceber que tem algo ali, o dono diz que isso atrapalha os negócios, então não podemos ficar com uma barriga deste tamanho ou maior.

Ellya chora enquanto acaricio sua mão e falo sobre coisas aleatórias, mas nada parece acalmá-la, vejo o desespero em seus olhos e luto para esconder o meu medo que parece querer dominar-me, porém não permito, eu preciso ser forte por ela.

Quando finalmente consigo fazê-la parar de chorar, uma mulher se aproxima. Ela parece ser bem mais velha do que nós, ela é baixa e rechonchuda, encara-me como se quisesse me fazer desaparecer, mas eu não me importo.

Aproxima-se de nós e olha para minha amiga com pena, por um momento penso que ela tem um coração.

— Saia. – Diz encarando-me.

— Deixe-me ficar com ela. – Imploro sentindo minha amiga começar a tremer.

— Não pode ficar aqui. – Afirma e começa a me puxar para a saída, ouço Ellya gritar e o desespero começa a tomar conta de mim.

— Clara não me deixe, por favor, estou com medo. – Grita desesperadamente, mas a mulher me tranca para fora da sala, coloco minhas mãos na porta e faço a única coisa que posso enquanto aguardo.

Choro ouvindo os gritos dela.”

Quando retorno a mim sinto o meu corpo tremer, parece que isso esta acontecendo neste momento e eu ainda não posso salvá-la. Olho para a comida, mas minha fome desaparece, desisto do almoço e retorno para o trabalho.

O dia passa rápido e por volta das 16 horas já estou dispensada, despeço-me de todos e vou para a academia, ao chegar lá vou para o vestiário e me troco, guardo minhas coisas e vou para o andar de cima realizar a aula de luta que me matriculei, assim que me junto ao grupo impressiono-me com o professor.

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