Primeiro

                                                      Depois de te conhecer

É difícil viver em um país, onde os estrangeiros são intrusos, ainda mais, quando você tem vinte e dois anos, sendo chefe de um departamento, onde, 98% das pessoas são homens. Trabalhamos em uma atividade, que exige mais do que o esforço físico, o que algumas vezes, utilizamos também! Nosso esforço é mental e psicológico, nossa mente trabalha vinte e quatro horas por dia. Apesar, de termos nossa sede na capital, prestamos suporte para todo país. Ameaças, fazem parte das nossas vidas, embora não sejamos tão conhecidos assim, mas os poucos que nos conhecem... Esses são suficientes para nos assustar um pouco...

Ah! Ainda não me apresentei, sou Kateryn Wendler Kim (Katy ou Key, depende da intimidade), diretora do serviço de inteligência forense de Seul, Dra. em psiquiatria, especialista em estratégia de resgates em sequestros. Vim morar aqui com a expectativa de me tornar a melhor no ramo! Estou residindo aqui há apenas seis meses, negociar em inglês ficou inviável, já no segundo mês, falar em francês, é como se eu fosse um extraterrestre... espanhol, sem comentários, estou me virando para aprender a língua local, que para ser sincera, é bem difícil. Não posso contar com ninguém no meu departamento, a menos, que seja profissional, ao menos isso, quando se trata de trabalho, ninguém se nega fazer, a coisa do respeito à superioridade é impressionante.

Moro em um “apertamento”, que, se eu quiser pensar, sou obrigada a sair de dentro... O dinheiro que consegui quando vendi minha casa, não é o suficiente para adquirir algo decente por aqui, então, estou juntando dinheiro para comprar um apartamento. Não sou orgulhosa, ou, até sou um pouquinho, isso não vem ao caso, o que importa, é que não quero ajuda de quem não me quer por perto... Fui criada pela minha avó paterna, Nancy, minha mãe me entregou para ela, quando eu nasci, meu pai, por sua vez, casado, também não me quis, ou ela não me quis, sei lá, sempre fui um enxerto na família do Coronel Irani Kim, meu avô era coreano, servindo com muito orgulho, o exército. Ele foi enviado para o Brasil, não sei e nunca quis saber o motivo. Meus irmãos, por parte de mãe, pouco tive contato, mas por parte de pai, sim, por incrível que pareça, passávamos as férias juntos, brincávamos e “estudávamos” juntos. Eu ensinando, ou melhor, tentando ensinar, português e aprender coreano, mas, nós nos entendíamos apenas por gestos, até mesmo, depois de adolescentes. Nossa avó era o máximo, ela nunca me tratou diferente dos outros netos. Eu sou muito dessemelhante deles, se levar em conta, a aparência física, sou baixa, loira, cabelos crespos, olhos verdes, e com características bem brasileiras, sempre ouço falar que meu sorriso é igual ao do meu irmão mais velho, e que nosso jeito, e comportamento são muito parecidos, e todos que conheceram minha avó, quando nova, dizem que sou linda, como ela era, e geniosa idêntica, ao meu avô, e quando fico nervosa, xingo gritando tal como, meu pai.

Meu irmão, Jonguin, é o filhinho mimado da mamãe, o grande astro, nascido na capital, com seus 1,82 de altura, vinte e dois anos, um parêntese, ele é um mês mais velho que eu. Ah, esqueci de dizer, ele é muito lindo e famoso. Nossa irmã, Hany e nosso irmão, ChinHua, mais conhecido, como Chin, são gêmeos, estão com dezenove anos, e acabaram de ingressar no exército, tentando seguir a carreira do “papai”, o que não acontecerá, pois foram enfiados dentro da base, fazendo serviços administrativos, só eles não viram isso ainda. Os dois têm as lindas características da mãe deles, SunHee. Não são tão simpáticos, ou receptivos, como Jon e eu. Mas são muito carismáticos e eu os amo muito! Quando minha avó faleceu, fiquei recebendo uma pensão para poder me sustentar, eu tinha quinze anos, quase ilógico, mas avancei duas séries na época, me formando no segundo grau, e, ingressando na faculdade. Fiquei sozinha, e tive que me virar desde então, já fazia estágio no departamento de estratégia da Polícia Civil. Foi neste momento, que meu pai descobriu que tinha outra filha. Acho que “fui aceita na família”, sua esposa, até começou a falar comigo. Não sei, eu acho que nunca tentei entender o lado dela também, ela sempre me tratou bem, distante, até, por não falarmos a mesma língua, mas me tratava bem! Vim para cá, por puro mérito, segundo minha mente, meu pai nunca ergueu uma folha para me trazer, eu até entendo, eu não faço parte da sua família! Mas Jon e eu, sempre fomos muito amigos, desde pequenos, ele nunca reparou nas nossas diferenças físicas, e a coisa que ele mais gosta de dizer a todos, é que têm uma irmã brasileira, linda, forte, nos dois sentidos, e inteligente. Penso no motivo dele sempre salientar a beleza primeiro, ao invés da inteligência, ainda mais que, achar ou não uma pessoa bonita, é uma questão de gosto... Quando fui transferida da base de Miami, para cá, ele quem foi me buscar no aeroporto. Também foi ele, quem achou um lugar para eu ficar, e me auxilia em tudo mais. Hany e Chin, quase não tem tempo para sair do quartel, mas, sempre que podem, conciliando com o meu andamento, arrumamos algo para fazer.

Nesse tempo que estou aqui, ainda não consegui fazer grandes coisas, fui em uma ou duas apresentações do meu irmão, fomos passear algumas vezes no shopping, outras vezes ao parque, almocei com alguns amigos do Jon. Enfim, minha vida começará agora, que ganhei carta branca para fazer meu horário, ficando de sobre aviso. Acho que atualmente irei “viver”, sair, passear, namorar, se é que eu ainda me lembro o que é isso! Um ano sem um namorado... Acho que já até perdi a prática. Ah! E com o Jon ao meu lado, quero só ver... E vamos seguir assim, minha vida que nunca foi fácil, minha avó, era rígida, hora para levantar e deitar, tarefas feitas na hora, para poder brincar. Meu primeiro namorado, eu tive depois do seu falecimento, ela não me deixava sair, nem ir ao mercadinho da esquina. Jamais reclamei, ela era boa demais para mim, nunca deixou faltar nada, e de um jeito ou de outro, sempre me deu tudo o que eu queria, não importava o valor, e principalmente, me deu muito carinho e amor. Soube depois que ela faleceu, que havia um fundo, aplicado por ela, para eu poder fazer minha faculdade, para não ficar devendo nada quando me formasse. Lembro, que antes dela partir, ainda nos chamou, Jon e eu, pegou nossas mãos juntando-as, falou com ele em coreano e comigo em português, nunca soube o que ela falou para ele, mas entendia quando ele dizia, sim e não. Para mim, ela disse:

- “Obedeça e cuide de seu irmão, ele é uma criança. Seus outros irmãos, são bem mais novos, eles não têm noção ainda do que é a vida, seja um exemplo para eles”.

Prometi que tentaria, mas que Jon, era tão teimoso quanto eu. Daí para frente, minha vida foi um pouco diferente, tive minha emancipação, passando a viver por mim mesma, conheci o meu tal namorado, um cara muito legal, fazia duas cadeiras junto conosco na faculdade, ele tinha dezenove anos e eu dezessete. Ficamos pouco mais de um ano juntos. Depois que o Marcelo terminou nosso relacionamento, eu entrei em recesso por um tempo, precisava estudar. Ainda fiz intercambio no Canadá nas férias, onde consegui conciliar com uma pós, não estava interessada em namorado neste momento. Fomos em um grupo de doze pessoas. Ah! Agora irei falar dessa pessoa incrível, Lia, minha melhor amiga de infância, acabamos fazendo o mesmo curso, na mesma faculdade, ela passou em 1° e eu em 2°. O que nos garantiu muitas vantagens, inclusive o intercambio. Ficamos no mesmo quarto, na casa de um casal com uma filha, nos receberam muito bem, Junior e Daniel ficaram duas casas depois da nossa, foi assim que nossos laços se estreitaram. Mariah, a filha dos nossos “padrinhos”, assim eles eram denominados pela agência de viagens, era muito querida conosco, nos levava aonde ela ia, meu primeiro contato com bebida alcoólica, aos dezenove anos, meu primeiro porre, e claro que, a burrada sempre vem junto, acabei ficando com o Junior. Mariah estava com seu namorado, David, e Lia ficou com o Daniel. Acabamos não indo embora, ficamos na casa do David. No outro dia voltamos, e assim foram nossas férias, estudando muito, com muita festa, o que eu não imaginava, é que o Junior seria persistente, e me pediria em namoro. Lia e Daniel também seguiram com a relação, legal, éramos dois casais amigos. Ficamos juntos até quase minha formatura, quando meu querido e amado pai, apareceu, fazendo Junior sumir. Eu já estava trabalhando efetivada no departamento de estratégia e estudos de perfis da Polícia Civil, com tudo pronto e acertado para ir à Miami, terminar meu doutorado. Depois descobri que meu pai disse que daria um jeito de destruir a carreira dele na polícia militar, se continuasse comigo. Pois bem, fui para Miami.

Muito empolgada imaginando entrar na estratégia em Miami. Quando comecei a trabalhar, tomei aquele banho de água fria, não é nem parecido com o que imaginava, traçar perfil, ir ao campo, nossa, é uma chatice. Depois que fui promovida a supervisora, parei de sair da central, achei que fosse morrer confinada. Fiquei seis meses e me solicitaram aqui em Seul. Juro que não entendi nada dessa decisão. E aqui, não tem nada para fazer, tem horas que dá desespero, mas o que eles me ofereceram financeiramente, é irrecusável, coisa de eu não ter que me preocupara com dinheiro. Quase não acreditei na proposta, e eu já achava que a minha renda em Miami era bastante! Só para resumir, vim para ser odiada por todos do departamento, e, ficar rica. Embora meu histórico seja impecável, em todos os quesitos, tive treinamentos nas tropas especiais e táticas, eles me consideram uma intrusa, atiro melhor que muitos atiradores de elite, e meu poder de persuasão, faria uma mulher traída voltar para marido e ainda pedir desculpa, mas ninguém me olha dessa forma. Eles enxergam a filha de um poderoso militar, que veio para mandar em todos. Apenas isso!

Estou há uma semana que nem se quer um roubo de bolsa foi relatado. Fiquei conversando com a Lia a semana toda. Semana que vem, irei a campo, nem que tenha que matar alguém para isso. Mas hoje, Jon, vem me buscar para irmos, sei lá onde, só fiquei sabendo que ele irá me apresentar um amigo de infância, que não é do grupo, nem lembro mais o nome.

Meu celular começou a vibrar, recebi uma mensagem.

- Pode descer, estou te esperando!

- Me dá cinco minutos, que já desço.

Saí da minha sala me despedindo.

- Pessoal, obrigada pela semana de trabalho, a escala está fixada no mural, se precisarem, me liguem, estarei de sobre aviso, peço, que quem puder vir na segunda-feira de manhã, eu agradeço. O novo diretor que revezará comigo estará aqui, gostaria de apresentá-lo para vocês e apresentá-los a ele. Tenham um bom fim de semana, e, um bom trabalho, para os que irão ficar de plantão.

Ouvi um ou dois respondendo baixo. Desci o mais rápido que pude. Jon estava com aquele bocão aberto, sorrindo. Me recebeu dando um beijo em meu rosto.

- Nossa, eu também vim de carro, vou te seguir.

- Esqueceu que eu viria te buscar? Katy, continua desligada?

- Sim, continuo desligada, não mudei. Eu te sigo, vou pegar meu carro no estacionamento.

 - Eu espero você.

Busquei meu carro no estacionamento, pelo menos o porteiro me trata bem! Dei sinal de luz e meu irmão saiu, como ele é lerdo para dirigir, pior, é que era perto, se eu fosse sozinha, não levaria cinco minutos. Levamos treze minutos.

- Credo, vai aprender a dirigir... Vi duas tartarugas passando por você! – Falei enquanto descia do meu carro.

- Você que acha que está em um avião! Quer sair voando.

Entramos no bar, arregalei meus olhos quando observei a única figura que estava sem acompanhante. Falei baixinho ao ouvido de Jon:

- Diz para mim, que, é aquele que está sentado sorrindo para nós!

- Katy, já falei que meus amigos não podem se relacionar com você! Nem te anima, que te levo embora antes mesmo de te apresentar!

- Desculpa. Que horror, parece seu pai. Um ditador!

Taye, levantou, abraçou Jon, e cumprimentando apenas com uma reverência ao me cumprimentar, mas eu queria um abraço também. Sou carente de amigos aqui nesse lugar.

Sentamos e ficamos conversando, comemos algo, acabei tomando suco, pois estava dirigindo. Depois largamos o carro do Jon, na garagem do seu apartamento, compramos algumas bebidas, coisas para comer, nos dirigimos para o meu apartamento, esqueci-me que estava de sobre aviso, acabei bebendo. Depois de assistirmos um filme, arrumamos as camas no chão. Jon deitou no meio. A irmãzinha não poderia ficar com o amiguinho. Me senti como quando era criança, o brinquedo é meu, você pode me ver brincando com ele, mas não pode encostar. Que horror!

 Pensando em horror, acho que passar um final de semana com uma pessoa que eu amo, não foi ruim, desde que éramos pequenos, sempre dávamos um jeitinho de nos entender, com os gêmeos também, mas Jon e eu, era diferente, acredito, que, por termos a mesma idade e sermos parecidos em nossas personalidades. Ele é tão determinado quanto eu, luta pelo o que quer, apesar de ter sido mais fácil para ele, nunca mostrou sua diferença de criação para mim.

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