8 - Gabriel

Gabriel guiou Raguel até a sala de monitoramento. Ele nunca se interessou pela profissão do pai, mas, simpático como era, nunca recusou um convite para visitar o laboratório e conhecia bem suas dependências. Sempre fora mais inclinado para a matemática da mãe que para a química do pai, mas nunca disse nada, para não correr o risco de magoá-lo.

O doutor Rashford, era conhecido mundialmente por seu trabalho com química quântica, e se tornou notável por suas descobertas nos campos da Química Nuclear, Astroquímica, Sonoquímica e Hidrodinâmica quântica, e era procurado por físicos do mundo todo para ministrar palestras e seminários.

Miraculous Clearing era um campo muito fértil de grandes mentes, e havia exportado para o mundo muitos “gênios” em diversas áreas diferentes e muitos, como era o caso do doutor Rashford e de sua esposa, permaneceram na cidade, proporcionando uma multiplicação e difusão de conhecimentos, que refletia em seus jovens e deu à cidade o título de maior índice de Q.I por habitante do mundo.

Enquanto seguia para a sala, inclinado a rever o que aconteceu no laboratório, o jovem desviou um pouco seu pensamento do objetivo e a lembrança do momento que passou com Raguel minutos antes, quando a confortava em seus braços, retirou completamente seu foco. Não devia estar pensando nela desse jeito, pelo menos não naquele momento. Sempre criticou homens que perdiam o rumo atrás de um “rabo-de-saia”, e nessa crise, o que menos precisava era de se transformar em um deles. Não planejou encantar-se por ela, mas quando a viu não pôde evitar.

Ela era uma bela jovem, seus cabelos naturalmente cacheados e ruivos e olhos verdes, aliados à pele branca levemente salpicada de sardas e ao corpo simetricamente perfeito, já seriam suficientes para qualquer jovem se apaixonar, mas Gabriel era um jovem muito sensato para se ligar nesses aspectos físicos e superficiais, e o que lhe fascinou foi algo mais subjetivo. Talvez a sinceridade e inteligência que transbordavam do olhar dela, ou talvez também, a fragilidade que ela demonstrava naquele momento tivesse despertado algum instinto protetor que ele nem sabia que tinha.

O que ele não podia permitir era confundir as coisas. Ela contava com ele, e ele queria ser útil e não atrapalhar tudo por conta de instintos masculinos primitivos como uma explosão de testosterona.

— Gabriel — disse Raguel, tirando o jovem de seus devaneios, aproximando-se dele para mostrá-lo algo no tablet —, encontrei uma lista de desaparecidos. Pode servir para a nossa equação.

— Ótimo! — respondeu, tentando não transparecer vergonha pelo que estava pensando — Podemos copiar essa lista para o software de cruzamentos de dados e verificar se tem algum padrão nos desaparecimentos.

— Eu farei isso então — ela disse, empolgada com a tarefa —, enquanto você verifica as câmeras de monitoramento.

A sala de monitoramento do laboratório era bem equipada com aparelhos de última geração, e tinha algumas mesas com computadores e telas específicas para as câmeras de cada setor. Cada tela dessas tinha vários quadros que transmitiam as imagens de cada câmera que tinha nesses setores.

— Nem sei por onde começar — disse o jovem a si mesmo, olhando para a infinidade de telas. — Se eu soubesse ao menos a hora que tudo aconteceu…

— Espere um pouco, Raguel! — continuou ele agora para a garota, que voltou a atenção pra ele — Quando falamos por telefone mais cedo, você disse que recebeu uma mensagem de sua mãe?

— Sim — assentiu —, na mensagem ela pediu para eu encontrá-la aqui no laboratório.

— Perfeito! — vibrou ele — se voltarmos o vídeo até o horário em que ela enviou a mensagem, estaremos perto da hora em que tudo aconteceu.

— A mensagem foi enviada às sete e vinte da manhã — disse Raguel, conferindo a mensagem em seu aparelho celular.

Gabriel localizou no sistema o quadro referente ao setor e a sala em que seu pai e a doutora Williams estavam quando desapareceram, programou o início da reprodução para as sete e dez da manhã e apertou enter. Ambos se frustraram e ficaram sem entender o que viram quando o vídeo começou — os uniformes de ambos, e também de outros cientistas já estavam abandonados no chão como Raguel encontrou quando chegou.

Enquanto o vídeo seguia sem nenhuma alteração, a garota voltou a consultar o aparelho celular, para verificar se não errou quando disse o horário da mensagem para Gabriel, mas constatou que estava correto e mostrou o aparelho para ele para que visse com seus próprios olhos.

Enquanto os minutos passavam, eles observavam o vídeo sem entender, até que um movimento chamou-lhes a atenção — no canto da tela, quase imperceptível, surgiu uma jovem, aparentemente da idade deles, e que pelas roupas, não era funcionária do laboratório.

Não haviam percebido a presença dela, e nem como ela entrou ali. Ela tinha longos cabelos negros e lisos, trajava jaqueta vermelha e calça preta, ambas aparentemente de couro, uma bota estilo militar, e movia-se com leveza e destreza.

Os dois observaram em silêncio o momento em que ela num movimento leve e rápido, retirou o celular do bolso do jaleco da mãe de Raguel, digitou uma mensagem, e enquanto colocava o aparelho de volta, olhou fixamente para a câmera, como se olhasse diretamente para os dois e foi embora.

— Parece que não foi sua mãe que lhe enviou a mensagem — disse Gabriel, quebrando o silêncio — e aquela moça parecia estar olhando direto para nós. Você a conhece? 

— Não — respondeu sem tirar os olhos do vídeo, que Gabriel havia voltado e pausado no momento em que a moça misteriosa olhou na direção deles —, nunca a vi na vida. Porque ela me mandaria essa mensagem? E porque não estava aqui quando cheguei?

— Parece que ao invés de esclarecer nossas dúvidas, as filmagens trouxeram mais — disse Gabriel em tom irônico e retórico.

Em outro computador, enquanto a companheira ainda tentava entender tudo, olhando para o rosto da desconhecida na tela anterior, Gabriel definiu o horário de início da reprodução para quatro horas da manhã e iniciou o vídeo novamente.

Raguel voltou atenção para o novo vídeo, e ambos viram o doutor Rashford e a doutora Williams vivos, caminhando pelo laboratório, observando relatórios e fiscalizando o trabalho dos demais cientistas.

Ela puxou uma cadeira, e sentou-se de frente para o vídeo, assistindo cada movimento deles, como quem começa a se interessar por um filme. Gabriel observou o rosto dela iluminar-se por ver a mãe bem, e gostou de ver o pai bem também, mesmo sabendo que a qualquer momento naquele vídeo eles desapareceriam, então, puxando uma cadeira, sentou-se também próximo a ela, como que para ampará-la quando acontecesse, seja lá o que fosse acontecer.

Depois de mais ou menos meia hora de vídeo, a sala onde os cientistas trabalhavam, pareceu estremecer assustando a todos, e uma luz ofuscante atravessou a sala, como se atingisse a todos ali dentro simultaneamente, e quando ela se retirou milésimos de segundo depois, só restaram pilhas de roupa e crachás espalhados no chão.

Dada a velocidade da ação, ambos ficaram sem entender o que acontecera, então o jovem voltou o vídeo e o reproduziu novamente, agora em câmera lenta. Incrédulos, eles observaram enquanto a sala começava a tremer, e a luz surgia e se dividia, assumindo uma forma humanoide perante cada um deles individualmente, e abrindo uma espécie de par de asas brilhantes os envolveu, enquanto seus corpos se desconstruíram e evaporaram.

Não podiam acreditar no que estavam vendo. Era surreal demais. Nunca ocorreu a eles que o desaparecimento de seus pais tivesse acontecido daquela forma.

— O que dizem no site onde você encontrou a lista dos desaparecidos? — ele perguntou, saindo do choque — Qual é a teoria deles sobre o que aconteceu?

— Abdução alienígena ou algo assim— ela o respondeu, ainda olhando para as formas brilhantes na imagem congelada — mas essas figuras não parecem ETs…

— Porém, talvez sejam — ela continuou pegando o tablet com a pesquisa e sentou-se ao mais perto dele, a fim de lerem juntos —, eu mesma nunca vi um ET de verdade. Você já?

A proximidade dela agora era diferente para ele, o leve sorriso que ela lhe lançou ao perguntar-lhe sobre os ETs, e a forma inocente como ela tocava seu braço enquanto lia o artigo, lhe causava um leve desconforto, mas uma parte dele desejava que estes momentos fossem eternos. O toque dela, a maneira como seus lábios se mexiam enquanto ela lia o artigo em voz alta. Como ela poderia ter tal efeito sobre ele, mesmo tendo a conhecido há tão pouco tempo?

— Será que ela sabia que causava esse efeito nele? — ele pensou, ainda viajando nela.

— Eu também sinto isso — ela disse, retirando ele dos pensamentos.

— Sente... É... Sente o quê? — gaguejou ele, traindo o fato de que não estava prestando atenção no que ela falava e se sentindo envergonhado.

— Que estamos perdidos — ela disse, sem perceber ou fingindo não perceber que ele enrubesceu e recolheu o braço, pensando que ela falava de outra coisa —, sozinhos e que o pior ainda está por vir, como o autor do artigo diz.

Ele respirou fundo, depois de quase se entregar, e se concentrou no artigo. Não queria parecer um idiota perto dela, então ajeitou-se na cadeira e acompanhou enquanto ela lia em voz alta.

Segundo o autor do artigo, o que ele acreditava ser uma abdução alienígena, para religiosos era o arrebatamento cristão, mas que o padrão de desaparecidos não batia com o perfil de “pessoa arrebatável”, de acordo com as escrituras bíblicas e ele ofereceria argumentos sobre a escolha dos abduzidos.

Na lista dos “desaparecidos”, que ele chamava de “abduzidos”, destacava o fato de que a maioria dos nomes era precedida de um título acadêmico, ora professor, ora doutor, então fez sua própria lista, onde pesquisou os nomes e separou eles em categorias.

Com exceção de poucos, os nomes foram encaixados um a um nos perfis que a teoria dele criou. Eram cientistas, matemáticos, filósofos, escritores, escultores, médicos, engenheiros de diversas áreas, músicos e alguns superatletas. Ainda segundo o autor do artigo, todos da lista podiam ser considerados gênios em suas respectivas áreas, e a intenção dos alienígenas era nos deixar sem nossas grandes mentes, e assim esperar nossa autodestruição, ou preparar um ataque enquanto estivermos desprotegidos.

Sobre o escurecimento do sol, ela dizia que posicionaram sua nave de modo a bloquear a luz do sol, e assim nos desestabilizar e cobrir a ação deles aqui na terra.

— É tudo bem encaixado — disse Gabriel, voltando-se para a tela de monitoramento, e ampliando a imagem com foco na figura humanoide brilhante —, mesmo que seja preciso mais do que uma nave para bloquear a luz do sol, imagino que seres extraterrestres teriam alguma tecnologia para isso. Inclusive nossos pais se encaixam no perfil. Mas quem fez essa teoria, não viu o que nós vimos.

— Como eu disse — falou Raguel, focando também no monitor —, não parecem alienígenas, parecem mais humanos ou…

Ela interrompeu o que dizia enquanto ele movimentava o vídeo em câmera lenta e o pausava novamente agora no momento exato em que as pessoas foram consumidas. Eles não haviam visto antes, mas aquela luz não tinha só a forma humanóide. Enquanto ela envolvia cada pessoa naquela sala, ela assumia a forma de grandes asas.

— SÃO ANJOS! — exclamaram simultaneamente, em voz alta, deixando um longo eco no laboratório vazio.

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