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Paulina


Dentro do ônibus olhando as paisagens passarem pela janela pensei em como minha vida chegou aquele ponto, meu pai estava morto, minha mãe está doente e agora perdi a minha casa apenas porque um homem que ter sexo comigo. Se há alguém mais ferrada que eu, desconheço!

Assim que chegou na lanchonete já é mais de três horas da tarde o dono me vê chegar com uma cara de pouquíssimos amigos mas precisava tentar resolver a minha vida mesmo que no final acabei complicando ela mais ainda. Liliane ainda atendia as mesas com bastante atenção, sei que as gorjetas são boas e que com certeza ela deve ter ganhado muitas.

– Espero que não saía mais durante o expediente, Paulina! Sua sorte é que sua amiga é bastante ágil e prestativa tanto quanto você, agora vá trabalhar e antes de sua amiga ir embora diga à ela que gostaria muito que viesse amanhã. É início de mês e você sabe que aqui lota de clientes!

Seu Geraldo tinha razão, não posso negligenciar esse trabalho é com ele que compro os remédios da minha mãe e pago dona das Dores, não posso perder esse emprego. Começo a trabalhar mesmo sentindo muitas dores nas costas preciso focar no mais importante que é minha família, é agora procurar uma nova casa para morar além disso tenho que pensar em como vou contar pra minha mãe que a casa onde vivemos a vida inteira não é mais nossa.

– Lili, você tem remédio pra dor? Minhas costas hoje estão me matando!

– Tenho sim. Sou mãe, e aprendi logo cedo que não posso andar sem remédios na bolsa. Espere só um pouquinho, vou lá na minha bolsa buscar!

Continuei servindo as mesas enquanto Liliane foi buscar o remédio, hoje estava bem movimentado nada que surpreendesse para um começo de mês. Logo Liliane aparece com um comprimido e um copo de água, ela sempre foi muito prestativa.

– Lili, seu Geraldo pediu para avisar que vai precisar de você amanhã.  Você vai querer o pico de garçonete?

– Não acredito! Nossa, você só pode estar brincando, amiga. Eu realmente estava precisando de um extra, tenho que levar Isa no pediatra se for esperar pelo SUS ela só vai conseguir essa consulta quando tiver 30 anos.

Começamos a rir, é muito triste saber que apesar de pagarmos nossos impostos e procuramos ser os mais corretos possíveis não temos direito nem do básico que seria saúde e educação.

– Isso é bem verdade! Mas ela ainda tem aquelas crises de asma?

– Graças a Deus está controlada mas você sabe, preciso sempre estar acompanhando. Se lembra quando ela teve aquela crise com um aninho, não sabia nem como agir mas se não fosse Hector com certeza não teria minha pequena aqui comigo.

Hector é técnico de enfermagem de dia e barman na boate a noite, quando Isabella teve a primeira crise asmática Hector ajudou Liliane que ficou desesperada. Ele é apaixonado por ela mas minha amiga tem medo de qualquer homem que se aproxime dela por causa do que aconteceu.

– Deveria aceitar o pedido de Hector para sair, ele gosta tanto de você e da Isa. Poderia dar uma chance pra ele, quem sabe não encontra um companheiro?

– Lina, até já sai com ele mas quando tentou me beijar a imagem daquele homem veio na minha cabeça, e não consegui! Estou estragada para qualquer um, sei que Hector merece alguém melhor que eu por isso não quis mais sair com ele. Já estou ciente que será eu e Isa sem uma terceira pessoa na família,  é melhor assim!

Liliane não conseguiu superar o que aconteceu e entendo ela, no lugar dela também não iria conseguir esquecer tão cedo. O bom que ela fala o que sente bem diferente de mim que guardo tudo dentro da minha cabeça.

– Amanhã estarei aqui às 8:00, vou aproveitar e avisar dona das Dores para ficar com Isa. Mais uma vez muito obrigado, amiga se não tivesse me chamado para ficar no seu lugar não iria conseguir esse pico.

Liliane me abraçou animada por conseguir o pico, ela me ajudou e acabei ajudando ela também. Ela merece ser feliz depois de tudo que aconteceu agora tenho que enfrentar minha realidade e encontrar outro lugar para morar já que Augusto Tavares comprou minha casa por maldade e capricho. Espero de verdade que ele pare de insistir nessa história de transar comigo para o meu próprio bem.

Liliane

– Dona das Dores, Isabela deu muito trabalho?

Tinha deixado minha filha com ela para poder ir trabalhar na lanchonete no lugar da Lina, ela sem querer me ajudou. Agora com um dinheiro que conseguir guardar das gorjetas mais o que vou ganhar na lanchonete posso levar minha filhinha no pediatra.

– Ela é uma lindinha, não deu trabalho nenhum. Mas você voltou e já vai trabalhar novamente, querida?

Moro no cômodo nos fundos da casa de dona das Dores, um quarto, sala, cozinha e um banheiro. Está ótimo pra mim, o aluguel não é caro e consigo ainda deixar Isa com dona das Dores.

– Tenho que ir, dona das Dores! A senhora é maravilhosa por ficar com Isa pra mim mas amanhã é minha folga e só vai precisar ficar com ela pela parte da manhã até a tarde depois está livre pra ir pro forrozinho da senhora. Peço desculpas por fazer a senhora ficar com ela por tanto tempo! Agradeço muito por me ajudar.

– Ah minha filha, sabe que é um prazer ajudá-la. É como uma filha pra mim, gostaria tanto de poder ajudar mais. Precisa sair daquele lugar horrível, tenho tanto medo daquele monstro voltar e fazer mal pra você de novo.

O pai da minha filha é o monstro que me violentou, no começo de tudo tinha muito medo até mesmo desenvolve síndrome do pânico. Tinha medo de sair, de trabalhar e até parei de viver ficando trancada dentro do quarto por semanas, chorando e com uma paranoia terrível.

Quando comecei a ter os sintomas da gravidez tive que reagir para continuar a viver, o fato de ter crescido no orfanato me fez ver que não podia tirar ou dar minha filha para adoção.  Isabela salvou minha vida pois por ela quis levantar da cama, voltar à trabalhar e lutar cada dia para dar uma vida melhor pra minha pequena.

– Mamãe, quelo colo!

– Oh meu amor, vem aqui na mamãe!

Peguei minha filha nos braços e comecei à beijar todo seu pequeno rosto, Isa não se parecia comigo por exemplo os olhos dela são azuis, enquanto os meus são castanhos escuros mesmo assim quando olhou pra ela vejo esperança, amor, felicidade, salvação e alegria. Muitas que passaram pelo mesmo que eu resolveram tirar seus bebês mas eu quis continuar com a gestação justamente porque Isa me salvou dos meus medos e por ela sai da minha depressão, a minha filha é tudo pra mim!

– Mamãe vai trabalhar agora, se comportem e coma toda sua janta, meu amor!

– Não vá, mamãe linda! Fica com Isa!

A pior parte de trabalhar naquela boate não é nem o fato de que o monstro do pai de Isa poder aparecer lá mas de deixar minha pequena sem mim. Desde do dia  que tudo aconteceu, nunca mais vi aquele maldito, são exatos três anos. O que sei dele são poucas informações, que ele é rico, herdeiro de uma grande fortuna e que não poderia ser acusado de estupro, detalhes esses que tive acesso por causa de Cláudio que não parava de falar sobre isso, lembro que mencionou que ninguém ia acreditar em mim e que ficaria como uma puta mentirosa e interessada em dinheiro, mesmo antes de Isabela, nunca havia me prostituindo e depois dela continuo assim mas a corda sempre arrebenta do lado mais fraco e pobre que no caso era o meu, então resolvi me calar.

– Mamãe, precisa ir! Amanhã é minha folga e vou levar você pra passar no zoológico, mas precisa ser uma boa menininha e obedecer a vovô das Dores.

Minha pequena sorriu e retribuiu meus beijos, sabia que ela entendia que precisava trabalhar. Peguei minha blusa de frio e a bolsa saí em direção do ponto de ônibus para mais um dia na boate Luxus. Em 10 minutos o ônibus já tinha chegado, como a Luxus fica em uma região afastada da cidade o caminho é meio longo, precisava pegar duas conduções para chegar lá mas conseguia chegar a tempo porque saia cedo de casa. As meninas já estava bem agitadas no camarim enquanto apenas focava em terminar a maquiagem já que havia trocado de roupa, uma lingerie preta que valorizava meus seios e uma calcinha transparente na parte do bumbum, a foto da minha pequena ficava em cima da minha penteadeira para que sempre tenha na memória do porque estou aqui e por qual motivo me levanto todos os dias por mais difícil que seja a vida por minha pequena vale muito à pena.

– Lili, falta cinco minutos!

Já tinha terminado de maquiar quando Hector me chamou, coloquei os saltos para dançar e respirei fundo olhando a foto da minha filha.

– É tudo por você, meu amor!


Estêvão

Precisava ver aquela mulher novamente!

Estou limpo já faz alguns dias mas sei que vou voltar a usar de novo. As drogas me dão paz e calma algo que nem sempre foi presente na minha vida, minha mãe sempre quis ter um filho homem muito por causa da pressão do meu pai em ter um herdeiro, quando eu nasci a rica e esnobe socialite Adelaide Sampaio de Alcântara teve um herdeiro para exibir para sociedade junto com meu pai, mas apenas sou o herdeiro deles, o macho que eles sempre quiseram. A realidade é que não passo de um troféu para eles, meu pai e minha mãe nunca tiveram amor por mim.

No colégio conhece a maconha, com um trago já fiquei totalmente relaxado e feliz e também conhece a cocaína, a cada fileira que cheirava mais fora da minha realidade eu ficava. Na faculdade conhece a heroína, quando apliquei a primeira vez senti que meu corpo estava mais relaxado e conseguia esquecer as merdas da minha vida, a cada vez mais as drogas passaram a ser minha família. Depois que me formei sai de casa, meus pais em sua inocência pensaram que queria independência e até me deram um apartamento de presente mas na verdade queria privacidade para usar minhas drogas em paz, eles não sabiam ou fingiam não saber mas não se importavam.

Enquanto a empresa tivesse bem e eles continuasse ricos pouco importava o que acontecia comigo. Além de usar drogas, sempre gostei de beber a mistura de bebida e droga nunca foi boa mas não me importava com isso, só queria esquecer. Durante o dia era o filho dos sonhos do meu pai, Luciano Alcântara nunca desconfio de nada pois os lucros da empresa aumentaram comigo no comando da vice presidência mas durante a noite eu era o drogado de classe média alta que usava todo tipo de droga, bebidas e adorava comer as putas da Luxus mas no dia que via aquela menina tudo mudou.

Andava pelos corredores já louco de droga procurando o banheiro para usar mais quando acabei sem querer esbarrando em uma garota, os olhos castanhos escuros, os cabelos longos e o rosto tímido foi o que mais me atraiu nela, queria aquela mulher pra mim de qualquer maneira quando ela pediu desculpas e tentou ir embora, eu não deixei. Segurei seu braço com bastante força levando ela para um quarto qualquer, ela dizia que não era prostituta mas eu não ouvi. Para calar a boca dela dei um tapa em seu rosto, a garota tentou fugir mas não deixei, queria ela e pronto mas estava tão alucinado pela droga e ainda por cima bêbado que não percebi que realmente a mulher não era puta. Apenas tive noção do que fiz quando o quarto estava repleto de pessoas e a garota encolhida na cama tentando cobrir o corpo, as marcas em seu rosto da surra que dei nela e a grande marca de sangue em cima da cama denunciaram meu ato grotesco. Eu havia estuprado ela! Nunca consegui esquecer o medo estampado no seu rosto, o que fiz não havia perdão, o meu vício antes só me prejudicava mas quando percebi que machuquei uma pessoa inocente vi que precisava parar.

Foi quando decidi me internar, até então meus pais não queriam diziam que ninguém ficaria sabendo do que aconteceu pois com influência e dinheiro tudo era resolvido. Mas enquanto à mim? Eu sabia o que havia feito com aquela moça e que nada poderia apagar isso da sua mente, precisava parar de usar drogas. Fiquei por dois anos internado na clínica de reabilitação mas acabei tendo que sair antes do tratamento acabar por pressão do meu pai que não queria cuidar da empresa sozinho, então na primeira oportunidade ou frustação que tive fui até o cara que vendia drogas pra mim e comprei vários saquinhos de cocaína, fiquei limpo por dois anos mas acabei voltando com força total.

– Que honra recebê-lo aqui novamente, Estêvão!

Cláudio assim que me viu bebendo veio até mim com seu nítido puxasaquismo que tanto detesto.

– Vim ver a aquela mulher de dois anos atrás. Onde ela está?

– Ela vai se apresentar agora! Assim você pode vê-la mas aviso ela não é acompanhante. Ela tem um problema pessoal que não permite que fique aqui por muito tempo.

Cláudio parecia incomodado com o fato dela não ser acompanhante, mas quero vê-la de qualquer jeito porém fiquei curioso em saber qual era o problema dela.

– Qual o problema que ela tem?

– Digamos que o problema dela tem três anos! Mas isso não deveria ser uma preocupação pra você, como falei há alguns anos atrás digo agora, não tem do que se preocupar, já resolvi tudo!

Não sei por qual motivo sinto que há algo muito errado que Cláudio não quis compartilhar comigo.

– Cláudio, assim que a apresentação dela acabar, dê um jeito para que eu possa falar com a moça!

– Mas é claro, Estêvão!

Cláudio saiu me deixando pensativo, qual era o problema que a garota tinha há três anos? O mesmo tempo que aconteceu aquilo. Preciso descobrir o que é! Quem sabe não possa remediar o mau que fiz à ela ajudando com dinheiro ou algo assim. Apenas sei que preciso me remediar do que fiz de qualquer maneira.

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