Um abismo entre nós

No dia seguinte, levantei-me cedo. Depois de escovar meus dentes, coloquei um vestido branco com tons preto nas pontas, sandálias brancas. Passei um pouco de Angel, um perfume bem suave e fiz uma maquiagem leve. Os cabelos os deixei soltos. Descendo as escadas, do alto vi Gregory arrumando o último móvel, o colocando no lugar. Seus músculos ondularam com o esforço. Reparei no seu bumbum perfeito coberto pela calça preta um pouco desbotada. A camisa branca meio amarrotada, mas limpa revelava seus lindos ombros muito largos. Os braços poderosos, demonstrando que ele já fez muitos serviços pesados. Ofego. O coração batendo alucinado.

—Bom dia! —Disse séria para eles quando desci o último degrau.

—Bom dia! —O Senhor Jonas me falou com um sorriso ajeitando um vaso no lugar.

Os olhos negros de Gregory se demoraram na minha figura ali parada no último degrau.

—Bom dia! —Gregory disse com aquela voz profunda.

Sim, eu senti uma grande atração, e não sabia se isso um dia iria se repetir na minha vida por outro alguém, mas eu me sentia estranha agora pela manhã em relação a Gregory e já não tinha mais certeza se eu enfrentaria meu pai por causa de um rapaz que eu nem conheço direito, por mais que ele tenha aberto seu coração. Tivemos apenas um dia de convivência para eu me arriscar por ele.

Desviei com dificuldade meus olhos de sua figura tentadora e passei pela sala que estava cheia de copos, pratos descartáveis espalhados em tudo quanto é canto. Fui até a cozinha e encontrei a empregada lavando alguns copos.

Há oito meses Raquel havia perdido sua mãe. Desde então, Valéria, uma empregada rechonchuda, cuidava de tudo.

— Bom dia, onde tem um saco de lixo para eu recolher aqueles pratos e copos na sala?

— Imagine menina, nem Raquel me ajuda na casa.

— Por favor, eu quero ajudar. —Eu insisti.

Ela deu de ombros.

—Tudo bem, você é que sabe.

Com o saco de lixo nas mãos fui até a sala e comecei a pegar o lixo.

— Eu te ajudo. — Gregory disse, fazendo-me olhar para ele.

Eu assinto com um gesto de cabeça, bem na minha. Juntos começamos a recolher tudo em silêncio. Era uma tortura cada vez que Gregory se aproximava de mim e colocava tudo no saco que eu segurava. Minha frequência cardíaca dava picos com a proximidade dele.

Raquel desceu as escadas e nos viu trabalhando juntos.

— Meu Deus! Deixe isso aí. Valéria aos poucos arruma a casa. Ela já está acostumada.

— Não custa nada. — Eu fitei Gregory que me observava. — E Gregory está me ajudando.

Desviei meus olhos dele e fite Valéria que entrou na sala e tirou o vaso da mesa. O senhor Jonas estendeu sobre ela uma grande toalha branca.

— Você continua? Eu vou ajuda-los a arrumar a mesa. —Digo estendendo o saco para Gregory. Tudo para me ver livre da presença perturbadora dele.

Gregory correu seus olhos pelo meu rosto me estudando. Se aproximando de mim com a expressão bem séria, pegou o saco de lixo de minhas mãos, nessa hora nossos dedos se tocaram. Eu senti um arrepio na espinha. E meus olhos se fixaram em seus lábios carnudos e incrivelmente sexy. Lembrei–me nitidamente de seu beijo e da sensação que era estar nos braços dele. Antes que ele lesse no meu rosto o que eu pensava, me afastei dele com o coração agitado no peito, sentindo meu rosto quente. Me enfiei na cozinha.

Valéria arrumava uma bandeja, com xícaras e colherinhas. O senhor Jonas fazia o café.

E eu? Tremia...

Me sentei um pouco na cadeira da cozinha. Quando ela acabou de colocar tudo, eu já me sentia melhor e peguei a bandeja e a levei para a sala de jantar. Distribui tudo na mesa.

Eu precisava ignorar Gregory. Ele precisava entender que as coisas tinham mudado entre nós. Seria um esforço supremo, já que eu tinha consciência o tempo todo dele. 

Com o canto dos olhos eu o avistei. Ele estava sentado displicentemente no sofá. Desviei meus olhos da figura sexy dele e comecei a arrumar a mesa. Mas eu podia sentir o tempo todos seus queimantes olhos negros sobre mim.

Preciso ser forte! Não posso me deixar intimidar!

Voltei para a cozinha com a bandeja vazia nas mãos e a coloquei na pia. Peguei outra bandeja que Valéria tinha arrumado, onde tinha alguns salgados de ontem, pão caseiro, geleia e manteiga.

Com ela nas mãos fui para a sala e a coloquei no centro da mesa. Raquel já estava sentada esperando o café com uma revista de moda nas mãos. Eu me sentei ao lado dela. Ainda podia sentir os olhos de Gregory em mim.

 Com certeza, ele tinha percebido as mudanças em meu comportamento.

Valéria entrou com a jarra de suco laranja e o senhor Jonas Taylor com o bule de café.

—Gregory, se junte a nós. Venha tomar café. —O senhor Taylor o convidou.

Ergui meus olhos e fitei Gregory. Ele segurou meu olhar, com um olhar impassível. Meu coração se acelerou dentro do meu peito e senti meu rosto quente, com certeza eu estava vermelha.

Por que ele me atrai tanto? Era sua beleza rústica masculina? Por ser um homem muito vivido? Ou o modo que ele olhava para mim?

Ele ocupou a cadeira de frente a minha, sem tirar seus lindos olhos negros de mim. Eu desviei meus olhos dos dele, tentando parar minhas mãos que tremiam debaixo da mesa.

—Deixa eu te servir. —Raquel disse para mim, para meu alívio, pois do jeito que eu estava nervosa, tinha medo de derrubar café na mesa.

Ela encheu minha xícara de café.

—Obrigada! —Disse sorrindo para ela, quando ela se sentou.

Evitando os olhos de Gregory, estiquei minha mão e peguei um pãozinho e depois de passar manteiga dei uma mordida, nessa hora escutamos o som do telefone.

Devia ser mamãe! No mínimo, ela já tinha tentado me ligar várias vezes no celular, sem sucesso, pois eu o tinha deixado no quarto.

O senhor Jonas que estava sentado à cabeceira da mesa, se levantou e atendeu.

—Alô, sim é ele. Ah, bom dia senhora Bertolini. Sim, estou bem, e Arnold? Que bom. Fico feliz que ele esteja bem. Ele precisa cuidar daquele coração. Sim, ela está aqui.

Eu me levantei sem que ele precisasse me chamar quando vi que realmente se tratava de mamãe.

Ele me passou o telefone.

—Oi mamãe.

—Natasha! Tentei te ligar várias vezes. Seu celular toca e cai na caixa postal.

Eu revirei os olhos.

—Eu o deixei no quarto. Está tudo bem. Não precisa se preocupar.

—Seu pai me ligou, disse que talvez virá mais cedo. Não deu certeza. É melhor não arriscar. Quero que venha mais cedo para casa.

Eu procurei com os olhos a mesa, onde todos estavam tomando café. Raquel conversava alguma coisa com o senhor Jonas. Gregory estava com o semblante pesado.

Então, nossos olhos se encontraram, arrepios se espalharam pelo meu corpo e eu imediatamente desviei os meus olhos dos dele.

Era melhor ir embora antes do combinado. Seria muita tortura ter que evitá-lo o dia inteiro.

— Natasha? Você me ouviu?

—Tudo bem. Pode m****r o motorista me buscar. —Eu disse sentindo o peso da tristeza.

Ela riu alto do outro lado.

—Não acredito no que eu estou ouvindo? Pensei que ia arrumar caso.

—Mamãe, é só?

—Sim. Posso mandá-lo te buscar agora?

—Me dê uma hora, e pode mandá-lo.

—Ótimo. —Ela disse, nessa hora ouvi o celular de alguém tocar.

Coloquei o fone no gancho e voltei para o meu lugar. O senhor Jonas já tinha deixado seu lugar a mesa. Então encarei Raquel e Gregory antes de dizer:

—Surgiu um imprevisto e eu precisarei voltar para casa mais cedo. Não poderei ficar. —Olhei Jonas pegando o casaco e saindo. —E seu pai?

—Surgiu um imprevisto no hospital. Ele teve que sair. —Gregory respondeu me estudando.

Raquel me deu um chute por baixo da mesa e encarou Gregory. Ela tinha reparado que ele não estava gostando da minha frieza com ele.

Com dor no coração desviei meus olhos dos dele.

— Seu café deve ter esfriado, vou jogar esse fora. —Gregory disse de repente para mim e se levantou, pegou minha xícara e caminhou com ela para a cozinha.

Raquel se aproximou do meu ouvido:

—Observando seu jeito, entendi que você acatou meu conselho? Você viu a cara de Gregory? Ele percebeu.

—Eu não... —Gregory entrou com minha xícara vazia nas mãos e eu parei de falar. Eu ia dizer a ela que eu não tinha acatado conselho nenhum, que eu decidi por mim mesma, pois entendi que Gregory seria o maior prejudicado em tudo isso. Eu tinha medo do meu pai pudesse fazer com ele, caso eu o peitasse.

—Obrigada! —Eu disse para Gregory quando ele colocou a xícara vazia e encheu novamente de café.

—Por nada. —Ele me deu um sorriso triste.

Engoli em seco e fugi dos olhos ardentes dele. E pegando a xícara, bebi o café em pequenos goles.

Surpresa vi quando Gregory se levantou da cadeira e foi em direção a escada. Raquel depois que o viu sumir por ela, me encarou.

—Pronto, agora podemos conversar. O que você estava dizendo?

Eu quase bati a xícara no pires quando a depositei lá.

—Que eu não me incomodo dele ser pobre, deficiente, etc., etc. Eu resolvi não levar tudo isso adiante pois conheço meu pai. E ele não irá sossegar enquanto não colocar um fim nesse namoro. Tenho medo de ele passar dos limites com Gregory.

—Melhor assim. Está sendo sensata. Não se iluda com Gregory. Ele só tem beleza.

Eu me levantei me sentindo péssima com as palavras dela. E pior, as palavras dela me tocavam de um jeito, que me faziam querer fazer tudo ao contrário.

Mas eu temia por ele. Meu pai sabia ser bem maquiavélico com seus adversários.

—Vou pegar minha mala e a minha bolsa no quarto. Daqui à pouco meu motorista está aí.

Subi as escadas como que arrastada, sentindo um grande pesar no coração. Abri a porta do quarto de cabeça baixa, me sentindo derrotada. Quando a ergui, dei com Gregory lá dentro. Ele que olhava a janela, quando ouviu o ranger da porta se abrindo se virou para mim.

Nossos olhos se encontraram, meu coração traidor batia tão forte que a impressão que eu tinha era que ele estava dentro do meu ouvido.

— O que aconteceu? —Ele perguntou. — Eu percebi que você está me evitando. O que você teme? São dúvidas sobre minhas intenções com você? Ou foi por tudo que contei de mim? Não sou bom o suficiente para você, é isso?

Eu abaixei minha cabeça sem conseguir encará-lo. Eu não podia esclarecer nada, ele deveria pensar isso mesmo. Se eu me defendesse eu lhe daria esperanças, mas eu fazia tudo isso pelo bem dele.

Mas, não seria injusto ele achar que eu era preconceituosa com relação a ele? E se isso refletisse em sua autoestima?

Eu o encarei, segurando minhas lágrimas.

—Não, não é isso. —Baixei meus olhos.

Ele se aproximou de mim, eu podia sentir o calor e o cheiro que emanava dele.

— Ajuda se eu lhe disser que minhas intenções são sérias com você? Eu não tenho muito a te oferecer, estou reformando um pequeno apartamento, uma quitinete por assim dizer, estou desempregado, mas pretendo resolver logo isso, por isso não posso lhe oferecer jantares, passeios caros. Mas posso te oferecer minha companhia, e principalmente meu coração, sei que posso amar você. E quando amamos, não importa o lugar que estamos, mas com quem estamos.

Eu segurei um soluço, eu estava tão confusa.

—Desculpe-me, mas o problema não é você, sou eu.

Desviei dele e nervosa, comecei a pegar minhas coisas. Ele segurou meu braço.

— Eu não entendi. Como assim…o problema é você?

O rosto de Gregory mostrava pura confusão. Ele me fitava tentando me entender.

— Você tem algo que não me contou? Senti você vibrar em meus braços ontem, isso não se pode esconder ou dissimular. Sei que sentiu a mesma coisa que eu?

Ele é impressionante. Forte. Tão, mas tão sexy. A forma como ele me olhava agora era tão intensa que eu prendi a respiração.

—Realmente nos atraímos um pelo outro, mas é só. Acabamos de nos conhecer. Isso vai passar! Por favor, entenda, não complique as coisas. —Eu disse duramente para ele. Sem nem piscar.

Ele me olhou longamente.  Saiu do meu quarto. Quando ele saiu, trêmula, me sentei na cama.

Quando a porta se abriu, meu coração disparou. Era Raquel, soltei um suspiro de alívio, ou será que era outra coisa? Decepção por ele ter desistido de mim tão rápido?

—Não fica assim. Você o esquecerá logo.

Eu limpei uma lágrima que desceu dos meus olhos.

—Eu quero muito acreditar nisso.

Ela se sentou ao meu lado.

—Ele não tem nada que possa te atrair, além da beleza. Você está se livrando de um problema.

Como se não bastasse minha agonia devido à decisão que tomei e que me fazia sofrer ainda tinha que ouvir Raquel me falar de Gregory.

—Pare! Pare Raquel! Ele tem tudo que me atrai. Inclusive pelo que me contou. Ele é um homem incrível, batalhador, que se virou sozinho nesse mundão cheio de maldade, e não se tornou um delinquente como o pai. Ao contrário, ele tem todos os atributos que eu amo. Diferente dos rapazes que conheci. Uns bostas! Que nunca lutaram por nada. Vazios por dentro. A dor que ele viveu fez dele um homem humano, incrível. Você já ouviu falar que a dor melhora o coração? E eu amei conhecer Gregory. E sinceramente, não sei o que ele viu em mim? Eu não o mereço, essa é a verdade!

Raquel me encarava sem fala quando terminei. Ouvi a buzina e fui até a janela e vi o BMW estacionado e meu motorista saindo dele.

Peguei minha mala e minha bolsa e saí do quarto. Antes de sair, eu a ouvi dizer:

— Quando tiver uma festa legal em sua casa, me convida que eu vou. Pode ter certeza que não irei desperdiçar a chance de conhecer algum rapaz interessante, que você despreza e que possa me dar uma vida de rainha.

Eu senti um aperto no coração e me virei para ela. Fitei Raquel, tristemente.

—Pode deixar, não vou me esquecer de te convidar. Ah, e despede-se de teu pai por mim. Você tem um pai maravilhoso. Lembre-se sempre disso.

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