Dois Mundos
Dois Mundos
Por: Carol Catalani
Acidente

Quem diria há alguns anos, que o que aconteceu me traria aqui, para viver em um lugar que eu jamais viveria? Foi tudo tão rápido que eu sequer consigo explicar com detalhes.

Eu arrumava a minha mala e Antony entra no meu quarto com tudo.

- Ai garoto, que susto.

- Mamãe disse que já vamos, desça logo.- Disse pulando de um pé só.

Esse garoto parece ligado no 220, não para quieto.

- Já estou indo, e pare de pular, se você se esborrachar no chão eu vou rir muito.

- Chata!-Disse me dando língua. 

- Vai, garoto saia daqui.

Antony é meu irmão caçula, ele tem sete anos, mas é muito inteligente, somos em três irmãos, tem também Isadora que tem vinte e um, ela vai se casar em três meses, essa será a nossa última viagem juntas, e é claro tem eu que tenho dezessete anos.

Eu me dou melhor com Isadora do que com Antony, ele é uma pimentinha, mas as vezes ele é muito carinhoso.

Desci as escadas me esforçando com a mala, papai pegou-a e levou para o carro.Todos nós os seguimos e cada um se sentou em seu lugar. Papai fazia questão que sempre nos sentassemos no mesmo lugar. Eu sempre me sentava na janela, atrás do motorista, Antony na outra e Isadora no meio de nós dois. Olhei pela janela e visualizei a fachada de nossa casa, estava com o coração apertado, essa eram as férias que planejamos durante dois anos. Iriamos para Maceió, dizem que as praias de lá são lindíssimas, mas esse aperto não me deixa. Deve ser ansiedade por conta da viagem tão esperada. Nossa casa fica no jardim Analia Franco em São Paulo, papai preferiu ir dirigindo, ele e mamãe revezaram no volante, ele alegou que a viagem será mais aproveitada se pegarmos a estrada ao invés de voar. Nós chegamos a BR 101 e papai trocou com a mamãe , pois estava cansado e ele queria que ela continuasse de dia para que ele dirigisse a noite. Tudo correu bem até a noite, papai dirigiu até umas onze da noite e paramos em uma pousada. Logo cedo acordamos e quem dirigiu desta vez foi papai. Por volta de meio dia eu estava entediada e comecei a brincar com Antony e Isadora de jogo da forca.

- Agora é minha vez. Eu disse- Com cinco letras é um time.

-Paulista ou carioca?- Perguntou Isadora. 

- Não vale, é só uma dica.-Disse Antony. 

- Verdade.

- B.Disse Isadora.

- Errado.

- C.-Disse Antôny.

- Aqui, penúltima letra.

- Já sei, já sei.

- Então fala Antony. 

- É Vas...

Foi nessa hora que ouvi o grito de mamãe. Quando olhei só deu para ver um caminhão vindo na nossa direção, papai desviou, mas perdeu o controle e tudo o que me lembro é que o carro capotou umas quatro vezes. Eu ouvia ao longe o choro de Antony e o desespero de mamãe, de repente todos se calaram e a escuridão me engoliu.

Acordei em uma maca com uma dor lacinante na perna e na clavícula.

- Cade mamãe? E papai? Cadê o Antony e a Isadora? 

-Calma Marina, Antony está bem ali. - Disse e apontou para uma cama ao meu lado.Eu não consegui focalizar seu rosto, minha visão estava turva.

- E...os...outros.

-Estão em coma.

- COMA?Eu quero vê-los!

- Você não pode.

- São minha família!

-Mas...

- Por favor.-Disse com os olhos marejados. 

O médico respirou fundo e cedeu. 

- Está bem. Vou pedir a enfermeira para levá-la.

O médico se dirigiu a enfermeira e eu juro que eu ouvi ele sussurrar para ela que talvez aquela pudesse ser a minha última chance de vê-los. Mas por que? 

Quando cheguei na UTI, svistei primeiro a Isadora, seu noivo estava ao seu lado e segurava sua mão, eu ouvia o bipe incessante dos munitores cardíacos, na sala só estavam os três, fora eu e Luan. E uma infinidade de enfermeiros. De repente dois dos monitores começaram a apitar e eu entrei em pânico, entraram uns quatro médicos correndo e tentaram reanimar papai e Isadora, o terror estava estampado no rosto de Luan e tenho certeza que no meu também. Os médicos não tiveram sucesso e papai e Isadora morreram minutos depois, mas eu me apeguei ao fato de que eu e meu irmão pelo menos teriamos mamãe para cuidar de nós, como fui tola a pensar que teria ao menos essa recompensa depois de presenciar a morte de minha irmã e meu pai ao mesmo tempo, fui para meu quarto e chorei até não poder mais, chorei durante horas e quando achei que minhas lágrimas haviam secado, recebi a notícia de que haviamos perdido a única pessoa que ainda nos restava, mamãe teve uma parada cardiorespiratoria e morreu, os médicos fizeram tudo o que podiam mas não teve jeito.

Os velórios não poderiam ter sido mais tristes, três caixões alinhados enquanto o pastor falava algumas palavras que eu não houvia, só fui capaz de houvir quando ele disse algo que me fez surtar.

-...por que não somos capazes de aceitar a morte? Simplesmente, irmãos porque não fomos feitos para morrer...

- Porque não fomos feitos para morrer? - perguntei sarcástica .- Então por que diabos meus pais e minha irmã estão aqui deitados nesses malditos caixões? 

- Foi a vontade de Deus minha filha.

- Que vontade de Deus o que, acha que Deus queria isso? Duas crianças órfãs e um noivo sem noiva?-Eu disse gesticulando na direção de Antôny e de Luan.

- Venha Marina, você precisa descansar.

- Não, não preciso Marcela.

- Eu só quero seu bem.

- Eu sei...- disse hesitante.-desculpe pastor, eu...

-Eu sei minha filha é compreensível.

Quando colocaram os caixões um a um no túmulo, primeiro papai, depois mamãe e por último Isadora, meu desespero aumentou a vontade que tive foi de ir junto também, mas precisava pensar no Antony. Ele não parecia estar entendendo muito bem o que se passou, ele tinha ficado em casa com minha avó, ela é india e disse que não era bom que ele viesse . Como eu não estava em condições de cuidar nem de mim, acabei concordando e vindo com a Marcela, ela é uma boa amiga. Nos conhecemos desde criança, me lembro que nos tocávamos a campainha dos vizinhos e corríamos. Uma vez o seu João pegou a gente e levou para mamãe que nos deu a maior bronca. 

A casa parecia imensa, quando passei pela porta pude ouvir vovó contando uma de suas histórias para Antony, não pude deixar de sorrir, sentia inveja da sua inocência. 

-..."e então o menino gritou novamente e ouviu o buraco respo...Ah filha, você ja chegou?

- Já sim. Foi muito triste a mamãe...

- Não, não menina, não fala dos mortos deixa eles descansarem.

- Como não vou falar da minha mãe? A sua lembrança foi tudo que me restou. 

- Guarda ela aqui. - Disse colocando a mão sobre o meu coração. - Ela vive em você. E seu espírito estará sempre vivo. Mas falar dela atrai coisa ruim, melhor pensar, lembrar momentos bons.

Fiz que sim com a cabeça.

- Agora menina arruma suas coisas que daqui a sete dias vamos embora, só esperaremos espíritos irem para voltarmos para aldeia.

- Aldeia?...- Sussurrei. Achei que fossemos ficar aqui.

- Não, eu não posso ficar.Tenho obrigações. 

- Então a gente fica.

- Você, criança e Antony também.-Disse colocando o dedo no meu peito 

- Mas a minha vida é aqui.

-Agora sua vida é na aldeia.

- Eu...É que...

- Pelo menos até ficar adulta, depois pode vir, mas primeiro Marina precisa arrumar trabalho para sustentar a casa, combinado?

- Tá legal. 

Os sete dias pareciam se arrastar, na quinta feira que era o penúltimo dia que eu ficaria na cidade, fui até a escola, para me despedir dos meus amigos.

Minha avó foi dar baixa na minha matricula. Eu fiquei imaginando se lá eu iria para a escola.

-Venha me visitar,  Marina. - Disse Marcela abraçada comigo.

- Eu vou vir.

- Então... Acho que...Tchau?

- É, a gente se vê...

Entrei no taxi e não conseguia parar de chorar.

- Tá chorando por causa da mamãe? 

- Não querido, a mamãe, o papai e a Isa, estão dormindo agora.

-Dormindo pra sempre?

- Não, um dia estaremos todos juntos. 

- Legal...

O caminho foi um pouco longo, e Antony logo pegou no sono. Eu, na maior parte do tempo fiquei acordada olhando pela janela e chorando tudo o que essa maldita tragédia tirou de mim. Além de perder meus pais e minha irmã, perdi meus amigos e tudo o que eu sempre tive. Agora eu estava indo para o meio do mato, viver com um monte de pessoas que vão me achar um extraterrestre, se é que eles sabem o que é um. E isso não é por causa do meu biotipo, que embora eu não seja a típica india Caiapó, eu tenho muitos traços que herdei de meu pai, que era índio. Eu sou morena, a pele um pouco mais clara que avelã, meus cabelos são lisos, só não escorridos contam com belas ondas, sou magra mas não magra demais. Enfim, acho que o meu biotipo vai ser o menor dos meus problemas nessa nova vida. O Antony já é mais claro que eu e tem os cabelos cor de mel, como eram os da Isa, os seus olhos, ao contrário dos meus e da Isadora que são negros como jabuticaba, no caso dele eram verdes como os da mamãe. Pensando nessas coisas acabei por pegar no sono e tive um sonho, aguma coisa com pessoas de rosto pintado indo pra guerra. Quando acordei haviamos chegado. 

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