Capítulo 04

Você já parou para pensar sobre as coincidências da vida? Que o universo consegue ser irônico e muito inesperado, disso, todo mundo já sabe. Mas certas coisas, coisas estatisticamente quase improváveis de ocorrerem, simplesmente e inexplicavelmente acontecem. Parece que o destino faz questão de marcar algumas fichas do jogo, e certos eventos vão acontecer mesmo que pareçam impossíveis. Esse deve ser o nó que ata um individuo ao outro. Porque, em meio a 210 milhões de pessoas, eu fui encontrar a única que não esperava ver. Pensar nisso, me fez questionar o quão azarado um ser humano poderia ser? As probabilidades eram baixas, e eu me arriscaria, até, a dizer que, praticamente nulas. Uma pessoa no mundo inteirinho. Quais eram as chances? Eu só conseguia chegar a apenas uma conclusão: a vida queria mesmo rir da minha cara.

As minhas pernas bambearam e eu comecei a olhar de um lado para o outro, ainda em estado de choque com a notícia. Das duas uma: ou o destino estava querendo pregar uma peça ridícula em mim, ou ele estava muito a fim de tirar uma com a minha cara. Isso não pode acontecer, não agora!

Esse homem deveria estar em Minas Gerais junto com o meu passado, ele não fazia parte desse mundo, do meu novo mundo e ter que dividir o meu espaço com ele, depois de tanta coisa, era uma realidade inaceitável.

— Gente, não dá pra mim... — Avisei, fazendo um sinal com a mão. — Isso só pode ser uma piada de muito mau gosto e eu preciso ir para casa.

Eu não sabia o que fazer, muito menos como sair do salão sem ser vista, mas precisava desesperadamente sair das vistas de Thomas.

Ele definitivamente não podia me ver. Não teria maturidade, tampouco psicológico para isso.

Não me sentia minimamente preparada e a única forma de manter o meu emprego e a minha sanidade era indo embora desse lugar.

Tratei de me recompor e fiz a volta pelo salão, passando pelo canto mais escuro do recinto e me esgueirando pelas plantas que adornava o espaço até atravessar a porta da saída.

Respirei aliviada ao me dar conta de que estava do lado de fora do prédio e me atrevi a olhar pela porta de vidro uma última vez, mirando o homem bonito e engravatado que estava ali dentro. Ele estava mais velho e a barba estava totalmente cheia. Uma versão mais adulta e madura de um adolescente que conhecera no passado. Eu tinha, no fundo, no fundo a esperança de que tudo não passasse de uma miragem, fruto da minha imaginação e esperava confirmar que isso, mas quando não aconteceu, fiz sinal para o taxi e me arrastei pelo banco, dando o endereço do escritório onde o Samuca estava.

Quinze minutos depois, desci do carro e corri para dentro do edifício, me apressando em chegar ao quinto andar.

— Senhorita Gonçalves. — A recepcionista me recebeu com um sorriso genuinamente simpático.

Eu balancei a cabeça com afobação, dispensando as cordialidades.

Estava num estado frenético de pânico e pressa. Os meus problemas estavam se tornando uma bola de neve numa proporção descabida. Sentia que a minha vida estava começando a descer uma ladeira e eu não estava conseguindo tomar as rédeas dessa situação.

— Laura — pus a mão aberta no balcão — o Samuel ainda está no escritório, não está? — descarreguei as palavras todas de uma vez e ficou mais do que evidente que havia algo de errado.

— Está sim... — Informou, balançando a cabeça copiosamente e puxando o telefone do gancho, levando-o até a orelha.

Dispensei as formalidades e corri em direção ao elevador. Apertei repetidas vezes o botão do elevador como se isso fosse capaz de acelerar as coisas. Eu precisava conversar com alguém. Samuel sabia dos meus problemas e conhecia muito bem a minha história com Thomas e como tudo foi muito difícil. Talvez ele me dissesse o que fazer. Eu esperava que alguém tivesse uma visão racional de tudo isso, porque eu não estava sendo capaz de enxergar algo bom nessa loucura toda.

Thomas tinha comprado a Parilla. — Eu balancei a cabeça recusando a ideia absurda.

A porta metálica se abriu diante de mim e respirei fundo, oxigenando melhor o meu cérebro a fim de pensar mais calmamente. Afinal, por que eu estava lidando com essa situação desse jeito tão irracional?

Estava sendo passional demais. Imatura e muito impulsiva.

O que está acontecendo comigo?

Estava tentando fazer uma analise interna dos meus medos, mas nenhuma resposta parecia ser aceitável. Então, um misto de sentimentos provocou uma espécie de reviravoltas no meu estômago e eu apoiei as costas no elevador, enclausurada em meus próprios pensamentos.

Não pode ser o fim do mundo.

Coisas ruins acontecem a todo mundo o tempo inteiro.

Respirei fundo quando a porta se abriu e eu vaguei o olhar pelo andar, observando o local. As salas eram separadas por divisórias de madeiras e vidro, então conseguia ter uma visão do Samuca no escritório, sentado na cadeira atrás da mesa.

Entrelacei os meus dedos nervosamente e avancei a passos contidos em direção ao escritório e ele ergueu o olhar assim que abaixou o telefone e devolveu-o ao gancho. Os lábios dele se curvaram em um sorriso e eu forcei um sorriso fechado em resposta, empurrando a porta para entrar na sala dele.

— Laura me disse que você passou como um furação por lá. O que aconteceu? — Perguntou antes mesmo de eu me sentar.

— Aconteceu uma coisa hoje... — comecei a dizer e ele fez um gesto com a mão, me interrompendo.

— Tem como você esperar só um pouco? — perguntou, se levantando da cadeira. — Preciso ir o banheiro.

Samuca saiu da sala e eu comecei a olhar ao redor com inquietação, passando a mão pela plaquinha que continha o nome dele, Dr. Pontes.

Passei a mão pelas têmporas, deslizando os fios de cabelos para trás da orelha e me levantei, cerrando o olhar a fim de ver melhor, aproximando-me ao tentar enxergar o que achei que estivesse vendo. Era o nome do advogado que passaram na TV no sábado, Dr. Lonato — era o que estava escrito na placa sobre a mesa. Ele estava trabalhando no caso da venda da Parilla. Com essa informação, me vi andando de um lado para o outro, engolindo a seco ao pensar na péssima ideia que acabara de ter. Olhei para o final do corredor e Samuel ainda estava passando a porta que o levaria ao banheiro.

Suspirei decididamente e soltei a bolsa do ombro para a cadeira e corri, fazendo com que o barulho dos meus saltos ecoasse alto demais contra o chão ao seguir direção à sala que ficava ao lado da de Samuel.

Empurrei a porta de vidro da sala e me pus para dentro, fazendo a volta pela mesa, analisando as pastas.

Eram três pastas pardas.

Analisei a primeira ao ler na etiqueta “Moreno”, e depois a segunda “Villar”, até suspirar com alivio por último ao encontrar as letras “Parilla”.

Estava morrendo de medo de ler o conteúdo dentro da pasta, mas ignorei esse sentimento e abri-a, puxando várias documentações dela. O contrato de compra e venda estava por cima, então comecei a folheá-lo, buscando com pressa a identificação do comprador. O nome, eu só precisava tirar a dúvida.

Os meus olhos passavam rápido pelas letras miúdas no papel e Samuel atravessou a porta do banheiro e eu me apressei em virar a página.

Oh meu pai...

O meu coração bateu a galope dentro do peito e eu comecei a acompanhar a leitura com a ponta do dedo indicador. Comprador, comprador...

Comprador: Thomas Roriz Cavalcanti.

O meu desespero foi total, por isso larguei a pasta sobre a mesa como se tivesse me dado um choque e enfiei tudo de volta com pressa.

— O que você está fazendo aqui? — Samuel perguntou empurrando a porta.

Os meus olhos rodaram de um lado para o outro, um ponto preto no teto chamou a minha atenção. Tinha acabado de invadir o escritório de um advogado. Isso tinha sido muito errado e eu não seria capaz de explicar isso ao Samuca.

— Ahhhhmmm... — Murmurei sem jeito, os olhos vagando pela porta e depois para o chão, buscando uma saída rápida para essa possível enrascada.

— Uma barata! — Me precipitei em dizer, elevando o tom de voz, erguendo o dedo indicador.  — Eu vi uma barata aqui...

Ele franziu o cenho em resposta, evidentemente confuso, ainda com a mão apoiada na maçaneta de madeira.

— Ela estava ali. — Informei, apontando para o canto no chão da sala, tentando soar convincente. — Ela fugiu! — Exclamei.

Ele arqueou a sobrancelha em resposta antes de se pronunciar.

— Vem... — disse, abrindo a porta para eu passar. — Deve ter sumido. — Comentou, franzindo os lábios ao analisar o local para onde estava apontando. — Amanhã eu vou chamar o dedetizador.

— O que você queria me dizer? — Ele perguntou, guiando-me para a sala dele com mão em minhas costas.

— Ah... Nada demais. — Respondi rapidamente, forçando um sorriso.

Ele parou do meu lado e um vinco se formou em seu rosto.

— Você correu até aqui, feito uma maluca e não é nada demais? — Perguntou, parecendo desconfiado ao retornar o passo.

— Estava com dificuldades para processar a venda da revista — assumi com franqueza —, mas estou me sentindo mais calma agora.

Uma grande e fedida mentira, difícil até mesmo de conta-la. O nome do Thomas naquele contrato me deixou apavorada e só serviu para provar o quanto isso me afetava, mas, acima de tudo, estava morrendo de medo de falar para o Samuca que o Thomas tinha surgido de Minas e agora seria o dono da empresa da qual trabalho, meu chefe, para piorar a minha reação não ajudava em nada.

Precisava, antes mesmo de contar para ele, aprender a lidar com isso. Tinha de assimilar e dar um jeito de viver com isso.

— Tudo bem. — estalou ao abrir a porta. — Quer sair para jantar?

Balancei a cabeça em negativa sem vontade.

— Tem certeza? — Insistiu, pegando a pasta de couro e vindo em minha direção com o blazer no braço. — A gente pode ir naquele italiano que você gosta.

— Não estou no clima. — Respondi, franzindo os lábios em desanimo ao sair da sala quase que arrastadamente. — Quero ir pra casa, jantar um miojo e tomar sorvete com a Fê até virarmos duas bolas felizes.

— Amor... — O Samuca segurou o meu braço um pouco mais firme e interrompeu as minhas passadas em direção ao elevador, ficando de frente para mim. Os olhos verdes bem mais sérios do que o normal agora. — Nem sempre as coisas acontecem do jeito que a gente deseja, mas certas coisas são inevitáveis. Ou você aceita, ou... aceita... Ouviu? Você gosta muito de trabalhar na Revista, eu sei... Mas se quiser o seu emprego, vai ter que lidar com a mudança.

Engoli a seco o que ele dissera e balancei a cabeça em concordância, realmente, ele estava certo, mas o problema não era esse e eu só esperava conseguir manter o meu emprego no final de tudo isso.

— Eu vou te deixar em casa, amanhã eu tenho que estar no tribunal bem cedo. — Informou, passando o braço em volta do meu ombro depois de chamar o elevador. — Você vai ficar bem? — Perguntou, olhando para mim de cima, já que ele tinha uns bons vinte centímetros a mais que eu.

Ergui o meu olhar para ele e esbocei um sorriso sincero, afagando a minha cabeça no ombro dele.

*

Despedi do Samuca deixando um beijo em seus lábios e peguei a chave do apartamento dentro da bolsa. Suspirei ao abrir a porta, encontrando a comodidade da minha casa. As luzes estavam apagadas, o espaço vazio e silencioso. Avancei pelo cômodo e deslizei a ponta dos dedos pelo aparador do corredor, deixando as minhas chaves ali.

Acendi as luzes, abandonei os sapatos de bico fino no meio do caminho, e prendi os cabelos ao dar um nó alto nos fios escuros, e direcionei-me à geladeira, puxando o pote de sorvete de chocolate dela.

Um sentimento ruim de culpa e remorso começou a me preencher por dentro e tentando amenizar o sentimento, peguei uma colher tratei de enfiá-la cheia de sorvete na boca e me joguei, em seguida, no sofá, ligando a TV em seguida, dando play no filme “Quando nos conhecemos”.

No momento em que os créditos começaram a subir, levantei-me num pulo e direcionei-me para o banheiro. Nada da Fernanda aparecer. Isso porque já eram oito e meia.

Peguei o notebook e carreguei-o para a sala, precisava escrever para o meu blog pessoal “Mil e uma versões de mim” e quem sabe assim esfriasse a minha cabeça. Algumas palavras depois, os meus olhos começaram a pesar e a minha visão se tornou escura.

— Nina... — Ouvi uma voz distante e familiar ecoar na minha cabeça.

A minha resposta não passou de um resmungo longo e arrastado.

— Nina... — dessa vez eu fui forçada a acordar, num pulo e assustada, arregalando e me sentando com pressa.

— Eu fiz uma coisa... — A Fê comentou com a voz séria, já sentada do lado do sofá, segurando meus antebraços.

Eu balancei a cabeça, ainda em letargia devido ao sono e passei a mão pelo rosto, ajeitando os fios de cabelo que se bagunçaram durante o sono.

— Eu não sei como te dizer... — disse, se levantando do sofá, jogando a bolsa do ombro no chão.

— O que foi? Fê? — Perguntei, franzindo o cenho e analisando ao redor. — Que horas são? — Balbuciei, esticando os braços. Puxando o telefone.

Dez horas.

— Eu dormi com o Augusto... — Ela levou a mão à boca ao proferir a informação.

— Que Augusto? — Indaguei, levantando-me do sofá, ainda confusa.

A Fê zanzou de um lado para o outro na sala, fazendo a volta pela mesa de centro, parecendo confusa e aturdida.

— O advogado! — Exclamou, sentando-se no braço do sofá e os meus olhos de esbugalharam com a surpresa da notícia.

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