As línguas de Sekhairiann

Não se adquire um bom vocabulário com a leitura de livros escritos conforme uma ideia do que seja o vocabulário da faixa etária do leitor. Ele vem da leitura de livros acima da sua capacidade.

                                                                                                         (J.R.R. Tolkien)

            Há três modos de ler esse livro (no que se refere à questão do vocabulário):

            O primeiro consiste no mergulho intuitivo e direto, sem se preocupar com o vocabulário e com a pretensão de descobri-lo por assimilação e lógica associativa. É um bom método (e é perfeitamente possível). Muitos leitores regozijam-se na aventura interpretativa e na imersão contextual. Depois, quando a leitura dos contos em si tiver chegado ao término, aí sim se verifica o vocabulário, para certificar-se da compreensão obtida. Para esse tipo de leitor, sugerimos que nem continue a leitura desse apêndice (o autor Beto Garcia, por exemplo, é bem desses na vida).

            O segundo consiste na leitura analítica e concomitante. É, também, um bom método. Não obstante, assim como o primeiro acarreta o ônus de vez ou outra escorregar em uma interpretação errônea, este pode atravancar a fluidez da obra. Muitos leitores, entretanto, têm essa capacidade e esse foco, preferindo assim mesclar os prazeres da apreciação e da pesquisa.

            O terceiro consiste em um breve estudo preliminar do vocabulário para, a seguir, iniciar a leitura. Sinceramente cremos que esses leitores sejam os mais raros. Contudo, também deve ser um bom método para aqueles que preferem o caráter técnico da leitura.

            Quando os autores começaram a criar esse mundo, anos atrás, imaginaram uma língua que tivesse obtido predominância cultural nesse mundo de Sekhairiann (por razões estéticas e contextuais de acordo com a realidade interna da obra): o feerit. Esta é uma língua formada a partir da fusão (englobando os conceitos de união e interseção) de todas as línguas faladas por povos feer (à exceção dos tess feer, pois estes desenvolveram-se um tanto apartados dos demais ramos de sua espécie) (2) e com inúmeras contribuições de outros grupos linguísticos advindos de espécies completamente diferentes, porém aliadas em determinados momentos históricos.

            Porém, conforme o mundo de Sekhairiann evoluía (em termos literários, claro) surgiu naturalmente a necessidade de que fossem criadas mais línguas como: tesseranasu, durahkish, bahurmuginn, trughotho e outras mais.

            Qual a origem (inspiração) de cada uma delas? Originalmente Aurazy Ribeiro e Beto Garcia fundiram a apreciação da primeira pela língua japonesa com o fascínio do segundo por diversas línguas (sendo formado em letras), principalmente grego, latim e anglo-saxão. Assim nasceu o feerit. Para cada nova palavra que precisasse ser criada, pesquisava-se a transliteração desta em uma das línguas citadas (posteriormente outras passaram a serem consultadas, como: dinamarquês, finlandês, galês, croata, árabe, línguas africanas et cetera) e sua sonoridade e/ou adequação ao contexto cultural do universo literário. Modificaram-se ligeiramente os radicais (adotando certas convenções linguísticas específicas para a verossimilhança interna do texto), acrescentaram-se os sufixos sekhairiannos e voilà! Eis o produto final.

            As demais línguas foram mais focadas nas representações análogas às que os seus respectivos falantes (povos) exercem em Sekhairiann. Desse modo, o tesseranasu foi construído a partir de vocábulos do japonês e chinês, bahurmuginn já possui uma descendência das línguas dos grupos indígenas ameríndios (e até do inuíte), psashii toma emprestada a fonética e a morfologia árabe (também persas e afins) assim como trughotho e dahrelhaw são constituídas embasadas no léxico das línguas africanas subsaarianas.

            Este tratamento não se restringiu às línguas. Na verdade, essas construções linguísticas advêm, em primeiro lugar, das correspondências culturais que traçamos entre cada povo sekhairianno e os povos de nosso mundo real.

            Quanto à pronúncia, recomendamos ao leitor que não a “inglesifique” (perdoe-nos o neologismo). Já notaram como é natural para muitos leitores buscarem inconscientemente uma pronúncia “inglesificada” quando se deparam com línguas fictícias de universos de fantasia medieval? Portanto, não faça isso. Tente ler com a pronúncia mais natural da língua portuguesa (e a maioria de suas convenções fonéticas). Com algumas poucas observações...

  1. a) O “w” deve ser lido como /uu/ (/w/) quando iniciar as palavras (ou precedida de uma consoante em mesma sílaba), no entanto assume o som de /v/ quando está no meio da mesma (a não ser que esteja precedido de um apóstrofo). Desse modo, ao ler uma palavra em feerit como “waishunn” (tradução: militar), pronuncia-se “uaichun” (esse duplo “n” será explicado no próximo item), “akzerw” (tradução: machado grande de uma mão) é pronunciado como “akizeru” e em “cawurfenshil” (tradução: lança pesadíssima feita de metal) o “w” é lido como “cavurfenshil”. Há um caso, entretanto bem diferenciado do uso do “w”, como na palavra “bwystfall” (tradução: monstros gigantescos da mitologia sekhairianna). Colocado após uma consoante na mesma sílaba, produz dígrafos. Em “bw” lê-se “bü”, em “kw” lê-se “kü” e por aí vai.
  2. b) O duplo “n” (nn) é muito presente no feerit. Ele possui duas ocorrências distintas. Primeira – Quando estiver localizado no meio de uma palavra, ele separa a vogal anterior e seu primeiro “n” em uma sílaba e inicia a sílaba posterior com o outro “n”. Lemos, então, os dois primeiros “nn” (pois há duas sílabas com essa ocorrência) da palavra “wisdennatunn” (tradução: corpo docente) separando as sílabas assim: wis-den-na-tunn. Ou seja: pronuncia-se “den” (com a nasalidade na vogal) e “na” separadamente. Segunda – Quando estiver no final, ou até mesmo no meio de uma palavra, porém o segundo “n” não se conectar a uma vogal, a sílaba torna-se a mais tônica, com um leve prolongamento da vogal (essa é a razão do duplo “u” supracitado). Assim, na mesma palavra utilizada no exemplo anterior (wisdennatunn), a sílaba “tunn” é a que recebe ênfase durante a pronúncia. Pelo que aprendemos até agora pronuncia-se, então: “vis-den-na-tun” e é uma oxítona (última sílaba tônica).
  3. c) O “h” utilizado após uma vogal (pertencendo à mesma sílaba), também a tonifica. Em “Annahk” (importante personagem da obra), por exemplo, lê-se: An-nák.
  4. d) O “h” após o “t” atribui-lhe um som intermediário entre “t” e “tch”. Tomemos a palavra “kirathenn” (tradução aproximada: eclesiástico, sacerdotal ou sagrado) e desdobremo-la: ki-ra-tchen (oxítona).
  5. e) Após qualquer outra consoante, o “h” modifica sua sonoridade levemente, tornando-a ‘soprada’.
  6. f) Antes de qualquer vogal (iniciando uma sílaba) o “h” adquire o som de /r/ (“rr”). Portanto, em “bahurmuginn” lemos: ba-rrur-mu-guinn.
  7. g) Duplo “l” segue a mesma lógica do duplo “n”. Veja como seria pronunciada a palavra “ballementinn” (tradução aproximada: esferas de elementos para treino): bal-le-men-tinn.
  8. h) Já no final da palavra, o duplo “l” é pronunciado com certo malabarismo na língua, reproduzindo o primeiro “l” com som de “u”, normalmente, seguido de uma leve estaladinha. Logo, a palavra “chytrall” (tradução: entidade demoníaca) é lida com a última sílaba quase dobrada e a ‘estaladinha’ no fim.
  9. i) O “x” assume som de “ch” no início das palavras e de /ks/ (“ks”) quando no meio das mesmas. Lemos, então, “wexiiteh” (sem tradução exata; espécie de xamã) como: ue-ksi-i-té.
  10. j) As vogais dobradas são pronunciadas sempre separadamente. Mais uma vez fica a dica: Não inglesifique. Desse jeito, o duplo “e” em “bedeem” (tradução: meio), não será lido como “i”. Ficando desta maneira: be-de-em. Normalmente elas também comandam a tonicidade (à exceção de ocorrer um duplo “n”, duplo “l” ou “h” após vogal na mesma palavra, pois estes têm precedência).
  11. k) Ignore tremas. Eles só existem em poucas palavras por pura questão estética.
  12. l) Quando deparar-se com um “nm” entre vogais, puxe a nasalidade do primeiro para a vogal final da sílaba anterior e utilize o segundo como consoante da sílaba posterior. Observe a palavra “denmemarynn” (tradução: estátuas de objetos): den-me-ma-rynn.
  13. m) Aja diferentemente, contudo, quando o encontro consonantal acima for invertido em “mn”, pois ao primeiro deve ser adicionada uma vogal quase inaudível “i”, efetuando uma brevíssima parada na pronúncia. Eis o resultado: “gehemneko” (tradução: secreto) é lido mais ou menos assim (lembrando de disfarçar o “i”): gue-rre-mi-ne-ko.
  14. n) A letra “g” segue o ideal do alfabeto fonético, no qual ela teria sempre o som de /g/ como em “gato”, “gaiola”. Mesmo seguida de “e” ou “i” (fazendo som similar ao de “gue” em “guerra” ou “gui” em “guidão”), ainda assim será lida como descrita anteriormente. Observe “gendut” (tradução: vingar): “guen-dut”.
  15. o) Não há ditongos crescentes em feerit, sendo assim, semivogais (usualmente /i/ e /u/; em alguns casos /e/ e /u/, quando assumirem respectivamente os sons das duas anteriores) seguidas de vogal configuram-se sempre em hiato (vogais – encontro vocálico – que se encontram graficamente, porém são pronunciadas em sílabas separadas). Ao pronunciar, logo, a palavra “gladium” (tradução: guerreiro), ela ficará assim: gla-di-um.
  16. p) Consoantes dobradas devem ser lidas uma em cada sílaba (se preciso, acrescentando o som “i”, como no caso do “mn”, após ambas). Tomemos como exemplo “guttvador” (tradução: prefeito): gu-ti-ti-va-dor.

            Recentemente os autores resolveram revisar algumas particularidades da língua antes de exporem Sekhairiann ao conhecimento dos leitores. Cogitou-se, por isso, criar um alfabeto fonético (um sonho particular de Beto Garcia inclusive para a língua portuguesa), no entanto, isso excluiria a simulação de traços filológicos (história das línguas) da mesma. Logo, com o intuito de transmitir maior legitimidade diante do amplo espectro cultural desse universo, decidiu-se manter grafemas (letras) diferentes para fonemas (sons) idênticos, do mesmo modo que ocorre com a língua portuguesa.

            O plural em feerit é realizado com o acréscimo do sufixo “e” ou “ne” (quando a palavra termina em qualquer vogal), então, quando depararem-se com as duas formas: “equinodonn” (tradução: espécie similar ao cavalo) e “equinodonne”, depreender-se-á que a primeira está no singular e a segunda no plural. Do mesmo modo, a forma singular “ielyo” (tradução: olho) pluraliza-se em “ielyone”.

            Vale alertar (atenção!!!) ao leitor que algumas expressões linguísticas devem ser interpretadas segundo o contexto histórico, cultural e comportamental desse mundo de fantasia medieval. Tentar fazer analogias bestas e tipificadas à nossa realidade política e histórica só conduzirá a interpretações possivelmente errôneas e esdrúxulas. Um exemplo disto é o uso frequente dos termos “macho” e “fêmea”. Não há “homem” e “mulher” em Sekhairiann, simplesmente porque não há homo sapiens! O mais próximo da definição biotípica de “humanos” entre as dezenas de espécies (sim, são mais de vinte espécies, sendo que algumas ainda se subdividem em várias subespécies) racionais, os swannimane (palavra que descreve no coloquialismo sekhairianno os “viventes racionais”, ou simplesmente “viventes”) são os hominoid. Portanto, os termos “homem” e “mulher”, que gramaticalmente são variações lexicais de gênero para o substantivo, são oooooooooooooooooooobviamente completamente desconhecidos dos povos de Sekhairiann (capisce?). Por este motivo eles referem-se uns aos outros como macho e fêmea. Só por isso.

            Há outras particularidades, não somente no feerit, como em todas as línguas de Sekhairiann. Todavia, em um futuro lançaremos uma gramática (e um dicionário) que já está 90% completa. As noções que aqui estão por enquanto são mais que suficientes.

           

(2)A leitura dos contos situará melhor o leitor nessa questão de povos e raças em Sekhairiann.

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