Neuf

Depois de se livrar da repórter com as perguntas inconvenientes Liza caminha na direção do grupo, que estava a ponto de entrar na garagem da Pruma Racing sem sequer nota-la. Ela os segue e depois que passam as paredes para os bastidores, ela indaga, chamando-lhes a atenção: - O que está acontecendo aqui?

Os três viram-se em sua direção espantados a princípio, mas Charlie automaticamente sorri.

- Lizzie! – ele diz alegre. – Bom, não era para sermos pegos de surpresa e sim surpreendermos você, mas, aqui está. Feliz aniversário!

E indica sua mãe.

- Com certeza me pegaram de surpresa. – ela diz sem humor.

Patrícia tira os óculos dos olhos e sorri para a filha com eles marejados.

- Querida! – ela diz e se aproxima dela, abraçando o seu corpo paralisado. Liza sequer sobe os braços para rodeá-la. – Sinto muito por tudo, eu senti tanta a sua falta.

Liza ergue os olhos para o tio, pedindo uma explicação em silêncio.

- É o seu presente de aniversário, Lizzie.

- Como assim? – ela sopra.

Fábio olha para Charlie.

- Ma belle, eu vi o quanto estava infeliz com o distanciamento de vocês duas e entrei em contato com ela para...

- Espera. – ela o interrompe, afastando-se dos braços da mãe. – Você o que?

Charlie olha dela á Fábio, sem saber o que dizer.

- Lizzie, pensamos que você iria adorar tê-la aqui. – Fábio explica.

- Meu amor, eu sei que nós tivemos mal momentos, mas... – a mãe começa.

- Tivemos maus momentos? – Liza a interrompe rindo sem humor, mirando seus olhos. – Não. Eu tive meus maus momentos e você teve os seus. Separadamente. Porque você não quis compartilhar e resolver isso em uma conversa feito a adulta madura que deveria ser.

- Lizzie! – Fábio a chama a atenção.

- Não! – a pilota nega, olhado para o tio. – Ela não tem o direito de estar aqui! Não agora. – ela umedece os lábios e vira-se para a mãe novamente – Você teve todas as oportunidades para estar aqui antes, quando eu estava sendo atacada, quando mesmo que negasse eu estivesse morrendo de medo de que não me aceitassem, de que eu não tivesse bons resultados. Eu te liguei, te mandei mensagens, te mandei emails... Você não estava lá por mim!

Um silêncio predomina após seu último esbravejo.

Cris, que estava vindo pelo corredor, fica parada à uma certa distância ao notar a cena.

- Eliza, eu sinto muito, minha filha. – Patrícia diz contida. – Eu sei que errei, mas não imagina o quanto eu me arrependo...

- Eu não quero saber. – ela a interrompe. – Você sabia o quanto eu te queria aqui, o quanto eu precisava de você... Mesmo que estivesse me xingando, me dizendo que eu estava arriscando a minha vida, mas me apoiando. – Liza sente uma lágrima grossa descer pelo rosto, não poderia se importar menos com aquilo agora. – Meu pai me apoiou, minha amiga me apoiou, meu tio me apoiou, até o Charlie me apoiou... Mas você? – ela sorri forçada – Quis ser a dona da razão e dar as costas para mim. Você me ignorou, me deixou no escuro por quase oito meses!

Fábio passa a mão no rosto quente enquanto Charlie sequer abre a boca, chocado.

- Chegar aqui no momento de celebração é fácil, depois que eu alcancei vários pódios e virei uma queridinha deles. – Liza engole em seco o bolo na garganta – Você não merece estar aqui comigo agora.

Dito isso ela dá as costas e sai em passadas rápidas e firmes na direção do camarim. Depois de um tempo eles ouvem a porta bater com violência.

Fábio e Charlie se entreolham e Patrícia vira-se em sua direção visivelmente abalada.

- O que foi isso? – Cris pergunta finalmente aproximando-se do grupo.

- Cris, essa é a Patrícia. – Fábio apresenta e a empresária assente da direção da mulher. – É a mãe da Liza.

Patrícia sorri sem humor.

- Patrícia, eu sinto muito. – o monegasco se adianta. – Eu não tinha ideia de que ela iria reagir desta forma.

- Eu não a culpo. – a mulher responde. – Ela puxou a minha personalidade forte, claro que não me perdoaria facilmente.

- Você foi uma cretina. – Fábio afirma e Charlie o olha alarmado. – O que? Foi mesmo!

- Acho melhor eu ir falar com ela. – Cris sugere já se encaminhando na direção do camarim.

- Não, Cris. – Fábio chama sua atenção, fazendo-a parar no meio do caminho. – Deixa que o Charlie vá. Acho que os dois precisam disso.

Cris olha para o rapaz sem controlar a sua tremenda frustração. Aquele garoto já estava se intrometendo demais na vida da sua cliente e ela estava começando a perder a pouca paciência que tinha. Não queria deixar aquilo ser levado para o lado pessoal, mas Charlie Lacroix estava definitivamente a tirando do sério.

- Eu vou lá falar com ela, se me derem licença. – o rapaz diz, mas antes se vira para Patrícia: - Você vai ficar bem?

- Vou sim, querido. Obrigada. – diz gentilmente.

Charlie passa por Cris e segue até o camarim nomeado com as iniciais e número da pilota, ele bate na porta algumas vezes com cuidado.

Não tem resposta.

Então ele vira a maçaneta e entra o aposento vagarosamente, vasculhando a sala com os olhos.

Ele encontra Liza sentada no sofá de cabeça baixa.

Não demora a se aproximar logo depois de fechar a porta atrás de si.

- Lizzie... – ele diz receoso.

Ela se assusta com a sua presença súbita, mas respira aliviada por ver que ele estava sozinho.

- Me desculpe. – ela diz limpando o rosto molhado com a manga longa da segunda pele que vestia por baixo do macacão. – Não queria incluir você nesse drama familiar.

- Não, eu quem te devo desculpas. – ele diz ajoelhando-se na sua frente, para ficar na altura de seu rosto. – Lizzie, eu não tinha o direito de me intrometer na sua vida desta forma. Me desculpe. – ele pega ambas suas mãos. – Mas eu te vi tão triste por não ter sua mãe aqui, que não pude não fazer nada. Sabe... – ele respira fundo – Depois que perdi meu pai eu passei a valorizar todo momento com as pessoas que são importantes para mim e ver que vocês estavam desperdiçando isso... Mas eu não tinha o direito.

Ela sorri em sua direção e acaricia seu rosto.

- Você é um amor. – ela diz com a voz rouca. – Muito obrigada pelo o que fez, eu sei que foi a melhor das intenções. Não estou brava com você, ou com meu tio, que eu sei que teve o dedo no meio disso. – eles riem fraco. – Estou brava com ela.

Ele beija a palma da mão dela que está em seu rosto.

- Eu queria tanto que ela estivesse aqui. – ela admite. – Droga, ainda quero. Mas ela me magoou demais. Fiquei no escuro por muito tempo.

- Eu sei. – ele assente. – E você tem toda razão de estar puta com ela. Mas, mon amour, você não acha que essa vida é curta demais para a gente ficar remoendo sentimentos que podem ser resolvidos agora?

Liza fica em silêncio, pensativa.

- O que você fez para trazê-la aqui? – ela pergunta depois de um tempo.

Ele umedece os lábios e engole em seco antes de pronunciar.

- Eu falei para ela que nunca tive a oportunidade de dizer que amava meu pai. – ele declara, pegando-a de surpresa – Eu o amava, eu sei que ele sabia, mas eu era contido demais para dizer em alto e bom som. E me arrependo. Não só por isso, mas por um zilhão de coisas que queria ter feito ou dito á ele e hoje não tenho mais essa chance. – Liza acaricia a mão do rapaz em forma de apoio – Não queria que vocês se arrependessem por não ter feito coisas que podiam ainda em tempo.

- Ela veio porque achou que eu iria morrer, claro. – ela diz revirando os olhos teatralmente e rindo.

- Na verdade, sim. – Charlie ri anasalado. – Eu disse à ela que mesmo que ela achasse que você fosse se machucar pilotando, que ela estivesse ao seu lado para curar as suas cicatrizes. Porque se ela não fizesse, iria se arrepender depois.

Liza morde o lábio inferior pensativa. A situação de Mike e o pai também passam pela sua cabeça e ela se sente uma estúpida por estar fazendo tamanho drama sendo que ela era privilegiada por ter os pais vivos e saudáveis.

- Eu fui uma idiota, não fui? – ela diz envergonhada.

- Não foi, não. Você só está magoada.

Liza ri pelo nariz. Em seguida passa as duas mãos pelo rosto e elas ficam por lá, pressionando suas têmporas enquanto ela suspira.

- E eu só te dei uma jaqueta no seu aniversário. – ela diz e eles riem juntos.

- Que está quase andando sozinha, de tanto que eu uso.

Liza abaixa as mãos e sobe os olhos até os de Charlie, ele percebe que os dela ainda estão marejados.

- Não tenho energia para falar com ela agora. – fala com a voz fraca. – Em quinze minutos começam as classificatórias.

- Não precisa ser agora. – ele diz. – Tudo no seu tempo.

- Obrigada. – ela diz com a voz fanha. – Foi a coisa mais bonita que alguém já fez por mim.

- Não foi como pensei que seria, mas espero que tenha gostado.

Ela sorri e pousa ambas as mãos nos ombros do rapaz, para em seguida acariciar o cabelo de sua nuca vagarosamente enquanto fitava os seus olhos verdes.

- Você é incrível. – ela diz aos murmúrios com os olhos encantados.

Vidrado pelos olhos avelã – que descobrira ser uma cor de olhos fascinante, Charlie aproxima o seu rosto do dela para encostar os seus lábios lentamente. Ele pede passagem com a língua e ela cede sem nenhuma resistência.

Suas línguas dançam naquele ritmo úmido e prazeroso e o rapaz sente o familiar arrepio na nuca quando a mão dela brinca com o seu cabelo.

Eles queriam continuar com as carícias por tempo indeterminado, mas Liza tinha que se preparar, pois o treino já estava para começar.

Assim ela se recompôs, lavou o rosto, prendeu o cabelo e de mãos dadas com Charlie caminhou até a garagem da Pruma.

(...)

-“Tvald fez 1:36:528. Você voltou para P2. P2, Lizzie.”

- Quando tempo temos, René? – a pilota pergunta acelerando o carro a modo de iniciar a sua volta rápida.

-“0:07 para acabar.”

- Dá para fazer mais uma volta. Chego na faixa em 0:03. – ela afirma com o pé fundo no acelerador.

-“Isso!” – René comemora – “Passou a tempo, eles consideraram volta aberta.”.

Liza reduz cinco marchas para fazer a curva, para no meio dela acelerar e subir até a oitava marcha novamente.

-“Melhor primeiro setor, Lizzie.”

Ela olha o velocímetro, 302 km/h. Atinge o ponto máximo na reta e reduz novamente até a terceira marcha, para passar as duas curvas seguidas. A traseira do carro pega a aderência certa da pista. Liza volta a acelerar.

Ela passa por um carro lento, provavelmente testando pneus à sua direita, e reduz para entrar na outra curva. No meio dela acelera com potência total.

-“Melhor segundo setor, Lizzie!” – René esbraveja contente. -“Vantagem de três milésimos!”

Mas ela sequer o escuta, seus olhos e ouvidos estão com atenção total na vibração do volante em suas mãos e as formas que passavam por ela como simples borrões coloridos.

Ela vira na última curva, era a hora da verdade.

Seu coração está palpitando e sua cabeça doendo de ansiedade.

Ela passa a faixa quadriculada e tira o pé do acelerador, o silêncio da parada do motor preveem a algazarra completa.

-“PUTA QUE O PARIU!” – René grita no rádio – “1:36:247! Você conseguiu a porra da pole position, Liza!”

Liza grita e ergue as mãos ao alto, tirando-as do volante.

- É isso aí, meninos! – ela grita feliz no rádio. – Bom trabalho pessoal, foi realmente um ótimo trabalho!

Em seguida tudo acontece muito rápido, mesmo que aos olhos do público as imagens passavam em câmera lenta.

Um carro na curva antecedente a reta da faixa quadriculada fecha outro que está em alta velocidade. As rodas se tocam e é o que é preciso para os pneus perderem a aderência com a pista, fazendo o carro veloz voar.

Liza, que está logo à frente em uma velocidade reduzida não vê o carro no alto, mas se assusta com o barulho de ferro que despenca ao chão próximo à ela. Contudo, quando ela olha para o seu retrovisor só consegue ver a lataria se arrastando em alta velocidade pela pista e vir em sua direção.

Ela tenta acelerar o carro, para tirá-lo do trajeto da sucata amassada que corria de forma alucinante, mas só tem tempo de colocar as mãos na cabeça em forma de proteção.

Ela sente o choque na traseira do carro e, em seguida, na dianteira – devido ao muro na lateral da pista, onde ela, o carro e tudo o que havia ali ficam prensados.

Logo começa a exasperação.

- Acidente na reta da largada! – um comentarista diz alarmado. – Acidente grave na reta da largada!

Imediatamente os atendentes e socorristas da pista correram na direção dos carros.

- Tragam uma ambulância, tragam uma ambulância agora! – pode-se ouvir alguém gritar em um rádio.

- Todos os carros fora da pista. Repito. Todos os carros fora da pista!

Os poucos carros que terminavam de percorrer o circuito entram diretamente para a pista dos boxes. A pista principal está repleta de detrito dos carros que voaram para todos os lados no choque.

Fumaça começa a sair dos carros, um em cima do outro. Ferro prensando ferro.

E nenhum contato visual com ambos os pilotos.

- Caralho! – sai engasgado da boca de Fábio, de dentro da garagem. Seus olhos seguem diretamente para Patrícia, que está estática com os olhos vidrados da tela onde era transmitido o acidente ao vivo.

A tela se apaga e ela se assusta. A transmissão fora cortada.

- O que eles estão esperando? Tirem eles de lá imediatamente! – Cris aperta o transmissor do rádio, esbravejando aflita.

- Onde está o reboque? – alguém pergunta.

- Precisamos de reboque agora! – outra pessoa grita no rádio. – Vejo vazamento de gasolina, pessoal. Tem vazamento de gasolina.

- Ah Meu Deus!

- Quem são os pilotos? – ouve-se alguém indagar.

- Robert Swan e Eliza Benedetti.

Charlie, que estava junto à mesa de transmissão da Pruma ao lado de René paralisado com o choque do acidente inesperado, desperta e tira os protetores de ouvido ás pressas para correr até a divisória da pista interna para a pista principal. Um vidro temperado separava Charlie do monte de ferro amassado onde Liza estava.

- Tirem eles de lá! – ele grita batendo no vidro para chamar a atenção dos socorristas – Tirem eles de lá agora!

- Vai pegar fogo logo. Os motores estão quentes, a gasolina vazando. – um dos socorristas diz ao lado dos carros. – Temos que tentar tirá-los sem mover o carro. Qualquer choque mais brusco pode causar chamas.

- O engenheiro da Pruma, - outro socorrista grita – tente contato com a pilota. Veja se ela desligou o motor. O vazamento está vindo de lá.

- René, o rádio! – Charlie passa a mensagem ao engenheiro aos gritos. – Tenta o rádio!

René se volta rapidamente aos botões de transmissão: - Lizzie, você me ouve? – ele tenta com as mãos e voz trêmulas – Lizzie, responde.

Os socorristas se aproximam dos carros e o braço de Robert despenca para fora do cockpit.

- Robert! – um dos socorristas grita. – Consegue me ouvir, rapaz?

O piloto se arrasta com dificuldade e coloca metade do corpo para fora do que sobrara de seu carro. Em seguida ele faz um positivo com a mão esquerda.

Os atendentes se aproximam e o puxam apoiando o corpo do rapaz em seus ombros e braços até tirá-lo por completo do meio dos ferros. Eles o levam até a ambulância que acabara de estacionar do outro lado da pista.

- René, tenta de novo. – Charlie pede, o coração martelando o seu peito bruscamente.

- Lizzie! – René grita pelo rádio. – Lizzie, consegue me ouvir?

O autódromo fica completamente em silêncio.

Um chiado falho e intermitente surge no rádio.

- Lizzie?

- Re... René! – ela responde de volta e maior parte dos espectadores respiram aliviados.

Charlie se divide em prestar atenção na imagem à sua frente e no rádio ao seu lado.

- Você está bem? – o engenheiro pergunta exasperado, os olhos já marejados. – Tem que sair daí agora! Repito, agora!

- Estou...

O rádio falha.

Os socorristas se aproximam do monte de ferros novamente.

- Eu estou presa. – ela diz. – O cinto... – mais chiado – O cinto está me prendendo, não consigo soltar.

- Desligue o motor. – René instrui. – Desligue o motor!

- Já está desligado.

Dito isso René passa a chamada aos socorristas: - Motor desligado, pessoal. Tirem ela de lá!

Então eles entram com os extintores de pó químico, para resfriar o ferro.

- Tá quente para caralho aqui. – Liza diz pelo rádio falho. – Estava pensando em pegar uma sauna mais tarde, acho que veio mais cedo do que eu esperava.

René ri, os nervos de sua pele mais relaxados.

Ele olha para Charlie e sorri mais tranquilo: - Ela está bem.

O monegasco respira fundo, fechando os olhos e passando a mão pelo rosto quente.

Ela estava bem.

Era o que importava.

No entanto ele não estaria tranquilo enquanto não pousasse seus olhos nela.

Mais extintores são despejados em cima do carro, criando uma grande e grossa camada branca.

Em seguida mais socorristas se aproximam com uma serra sabre manual, uma serra elétrica poderia voltar a superaquecer a fibra de carbono. Eles começam a cortar a lateral do carro de Liza, enquanto outra parte da equipe segurava o carro de cima para não despencar.

- Continua tudo bem aí, garota? – René checa.

- Ainda bem que não sou claustrofóbica, se não estaria fodida. – ela diz e René ri. Charlie se permite sorrir também.

O trabalho é feito com muita cautela e cuidado, são vinte minutos de pura agonia para os espectadores.

Quando eles removem a tampa e a perna de Liza cai para fora, Charlie prende a respiração. Cuidadosamente os socorristas cortam o cinto e a tiram de dentro do cubículo que seu cockpit havia se tornado.

Eles a levantam e ela dispensa os braços que se ofereciam para carrega-la.

- Estou bem. – ela afirma desafivelando o capacete e tirando-o da cabeça. – Como está o Rob?

- Foi levado para o centro de atendimento do autódromo, mas aparentemente bem. – um dos socorristas a informa.

- Ótimo. – ela diz suspirando aliviada. Liza tira a touca de proteção e se livra dos fones do rádio virando-se para encarar os carros destruídos – Caraca, esse foi dos grandes. – referindo-se ao acidente.

Ela sobe os olhos até o vidro de divisória das pistas e encontra Charlie a encarando, com os olhos agoniados e expressão sofrida. Seu coração aperta.

“Eu estou bem.” – ela gesticula com a boca. – “Estou super bem”.

Ele sorri fraco e assente antes de respirar fundo, sem tirar os olhos dela.

- Lizzie, precisamos leva-la ao centro de atendimento também. Só para precauções. – o socorrista, Jeremy, a informa.

- Tudo bem. – ela assete e desvia os olhos dos de Charlie, já mais amenos.

Um safety car para próximo à ela e Jeremy indica que ela entre.

- Perdi minha sapatilha. – ela comenta ao reparar um dos pés só com a meia pisando no asfalto. – Mas acho que foi o menor dos danos desta noite.

(...)

No quarto de hospital estavam Patrícia, Fábio, Charlie, René, Greg, Angél e Cris além, claro, de Liza e o seu médico daquela noite.

A pilota havia sido levada ao centro médico de Catalunha para realizar alguns exames mais profundos, só para desencargo de consciência. A batida havia sido muito forte e eles queriam ter plena certeza de que ela estava bem.

- Não houve dano algum pelo choque, nenhuma fratura, cortes superficiais ou lesão interna. Você teve muita sorte, Lizzie. Os carros de hoje em dia são equipados com o melhor que tem para segurança do piloto. – o doutor informa. – Seus exames estão todos O.K. e você estará liberada daqui a algumas horas se não apresentar nenhum sintoma incomum.

- Ou o senhor poderia me liberar agora, já que disse que eu estou O.K. – Liza diz com um sorriso de súplica.

O médico, Steven, ri.

- Você tem que ficar em observação por algumas horas, mocinha. – ele diz. – O quadro não é perigoso, mas pode vir a ter alguma agravação durante um certo período após o evento. E queremos que esteja por aqui caso venha a acontecer. Só por precaução.

- Escute o doutor, querida. Ele só quer o melhor para a sua saúde. – Patrícia diz, acariciando os cabelos da filha. Ela estava sentada na beirada da maca em que Liza fora colocada contra a sua vontade – Muito obrigada, Dr. Steven.

- Estou às ordens. – ele sorri e antes de se retirar do quarto, fala: – Volto a falar com vocês em breve.

Liza respira fundo.

- Temos muito trabalho à fazer e esse cara me segurando aqui. – ela resmunga.

- Do que está falando? – a mãe pergunta.

- Do carro que temos que arrumar. – ela explica e vira-se para René. – Me fala que ainda temos chance de correr amanhã.

A sala fica em clima de um misto de expectativa com surpresa.

- Liza, o carro foi completamente destruído. – René diz. – Não sobraram muitas peças, teríamos que reconstruí-lo completamente.

- E isso faria eu perder a minha pole. – ela diz suspirando.

- Além de que teríamos que usar peças já usadas para não sermos desclassificados ou perdermos os pontos da classificação geral. – René continua.

- Mas, - ela umedece os lábios, aflita. – existe uma possibilidade? – ela encara o engenheiro – por menor que ela seja.

René fica em silêncio, fitando a pilota enquanto pensava. Por fim ele assente fraco.

- Teriam que virar a noite trabalhando. – Fábio intervém.

- Não é problema algum. – René sorri animado. – O farei com prazer.

Liza sorri para o engenheiro.

- Mas, gente. – Fábio chama a atenção do grupo – Por mais árduo que seja o trabalho, não terão um carro com potência total. Além do fato de que a Lizzie vai ser jogada para o final do grid. Digo... – ele se aproxima da cama. – Você acabou de sofrer um acidente grave, nós e o público vamos entender se você não estiver presente amanhã na corrida.

- Você ouviu o doutor falar estou completamente bem e eu estou me sentindo bem. – ela diz convicta. – Não me fale que você, logo você, está aqui para me brecar.

Fábio suspira.

- Não, mas depois do que eu vi hoje... – ele morde o lábio inferior – realmente fiquei com medo de te perder, pequena. – o homem acaricia o ombro da jovem.

- Todos ficamos. – Cris declara com sua face, antes inabalável, de olhos e nariz vermelhos.

Liza corre os olhos pelos rostos ao seu redor, faces amedrontadas lhe pediam implicitamente para não continuar.

- Eu não tenho medo. – ela diz com convicção – Não posso ter medo.

- Vamos entender se estiver. – Angél é quem se pronuncia.

- Mas eu não estou. – ela confirma veemente. – Se algum dia um piloto sentir medo de morrer na pista, ele pode se aposentar porque a carreira está fadada ao fracasso.

Charlie sorri em silêncio, ele entendia completamente aquele sentimento.

Ele não tinha medo de arriscar a sua vida, no entanto não tinha o mesmo controle quando as pessoas com que se importavam eram expostas ao perigo. Passava por aquilo com seu irmão mais novo, que também se aventurava na Fórmula 3 e, agora, com Liza.

Mas não seria ele quem a impediria de fazer o que quisesse.

- Eu sei o que estão sentindo. – Liza diz, apertando a mão da mãe para complementar: - Principalmente você. – e se volta aos demais – Mas eu não vou me abater por um acidente. Essas coisas acontecem a todo o momento neste esporte. Esse foi o primeiro e tenho certeza que não vai ser o último. Vocês precisam superar. Ponto.

Patrícia estremece.

- A única coisa que eu preciso é que estejam ao meu lado, porque isso é um trabalho em equipe e sozinha eu sei que não consigo. – Liza diz. – Me ajudem e eu prometo que saio vitoriosa daquela maldita corrida. Agora é questão de honra.

Angél e René sorriem, acompanhados de Cris, Fábio e, por último, Patrícia.

O que a mulher mais queria era pegar a sua filha, leva-la de volta para casa, para que pudesse cuidar dela e nunca mais deixa-la escapar. Mas ela sabia que não podia mais, Liza não tinha cinco anos de idade e agora ela finalmente tinha entendido que tinha que aceitar as decisões da filha, porque se não ela a perderia.

Custou a entender que a vida de sua filha não tinha que ser conforme suas vontades, mas que para tê-la por perto ela teria que engolir o seu orgulho e somente rezar para que ela ficasse bem.

Foi uma surpresa que Patrícia foi a pessoa a quem Liza pediu para estar ao seu lado no hospital enquanto realizava os exames, e agora que ela tinha considerado a ideia de aceita-la de volta em seu coração a mãe tentaria o seu máximo para não deixar que nada abalasse a sua relação.

O quarto de repente está em completo falatório, o engenheiro e chefe de equipe aos telefones para providenciar peças usadas para restaurar o carro, Cris fora providenciar um comunicado para a imprensa de que Liza iria correr no dia seguinte, Fábio gritava com alguém no telefone para que liberasse as entradas do hospital que estavam abarrotadas de gente enquanto Patrícia assistia Liza manusear o tablete que René a entregara para refazer todos os ajustes das configurações que ela queria no carro.

Charlie assiste a cena contente.

Depois de muitas emoções vividas no autódromo aquele dia, ele ficava inteiramente feliz por um final agradável.

Seus sentimentos por Eliza haviam sido colocados à prova, ele sentiu da pior forma possível. Havia passado por uma percepção completa de sua situação naqueles momentos de agonia e concluiu que não sabia o que faria caso alguma coisa acontecesse com ela. Não seria a melhor das reações, ele tinha certeza.

O desespero que vivenciou abriu os seus olhos para confirmar o que ele já sentia. Estava completamente apaixonado por ela e não conseguia se ver com mais ninguém. Porque era ela “A” pessoa e ele faria questão de cuidar dela o resto de suas vidas.

- Mon amour, vou até a lanchonete. Você quer alguma coisa? – ele pergunta.

- Mon prince, se puder trazer um suco de laranja para mim eu iria agradecer. – ela diz desviando os olhos da tela touch screen para sorrir docemente para ele.

- É pra já.

Ele diz e sai do quarto, mas não sem antes ouvir Eliza dizer à mãe: - Mãe, já é a décima vez que meu pai liga. Eu já disse para ele que estou bem, mas, por favor, diga à ele você porque aparentemente ele não está acreditando em mim e eu preciso trabalhar.

Ele ri antes de fechar a porta.

A movimentação no corredor do quarto estava menor comparada à hora em que eles haviam dado entrada no hospital. Dois pilotos de F2 causavam grande alvoroço e não era para se esperar algo diferente. A segurança do hospital garantiu a privacidade deles e reservaram toda uma ala para que eles fossem atendidos sem perturbações.

Charlie anda pelo corredor e para em frente à porta de aço após acionar o botão para chamar o elevador que o lavaria até a lanchonete. Em seguida ele escuta uma voz pronunciar à poucos metros dali: - Fico feliz que esteja bem Rob, eu realmente cometi um erro na direção naquela curva. Me desculpe, até mais. Melhoras.

Vinha do quarto igualmente movimentado de Robert.

- Tudo bem, Afonso. Essas coisas acontecem. – Charlie escuta a voz do piloto responder e seu estômago se contorce. Ele não sabia que o americano estava envolvido no acidente. – O bom é que tudo ficou bem no final. Exceto os carros, claro. Acho que não vai ter jeito, o que é uma pena. – Robert continua com a voz tristonha – Mas tudo bem, até mais.

Afonso Pessoa fecha a porta e sai no corredor para dizer com um sorriso satisfeito no rosto: - Foi realmente uma catástrofe.

Charlie automaticamente fica em alerta e Afonso para no meio do corredor, ele não tinha percebido que não estava sozinho.

Eles se encaram.

A porta do elevador abre, ele fica á disposição por um tempo até ser chamado à outro andar e suas portas se fecham nas costas do monegasco.

A campainha do elevador é a largada para que Charlie se atirasse em cima do americano.

- Seu filho da puta!

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