Um Amor que Desafia o Tempo
Um Amor que Desafia o Tempo
Por: Lucy Megono
Capítulo 1

Rio de Janeiro, 1888

Eloise estava na cozinha da sua casa falando com Ignácia:

— Deixa um cesto pronto com alguns pães, biscoitos, que logo eu passo buscar.

Ignácia havia sido escrava na fazenda dos pais de Eloise, mas após a absolvição ela permaneceu na casa, juntamente com mais alguns recebendo um salário. Embora o salário fosse muito precário, ao menos ela ainda podia continuar residindo na casa dos senhores. Os outros escravos não tiveram a mesma sorte e agora encontravam-se sem teto e sem ter o que comer.

— Senhorita, se o seu pai descobre o que está fazendo, ele vai puni-la.

Eloise tentava ajudar os escravos que antes trabalhavam na fazenda de seu pai e embora Ignácia apreciava a atitude da moça, tinha muito medo por ela.

— Não se preocupe, ele não vai descobrir, está em seu escritório a horas trancado com outros fazendeiros.

Mesmo a contragosto, Ignácia deixou uma cesta pronta enquanto Eloise buscava um chapéu em seu quarto. Não era aconselhável moças de família e solteiras saírem à rua sem fazer uso de um.

Com um vestido apropriado para o dia, em tons mais escuros por ser outono e um decote alto, a jovem colocou seu chapéu, pegou o cesto e saiu pelos fundos da cozinha.

Eloise sabia onde os antigos trabalhadores estavam morando. Eles haviam construído algumas casas não muito longe dali, ainda na terra de seu pai, embora este tenha relutado muito em deixá-los ali, fazendo isso apenas para agradar a filha. 

O dia estava muito bonito, o sol brilhava alto no céu e os pássaros cantavam alegremente. As folhas das árvores estavam caindo e a temperatura, apesar de um pouco fria, estava agradável. 

Eloise adorava caminhar por aqueles campos, sempre que possível saia para fazer passeios, mas depois que havia ocorrido a abolição da escravidão, seu pai não permitia que ela saísse sem companhia, por medo de que alguém lhe fizesse algum mal, especialmente porque ele não pode manter todos os escravos como empregados e mesmo aqueles que ele manteve, não conseguia pagar um salário adequado. A verdade era que ele tivera muito prejuízo com a absolvição.

Ninguém pensou numa política de apoio ou inserção do escravo na sociedade após a libertação, então esses estavam largados à própria sorte, pois agora imigrantes eram utilizados em seus lugares nas fazendas, deixando-os à margem da sociedade, sofrendo preconceitos, sem ter como trabalhar ou se sustentar. Poucos fazendeiros mantiveram os negros como empregados assalariados.

Eloise sempre tivera apreço por cada um daqueles que um dia trabalharam para seu pai. Ele não tinha uma fazenda grande, então não eram muitos empregados, no entanto esses poucos agora precisavam de ajuda e sempre que podia, ela levava um cesto com comida e lhes dava aulas com o propósito de os preparar para as fábricas que estavam começando ganhar espaço ou para algum outro trabalho que lhes desse algum sustento.

Após caminhar cerca de uma hora, ela chegou à pequena aldeia, embora nem dava para se chamar de aldeia, pois ali viviam três famílias, totalizando umas 20 pessoas. Haviam três casas simples, feitas com barro, palhas e galhos, ficava próximo a um rio que fazia divisa com as terras do vizinho.

Assim que avistaram Eloise, as crianças vieram correndo recebê-la:

— Eloiseeee!!!!

Um deles, menino por volta dos cinco anos de idade se jogou nos braços dela, fazendo com que ela tivesse que deixar a cesta no chão para pegá-lo no colo:

— Olá meu querido, como tens passado?

O pequenino enlaçou seus braços em volta do pescoço da jovem e aninhou sua cabeça:

— Saudade.

Ele ainda não sabia pronunciar bem frases completas, mas Eloise o estava ajudando nisso. Ela caminhou com ele no colo até uma árvore de carvalho enorme, ali embaixo daquela sombra eles haviam improvisado um banco, onde ela sentou com ele. As demais crianças vieram logo atrás carregando o cesto.

As famílias que ali estavam eram muito gratas a Eloise por ajudá-los e especialmente por dar aulas aos mais novos. Claro que isso seu pai não sabia. 

Após um dos meninos levar o cesto para sua mãe, que fazia a divisão, ele veio com algumas folhas e lápis, que distribuiu aos outros para começarem a lição do dia. Eloise deixou o pequeno Kwame no banco e começou seus ensinamentos, naquele dia estava ensinando matemática.

— Se eu der cinco pães para Kwame e ele comer dois, com quantos pães ele ficará?

Algumas  crianças pensavam, enquanto outras já davam a resposta. E assim foi transcorrendo a tarde.

Eloise não podia ficar muito tempo fora para não levantar suspeitas, então após uma hora no máximo de aula e um lanche, ela ia embora. No entanto, aquele dia se atrasou um pouco.

Um dos meninos após terminar a aula, foi até a beira do rio buscar água para eles tomarem. Toda semana um dos meninos mais velhos tinha essa missão e hoje era a vez de Erasto de dez anos. No entanto, alguma coisa aconteceu e ele caiu na água.

Eloise já estava se despedindo quando ouviu as crianças gritando. Os homens não estavam em casa, pois saiam em busca de trabalho ou faziam bicos, algumas mulheres correram, mas não sabiam nadar. Sem pensar duas vezes, Eloise começou tirou as saias e o vestido, ficando apenas com roupa de baixo para facilitar se mover na água, então correu mais a frente e se atirou na água, seu pai a havia ensinado nadar ainda quando pequena, naquele mesmo rio.

A correnteza estava forte naquele dia, mas ela não se deu por vencida. Erasto se mantinha submerso e não demorou ela conseguiu alcançá-lo. Assim que ela avistou um galho mais a frente, se segurou nele, colocando Erasto em cima, então gritou para que as mulheres buscassem ajuda.

Um cavalheiro que estava passando no outro lado do rio viu a cena e se prontificou ajudá-los. Após descer do seu cavalo, tirar suas botas, meias e casaco, ele se jogou na água.

Quando ele se aproximou, fitou Eloise em suas roupas de baixo, nunca havia visto uma dama que fosse capaz de se jogar na água fria em tais condições para salvar uma criança filha de ex escravos.

— Senhorita permita-me?

Ela o encarou, seus olhos eram negros, como seu cabelo que caia no rosto e sua boca era carnuda e muito bonita, deixando Eloise completamente sem jeito.

— Por favor Senhor, leve Erasto primeiro, eu sei nadar.

O cavalheiro retirou Erasto do galho e o conduziu até a beira do rio onde sua mãe o aguardava, então voltou para buscar a jovem que já havia soltado o galho e com dificuldade tentava retornar a margem.

— Deixe-me ajudá-la!

Mesmo relutante, Eloise aceitou a ajuda do homem e se deixou conduzir até a margem. A verdade é que ela estava com muito frio e sem forças de lutar contra a maré.

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