Banalidades

De volta as suas rotinas, Nina e David trabalhavam duro. Ela continuava trabalhando na área saúde na medida que possível, em locais especializados na batalha contra o coronavírus, enquanto tentava concluir seu doutorado, já ele vivia uma rotina tumultuada entre gravações para o cinema, para serviços de streamings e aparições públicas. Sem contar a publicidade em propagandas e entrevistas para divulgar os seus trabalhos.

Nos meses que se seguiram, Nina tentava ao máximo levar uma vida normal, sem holofotes, recusava várias propostas de trabalhos que envolvessem fotos, campanhas de publicidades e até convites para participar de algumas séries ou filmes ela já estava recebendo. Na maioria das vezes nem comentava com David sobre isso, mas ele sempre ficava sabendo de um jeito ou de outro.

— Oi, amor! Você chegou? — Nina correu até porta para recebê-lo, pulou em cima dele que a segurou em sua cintura e retribuiu os beijos calorosos e os afagos de sua namorada. — David sorria e a abraçava com todas as suas forças. — Amor... tá me quebrando... tô sufocando... — Ele a pôs no chão.

Nina pegou seu casaco e todas as suas outras coisas, e as pôs nos seus devidos lugares, se abaixou para tirar-lhe os sapatos, ela jamais conseguiria mudar esse hábito por ter vivido muitos anos na Noruega, onde absolutamente ninguém entra em casa usando sapatos. David apenas sorriu, eles tinham muitos códigos entre si, coisas que somente casais apaixonados inventam.

— Tão submissa! Tão dona de casa... — Disse ele provocando-a ao vê-la do ângulo de cima.

— Sim, tenho minhas variações de personalidades! Eu gosto de tratar você como um rei, apenas por querer e não por dever. E para de reclamar!

— Não estou, eu gosto de ser recebido assim com tanta atenção pelo meu amor...

— Ai! Para! Nós estamos virando aqueles casais muito melosos... acho que as pessoas não suportam mais ficar perto da gente. Estamos parecendo filhotes de gatos, o tempo todo se lambendo... — David caiu na gargalhada. Nina era mestre em falar abobrinhas...

A casa estava brilhando! Havia passado por uma reforma antes dos dois se mudarem de vez para lá, David permitiu que Nina mudasse o que quisesse e deixasse o lar deles com a cara dos dois, pois faria de tudo para que ela se sentisse segura. . A mansão era tão alta que dava para construir outro piso entre o teto e o chão, as paredes eram de vidro e escada transparente, algo que David relutou um pouco no início, mas acabou cedendo aos caprichos dela e no final a decoração deu um ar de supermoderno. A lareira não se parecia com as lareiras de antigamente, bastava um clique no controle e ela acendia, porém, parecia muito real e não afetava em nada a beleza nessa época do ano. Nina já havia preparado tudo, pois o inverno havia chegado na Europa e Londres. A decoração realmente estava fantástica, Nina trocava toda a ornamentação da residência conforme cada data que ia surgindo.

David tentava compensá-la, ocupá-la e agradá-la por estar ausente muitas vezes, ou, porque ela tinha que trabalhar ou, porque ele tinha que viajar. Sendo assim cedia a quase tudo que ela desejava, o que era muito simples, como decorar a casa na Páscoa, ou incentivá-la a receber os amigos.— Você não gastou quase nada, como esse lugar pode ter ficado assim tão lindo?

— Tá parecendo um iglu não está? Esses tapetes felpudos, lareira, marshmallows e chocolate quente, está parecendo um lar!

— É um lar sua bobona! É o nosso lar! Não existe sensação melhor do que chegar em casa e ter você para me mimar desse jeito. Não consigo explicar! Fico louco para chegar em casa e ver a minha mulher!

— Também amo ter você aqui! É horrível ficar aqui sozinha sem você, é muito chato, essa casa é enorme, é a verdadeira sensação da frase: “Saudades de tudo o que ainda não vivemos”!

— Eu amo você, Nina! Amo muito, muito mesmo! Eu anseio pelo seu toque, pelo seu abraço, adoro escutar as suas histórias loucas e fascinantes sobre o Brasil e Noruega, eu amo amar você!

— Eu também amo você, David Nichols! Amo de verdade, com paixão, com devoção. Amo de sexo, alma e coração! — Risos.

— Não é de corpo, alma e coração, que dizem?

— Sim, mas no nosso caso a frase fica assim mesmo, bobão!

— Somos tão adictos assim?

— Somos? Não! Você é, mas não estou reclamando! Eu cresci ouvindo a mulherada reclamar que os seus maridos, namorados, ficantes, amantes, eram tarados! Queriam toda hora! Que oscasais apaixonados ficavam três dias trancados num motel, etc... e tal. Eu era da turma que pensava: Nossa que fantástico! Um homem desejar sua esposa todo o tempo! Um sonho!

— Ah! Safadinha! Então você gosta, né?

— Não, safadinho! Gostar, eu gosto de flores, você me pegando daquele jeito? Eu amo! ¬

O casal já estava acomodado no sofá, desfrutando a companhia um do outro, Nina queria saber os detalhes dos dias que David passou fora; ele contava gesticulando, enquanto ela iniciou uma massagem, começando pelos dedos dos pés e seguindo até o pescoço. Ela já havia preparado uma caixinha com creme, massageador e vários apetrechos ao pé do sofá, para oferecer-lhe essa regalia quando que ele chegasse em casa. Era sempre assim, ela fazia sua comida predileta, preparava a banheira com todos os sais de banho, espumas e produtos naturais que pesquisava e providenciava tudo com exclusividade para ele.

Nina mantinha o “cantinho privado” dos jogos dele como se fosse um santuário de tão bem equipado e cuidado. Não existia nenhum outro lugar que ele desejasse estar, que não fosse no mesmo ambiente que ela, mesmo que não se vissem por horas, pois ela gostava de se trancar no banheiro fazendo rituais de beleza, escutando suas músicas enquanto ele se divertia online com seu hobby: games.

Entrelaçada em volta da cintura dele e sentada em seu colo, o beijava no rosto, na testa, nas bochechas e no queixo, não havia um lugar em todo o seu corpo que ela não houvesse beijado naquela tarde de sexta-feira. Assim eram quando estavam juntos em casa, ou em hotéis, até suas “brigas” haviam se tornado, inofensivas e irrelevantes, quando um dos dois estava de mau-humor, o outro já nem se incomodava mais.

— Nina, sente-se aqui do meu lado, quero falar sobre algo!

— O que será que eu fiz dessa vez? — Risos dos dois.

— Recebi algumas ligações sobre propostas de trabalho que você recusou. Eu juro para você que não tenho dedo nisto, não fiz absolutamente nada. Por que você recusou? Nem ao menos deu a chance de marcar uma reunião, ouvir o que eles têm a oferecer! Quer conversar sobre isso?

— Dave... Eu não sou atriz, não sou cantora e não tenho o mínimo interesse de me expor. Eu juro, com todo o amor que sinto por você, por todos os filhos que ainda teremos, — David abriu um sorriso de orelha a orelha — que eu não preciso aparecer, não preciso me tornar uma celebridade, sou feliz sendo uma simples trabalhadora e pobre camponesa! — Brincou ela.

— Eu sei disso tudo! Eu acredito em você! Respeito isso, mas a grana é muito boa e você se mata de trabalhar sendo... — Nina o interrompeu antes que ele terminasse a frase

 — Sendo o que eu gosto de ser? Anônima, comum e em paz?

— Ah! Isso você não é mesmo! Nem é anônima, muito menos comum ou em paz! Você sabe que não conseguimos dar uma simples passeio na rua ou ir a restaurantes sem que se forme aglomerações quando as pessoas nos veem.

— Quando veem você, David! E assim está perfeito, não está? Ok, tivemos muitos escândalos com nosso nome envolvido no passado e minha vida tá aí exposta para quem quiser acompanhar como uma série de novela, mas é diferente, eu não pedi isso! Por isso tive tanta convicção em relutar contra tudo o que se passou, invadiram a minha vida e minha privacidade sem serem convidados!

—.Mas se me declaro uma pessoa pública, como lidarei com a opinião de pessoas que eu não conheço e que acreditam serem donas da verdade e acham que podem dizer o que quiser publicamente; criticar, xingar e ironizar, apenas pelo fato de ser contra um artista?

— Na verdade, não seria diferente do que está sendo agora! — David comentou — Você não acompanha nada do que se passa no mundo lá fora, mas eu sim, tenho agentes para isso, e você conseguiu influenciar muita gente, conseguiu um nome independente do meu.

— Amor, isso não é verdade, e está tudo bem falar sempre a verdade nua e crua! As pessoas só se interessam no meu nome por estar ligado ao seu, é inevitável, eu sei. Não há nada que possamos fazer se vamos mesmo ficar juntos...

— Odeio quando você fala assim! Odeio!

— Para! Me expressei mal, já passamos dessa fase lembra? Sei que vamos ficar juntos para sempre! — Eles discutiam esse assunto com as pernas uma em cima da outra, se acariciando, trocando selinhos nos lábios e encontrando uma posição para deitarem juntos no imenso e largo sofá.

— Nina, você não tem como mudar isso! As pessoas já falam no seu nome, deve existir milhares de comentários sobre você espalhados no mundo, e você nem precisou fazer nada, só existiu! Por que não usar sua imagem, seu nome, sua voz e estabelecer uma carreira? Ganhar muito dinheiro? — Nina virava o rosto para encará-lo feio e tornava a enfiar o rosto no travesseiro. Eles estavam deitados de “conchinha”.

— Não quero!

— Está perdendo tanta oportunidade incrível que eu não consigo entender como um ser humano pode ser capaz de rejeitar todas essas propostas.

— Não sou humana, já te falei, eu sou um E.T.

— Você sempre disse que quer ser independente, e que eu sou um deus da fama e beleza, mas agora você pode também ser! Pode ganhar muito dinheiro e ser muito amada, como atriz, por exemplo, você pode estudar para se aperfeiçoar, se sentir mais segura. Pelo menos prova! Você nem sabe se gostar ou não de atuar... e você já deu milhares de entrevistas...

— Eu não quero ser amada, não quero ter fãs e não quero ser famosa, eu já sou, você mesmo disse! Não preciso de mais dinheiro. Eu vou fazer o quê com tanto dinheiro?

— Ajudar pessoas? Viajar pelo mundo levando benefícios a pessoas doentes, carentes, você me disse que esse era seu sonho. Projetos sociais lembra? Não poderá ajudar os mais necessitados sem dinheiro, infelizmente o mundo é assim!

— Nossa você está apelando mesmo! Está recendo dinheiro para me persuadir?

 — É quase isso. — Risos — Prometi a eles que iria tentar!

— Dave... sabe o que eu sinto quando sou forçada a dar uma entrevista? Vontade de vomitar, pânico, dores na barriga, calafrios, vontade de chorar e vergonha por cada palavra que disse... fico toda atrapalhada, rio de nervosa e não escuto minha própria voz! Não é isso que quero para mim. Estou feliz sendo sua coadjuvante!

— Eu acho que você está inventando mil desculpas para não tentar! Tem medo de descobrir que é muito boa em qualquer coisa que tentar fazer e está com medo das pessoas nas redes sociais… logo você... Nina… está com medo de enfrentar esse mundo do showbusiness sem mim. Você é medrosa! É covarde!

— Dave, para! Está me deixando triste.... Não fala assim!

— Se dói quando eu falo, é porque é verdade e você sabe!

— Sim! Eu não tenho problemas em admitir e não estou fazendo de conta, nunca estou jogando um jogo. É só prestar atenção no que eu digo! Sinto pânico quando as pessoas me pressionam e não gosto de perseguição, atenção, holofotes, não quero trabalhar com dezenas de pessoas num set olhando para mim e não quero ter que lidar com pessoas... Tenho medo? Sim! Sinto-me aterrorizada só de pensar. Dá para você entender?

— Medo de que Nina?

— Medo de tudo! — Ela abraçou as costas dele, os dois já estavam falando de olhos quase fechados... — Medo de errar, medo de não conseguir, ser ridicularizada, descobrir que não sou boa o bastante, medo de fracassar e acima de tudo medo de te decepcionar, deixar de ser a sua Nina, sua anônima rebelde e daí você não vai mais me amar... — David sorriu de olhos fechados segurando as mãos dela em seu peito.

— Nunca deixarei de amar você, sua boba! E saber que você enfrentou seus medos por mim, me faria o homem mais feliz do mundo!

— Está jogando sujo! — Ele deu mais um sorriso — Isso é golpe baixo, está tentando manipular os meus sentimentos...

— Sim, estou! Você não faria isso por mim? Disse que faria qualquer coisa por mim! É só um teste... eu estarei lá. Prometo a você, ninguém jamais lhe tratará mal ou terão que se ver comigo!

— Você não estará lá sempre Dave. Não pode me defender de tudo e de todos...

— Posso sim, e vou! Eu prometo a você que será divertido!

— Está bem. Eu vou! — David abriu os olhos e se virou contra ela no sofá.

— Você vai fazer os testes? Promete?

— Eu disse que faria tudo por você, não disse?

— Você promete que irá tentar? Por mim?

— Sim, por você, mas saiba que é um sacrifício quase sobre-humano para mim! Você não tem ideia no que está me metendo... pode me destruir. — Ele a beijou na cabeça, a sucumbiu em seu peito e permaneceram assim, sentindo o cheiro um do outro em silêncio...

Os dois adormeceram no sofá e de repente a campainha tocou, eles acordam atordoados, quando Nina dá um grito interno de desespero:

— Amor, acorda! Acorda, Rich! Vem, vamos levanta daí! Bebê, acorda por favor!

— Deus! O que é mulher? Que gritaria é essa?

— Sua família está parada na porta tocando a campainha e nós dormimos por horas! Olha o meu estado para recebê-los, eu quero morrer!

— Que exagero! Vamos abrir a porta para eles então, ou você pretende os deixar do lado de fora esperando?

— Não tem graça! Vai se levanta logo daí e me ajuda.

— Não, Nina! — Ela estava subindo as escadas para trocar de roupa e se arrumar.

— Não posso aparecer assim!

— Assim como? Linda!? Vem logo, deixa de besteira. — Ela foi até a entrada da casa quase flutuando ao que ele a carregava pelo braço.

Por sorte eram apenas os irmãos dele que haviam chegado, a mãe embarcara num voo que chegaria em Londres logo mais à noite, deixando Nina com mais tempo para organizar, ainda mais, o que já havia organizado a semana toda. Ela ainda não havia perdoado David, por contar em “cima da hora” que a família viria para um fim de semana, ou seja, há uma semana.

Nina estava pálida como uma vampira ao ver que os irmãos haviam trago consigo, suas esposas e filhos. Por essa, ela não esperava! Os recebeu com sorrisos e abraços, mas por dentro estava mais nervosa do que nunca!

David e os irmãos eram muito próximos! Eles não se falavam o tempo todo no telefone, pois todos eram muito ocupados, e o tempo que Nichols tinha de descanso, era raro, ele dividia entre Nina e a mãe Rebeca. Às duas mulheres de sua vida, como ele costumava dizer.

Nina fez questão de fazer as honras da casa, os acomodou, pediu ajuda a ajudante da casa e tudo saiu como planejado de uma certa forma. Ela recebeu muitos elogios vindo das outras mulheres ali presentes, também gostou de ouvir dizê-los que finalmente aquela casa estava sendo habitada, pois antes estava quase sempre vazia. David piscava o olho para ela ao vê-la se encher de orgulho. “São pequenas coisas que fazem toda a diferença”- pensou.

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