4 | Nosso inadequado Professor

Odeio o garoto da aula de artes. Na verdade, eu odeio tudo o que envolve artes. Desde a professora baixinha de vestido florido até os desenhos de árvores para o Dia da Árvore. Faço desenhos péssimos e tenho total consciência sobre isso. Só em uma aula eu consigo gastar uma quantidade absurda de papel a cada traço que erro. Sempre rasgo a folha e a amasso. Acumulando tudo em cima da mesa.

“Anjo, não é amassando papel que fará um bom desenho,” dizia a professora com a mão no meu ombro e uma voz limpa e suave como de toda professora de artes. E a minha única vontade era de responder: e não é pintando o cabelo que achará um marido.

Também odeio pintar. Nossa... cansa terrivelmente a mão. Cansa mais que bater uma punheta, e olha que às vezes uso as duas mãos.

Mas bem, nada na aula de artes consegue ser pior que Jack. Nada. Fico muito feliz de ser a única aula que temos juntos. No entanto, é a pior aula de todo o dia. Jack senta atrás de mim, ele é o favorito dos professores, ou de uma boa parte ou só de um. Não tenho certeza, mas sei que é principalmente o favorito da professora de artes.

Jack é mestiço, de pele marrom, cabelos castanhos, olhos escuros e grandes com lábios finos. A irmã gêmea dele, Kira, é perfeitamente semelhante com ele nos traços, que chega até a fazer meu ódio por ele ser transferido para ela.

A maioria dos outros alunos e professores costumam chamá-lo de encantador, divertido e empenhado. Empenhado? Ele nem sabe ler! Não sabe matemática e fala “quero” com sotaque francês?

Já peguei algumas garotas fofocando sobre ele ser um “predador”. “Pre-da-dor.” Predador de moscas com aquele bafo! Droga! Pelo amor, só eu que vejo o quanto imbecil é ele? Se fosse para eu descrevê-lo rapidamente, eu o descreveria como um idiota cretino para não aparentar muitas ligações pessoais. Só que na minha cabeça ele é muito pior. Talvez um assediador-obcecado-desgraçado-filho da puta-idiota-cretino-maldito seja o nome adequado.

Jack sempre fez piadas nojentas ou me incomodou achando que é superior. No terceiro ano do fundamental, quinta sala do internato infantil, no segundo andar. Entrei, Jack sorriu da primeira cadeira e botou o pé para eu tropeçar. No quinto ano do fundamental, Jack fechou a porta do banheiro com apenas a gente dentro e desligou as luzes para ficar fazendo barulho de monstro. Oitavo ano do fundamental, ele tentou insistentemente me beijar e não conseguiu, pois sou difícil.

Teve momentos que Jack acariciava meu rosto com a mão sempre que eu chegava na sala. Isso com certeza é uma das coisas mais estranhas que ele já fez. E tinha também às vezes sussurrava idiotices perversas no meu ouvido. Bem, não eram apenas “idiotices perversas”, pois em alguns momentos soavam bem reais. Tão reais que o “vou te foder até você desmaiar” parecia algo que ouviria de um estuprador recém saído da cadeia. Claro que tudo isso só ficou pior quando agarrei ele dentro do banheiro no último semestre do oitavo ano.

No dia, ele tava enchendo meu saco para eu fazer uma pose para ele poder fazer uma caricatura. Neguei até onde consegui, mas acabei cedendo no terceiro pedido. Me sentei na pia do banheiro com os braços para trás me apoiando, os pés separados e balançando no ar. Jack se agachou com o seu caderninho ficando apoiada em um joelho enquanto o outro joelho usava de suporte para fazer o desenho.

Era noite já, as luzes do banheiro estavam apagadas e a única iluminação era a do poste do lado de fora. Uma luz que atravessava as janelas deixando meu corpo listrado de laranja e escuro.

“Tiraria o uniforme para mim?” Jack perguntou com um sorrisinho. Não levantou os olhos do caderninho, deslizava o lápis cuidadosamente tentando deixar tudo perfeito.

“E você, me beijaria?” Não teve como ele não levantar os olhos. Passou a língua pelos lábios e deu um sorriso.

“Eu… eu…” respirou, olhando fixamente para mim. “Eu faria tudo com você.”

Jack largou o papel e o lápis, e começou a se aproximar.

“Tudo?” Mordi o lábio. Quando ele colocou a mão no meu joelho, eu o puxei desesperadamente pela gola da camiseta.

Seu lábio já estava molhado, meu pescoço sentiu um leve arrepio e comecei a suar. Eu o apertei mais a mim e ele me apertou mais a ele.

Eu sei que estou brincando com o Jack e gosto de mexer com os sentimentos dele. Sei que ele me ama e sei o porquê dele me atormentar. Sou uma pessoa ruim por deixar ele esperançoso e o tratar mal depois? Certo, sempre beijo ele na escada ou no banheiro — até ficar de pau duro — e depois vou embora. É divertido? É muito divertido ver ele continuar um virgem frustrado.

— Até quando? — Jack parado na porta da sala atrapalhando minha saída para o intervalo.

— Até quando o quê? — coço a nunca e cruzo os braços. — Hoje tirou o dia para encher meu saco? Foi?

— Foi, já que você tá me ignorando há uns meses.

— Sério? Não estou te ignorando, te dei um selinho semana passada.

— Semana retrasada e o resto da semana fingiu que não me conhecia.

— Mentira, nunca fiz isso. Agora, me deixa ir ou vou perder o intervalo — tento passar, mas o braço dele continua barrando a saída. — Não vai me deixar ir?!

— Não!

Dou uma mordida no pulso dele. Jack grita um palavrão, mas para de barrar a porta.

— Eu pedi um beijo, não uma mordida! — ele grita pelo corredor quando estou virando à direita para descer as escadas.

O refeitório está cheio, pessoas brigam por um lugar na fila parecendo estar dispostas a usar as bandejas como arma para conseguir uns pedaços de queijo branco e suco com gosto de suco.

Heather está sentada na parte sem cobertura do refeitório tomando um suquinho de canudo. Os olhos estão semifechados por conta do sol e ela usa uma camiseta do Coragem: O cão Covarde.

— E seu uniforme?

— Sujou de lama na aula de educação física. A vaca da Romy me obrigou a dar cinco voltas pela área da grama enquanto as garotas ficavam rindo de mim. Me distrai e sai rolando na grama — Heather passa a língua pelos dentes e indica o banco para me sentar.

— Que droga em. Pediu para se afastar da aula?

— Pedi, mas a sonsa da doutora Else disse para a Romy que não era “necessário”. “Ela só teve alguns arranhões, nada quebrado”.

— Sério? Que sacanagem.

— Sim! Queria ter dado um murro nas duas — Heather olha para trás de si por um momento e volta a olhar para mim. — Sabe o que ouvi de Romy e Else enquanto era atendida?

— O quê? — olho também para trás de mim antes de me aproximar de Heather para ouvir.

— Elas estavam falando que o diretor está investigando um boato de um professor estar se relacionando com um aluno ou… vários alunos… sexualmente.

— Como? — por um instante minha alma abandona o corpo e volta segundos depois.

— Foi isso o que eu ouvi. Também falaram sobre a morte do segurança na noite de Halloween.

— E o que disseram?!

— Fala baixo.

— Desculpa — olho de relance ao nosso redor.

— Que estão desconfiando que possa ter sido um dos alunos que estavam aqui no dia, mas as câmeras não estavam funcionando no dia e no horário da morte dele — Heather passa uma mecha de cabelo para trás da orelha e se aproxima mais. — Por fim, Romy acha que o segurança morto no Halloween tenha alguma coisa a ver com o professor que está se relacionando sexualmente com os alunos.

Se eu fingir que não sei de nada não terá consequências, e se tiver, digo que Hector me chantageou com notas por isso estou transando com ele e que ele é um homem muito violento. Pronto, em quem o diretor vai acreditar? Em um órfão com ótimas notas ou em um professor deficiente mal humorado?

Ao fim do intervalo, eu comi o que consegui engolir. Heather foi embora mais cedo porque tinha que ajudar a professora de química a organizar a sala. Fiquei na mesa de Feller e Amy tentando engolir o pão com queijo, mas só aproveitei mesmo o suco. A maçã eu me obriguei a engolir com toda a força.

— Já acabou? — Amy revira os olhos e dá um selinho nos lábios de Feller. — Te vejo de noite — pega a bandeja e dá um aceno de tchau para mim.

— Tem aula do quê, agora? — Feller b**e a própria bandeja na minha antes de levantar.

— Não sei, acho que literatura.

— Chato. Te vejo de noite. E lembra de tirar os tênis de dentro do banheiro.

— Tá, lembra de colocar as suas meias para lavar — Feller se distancia da mesa, me deixando sozinho.

Volto a pensar no que Heather disse no começo do intervalo. Penteio o cabelo com os dedos começando a sentir um ataque de desespero. Ainda não tinha tomado os remédios do meio dia, provavelmente seja isso.

— Sua mordida tá doendo até agora. Não vai para a aula? — Jack se j**a ao meu lado.

— Agora vou — o deixo sozinho na mesa. Descarrego a bandeja e me movo rapidamente para a escadaria central do refeitório.

— Não falei? Tá me evitando — Jack surge poucos segundos depois atrás de mim.

— Não tô te evitando, só que não ando bem — subo mais alguns degraus com ele atrás de mim.

— Por que não tá bem? — paro repentinamente de subir as escadas e me volto para ele.

— Preciso de tempo, você tá me sufocando. Também, acho você muito problemático e com pouca higiene.

Jack dá um sorrisinho, erguendo uma das sobrancelhas. — Sem higiene?

— Sim.

— Não falou isso naquele dia.

— Mas acabei percebendo.

— Vai se foder, Angus!

Ele dá as costas e desce três degraus, mas para e volta a olhar para mim.

— Você é muito idiota, por que faz isso comigo?

— Isso, o quê? — eu cruzo os dedos já organizando as ideias para magoar ele ainda mais. Tenho de tirar ele do meu caminho por alguns dias até resolver os problemas com o professor, daí depois posso voltar a ficar com ele.

— Você sabe, eu não gosto do jeito que você me trata normalmente. Tem dias que está tudo bem e depois do nada tudo parece estar errado. Qual é o problema?

— Você é o problema, você me sufoca muito — minhas mãos começam a suar, a aula já deve ter começado há vários minutos e estou aqui — maltratando o Jack.

— Eu sou o problema?! — ele sobe os degraus até ficar cara a cara comigo.

— Sim, depois conversamos. Agora me deixa ir.

— Não deixo! — sinto o grito como um murro na cara de tão perto que está.

— Você é nojento. Eu só beijo você por estar entediado e não ter nada melhor — Jack agarra meu pulso e me puxa para si.

— Disso eu já desconfiava. Agora encontrou algo melhor? — ele me puxa mais até a ponta dos nossos narizes tocarem.

— Muito melhor — com os olhos fixos e os lábios distantes por alguns centímetros, eu sinto que qualquer coisa que disser para ele, ele ainda vai querer estar comigo.

— Está certo, você nem é tudo isso — sua língua passa ao redor dos lábios, levando-me a morder com força o meu próprio lábio. — Seu professor é mais gostoso.

— Que merda você tá falando?

— Você sabe do que estou falando. Do professor que anda comendo você — ele mostra um sorrisinho.

— Que professor?

— O de literatura, Hector. Já tem muita gente sabendo e não vai demorar para chegar no diretor.

— Merda — olho para trás da cabeça dele torcendo para não estar subindo ninguém. — Como descobriu?

— Alice Kayler veio falar comigo para você ficar longe dele ou terá problemas.

— Quais problemas?

— Ser espancado pelo time de baseball.

Movimento os olhos pelo seu rosto tentando achar uma solução.

— Foda-se ela!

— Foda-se ela? Você está louco, Angus?

— Foda-se você também, vou dar um jeito sozinho — puxo meu pulso de volta, porém Jack não solta e me obriga a continuar bem próximo dele.

— Me solta!

— Não solto! Você tem que parar de ser uma putinha ingênua e parar qualquer coisa que esteja planejando com este professor.

— Eu não sou uma putinha!

— Está agindo igual uma! — ao instante que ele fala, seus lábios tocam sutilmente aos meus de tão próximos que estamos.

— Filho da puta! Nunca vou transar com você!

— E quem disse que eu quero?! Ficar com os restos do professor?

Junto toda a saliva na minha boca e cuspo no rosto dele. Jack fecha os olhos por alguns segundos enquanto a saliva escorre pela sua testa, desliza pelo lado esquerdo do nariz até chegar no canto da boca.

Ele passa a língua pelo canto da boca, sente o gosto da minha saliva e, surpreendentemente, coloca a mão na minha nuca e me envolve em um beijo. Tento me afastar, empurrando seus ombros, mas Jack faz todo o meu peso ficar apoiado nele.

Estou na ponta dos degraus, as minhas costas estão formigando, meu pescoço está suando enquanto minha testa se esfrega na testa suada dele. Nossos narizes estão roçando, seu hálito de canela é praticamente tóxico de tão bom. A bala de canela fica passando de uma boca para outra a cada movimento que as línguas fazem, deixando meu pau duro de uma hora para a outra.

Coloco as mãos em seu rosto, sentindo os poucos pelos da barba pinicarem nos meus dedos. Enfio mais a língua dentro de sua boca, fazendo-o me apertar mais contra si, até mesmo deslizando uma mão até a minha cintura.

— Vocês deviam estar na aula!

Solto-me de Jack com o coração acelerado, as costas formigantes e as bochechas ardendo — para ficar pior ainda ao ver Hector no topo da escada.

_____∞_____

Era de costume de Amélia trancar Angus no quarto quando o marido chegava bêbado. Ele iria querer transar de qualquer jeito com ela, e ela teria que satisfazer para não apanhar e não chegar amanhã na creche de Angus com os lábios machucados ou o olho roxo.

Ela tentava fazer o máximo para Angus não ver ou ouvir, mas às vezes era difícil. Gordom era bruto demais, violento demais, nojento demais.

Normalmente sentia muita enjoo quando olhava para a cara dele ou para partes do corpo dele. Pés inchados, unhas amareladas, cheio de verrugas, muitos pelos no peito e com quantidades assustadoras de cravos escuros no nariz.

Amélia era linda demais, nova demais para um homem nojento como ele. Mas mal podia falar com outro homem quanto mais pensar em outro.

Uma vez, quando tentou falar com o entregador do mercado por uma compra que veio errada, Gordom entendeu tudo errado e bateu até ela desmaiar.

Mas com certeza, se tivesse oportunidade, transaria com o entregador e deixaria ele até a pedir em casamento e levá-la para bem longe de Kelowna. Ele era jovem e bonito, cheio de músculos, por que não? Eles viveriam na Califórnia, em Malibu, ou na Flórida, em Miami.

Levaria Angus, claro, e eles viveriam uma vida perfeita e bonita, longe do frio e de Gordom. Ela seria feliz, ela realmente seria feliz em 19 anos de vida.

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