3 - Bem-vinda a Dartmouth

     Nick não teve tempo de respirar e quando percebeu já estava embarcando de volta para Boston. A viagem a fez pensar sobre sua nova missão e em como deve realizá-la com louvor para ganhar pontos com Ken, o senador Barker e talvez, com o Procurador Geral ranzinza. Ela acreditava veemente que a ideia de servir como guarda-costas disfarçado de um universitário não deveria ser tão difícil e mesmo que soubesse da facilidade em como o garoto conseguia descobrir os antigos, Nick já conseguia imaginar missões importantes sendo oferecidas de bandeja para ela quando voltasse.

     Quando o avião pousou, dois carros esperavam a equipe que havia ficado para trás para o jantar oficial do FBI, Nick aproveitou para se despedir de seus amigos e chefe para iniciar sua missão, naquele momento em diante seria uma simples universitária com uma missão valiosa e secreta. Um abraço forte em Geórgia e Aidan a deixou nostálgica ao lembrar que, apesar de tantas missões, eles nunca ficaram tanto tempo longe um do outro e mesmo com John ao seu lado, sempre davam um jeito de se encontrar.

     Nick observou o mundo através da janela se deixando perder em pensamentos até ouvir o motorista tocar seu ombro a fazendo pular no assento encarando-o na abertura da porta.

– Chegamos. – ele disse.

     Nick desviou o olhar do motorista para as pessoas que passavam em grupos pela calçada logo a frente conversando, outras caminhando com livros e mochilas na mão alheios a ela e ao que fora fazer ali. Respirou fundo repetindo inúmeras vezes que conseguiria em sua cabeça, saiu do carro para o sol de Hanôver, uma cidadezinha em New Hampshire onde uma das melhores universidades do país estava localizado.

– O senhor Roggers deixou isso para você. – disse o motorista erguendo um envelope pardo para Nick que o encarou antes de pegá-lo.

     Nick nem mesmo esperou o motorista buscar suas malas, ela mesma o fez puxando pela alça até a calçada do campus, olhou ao redor atenta aos olhos sob ela e quando percebeu que estava invisível para os jovens que mais se interessavam em fofocar ou ficar em seus telefones, abriu o envelope.

– Procure a secretária Ângela. – repetiu a frase no papel A4 sem a logo do departamento, espiou dentro do envelope para achar um verdadeiro vazio. – Ótimo. – resmungou.

– Tudo bem aí? – alguém falou em suas costas.

     A princípio Nick não percebeu que a voz falava com ela e só quando uma mão grossa e quente lhe tocou no ombro, se virou rapidamente prestes a lançar um movimento de karatê. Um garoto alto, de cabelos platinados e grandes olhos azuis encarava Nick com uma das sobrancelhas arqueadas chamando atenção para o piercing na ponta dela. Em uma análise rápida, Nick pôde arriscar imaginar derrubá-lo caso fizesse algo, apesar de seu porte atlético.

– Você está perdida? É novata, não é? – a voz rouca e cheia de sarcasmo fez Nick cruzar o braços conhecendo aquele tipo de garoto, a fazendo lembrar de um dos amigos de Savannah. – Você estava falando sozinha com o envelope, não consegue dizer nada para mim?

– Educado ou intrometido? Eis a questão. – Nick falou fazendo o garoto sorrir atraindo sua atenção para o piercing no nariz. 

     Como se soubesse que era analisado, o rapaz passou a mão no septo como se simplesmente sentisse coçar o que fez Nick perceber que era observada.

– Preciso encontrar a secretária Ângela. Você conhece ela? – perguntou.

     O garoto olhou sob seu ombro o que a fez virar para o prédio próximo aos dois percebendo que ali era a resposta para a sua pergunta e sem esperar o garoto, nem mesmo olhou para ele ao puxar sua mala em direção ao caminho de concreto entre o gramado até o prédio. A mala que pesava pela quantidade de roupa que levou para a capital de repente ficou leve, o que a fez olhar para trás no momento em que o mesmo garoto, de cabelos platinados e piercings, a pegou para ajudá-la.

– Eu vou pra esse lado também. – disse em resposta à pergunta não dita de Nick.

     Nick deixou que o garoto levasse sua mala como se não pesasse absolutamente nada para ele o que a fez pensar no quão forte era. Subiram o lance de escadas frente ao prédio para as portas duplas que se abriram na passagem dos dois. Não demorou um segundo para Nick perceber onde estava, apesar de não ter frequentado uma universidade, ela sabia que aquele prédio era um dormitório com corredores longos e cheios de portas, com pessoas andando para todos os lados esbarrando umas nas outras.

     Ela seguiu o garoto até o final do corredor parando na porta onde dizia Secretaria. Um batida forte e rápida e o garoto a abriu sem nem mesmo esperar uma resposta, ele entrou na sala pequena com apenas uma mesa e cadeira deixando Nick na abertura encontrando o olhar da mulher de cabelos presos que desviava entre Nick e o garoto, quando percebeu o que estava acontecendo, a mulher levantou revirando o olhos como se vivesse um déjà vu.

– Obrigada Dylan, você sempre muito solícito com as calouras que chegam. – falou para o garoto que sorriu de forma irônica. – Você deve ser Nicollete, eu sou Ângela.

– Apenas Nick.

– Tudo bem Nick, vou te mostrar seu quarto. Cuidado com suas amizades aqui. – falou fechando a porta de sua sala com chave.

– Ei! – Dylan exclamou fazendo Nick sorrir, apesar de ter escondido bem.

     Os três subiram as escadas até o terceiro e último andar, Ângela parou em uma das últimas portas do corredor à direita e com seu molho de chaves a abriu entrando logo em seguida para abrir as janelas deixando luz e vento entrar no quarto que parecia está fechado por muito tempo. Nick entrou observando uma cama no canto, uma mesinha ao lado de uma cômoda com várias gavetas. Ouvindo o burburinho do gramado, se aproximou da janela para ver as pessoas que caminhavam próximas dali.

– Por sorte você ficará sozinha aqui. – Ângela disse. – tem cama, mesa para estudos, cômoda para guardar suas roupas. O banheiro feminino fica no final do corredor à esquerda.

– E o meu quarto fica no final do corredor à esquerda. – Dylan disse ao colocar a mala sobre o colchão.

– Me poupe Dylan. – Ângela disse revirando os olhos, tirou a chave de seu molho entregando a Nick. – Aqui, sua chave. Não perca. Apesar de eu ter uma cópia, isso não significa que pode deixar solta por aí. Cuidado com seus vizinhos. – disse olhando para Dylan que, apesar de Nick não ver, deveria está sorrindo.

– Isso ela quis dizer comigo. Mas estou perto o suficiente para vir aqui quando quiser. Bem-vinda a Dartmouth. – Dylan disse com uma piscadela que fez Nick encará-lo em choque.

– Você não tem outra inocente ingênua para enganar, não? – ela perguntou vendo Dylan sorrir arqueando as sobrancelhas em surpresa.

     Ângela não disfarçou o riso e apesar de tossir para tentar esconder, recebeu olhares firmes de Dylan que a repreendiam. A mulher o puxou pelo braço para saírem fechando a porta em sua passagem. Sozinha, Nick pode expirar ao olhar ao redor. Olhou o envelope que segurava imaginando se Ken lhe daria mais dicas, afinal, ela não poderia fazer aquele trabalho às cegas. Olhou para as gavetas da cômoda abrindo todas em busca de uma pista, verificou atrás do móvel e no chão encontrando um papel amassado grudado na base da cômoda. O puxou com cuidado para não rasgar qualquer parte que poderia ajudá-la, desamassou o papel com cuidado sobre a mesa e suspirou ao ver a foto de seu alvo.

– Operação Quarterback, ser invisível aos olhos do alvo. Boa sorte. – Nick leu as letras cursivas no canto da foto antes de virar para o verso onde continha algumas informações sobre seu protegido.

     Respirou fundo lentamente fechando os olhos memorizando tudo aproveitando de sua memória fotográfica, os abriu novamente ao ouvir o barulho de tiros em seus ouvidos trazendo a lembrança de John caído no chão viva em sua mente. Prometeu a si mesma que não deixaria aquilo acontecer novamente e seria capaz de dar sua própria vida para proteger seu alvo e não passar pelo o que passou nos últimos dias.

     Engolindo o nó na garganta Nick limpou as lágrimas que caíam em seu rosto limpando as mãos na calça jeans. Disse a si mesma que naquele momento não era Nicollete Morgenstern, era Agente Morgenstern e precisava trabalhar.

     Guardou a foto no mesmo lugar de onde pegou, fechou os olhos por um instante relembrando cada traço do garoto que deve proteger. Saiu do quarto observando e memorizando seu caminho, os detalhes do dormitório, as pessoas subindo e descendo entre as escadas. Nick saiu do prédio andando sem muita pressa observando o gramado infinito entre os prédios das aulas, os bancos e mesas de madeira que eram usados por estudantes, outros faziam questão em deitar e sentar na grama para ler um livro ou estudar. Líderes de torcida ensaiavam passes dança no gramado sendo observadas por garotos e garotas com suas intenções próprias.

     Nick viu um grupo de quatro garotos com o uniforme do time de futebol da faculdade segurando seus capacetes nas mãos andando apressados na mesma direção, não pensou duas vezes ao segui-los discretamente até o campo onde outros já treinavam com uniformes sujos de terra enquanto o treinador gritava do banco. Observando ao redor, para as pessoas que assistiam da arquibancada, os jogadores que treinavam no campo, os atrasados que se apresentavam para o treinador e as pessoas que passavam por ali sem dá muita importância ao que acontecia dentro do campo Nick percebeu que seu trabalho não seria tão agitado ou estressante como sempre era em outras missões secretas, percebeu que não precisaria de tanta preparação, seja mentalmente ou até mesmo fisicamente sem esperar contato corpo a corpo com o inimigo. Ela apenas seria a babá de um garoto até que o pai fosse reeleito e conseguisse manter sua família a salvo de ameaças.

     Perdida em pensamentos nem mesmo percebeu quando a bola caiu próxima a ela, parada perto da cerca de arame que limitava o campo, só voltou a realidade quando um vulto alto passou em sua frente ao se baixar para pegar a bola. Os dois se olharam por poucos segundos até o garoto erguer o canto do lábio em um início de sorriso discreto antes se virar de volta ao grupo. Os olhos cor de mel, a pele morena e o porte atlético eram impossíveis de não reconhecer.

     Era ele, era seu alvo.

     Nick observou encostada em uma árvore longe o bastante para ser invisível, seu alvo correr, cair, vibrar com os amigos de time e reunir todos para um aviso que deveria ser importante já que percebeu o quanto prestavam atenção no que Travis Barker falava. Com o apito do treinador, todos saíram em direção ao ginásio logo ao lado, Nick esperou do lado de fora olhando no relógio de pulso os minutos se certificando de mapear todos os passos de seu protegido.

     Travis não demorou a sair do ginásio com uma mochila nas costas e calças jeans rasgadas com uma camisa um pouco folgada para seu corpo, diferente do uniforme do time que colava perfeitamente mostrando seus músculos. Observando os outros dois garotos com quem conversava e ria, Nick reconheceu Dylan no instante em que o viu, revirando os olhos ao lembrar da insolência do garoto naquela manhã.

     Seguindo os três até o refeitório, observou de longe como interagiam com outras pessoas percebendo que os jogadores do time faziam questão em permanecer em grupo, chamando atenção das pessoas ao redor com seus corpos sarados e conversas com direito a gargalhadas altas. Nick, em uma breve análise do ambiente, percebeu a miscigenação de grupos que conversavam entre si no refeitório. Conseguiu distinguir os nerds pela fisionomia apática, os geeks com camisas de super heróis, as patricinhas que se maquiavam deixando a bandeja com apenas uma fruta de lado e os jogadores de futebol, sentados sobre a mesa conversando espalhafatosamente sem se importar se as pessoas ouviam ou não.

     Ela percebeu que a faculdade não era muito diferente da FBI-YA que apesar de agentes sérios, tinham lá suas futilidades. Savannah com certeza faria parte do grupo de patricinhas assim como Geórgia faria parte do grupo geek e Aidan com certeza seria do time de futebol. Pensando em qual grupo se encaixaria, Nick lembrou de John e em suas palavras de quando ainda não eram parceiros.

– Você não se encaixa aqui. – ele disse limpando o nariz sujo de sangue que escorria sem parar.

     Pingos deslizavam por seu pescoço sujando o uniforme preto de treinamento e até pingavam no chão, Nick queria se desculpar pelo soco, mas havia aprendido no dia anterior que agentes não se desculpavam por suas ações.

– Você é descuidada, negligente, desinteressada, mal educada e o pior, indisciplinada. O que acha que vai acontecer quando o diretor receber seu relatório? Acha que vai continuar aqui? Você vai voltar para o buraco de onde veio.

      Irritada por ter sido desafiada a treinar com John naquela tarde, a pessoa que ela não tinha qualquer amizade, depois de todos ouvirem seu comentário sobre ganhar de qualquer um em uma luta, Nick queria ganhar e faria qualquer coisa para isso, mesmo que tivesse que quebrar regras. E lá estava ela, fechando as mãos em punhos para não deixá-las tremer de raiva. Olhava para o sangue que escorria de John sentindo um misto de arrependimento e glória, nenhum outro recruta chegou perto de machucar John naqueles treinos e Nick sabia que aquele soco deixou todos chocados.

– Posso te levar junto então, com certeza sua mãe vai perguntar por você. – rebateu.

     De repente o ar da sala se esvaiu e todos ao redor pararam de respirar ao olharem para John esperando uma advertência, ao invés disso, ele avançou em direção a Nick lhe deferindo inúmeros golpes fazendo com que ela desviasse e defendesse dando passos para trás a medida em que John avançava. Sentiu o frio do piso em seus pés percebendo que tinham saído do tatame o que a fez parar de contra golpear como fora treinada respeitando a regra de que qualquer luta ficaria apenas dentro do quadrado acolchoado com colchonetes de algodão. Foi a primeira regra, e única, que Nick respeitava e sem pensar duas vezes John aproveitou sua guarda baixa para lhe lançar um único soco no olho esquerdo que a fez virar com o impacto e cair no chão em desequilíbrio.

     Nick se recorda até mesmo o choque das pessoas que assistiam à luta ao puxarem o ar com a boca no instante em que se ouviu o impacto de seu corpo caindo no chão. No outro dia, lá estava ela com um grande hematoma no olho olhando para todos de cara feia por ter perdido sua primeira luta desde que chegara, mas feliz por saber que John andava com um curativo no nariz. Quando Ken descobriu sobre a briga entre os dois, não pensou duas vezes em colocá-los juntos como parceiros.

– Conhece o ditado, se não pode com seus inimigos junte-se a eles? – Ken perguntou a Nick, sentada no sofá de sua sala olhando para o chão sem conseguir disfarçar o quanto estava irritada com aquela decisão além da dor que sentia ao redor do olho.

     Ao seu lado estava John, sentado de forma despreocupada com os braços cruzados repetindo várias vezes para si mesmo de que aquilo não passava de um trote mal feito.

– Vão aprender a conviver juntos ou vão se matar lá fora. A escolha é de vocês, mas saibam que não terá volta. Ou se comportam como pessoas civilizadas ou estão fora. Vou da um tempo para pensarem a respeito. Podem ir.

     Nick levantou do sofá sem nem mesmo deixar uma palavra escapar de sua boca, mesmo que todas as ofensas estivessem na ponta da língua esperando uma oportunidade. Saiu deixando a porta aberta em sua passagem e os dois que observaram o caminho que ela havia feito.

– Você não pode achar que isso vai dacertoA gente quase se matou. – John falou sentando na ponta do sofá observando seu chefe suspirar pesadamente ao sentar em sua cadeira.

– Johnela precisa aprender a ter disciplina e você precisa ter... Não sei... – Ken parou olhando para cima ao pensar na palavra certa

enquanto John o observava erguendo uma sobrancelha em surpresa. – Empatia.

– Empatia? Ken. – John falou levantando do sofá para sair dali o mais rápido que poderia e fugir do assunto que lhe trazia lembranças ruins.

– Você precisa superar, John. E precisa de um parceiro, nada mais justo juntar as duas pessoas mais complicadas daqui.

     John parou na porta da sala se virando para seu chefe antes de falar, viu no olhar de Ken um brilho que poderia jurar ser de diversão.

– Você sabe que vamos nos matar, não é? – perguntou.

     Um sorriso no rosto de Ken foi como uma resposta que o deixou irritado saindo da sala fechando a porta com força.

– Ei, você é novata aqui, não é? – a voz feminina fez Nick piscar voltando a realidade e ao refeitório percebendo que seu alvo já não estava mais ali e ao invés disso, uma garota de longos cabelos loiros que mascava chiclete de forma despreocupada a encarava com olhos curiosos.

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