Capítulo 7 - Atalaia

"Vá tão longe quanto você possa ver, e quando você chegar lá você verá mais longe."

- Orison Swett Marden

O prédio onde Lucca morava ficava a poucos quarteirões da Taverna do Lobo, em uma das muitas vielas da cidade. Lucca girou a chave e entrou na sala com um Louis extremamente ansioso atrás de si.

- Fique à vontade. A minha casa não é tão chique como a sua deve ser, mas dá pro gasto, pelo menos pra mim.- Disse Lucca.

- Deixa de cerimônia garoto, se soubesse da minha origem não iria se preocupar com isso.- Disse Louis olhando para as pinturas ao seu redor. 

Ao se aproximar da mesa de centro, Louis não pôde deixar de perceber a seringa que estava ali jogada. Sabia muito bem do que se tratava, mas não fez nenhum tipo de comentário. Pelo contrário, fingiu que não tinha percebido pois viu a expressão sem graça e ao mesmo tempo nervosa no rosto de Lucca.

- Muito interessante suas pinturas. - Disse Louis- La Scarzuola, é isso? Já ouvi falar....

- É.... é um lugar bem interessante...- Disse Lucca olhando para os quadros.

 - Mas então garoto... indo direto ao ponto... Que informações você tem da minha mulher?

Lucca saiu da sala indo em direção ao quarto. Voltou segundos depois trazendo um quadro em suas mãos. 

Quando Louis colocou os olhos no quadro, não acreditou no que estava vendo. Era Irene ! E não somente Irene como sua filha Alexia que estava ao lado da mãe. 

O que aconteceu a seguir pegou Lucca de surpresa. Louis se dirigiu a ele, e pegando-o pelo pescoço, o prensou contra a parede.

- O que você está fazendo seu retardado???- falou Lucca ofegando.

- Cale a boca seu drogado de merda ! Me diga....como conhece minha mulher? E minha filha? Você é um sequestrador? Pra quem você trabalha?

- Vai se ferrar seu trouxa, não conheço ninguém, muito menos sou um sequestrador ! Me solta! 

- Eu vou perguntar mais uma vez, se não me responder eu te mato aqui! Como você conhece a minha mulher e a minha filha se nunca as viu? RESPONDA!!!!

-Porque ele é um atalaia.....- Disse uma voz vinda da porta de entrada.

Tanto Louis como Lucca viraram os olhos em direção à porta. Diante deles estava um homem de aproximadamente 32 anos, vestindo um terno finíssimo preto, chapéu na cabeça e um cavanhaque característico. Louis olhou para o homem e indagou:

- Quem é você? O que você quer ?

- Meu nome é Eric Pellegrini,irmão desse idiota aí.- respondeu o homem com um sorriso torto, apontando para Lucca.

- Não estou interessado em reuniões de família agora cara, então não se meta, ou sobra para você também.- falou Louis,completamente fora de si.

- Uau! Quanta valentia... Já me impressionou com essa demonstração gratuita de testosterona, agora, deixa de ser babaca e vamos conversar como homens civilizados, senhor Louis. Não me leve a mal...eu adoraria ver meu irmãozinho levar uma surra, mas no momento estou com um pouco de pressa, então se puder fazer o favor...- Disse Eric com uma dose grande de sarcasmo nas palavras.

Louis olhou perplexo para a face de Eric,e após alguns segundos, largou Lucca que ficou passando a mão em seu pescoço e olhando com cara feia para os outros dois.

- O que você disse que ele era? - Indagou Louis apontando para Lucca.

- Ele é um atalaia- Disse Eric pela segunda vez.- Nunca ouviu falar? 

- Não...- confessou Louis, passando as mãos no cabelo. - O que Diabos viria a ser isso?

- Atalaia era o nome dos vigias dos tempos antigos. Eram homens que tinham a incumbência de ficar no alto das torres de vigia, sempre atentos a qualquer manifestação do lado de fora. Eram os atalaias que viam de longe a chegada do inimigo, e avisava o povo para se preparar para a batalha. Hoje, esse título é dado a todos aqueles que têm a capacidade de ver o lado de lá.- Respondeu Eric.

- Lado de lá??? Como assim, lado de lá?- indagou Louis totalmente perdido.

- É... O lado de lá. Um mundo semelhante a esse só que um pouco diferente...- Disse Eric, tentando ser o mais claro possível.

- Que conversa é essa? Está me enrolando? Está tentando ganhar tempo? É isso? 

- Não é nada disso. Vou tentar explicar . A teoria do espelho é bem simples. Quando você olha para um espelho, ele apresenta uma cópia exata do seu rosto que chamamos de reflexo. A pergunta que faço é a seguinte: aquilo que está refletido no espelho é o seu rosto sim ou não?

- Bem, isso é muito complexo- começou Louis.- Pode tanto ser como não ser. Por ser idêntico ao meu rosto, posso dizer que sim; mas por ser apenas um reflexo, posso dizer que não. Ou seja, não sei ao certo...

- Exatamente. Por isso estou aqui. Existe um mundo que é reflexo desse. Ainda que não sejam iguais, são idênticos, e isso pode parecer um paradoxo, mas é real. Agora pense... não pode existir reflexo se não houver uma imagem original para refletir. Então de certa forma, um lado é essencial para a existência do outro, ainda que não saibamos qual é o original e qual é o reflexo.

A cabeça de Louis parecia que ia  explodir a cada palavra que saía da boca de Eric. Aproveitando a pausa, falou:

- Isso tudo é muito interessante ( e isso falou em tom de deboche) mas onde minha mulher,e agora, minha filha, se encaixam nessa história??

- Parece óbvio,não? - Disse Eric, levantando a sobrancelha. - Sua mulher está do outro lado e sua filha também.

- Não, isso é impossível...minha filha morreu há dois anos, vítima de câncer no cérebro. Como pode ser ela?

- Bom, pelo pouco que sei, se sua filha está realmente morta então aquela do lado da sua mulher deve ser uma duplicata, ou seja, o reflexo da sua filha...

- Não, isso não é real, não pode ser real! - Disse Louis colocando as mãos na cabeça.

- Pode acreditar senhor Louis, é sim. E por incrível que pareça, esse otário que você estava querendo matar até a alguns segundos atrás, pode ser a chave para trazer sua mulher de volta.

Louis olhou espantado para Lucca. Durante o diálogo com Eric tinha se esquecido completamente que Lucca estava presente na sala, de tão absorto em pensamentos e questionamentos que estava. Olhando novamente para Eric, perguntou:

-Mas como assim, chave? Está se referindo a ele ser aquilo que você chama de atalaia? 

- Basicamente.- Disse Eric sorrindo.- Se ele tem a capacidade de ver flashes do lado de lá, isso significa que se desacelerarmos um pouco o processo, talvez consigamos entrar em contato com a sua mulher.

Dessa vez foi a vez de Lucca ( que até então estava apenas ouvindo o diálogo dos dois) falar.

- Espera aí... Vocês pensam que eu sou um rato de laboratório para vocês ficarem fazendo os seus experimentos??? Se bem me lembro, a última vez que veio me ver foi a três anos atrás e não ficou nem cinco minutos ...- Disse Lucca olhando para Eric. - E você, até agora pouco estava tentando me sufocar- Disse apontando para Louis. - Por que motivos ajudaria dois babacas igual vocês? Não tenho nada a ver com isso…

O silêncio reinou pela primeira vez no lugar. De fato, Lucca não estava errado. O irmão raramente o procurava, e quando fazia isso, era por algum motivo interesseiro. Louis, nada mais era do que um desconhecido, que o julgou com base nos seus achismos, criando um preconceito ao seu respeito. Lucca só queria que os dois fossem embora, para afundar seu rosto no travesseiro e esquecer do mundo.

Quem quebrou o silêncio foi Eric, que passando a mão no seu cavanhaque, falou:

- Muito bom irmão, você tem toda a razão. Porém, não há espaço para sentimentalismo agora. Há uma mulher desaparecida que somente você pode trazer de volta. Você não é tão frio assim, a ponto de deixar uma vida se perder...

- Se eu não te conhecesse tão bem, até me emocionaria com essa propaganda de amor ao próximo. Você não está interessado em salvar a mulher, está interessado em saber mais sobre o outro lado.- Disse Lucca em tom agressivo.

- CHEGA! - gritou Louis, fazendo com que os dois se calassem. - Resolvam a briga de vocês depois! Eu sei que você não quer ajudar pelo atitude que tomei- Disse para Lucca. - E eu sei que você não se importa com a minha mulher, - falou para Eric.- Mas eu estou nem aí pra isso... Só quero...eu preciso que me ajudem! 

A expressão no rosto de Louis revelava o desespero o qual ele se encontrava. Lucca que até então parecia uma pedra de gelo, suspirou fundo e disse:

- Tá bom cara, vou tentar fazer isso. Mas já vou logo avisando que é por causa da mulher que faço isso, não por causa de vocês, imbecis...

-Ok, já entendemos. Agora precisamos saber: como você tem acesso ao outro lado? Tipo, esses quadros... São flashes que você tem do lado de lá,mas quando eles acontecem de fato?- Perguntou Eric.

Lucca corou. Desviando o olhar para a mesa de centro, disse:

- Quando eu injeto altas doses de droga, eu meio que fico em êxtase, então....eu tenho essas visões....

- Interessante.- Disse Eric- então é isso que faz você ter esses flashes do outro mundo.

- Sim,mas é tudo muito rápido e embaralhado. E sempre tem um homem vindo ao meu encontro mas eu volto a si antes mesmo de ele falar comigo.

- Bom, como eu disse, precisamos de algo para desacelerar o processo. Se em um êxtase você tem apenas flashes, precisamos de algo mais forte para desacelerar isso.- Disse Eric pensativo.

- E o que você tem em mente gênio?- Indagou Lucca.

- Maninho, eu tenho uma ideia. Está pronto pra morrer?

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