Capítulo 4 - Caminhos Cruzados

"A maioria das pessoas está tão absorta na contemplação do mundo exterior que está totalmente alheia ao que está acontecendo dentro de si".

-Nikola Tesla

Já fazia quase cinco horas que Irene estava fora de casa. Em condições normais isso não seria nada alarmante, uma vez que Irene sendo professora universitária, ficava até tarde na Universidade, corrigindo trabalhos e revisando provas.

Mas agora era diferente. Irene tinha recém se reabilitado do acidente que, dias atrás, a deixou  entre a vida e a morte. Louis mesmo não sendo um grande observador, percebeu que Irene já não era mais a mesma . Algo naquele hospital havia mexido com ela, algo que Louis não sabia explicar no momento, e era isso que o preocupava.

Já estava quase anoitecendo e a chuva começava a ficar um pouco mais forte. De pé na varanda, olhando para a pequena e estreita rua que se perdia no horizonte, Louis começou a lembrar-se da sua vida.

Filho de pais pobres, teve de se virar desde cedo fazendo pequenos trabalhos aqui e ali, principalmente como engraxate. Com a experiência adquirida nas ruas, abriu seu próprio estabelecimento anos mais tarde, sempre se virando para pagar o aluguel do local. 

Louis teve que, ainda garoto, decidir entre trabalhar ou estudar, acabando por ficar com a primeira opção, pois era no momento a mais vantajosa das duas. Não aprendeu português, matemática ou geografia,mas aprendeu sobre força, coragem e determinação, coisas que foram cruciais para que ele pudesse chegar onde chegou.

 Quem visse Louis a engraxar  sapatos na Piazza Dei Quaranta Martiri, jamais imaginaria que aquele menino com roupas velhas e sujas se tornaria dono de uma das marcas mais famosas de sapato da Itália. 

Louis em poucos anos mudou de vida,mas não mudou sua essência. Continuava a ser o cara humilde que parava para conversar com os mendigos na rua. Continuava com o mesmo olhar vibrante de quando se sentava a frente da Taverna do Lobo, esperando a caridade de algum bom samaritano que chegasse ao restaurante, ou até mesmo para pegar as sobras no final do dia.

Taverna do Lobo. Aquele local tinha um significado muito grande na sua vida. O menino que um dia comia restos, se transformou em um homem que agora se assentava na melhor mesa do lugar. Mas não era a mudança social que dava significado àquele lugar. Foi ali que Louis, em um dia totalmente aleatório, viu Irene pela primeira vez. Os olhos se cruzaram de forma rápida, mas isso foi o suficiente para gerar um efeito dominó que acabou no altar da Igreja de São Francisco. Foi tudo muito rápido.Em menos de um ano, já tinham namorado, noivado e casado. Um ano depois a notícia que sinceramente não esperavam, veio deixando -os felizes e preocupados ao mesmo tempo. - "Vamos ser papais!"- Exclamou Irene rindo de um Louis que a olhava sem saber qual reação deveria ter.

Veio Alexia, a alegria da casa. Os novos papais tiveram dificuldades no início, mas se saíram bem. Os primeiros anos foram de muita festa mas aos poucos as coisas começaram a mudar. Irene passava mais tempo na Universidade do que em casa, se dedicando totalmente ao ofício. Louis embora com sua essência intacta, possuía um defeito ( se é que pode-se dizer que era um defeito) de querer sempre estar entre os melhores. Um perfeccionista que foi moldado na imperfeição da vida. -" A qualidade gera quantidade"- Dizia. Com isso, dedicava-se também totalmente à empresa, fazendo de tudo para se manter no topo. Enquanto isso, Alexia crescia, tendo tudo o que uma menina pudesse desejar, mas sem ter o que realmente queria, a atenção dos pais.

Irene ainda tirava alguns raros momentos livres para passear com a filha, mas Louis jamais conseguia achar brechas para poder estar com Alexia. Nunca podia estar presente nas apresentações da filha na escola, nunca podia ficar mais do que dez minutos conversando, nunca podia brincar. "- Na próxima, eu prometo que vou estar lá."- Dizia. Mas "a próxima" nunca chegava.

 Até que aconteceu. Em um piscar de olhos, aquela menina linda que já estava quase chegando à fase adulta, se transformou em uma menina quase esquelética, com olhos no fundo, e praticamente sem um fio de cabelo na sua cabeça. Sim, o câncer veio. Para Alexia uma doença. Para Louis uma espada a cravar-lhe o peito até que a última gota de sangue fosse derramada. Louis percebeu que mesmo tendo tudo, não podia fazer nada. Nem todo o dinheiro do mundo poderia curar sua filha. Louis percebeu que mesmo sendo agora rico, era mais miserável do que quando engraxava sapatos por alguns trocados. Tanto tempo ficou olhando para fora, que se esqueceu de olhar para dentro de si.

No dia do enterro, chorou. Mas não por causa da dor natural de se perder um filho somente; chorou porque sentia raiva de si mesmo por ter dado valor mais a coisas do que as pessoas à sua volta. Enquanto o caixão descia, Louis prometia a si mesmo que jamais voltaria a ser o mesquinho que sempre fora até ali.

 "- Agora pois permanece a fé, a esperança e o amor. Essas três. Mas a maior delas é o amor."- ouviu o padre dizer.

Amor. Deveria ser isso que deveria movê-lo, não o ser bem sucedido. O sucesso passa com o tempo,mas o amor sempre permanece.

Louis olhou para o relógio:  nove horas da noite. Alguma coisa estava errada. Ligou mais uma vez para o celular de Irene: caixa postal. Pegou a jaqueta, entrou no carro e partiu rumo a delegacia. "O amor é o que nos move." 

Já na delegacia, Louis fez a ocorrência do acontecido e a busca começou imediatamente. Procuraram em todos os cantos de Gubbio, a polícia de um lado e Louis fazendo a sua busca pessoal do outro. Nada. No outro dia, fizeram uma busca pela floresta e contaram até mesmo como um helicóptero, mas nenhum sinal de Irene. Terceiro dia. Nada. Louis agora já estava mais vulnerável na parte sentimental. Uma semana, e agora Louis já estava mergulhado no uísque, com a mesma roupa a três dias, totalmente sem esperança.

O descaso fez ele perder Alexia. Agora por um descaso, por não ter impedido Irene de sair sozinha, perdera a mulher. A culpa pesava sobre seus ombros sem ter ninguém para aliviar o fardo. Por um momento começou a se lembrar do passado, pensando no primeiro encontro com Irene, lembrou -se também da Taverna do Lobo. "-Tudo começou lá, talvez seja um bom lugar pra espairecer"- pensou Louis.

Saiu em direção ao restaurante. O tempo estava firme, diferentemente dos últimos dias chuvosos. Parou em frente a taverna. Descendo do carro, começou a escutar gritos vindos lá de dentro, como se uma grande confusão estivesse acontecendo. 

De repente a porta se abriu.Um dos seguranças do local puxava pelo braço um homem de cabelos desgrenhados e calça jeans rasgada. 

- Vocês não podem me expulsar, eu não sou um mendigo! - gritava o homem, enquanto o segurança o lançava contra a calçada e fechava a porta atrás de si.

- Malditos burgueses! - gritou o homem pela última vez.

Louis se aproximou e disse: - Olá, precisa de ajuda?

O rapaz levantou a cabeça olhando fixamente para Louis e exclamou:

- Preciso que você dê meia volta e saia daqui seu burguês de merda! 

- Calma rapaz, dia difícil? Eu sei como se sente…

- Eu não preciso de terapia a essas horas da noite, falou brother? Muito menos de um tiozão fedendo a uísque igual você! 

- Olha só, estou nem aí pra você! - Respondeu Louis já cansado. - Perdi minha filha a dois anos, minha mulher desapareceu há uma semana e a última coisa que eu quero agora é ouvir desaforos de um cara amargurado e complexado igual você. Então se não tem nada a acrescentar, saia do meu caminho.

Até mesmo Louis ficou espantado com as palavras que disse. Jamais tinha falado com ninguém dessa maneira, nem mesmo com um dos seus funcionários. Até mesmo o rapaz pareceu ter ficado espantado com a reação de Louis, pois se recompôs e falou de forma mais amena:

- Tudo bem cara, foi mal. Sei como se sente. Eu também já perdi muitas pessoas. É que as coisas não andam muito fáceis pra mim…

- Todos temos dias difíceis. Eu me desculpo também pela forma que agi.

Prazer, meu nome é Louis.- respondeu, estendendo a mão para o rapaz. 

O rapaz,meio sem jeito, devolveu o aperto de mão respondendo de forma tímida:

- Prazer, meu nome é Lucca.

- Lucca, legal. Combina com seu estilo- Disse Louis sorrindo. - Por acaso você não viu essa mulher andando por aí? - E ao dizer isso Louis mostrou uma foto de Irene.

Quando Lucca olhou para a foto, sua expressão mudou completamente. Engolindo em seco, respondeu:

- Pode parecer meio louco, mas eu acho que sei onde sua mulher está!

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