O Trajeto

Todos os dias, mais de uma vez por dia, Jobson e Nicolas passavam pelo mesmo lugar. Nunca tinham se encontrado. Era como se fossem duas realidades diferentes, como se num universo Jobson passasse num ponto e num outro universo paralelo Nicolas passasse no mesmo ponto, exatamente ao mesmo tempo e atravessassem um ao outro. E não fosse uma coincidência do destino, se ao destino pertencerem coincidências, o encontro deles nunca aconteceria.

Jobson caminhava 50 minutos só na volta pra casa. Andava, não, quase corria. Aliás, essa é uma qualidade natural a todos aqueles que são financeiramente desfavorecidos: andar rápido. Por todos os motivos, o pobre aperta seu passo. Seja para aproveitar o pouco tempo que tem de alguma forma, seja para fugir de algum perigo que pode estar próximo. Afinal, por menos dinheiro, posses e bens que uma pessoa possa carregar consigo, ela nunca está segura, sempre terá alguém que tentará tirar alguma coisa dela. Ainda mais onde Jobson morava. Mas a insegurança era inerente, não importa onde estava. Pois qualquer coisa que Jobson pudesse perder, mesmo que fosse tempo, seria um grande prejuízo.

Naquele percurso, voltando pra casa, Nicolas, de carro, com motorista, gastava 15 minutos. O Sol brilhava lá fora, mas Nicolas nem sentia calor. Na verdade, fechado no ar-condicionado ele até estava com frio, vestindo blusa do seu agasalho. Jobson derretia com o suor escorrendo pelo seu corpo. Os dois se cruzaram perto da praça. Jobson atravessou na faixa de pedestres e o carro de Nicolas avançou, assim que o semáforo abriu. Nem se viram. Um pouco mais à frente, Jobson se lembrou que deveria ter ido buscar uns itens da cesta básica de Dona Luíza, uma mulher que sua mãe conheceu e que a ajudava, mas tinha esquecido. Teria que voltar e os passos teriam que dobrar de velocidade para compensar. Mais a frente, o carro que tinha cruzado por ele estava parado, com o pneu furado. Fora do carro estava Maycon, motorista de Nicolas, todo atrapalhado entre macaco, chave de roda e celular. Nicolas descia do carro, no momento que Jobson se aproximava.

- Furou, né? - Perguntava, Nicolas, meio sem jeito - Quer que eu ligue pros meus pais?

- Não, Seu Nicolas, imagina, fique tranquilo, eu sou meio atrapalhado com isso aqui, mas já estou ligando pro seguro, pode ficar dentro do carro. - Respondeu, Maycon.

Jobson não teve como não achar bizarra a situação, sabia que não tinha nada a ver com a história, mas ficou com dó do pobre motorista. Negro, como ele, se compadeceu e achou que dependendo como fosse, poderia até perder o emprego.

- Ei, sei que não tenho nada a ver com a história, mas se quiser ajuda, irmão, trabalhei muito tempo em borracharia, coloco o estepe em 5 minutos, fica tranquilo que é na camaradagem, não precisa pagar nada não. É que tô vendo que precisa de ajuda, aí! - Jobson oferecia ajuda, acostumado a já puxar conversa com algum desconhecido pedindo desculpa, pra não ser mal interpretado.

- Não, meu amigo, tá tranquilo, resolvo isso rapidinho. - Dizia, o motorista colocando a chave de roda na orelha e apontando o celular pra roda.

Nicolas e Jobson se entreolharam e riram juntos.

- Cara, na boa, se você manja mesmo disso aí. Ia ajudar bastante a gente - disse Nicolas para Jobson.

Diante da fala do patrão, Maycon deu dois passos para trás e forneceu a chave de roda que já tinha percebido que não era o celular.

Esse foi o primeiro contato desses dois mundos tão improváveis de se encontrarem.

Jobson, que realmente tinha passado um tempo ajudando numa borracharia de um amigo do ex-padrasto para ajudar com um trocado, fez o trabalho rapidamente, sem dificuldade, praticamente não se sujou.

Maycon, ao final, todo agradecido, elogiou o garoto inúmeras vezes, agradeceu como se tivesse tido a vida salva. Nicolas e Jobson sorriram, achando engraçada aquela cena de generosidade. Jobson insistia em dizer que não tinha sido nada, que ficava feliz em ter ajudado. Nicolas agradeceu, também. Maycon quis dar uma nota de 10 para o rapaz que não aceitou, mesmo sabendo que iria ajudar demais para pegar uma condução e recuperar todo o tempo perdido, mas seu orgulho foi maior que a necessidade.

Naquele momento uma pequena ruptura tinha aberto o contato entre dois mundos.

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