Parte 3

Mantelar usa um argumento que deixa Adwig pensativa. O que ela pretendia fazer? Ela sabia onde ia. Não teria sequer saído de sua reclusão se realmente não soubesse que ia pagar pra ver e retornar a terra dos elfos. Depois de ter chegado até ali, ela simplesmente voltaria para o seu retiro? Depois de ter visto o que estava acontecendo, pelo menos superficialmente? Ainda não confiava em seu pai, mas sentia que o certo a ser feito era voltar ao Castelo onde tudo começou. Provavelmente o que ela sentia era medo. Isso a afligia, pois qual seria o motivo dela ter esse medo? Era imortal, quer dizer, praticamente imortal. Já tinha passado por quase tudo em sua vida. Conhecia todos os lugares do planeta, todas as raças, tinha tido as mais diferenciadas experiências. Quando foi a última vez que sentira medo? O conflito do passado ser uma novidade para ela era completamente inesperado e assustador.

- Quando vamos? - perguntou Mantelar para Adwig após observar o tempo em que ela ficou pensativa, sem falar nada.

Adwig sorriu e em seguida suspirou. Queria resolver o problema dos gigantes, mas achava que deveria ir direto para os elfos, primeiro. Não tinha certeza se poderia derrotar um vírus sozinha. Precisava saber o que se sabia sobre aquilo. Saber o que os reis estavam fazendo. Mantelar havia dito que o guerreiro guardião dos gigantes, seu líder, avisava que estavam fazendo todo o possível para resolver a situação constantemente, mas nunca mais apareceu em público. Os elfos, apesar da teoria mais aceita de que a doença só contaminava gigantes, deixaram os, até então, parceiros isolados. O povo das fadas tentou muitos tratamentos. Eram os únicos presentes, buscavam curas, fosse com medicamentos, fosse com magia. Cuidavam dos necessitados, dos que perdiam entes queridos. Já os Coraces permaneciam do outro lado do mar e da floresta. Faziam contato, mas sempre conflituoso. Se vinham até as fadas, em busca de paz, acabavam conseguindo guerra. Não era um povo feito para soluções diplomáticas, apesar das diversas tentativas. Sempre haviam dissidentes, mesmo o atual Rei sendo um homem justo, pelo que se ouvia.

- Mantelar, não posso pedir para que vá comigo. Certamente serei alvo de muita gente. - disse Adwig, imaginando toda dificuldade que enfrentaria, só de tentar chegar até o centro da terra dos elfos, quem dirá reivindicar o trono e a unificação dos povos, como pedia seu pai, para quando o dia profetizado chegasse.

- Você está brincando comigo, não é mesmo? Quantas vezes eu quase morri permanecendo até o fim ao seu lado? Quantas vezes você salvou minha vida? Quanto tempo fomos parceiros e mais, quanto tempo passamos separados, com sua reclusão? Agora que você está aqui, consegue mesmo acreditar que vou deixar você partir pra essa missão sozinha? Vai ter que usar muito dos seus poderes pra me prender aqui, se quiser mesmo que eu não vá! - Ela sabia que essa seria a resposta do meio-gigante. Ainda assim, continuava com aquele medo com o qual não estava acostumada. - Eu sei que não preciso de muita coisa estando ao seu lado, mas não custa abastecer meu cinto com alguns itens que podemos usar e pegar, ali, meu machado de guerra. Caster, meu querido - Falava carinhosamente, se referindo ao machado. - Chegou a hora, meu bebê, vamos voltar a estar juntos. - Ele retirou a arma enorme e absolutamente incrível, de lâmina brilhante, jóias cravadas no cabo, que estava repousando num suporte na parede.

Partiram, então, Adwig e Mantelar para estrada Rouge, que levava diretamente para a grande planície, que era o caminho mais rápido até a cidade dos elfos. Chegando na planície, Adwig parou e começou a fazer um feitiço. Mantelar sabia do que se tratava e se preparou. Em pouco tempo, com o movimentar rápido das mãos e com as palavras que a elfa ia proferindo, a brisa que os acompanhava aumentava. Logo, ambos já não tocavam mais o chão e começavam a ser levados em uma velocidade maior do que caminhavam.

- O caminho é longo! - disse Adwig para Mantelar.

- Olha, eu estava imaginando que ir andando seria realmente muito complicado - retrucou, Mantelar com um semblante aliviado.

- Ainda assim, não consigo manter esse feitiço por muito tempo, mas quando eu parar para descansar, conseguiremos outro transporte, já mais próximos.

- Você está pensando em usar Articus? Ele ainda está vivo? - Perguntou o desajeitado grandalhão, que não sabia em que posição ficar enquanto guiado pelo vento.

- Achei que o poder de sentir a presença de energias conhecidas era seu - brincou Adwig. Mantelar com um olhar fuzilador não respondeu. - Articus e eu temos uma espécie de laço. Sei que ele está vivo e bem. E sei que irá ao meu encontro.

- E você acha que ele conseguirá carregar eu e você? - Perguntou, cético.

- Eu acho que nós dois teremos uma enorme surpresa quando vermos ele novamente. - Disse, arrumando seus cabelos que voavam graciosamente por seu rosto, Adwig.

Realmente, quando pousaram, Adwig fez novamente alguns gestos com suas mãos, retirou seu cetro, que até então estava em suas costas, preso e de sua ponta um fino traço de luz despontou para o alto. Em alguns segundos surgiu nos céus aquele enorme e lindíssimo cavalo alado.

- Grosh! (Expressão de espanto comum dos gigantes, intraduzível) Que besta enorme é aquela? Que ração você deu para aquele cavalo? - Perguntou, Mantelar totalmente espantado.

- Realmente, imaginei que ele estaria diferente e maior, mas não tanto. - Adwig contava para seu braço direito que os Pégasos eram animais trazidos de um dos planetas por onde seu pai passou, introduzidos e procriados ali, por terem características únicas. Eram extremamente raros e, por um processo parecido com o utilizado pelos chamados deuses, aqueles que já tinham morrido e habitavam outras vidas em outros planetas, eles tinham sangue de outros animais de primeira vida introduzidos e manipulados em seus genes para desenvolverem através de um tratamento genético, reprodução. Dessa forma, foi possível alguma procriação desses animais, que ainda assim não se faziam tão comuns entre os povos, não eram facilmente domados. Articus era um Pégaso original, o primeiro trazido para o planeta, era mais antigo que ela mesma. Sua pele era encouraçada, quase impenetrável. E de longe, era uma das criaturas mais lindas do universo. - Acho que ele consegue nos levar, não acha? - Perguntou, acariciando o seu amigo, que respondia alegremente com movimentos desajeitados que lembrariam os de um animal de estimação, revendo seu dono depois de um bom tempo longe. Ela conversava com ele, usando palavras e sons indistinguíveis ele parecia entender. Suas asas tinham um tamanho quase tão grande quanto sua beleza, eram incríveis, retraiam e expandiam de uma forma complexa e bem estruturada, com penas, plumas e pelos.

Mantelar perguntou a Adwig se poderia colocá-la em montaria, ela respondeu que sim, ele a agarrou pela cintura e a ergueu sobre o animal alado e em seguida subiu na garupa. Ela acariciou a linda crina dele, fez pequenos movimentos sobre sua cabeça e ele entendeu que deveria subir e sabia para onde seguir.

A longa jornada chegava ao seu fim, após sobrevoarem tão lindas paisagens, depois de mais um bom tempo de voo, a cidade fantástica como era conhecida a capital dos elfos já podia ser vista se aproximando. Adwig não subiria voando diretamente pois poderia ser atacada. Muito provavelmente a proteção do castelo seria bem grande, entre armas e feitiços, não arriscaria a segurança de Articus e de Mantelar. Desceu na entrada da cidade, se despediu temporariamente de Articus, observou ele voar desta vez em direção das florestas, onde ele provavelmente vivia até então, vestiu uma longa capa escura de Mantelar, para evitar chamar a atenção, como se um meio-gigante já não chamasse o suficiente e seguiu cautelosamente com seu companheiro pela cidadela.

Eram ruas de uma construção única. A montra, uma espécie de pedra, era um material que só os elfos conseguiam manipular. Os montreiros, feiticeiros que manipulavam em algum grau a temperatura de metais e rochas, eram os únicos capazes de derreter e moldar o material, que tinha um efeito de transparência, refletivo e ao mesmo tempo era muito rígido. Poderia ser confundido com diamantes, que não existiam nesse mundo, porém a quantidade em que eles podiam ser encontrados na natureza, de forma bruta, era muito grande. E as ruas, as casas, as construções, quase tudo era feito com montra na terra dos elfos. Eles também utilizavam muito a natureza, a mantinham, em menor grau que os outros povos, mas as árvores gigantescas, as quedas d'agua, as montanhas, muita coisa se preservava, mesmo em meio de toda uma fantástica modernidade de arquitetura e engenharia. Mantelar viu um bar e perguntou se eles poderiam parar para tomar algo, estava sedento. Adwig não precisava nem comer, nem beber para manter o funcionamento de seu corpo, não tinha esse tipo de necessidade biológica, mas ela era uma exceção. apesar de um pouco diferentes entre si, praticamente todos os povos dependiam de água, precisavam se alimentar e para tanto tinham uma cultura estritamente baseada na alimentação herbívora. Não precisavam comer muito. O Sol era outra parte do processo, eles dependiam da luz solar para que seu corpo processasse o alimento em energia. Mas como em quase toda civilização de onde ela conhecia alguma história, por algum motivo os seres tinham necessidade além da biológica de algum entorpecente ou alucinógeno. O bar era essa fonte de água, mas também de todo tipo de bebida para os mais variados efeitos no corpo. E normalmente eles estavam cheios, mas não parecia ser o caso, naquele momento. Adwig olhou para a cara de acabado de Mantelar, que estava com um estranho olhar de criança pidona, avaliou os riscos e decidiu que entrariam no bar. Rapidamente veio a sensação de que talvez não tenha sido a melhor decisão.

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