Parte 2

Ao passar pelas grandes colunas de pedra que rodeavam todo o vale, construídas para proteção de possíveis seres mais fortes do que os Gigantes, mas mais consideradas como obras de arte, Adwig começava a ouvir sons, urros de dor. Percebia um avermelhado no ar e fuligem que parecia indicar um grande incêndio. Mais adiante, podia ter a visão do Vale inteiro, as enormes construções incríveis e no centro da cidade um grande mar de fogo. O cheiro de carne queimando, vindo de um lugar que ainda estava distante e a fumaça escura não eram bons sinais. Adwig acelerou o passo permanecendo furtiva, procurando não ser notada, mas estranhamente as ruas, que pela sua lembrança eram repletas de gigantes em qualquer horário do dia, fossem, trabalhando, fossem comemorando, seres com grande disposição o tempo inteiro, estavam vazias. Podia escutar, em alguns momentos, murmúrios e ruídos vindos das casas. Os olhos de Adwig se arregalaram com o pensamento do que poderia estar assustando daquela forma os Gigantes.

Eles tinham grande resistência contra a magia das fadas, as habilidades élficas eram quase inúteis contra eles e a incrível força dos coraces não se comparava com a dos gigantes, mesmo eles sendo mais ágeis. Numa grande guerra, mesmo se acontecesse algo impossível, como a união das três raças contra os Gigantes, ainda assim eles não seriam vencidos facilmente. Mas com certeza não ficariam assustados e reclusos diante de algum perigo.

Adwig acreditava que o único lugar que encontraria Mantelar, se ele estivesse no Vale dos Gigantes seria ao Norte da cidadela, perto do encontro dos riachos. Poderia utilizar um caminho mais rápido, mas acreditava que precisava ir até o Centro, saber o que acontecia e quem sabe ajudar.

Quanto mais se aproximava, mais alto ficavam os gritos de dor dos Gigantes que começavam a se confundir com lamúrias e mal dizeres. Num primeiro momento, Adwig acreditava que eles haviam sido atacados por alguém, mas agora, sentia que não se tratava de um confronto, se assemelhava com um sentimento de entrega, de reconhecimento de derrota com a morte.

Ao chegar na Grande Praça, local magnífico, onde os Gigantes costumavam fazer feiras livres de dia e grandes apresentações artísticas à noite, seu choque foi incomparável com qualquer outro que possa ter sentido nos seus séculos de vida. Alguns gigantes utilizavam trajes que pareciam vedar completamente dos pés a cabeça e manipulavam grandes seringas com agulhas, injetando algo nos braços de outros gigantes, amarrados. Após todos ali, aproximadamente uns 20, serem alvejados pelas agulhas, eles foram desamarrados e levados para a outra ponta e outros tantos ocupavam seus lugares vagos. Os que saíram iam sendo levados pro ponto de onde o fogo vinha, uma chama muito alta. Num determinado ponto precisavam ser praticamente carregados. Eles, então, se lançavam às chamas. Queimavam vivos! A enorme chama se fazia de corpos de gigantes. Alguns, das rodadas anteriores, ainda gritavam lá de dentro, quando mais outros entravam e usavam suas últimas forças para gritarem de dor.

O primeiro impulso de Adwig foi usar seu poder e fazer algo. Ela quis voar para o meio da Praça, apagar as chamas e parar com toda aquela loucura. Mas, em primeiro lugar, ela não queria ser notada, quem dirá poder ser reconhecida. Depois, ela não sabia exatamente o que significava tudo aquilo. Algum motivo muito sério, os Gigantes tinham para m****r seus entes queridos para uma morte dessas. E tantos...

Adwig estava desolada, mas resolveu chegar logo até onde achava que podia encontrar Mantelar. Quem sabe se ele não teria respostas.

Quando Adwig, seguindo o Riacho Seis, chegou ao encontro deste com o Riacho Cinco, evento que causava um espetáculo visual, repleto de cores e movimentos sincronizados das águas, as lembranças acenderam em sua cabeça, trazendo até alguma coisa que ela nem sabia que tinha dentro dela ainda: lampejos de felicidade.

As cidades dos Gigantes conseguiam unir bem modernidades tecnológicas e belezas arquitetônicas, preservando a vida da natureza, mas as periferias eram menos habitadas e mais ricas em fenômenos naturais. Aquele ponto em particular era menos frequentado pelos Gigantes, pois as árvores eram mais baixas, tinha uma vegetação hostil, que crescia por conta de uma chuva constante, gerada pelo encontro das águas, que favorecia esse tipo de vegetação. Para Mantelar, que não era tão grande como a maioria dos Gigantes, era perfeito e foi ali que ele construiu sua morada, apesar dele, em boa parte de sua vida, ter sido um nômade.

Aquele lugar era repleto de histórias para Adwig, momentos tão únicos que viveu em situações tão diferentes umas das outras. Parecia reviver uma a uma, enquanto chegava até o local onde Mantelar deveria estar. Debaixo de algumas árvores, na entrada do que seria sua casa, realmente estava Mantelar. Ele utilizava uma espécie de luneta, mirando para o céu e apertava alguns botões que disparavam uma luz para o espaço. Falava sozinho, de uma forma que lembrava uma espécie de oração. Adwig se aproximou e Mantelar caiu para trás num tropeço de susto. Quando se recuperou do desequilíbrio, não pôde acreditar que era ela mesma quem estava à sua frente. Adwig, para Mantelar, não era só uma grande amiga. Era sua rainha, ama, mentora, tutora, protegida e protetora, companheira de batalhas, colega de pesquisas científicas... Era seu pensamento durante todo o dia, durante toda sua vida. Sua grande paixão, seu grande amor, por quem morreria, se ela permitisse.

- É... É você mesmo? - Gaguejava o meio-gigante, que nesse momento se apequenava diante de sua musa. - Acho que realmente o mundo está acabando, então, não é mesmo? - Completou com um sorriso meio bobo, meio sem saber o que dizer ou o que fazer.

- Mantelar! - Adwig só conseguiu pronunciar o nome dele e o abraçou, chorando copiosamente. Há muito tempo que lágrimas não saiam de seus olhos, possivelmente Mantelar nunca a tivesse visto chorando, pelo menos nada mais do que uma pequena lágrima em olhos marejados. - Não sei mais o que pensar. Meu irmão veio até mim com uma história de meu pai. Vi o que está acontecendo com os Gigantes e agora vem você com essa história de "mundo acabando", isso tudo misturado com a nostalgia que é para mim estar aqui... - Adwig falava entre soluços, já se acalmando do choro, num desabafo de quem dá última vez, se despediu para sempre, num adeus tão triste para ambos.

Depois de um silêncio estranho entre os dois, Adwig saiu dos braços de Mantelar, se recompôs e pediu:

- Por favor, primeiro me diga o que está acontecendo com os Gigantes.

- Um vírus é o que está acontecendo. Uma doença maldita, muito contagiosa e incurável, que está dizimando o povo - Contava Mantelar, se lamentando. - Seria irônico se não fosse trágico, um ser microscópico acabar com os Gigantes. Após o contágio, a morte é certa. Os Gigantes morrem aos poucos, mas rapidamente, as mãos e os pés caem, os olhos saltam para fora, o cérebro vai se tornando gelatinoso e começa a vazar pelas orelhas em pedaços. São tantos os efeitos pré-morte, que anestesiar-se é se jogar ao fogo, parece ser até tranquilo. Não há, como você sabe, outra forma dos Gigantes morrerem facilmente, o fogo também garante que os corpos não contaminem outras pessoas. Ainda assim, a espécie corre o risco de extinção. Fiquei recluso, pesquisando vacinas e curas aqui no meu laboratório, até que um dia senti a existência de um portal e a sensação da passagem de seu pai por ele. Você sabe que tenho o poder de sentir esse tipo de coisa, não sabe? - Questionou Mantelar para uma cética Adwig. - Seu pai disse a todos que mesmo sem ter mais poderes, nunca mais sairia desse planeta e que, a pedido dele, um novo portal só se abriria...

- Se a profecia estivesse se cumprindo - disse Adwig ao mesmo tempo que Mantelar - Eu sei, mas você sabe como ele é... - continuava ela.

- Eu sei Adwig, mas também sei que ele, apesar de tudo, é uma pessoa de palavra, mesmo que fossem palavras duras - dizia Mantelar, se justificando para os olhares julgadores de Adwig. - Bom, desde então tenho tentado usar as ferramentas de contato, que em outros tempos permitiram que nos comunicassemos com ele, quando ele esteve você sabe aonde... Tenho certeza que se lá estivesse, ele se comunicaria de volta comigo. E os sinais da profecia... Estão por todos os lados. Adwig, você está aqui, você sabe que chegou a hora de reunificar os reinos e retomar seu trono, não sabe? - questionou Mantelar num misto de esperança e medo da resposta.

- Eu ouço essa história desde sempre, mas a fase de acreditar nela passou quando eu ainda era uma criança. - A resposta de Adwig foi mais simples do que a esperada por Mantelar.

- Então, talvez seja hora de finalmente você recuperar um pouco da sua fé que tinha quando criança - respondeu, Mantelar.

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