A Profecia

Com tudo aquilo que aconteceu, o novo rei por direito, ali sentado numa poltrona flutuante esperando o velho fazer calmamente um chá que mais parecia uma poção mágica, observando um relógio que tinha 5 ponteiros, os três tradicionais utilizados em qualquer mundo inicial e dois que saiam do plano horizontal, uma seta que apontava pra frente e girava no próprio eixo central e outra girava junto a esse eixo, apontado nas diagonais. Além do “tic, tac” ele também fazia um pequeno  assobio contínuo. Não era qualquer lugar que tinha aquele relógio, ele mostrava a sincronia de diferentes planetas no tempo e sua leitura não era fácil.

- Cada centímetro de inclinação pode significar rupturas entre galáxias, desproporções no espaço-tempo. – Explicou o ancião, que já observava a curiosidade do rapaz a respeito do relógio, olhando por cima de seus óculos. - É um tipo de informação que não significa muito mais do que apenas conhecimento, já que cientes de algum fenômeno, não há nada que possamos fazer, somente ter consciência de que a partir daquele momento pessoas que perdemos desse mundo podem estar até mesmo séculos de experiências a nossa frente ou nós a frente deles.

Essa constatação deixou Henri cabisbaixo. Tinha tanta esperança ainda de encontrar sua mãe, sonha com isso desde que se lembra de alguma coisa. Agora realizara que também não estava mais com seu pai. Apesar de toda a inteligência do Povo do Vento, ainda não sabiam muito a respeito das passagens. Não deveria ser, mas a morte ainda era uma experiência dolorosa para quem perdia aqueles que amavam.

- Bom, vamos deixar essa melancolia toda de lado. Tome esse delicioso chá de praga. – disse o Ancião, entregando um copo para o garoto, aquilo na verdade parecia mais com um suco.

Henri sentiu um aroma muito bom, fazia muito tempo que não tomava bebida alguma. Existiam algumas espécies de vitaminas que os garotos tomavam sob o pretexto de assimilarem mais facilmente sua leitura, tinham sabor de leite estragado e eficácia duvidosa, a maioria acreditava que tinha efeito placebo, mas continuavam a tomar. 

A bebida ao tocar sua língua automaticamente causou um efeito inexplicável em seu corpo. Parecia que pela primeira vez ele realmente sentiu o sabor de algo que parecia refrescante e ao mesmo tempo doce. Depois do primeiro gole, todo sentimento de tristeza que lhe ocupara parecia ter desaparecido. Ele sentiu a felicidade de quando conseguiu pela primeira vez, com seu pai, manipular o vento. Sentia uma confiança de que podia qualquer coisa e nada poderia detê-lo.

- O que é exatamente esse chá de praga? – Perguntou Henri em meio de um sorriso de agradecimento e satisfação.

- Praga é uma árvore da floresta do vento que tem milhares de anos. Existe apenas uma, pois suas sementes, folhas ou frutos não brotam novamente outra igual. Ela é gigantesca e o chá de sua madeira causa uma sensação única de contentamento e confiança. Seu efeito é temporário e gradativamente essa sensação vai passando, variando esse tempo de duração de pessoa para pessoa e diminuindo um pouco a cada dose tomada. Mas depois de beber a primeira vez, para sempre você será pelo menos um pouco mais feliz. – O velho coçou o nariz, algo que parecia meio que tique nervoso, enquanto explicava como um professor lendo uma enciclopédia.

- Velho, agora veio um pensamento estranho na minha cabeça, você tem nome? Nunca soube outra forma de chamá-lo que não fosse Ancião, Velho, desde que te vi pela primeira vez com meu pai... – Henri agora se dava conta que aquele senhor, de rosto tão conhecido do palácio, para ele sempre foi um velhinho, mas agora era não só seu salvador, como sua esperança.

- Garoto, não uso meu nome a muito tempo, desde que os antigos Mestres do Ar se exilaram ou se tornaram professores...

Henri em alguns segundos assimilou aquela informação como o entendimento de uma grande notícia, sua face mudou subitamente de bobo alegre para espantado e perplexo.

- Acho que você deve ter entendido, meu nome de origem é Nazer...

- E você é um antigo Mestre do Ar? Dos lendários guerreiros? – Henri interrompeu.

- Mestre do Ar Nazer, do primeiro regimento. – Concluiu o orgulhoso Ancião.

Muita coisa fazia mais sentido agora e outras ainda estavam sem explicação.

 Para Henri, o que mais importava naquele momento era saber o que fazer. Como deter o traidor de seu pai e salvar seu mundo?

- Henri, eu tenho que te contar uma coisa. – O garoto já se colocou em prontidão para ouvir com atenção, pois sabia que aquilo com certeza seria mais alguma grande notícia – Há algumas gerações houve uma profecia. Antes da chegada de seu pai, muito antes dos nossos costumes de paz, os Mestres do Ar eram os que tomavam as decisões. Apesar de sermos os mais poderosos dentre nossos iguais, não éramos guerreiros, soldados treinavam a arte da guerra e lutavam nossas batalhas, executavam nossas táticas. E dentre os Mestres, havia um de nós que era o Mestre dos Mestres alguém que além de controlar praticamente tudo, através do ar, usando sua mente, também possuía o dom de profetizar fatos do futuro. E sua principal visão era a ascensão ao poder de um soldado justo que traria paz mas que em pouco tempo ele teria uma morte que traria à tona uma nova guerra.

Quando seu pai, ainda um jovem, fez o que conhecemos como “O Grito de Paz”, cuja história você deve conhecer bem, no meio do campo de batalha, ele gritou “Parem!” e sua voz derrubou e neutralizou todos, inimigos e aliados e ali, com seu discurso deu fim à guerra, nós, todos os Mestres acompanhamos mentalmente a batalha e o nosso Mestre disse que naquele momento se fez o Rei e que sua hora de evoluir havia chegado e como quem decide morrer, simplesmente desfaleceu ao chão, na nossa frente.

Henri parecia que escutava aquela história pela primeira vez, mesmo tendo ouvido tantos contos a respeito, afinal aquele fato se tornou poesia e cânticos de celebração. Mas daquele ponto de vista, com detalhes mais aprofundados que o ancião contava, parecia que finalmente era uma história real.

- Então, depois que conclamamos seu pai, o rei, mantivemos a vigília, por muitos anos, acreditando na profecia de nosso Mestre. – Continuava - Porém, séculos se passaram, o reino se construía sólido, próspero. Recebemos mensagens além  níveis, de Deuses, que diziam que nossa paz se tornara exemplo para outros planetas, que nossa vitória fazia de nós o planeta mais forte de nosso nível e talvez até de níveis a frente. Confesso que as mensagens dos Deuses do Ar, para nós Mestres, foi fator fundamental para amolecermos, para muitos seguirem nosso Mestre e decidirem pela passagem. E com o tempo os Mestres do Ar se extinguiram.

- Mas, Mestre Nazer, o senhor está aqui na minha frente, como pode dizer que os Mestres foram extintos? – Henri fez uma análise lógica a respeito.

- Apenas três Mestres sobraram como conselheiros do Rei, eu, meu irmão de consideração Parfo e Ordit, filho do nosso Mestre.

Henri ficou curioso sobre aquilo. Achava que era o único a ter nascido naquele planeta, sem ter vindo de outra vida.

- Henri, você é fruto de uma permissão de um Deus. Em nosso mundo somente nascem almas novas, bebês, crianças, com a permissão de um Deus. Seu pai foi o segundo homem neste planeta a conseguir visitar outro mundo com sua alma e pedir ao Deus Hermes para gerar um filho, e o Deus concedeu. O primeiro a conseguir isso foi Erudes, nosso Mestre.

Henri se surpreendia e se perguntava como nunca soube de tudo aquilo antes. 

- E o que aconteceu com seu irmão e com Ordit? – Perguntou, Henri.

- Um dia, seu pai nos perguntou se devíamos manter um exército ativo ou se permitíamos a todo nosso povo desfrutar da paz. Parfo dizia que deveríamos permitir que um exército continuasse treinando, ativo, nos preparando para algo que um dia pudesse acontecer. Eu dizia que não, que essa decisão dizia ao povo que não confiava em nossa paz, que não confiávamos em nós mesmos e Ordit se manteve em meditação por meses a respeito do assunto, não sabia o que decidir. Por um lado pesava a profecia de seu pai, e se fosse verdadeira, mesmo depois de tantos séculos? Por outro lado, pesava a confiança em seu rei e em seu povo. Então, um dia, discutimos calorosamente, verdades foram ditas e machucaram e Ordit fez sua passagem dizendo antes que deixava a decisão por conta do Rei. Perdemos nosso amigo, que mais tempo esteve ao nosso lado, do nosso convívio, porque não percebemos o quanto o pressionamos e o afetamos. O rei decidiu manter o exército, após boa argumentação do General sobre livre arbítrio dos recém chegados a respeito de poder ganhar conhecimento através do treino físico e não apenas intelectual. Após aquilo decidi me exilar e meu irmão se tornou o recepcionista desse mundo, o guia. Nunca mais nos falamos, apesar dele saber que eu continuava visitando o reino e eu saber que ele fazia o mesmo.

Henri, começava a entender mais as coisas, passava a fazer mais sentido muito do que acompanhou enquanto crescia, conversas de corredores, informações desencontradas, agora o quebra-cabeça se encaixava mais.

- E, então, a profecia se concretizou? – O rapaz já com um semblante consternado por nunca ter ouvido falar a respeito de que existiam chances reais de seu pai ser atacado e seu mundo virar de pernas pro ar.

- Nosso Mestre ter falado que o tempo de paz seria curto nos fez acreditar que talvez ele tivesse por algum motivo errado, ou que saber da profecia fez com que nós e nosso rei tivéssemos evitado tal mal. Mas para o tempo que nosso Mestre esteve neste mundo, para o tempo da existência desse universo, alguns poucos séculos realmente significam um tempo curto... – O velho sábio, fez uma pausa, seu olhar pensativo refletia a sensação de um martelo continuamente aplicando golpes em seu cérebro. – Existia um enigma na profecia, afinal, o que seria de uma profecia sem enigmas? – Ele continuou, agora rindo, meio bobo e voltando a ficar sério – “Um soldado fará sua voz ser ecoada ao Infinito e se tornará Rei, trazendo paz ao nosso mundo, mas como num piscar de olhos ele cairá anunciando uma grande guerra e uma nova era. Como nossa floresta e nosso deserto se encontrando, duas mãos se atarão, do velho o novo surgirá e dessa união todo o Universo dependerá!”

- Poderia ter sido mais narrativa e menos poética essa tal profecia, não é? Não querendo falar mal de seu Mestre, Mestre Nazer, jamais! – Henri tentava de forma meio atrapalhada dizer o que todos pensaram durante todo esse enorme conjunto de anos.

- Não se preocupe, Henri, nós Mestres do Ar questionamos Erudes diversas vezes, das mais diversas formas. Mas a profecia não tinha rostos suas poucas imagens e as palavras vieram em sua mente. Mesmo com todo seu conhecimento, mesmo ele não sabia interpreta-la. As profecias vinham diretamente de algum Deus, servem para preparar o profeta para algo que virá, mas os Deuses as constroem para que nada possa ser descoberto antes que eles queiram que isso aconteça. – Nazer fazia caras e bocas ao explicar, era engraçado e ao mesmo tempo curioso.

- Mas não seria um pouco tarde? Quando será que esse Deus quer que essa profecia seja descoberta? – Inocentemente, Henri questionou.

- Agora!

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