CAPÍTULO 1

As chamas crepitavam aquecendo-a no calor daquela noite, não que ela precisasse do fogo para se aquecer, mas as labaredas causavam em si um conforto.

Ela sentia o enorme portal enfraquecido, cada vez mais perto de se dissipar, permitindo assim que invasores tenham acesso ao local e todo o poder que o ambiente dispunha. Ela sabia de tudo isso, sabia que era seu dever como herdeira daquelas terras tomar conta do que um dia foi o seu lar. Mas ela não conseguia, não ainda.

Ela só queria fugir para longe, correr daquele mundo e das responsabilidades que ele traria.

Entretanto ela não poderia adiar o seu retorno nem mais um dia, e ela sabia disso. Por isso estava ali, em meio a neve branca, com apenas uma capa a cobrir teu corpo, e apenas uma fogueira a acalentar-te a alma. 

O ganido de um único lobo capta sua atenção, um solitário, saindo da Mata fechada e arrastando-se em sua direção, pedindo um consolo, uma companhia, estava ferido, sujo de neve e sangue, esfomeado, sem forças. Assim como ela.

Sua fome, no entanto, não era de comida, suas feridas não eram externas, sua falta de força não se tratava da física. 

Como a alfa que era, não conseguiu ignorar seu instinto protetor para com aquele semelhante. O pouco que levava consigo, ela estendeu em direção ao pequeno lobo esfomeado, a carne do servo que a horas atrás havia caçado. O animal abocanhou a carne de bom grado, estranhando um pouco o sabor da carne assada.

Ao findar daquela refeição, o lobo arriou sobre suas quatro patas, debilitado.

Um Athame foi retirado de suas vestes moribundas, sua palma ficou exposta diante a lâmina afiada. O corte foi limpo, doloroso, o sangue vermelho e pastoso não demorou a jorrar, abundante. 

Os pingos eram deixados para trás a cada passo mais próximo do lobo. O animal não se moveu, sem forças. O cheiro da magia também havia sido reconhecido, assim como a intenção do ser que se aproximava. A mão que jorrava foi posta sobre as feridas que sangravam, logo a presença desconhecida estava recitando algumas poucas palavras incompreensíveis;

"cum regeneratur"

A cura foi instantânea, devolvendo a vitalidade do animal. A magia posta sobre as feridas do lobo logo estava cobrando seu preço, ao retirar as forças do ser desconhecido. Este, cada vez mais enfraquecido pelas lutas do tempo.

Um carinho sobre a pelagem do lobo e então ela o deixou, pronta para retornar ao ritual de lamentação. Algo no entanto a impediu, o portal crepitou, ele sentia o sutil empurrão de sua magia, a conexão de sua alma com aquelas terras, o lugar estava pronto para recebê-la, cabia apenas a ela decidir se renegaria esse presente.

" Quando você estiver pronta."

Fasta sussurrou em seus ouvidos, dando a ela a força necessária. Com o apoio de sua loba e companheira de vida, ela então decidiu.

Estava na hora de renascer, consertar tudo aquilo que havia sido destruído, ela só se perguntava se ainda existia um lar ali, algo que pudesse ser consertado.

Consertar o que foi quebrado. 

Ela precisava, nem que por um instante sentir um pouco de esperança. Sentir que o peito doeria menos, que a culpa não iria consumi-lá. 

O primeiro passo para o novo tempo havia sido dado, no momento em que seus pés atravessaram a barreira de suas terras ela sentiu a conexão, da floresta, de cada ser que viveu ou que vive ali, da magia mas profunda e de todo o amor ali depositado.

Ela não queria ser para sempre uma alma solitária. 

Mas um passo, suas poucas vestes foram largadas em meio a neve, a relva de fios brancos foi enfeitada por uma coroa de prata em forma de lua crescente, que um dia já foi de sua mãe, emergiu em sua cabeça, assim como o colar do renascimento de seu pai e o seu próprio bracelete com seu nome gravado em runas, Moirai overthrow. 

De olhos fechados para sentir toda aquela carga em si depositada, ela ajoelhou-se. Nua sobre o luar ela fez seu rito de passagem.

" Deusas dessa terra

Escutem meu cantar

Broto do silêncio 

Para lhes/me encontrar.

Para lhes adorar.

 Natureza canta em mim

Sou a filha que escondeu 

Entre os galhos retorcidos 

que dançam para o astro rei

Lua cheia sangra em mim 

Pelas pernas toca o chão

Esse ventre que origina toda a criação."

Os olhos vermelhos se abriram para ver sua casa, as enormes ruínas do que um dia foi a sua morada. Abençoada pelos Deuses, protegida e acolhida, a filha amada retornava para casa depois de séculos distante.

"Então eu acho que tenho que ficar agora"

Moirai não podia mais fugir do seu destino, estava na hora de voltar.

Voltar para casa, onde sempre foi o seu lugar.

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