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Quando cheguei em casa, vi o carro do meu pai. Ao entrar, meus pais estavam na cozinha e, sim, mais uma vez estavam discutindo e por um milagre divino, o motivo não era eu. Em meio a tantas palavras e frases alteradas que ecoavam na casa comecei a ficar mais atenta:

— Não tenho escolha, Catarina. — ele tentou argumentar.

— É sempre assim Ricardo, você só pensa em você e na droga do seu trabalho! — ela estava furiosa — Se você quiser ir, vá! Estou cansada disso tudo. Principalmente desse fingimento. — Ela falava gritando. — Pelo menos tem alguma coisa boa nisso tudo — falou se sentando.

— O que tem de bom nisso, Catarina? — Questionou franzindo a testa. Provavelmente, ele já sabia a resposta.

— Vou me livrar desse relacionamento superficial e, de quebra, daquela demônia de filha! — o seu tom foi tão sórdido que feriu o resto de sentimento que sentia por ela.

Corroeu-me ouvir isso da minha mãe. Naquele momento, as lágrimas já tinham começado a cair involuntariamente.

— CALA A BOCA, CATARINA! Olha o que você está falando! Você não tem um pingo de amor por ela? Ela é a sua filha! — Meu pai estava quase partindo para cima dela, ele nunca fez isso.

— Não Ricardo, não tenho! — Ela dizia com rispidez — E você sabe que não é bem assim. — encarava-o e, sem querer, fiz barulho com a porta.

— Filha! Você está aí a quanto tempo? — Ela estava com aquele sorriso debochado que dava nojo de olhar.

Quantas decepções para um dia só! Não consegui responder. Saí correndo pela as escadas e fui para o banheiro do meu quarto, vomitei tudo o que tinha consumido hoje de tanto nojo que fiquei dela. 

Lavei meu rosto e tranquei a porta, deitei em minha cama em posição fetal sentindo as lágrimas embaçarem minha visão, então fechei meus olhos.  Um tempo depois tudo ficou em silêncio, tanto na casa quanto na minha cabeça. 

Peguei no sono e não sei por quanto tempo dormi até que bateram na porta do meu quarto. Despertei com o susto. Ainda não estava raciocinando direito, estava sonolenta e com dor no corpo.

 — Quem é? — Perguntei com a voz rouca.

— Papai querida, abre aqui. ‒ respondeu com aquela voz doce que só ele tem. Não tive escolha, levantei-me e abri.

 Ele estava com a sua roupa de trabalho, calça e blusa social. Entrou e sentou-se na minha cama. Estava com uma expressão estranha, sério, preocupado, triste. Não é para menos, ele não merece está assim. Durante uns dois minutos ficamos em silêncio até que ele resolveu falar.

— Filha, preciso que você seja compreensiva, você é a mais velha então vai ter que nos ajudar.

— Do que você está falando pai? ‒ Falei ainda sonolenta, com a mão no cabelo.

— Recebi uma proposta do principal hospital de Houston, Estados Unidos, e teremos que nos mudar para lá. 

Sim, ele falou desta forma, sem nem um preparo psicológico, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Eu comecei a rir, um riso de total nervoso, era tão ridículo e inacreditável. Ele me falava sério e rir foi minha única reação.

 — Não posso perder essa oportunidade, vai ser bom para todos ‒ complementou.

Sim, ele estava falando muito sério! Então a ficha começou a cair, fui desmanchando da boca a forma de risada e, depois, o sorriso. Parecia uma bomba aquilo que eu escutava. Pode parecer besteira, mas eu teria que me mudar, sem conhecer ninguém para outro país. 

O pior de tudo para mim é a minha insegurança e o medo que criei de tanto sofrer por ser negra, não sei como somos tratados lá. É inacreditável um ser humano estar se preocupando com isso, se vai ser bem aceito em um país por conta da pele.

— Não pai. Recuso-me a ir, eu acabei de realizar meu maior desejo: entrar para o grupo destaque de dança da cidade e da escola. Tem meu irmão, minhas amigas, tenho minha vida aqui e eu não sei falar inglês, quer dizer, até sei, mas não é o suficiente, por favor, pai. — Ele me olhava sério — O senhor sabe o que eu sofro por ser preta. Não quero ter que ir para outro país para passar por isso. O senhor assiste jornal e vê tudo que passamos sem fazer nada. Apenas por sermos pretos! ‒ Juntei as duas pernas e encostei minha cabeça, as lágrimas estavam começando a cair, limpei rapidamente antes que ele visse. Eu não choro na frente de ninguém! O choro para mim era sinônimo de fraqueza e eu detesto demonstrar fraqueza.

Ele sentou ao meu lado.

— Filha, vai ser bom para todos nós, lá vai ter a melhor escola de balé para você. Suas amigas vão poder te visitar quando elas quiserem. Você vai ter as melhores oportunidades lá. Não irei deixar faltar nada para ti e logo você se acostumará.

    É real.

 —Isso é golpe baixo, o senhor sabe a minha paixão pela dança! — a voz de choro começou a vir.

— Olha para mim, Maya Andrews. — eu olhei — Não vou deixar você sofrer nem um preconceito, está me ouvindo? Na primeira piada que soltarem, você me avisa, que nós resolvemos, okay? Não podemos perder oportunidades por medo. Eu te criei para ser forte e encarar tudo de cabeça erguida, não foi? — Concordei com um leve balançar com a cabeça — Infelizmente, isso sempre vai ocorrer meu amor mas saiba que eu nunca vou deixar você passar por isso sozinha.

    Respirei fundo.

— O meu irmão aceitou? ‒ Perguntei olhando para o espelho que estava em minha frente.

— Este é outro assunto que queria tratá com você, sua mãe e eu resolvemos nos divorciar.

— Pelo menos uma coisa boa, o senhor merece uma mulher que o ame de verdade. ‒ falei dando o meu melhor sorriso no momento ‒ É por minha causa?

— Lógico que não, querida! Você sabe que nosso relacionamento não estava mais fluindo e como surgiu essa oportunidade, resolvemos cada um seguir a sua vida e é por isso que você vai embora comigo.

Como assim “você vai embora comigo” e meu irmão? Isso estava rodando minha cabeça.

Naquele momento eu comecei a chorar, uma tristeza chegou e se apossou, eu não conseguia responder, apenas chorar. Foi quando entreguei meu corpo e minha alma para aquela doença.

                                          🌻

Já sabem: 

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                           Matheus Silva ❤

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